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Quarta-feira, 30 de Outubro de 1996 II Série - RC - Número 46
VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)
IV REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
Reunião de 29 de Outubro de 1996
S U M Á R I O
A reunião teve início às 10 horas e 25 minutos.
Procedeu-se à discussão dos artigos 168.º, 169.º, 170.º, 171.º, 173.º-A, 172.º, 175.º e da alínea e) do artigo 136.º constantes dos diversos projectos de revisão constitucional.
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente (Vital Moreira), os Srs. Deputados Luís Marques Guedes (PSD), Alberto Martins (PS), Luís Sá (PCP), Barbosa de Melo (PSD), Maria Eduarda Azevedo (PSD), Cláudio Monteiro (PS), José Magalhães (PS) e João Amaral (PCP).
O Sr. Presidente interrompeu a reunião às 12 horas e 25 minutos e declarou reabertos os trabalhos às 15 horas e 25 minutos.
O Sr. Presidente encerrou a reunião às 19 horas e 35 minutos.
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O Sr. Presidente (Vital Moreira): Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 10 horas e 25 minutos.
Srs. Deputados, há uma série de pedidos de audiência, pelo que gostaria que no final desta reunião abordássemos este assunto…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Sr. Presidente, desculpe-me interrompê-lo, mas quero pedir uma informação.
O Sr. Presidente: Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Sr. Presidente, há tempos discutiu-se no Plenário uma petição enviada pelos monárquicos ...
O Sr. Presidente: Tenho-a aqui.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Tem-na aí?!… É que eu fiz um apelo a V. Ex.ª para ouvir também os monárquicos.
O Sr. Presidente: Está aqui o pedido, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, como dizia, há vários pedidos de audiência, uns mais antigos outros mais recentes, como este do Sr. Deputado Barbosa de Melo, em nome dos peticionários, no sentido da abolição da alínea b) do artigo 288.º da Constituição e eu gostaria de convocar o grupo coordenador durante 5 ou 10 minutos para assentarmos sobre essas audiências.
Assim, proponho que o façamos hoje, entre as 12 horas e 30 minutos e as 12 horas e 40 minutos e para tal convoco os Srs. Deputados Luís Marques Guedes, João Amaral e Osvaldo de Castro, que não está cá.
Pausa.
Srs. Deputados vamos passar ao artigo 168.º, relativamente ao qual existe uma proposta de alteração à alínea i) do n.º 1, apresentada pelo CDS-PP e uma outra apresentada pelo PS.
Como não está cá nenhum Deputado do CDS-PP passamos à proposta do PS.
A actual alínea i) do artigo 168.º diz o seguinte: "Criação de impostos e sistema fiscal", sendo a proposta do PS no sentido de que passe a constar "Criação de impostos, sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas."
Recordo que no artigo 106.º, n.º 4, o PCP propôs uma reserva de lei em matéria de taxas e recordo ainda que a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo, aliás, tinha sugerido…
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sim.
O Sr. Presidente: - …, já agora que se fala em taxas, porque não falar das contribuições especiais. Realmente, talvez seja a altura de retomarmos essa discussão aqui.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins, para apresentar a proposta do PS para a alínea i) do artigo 168.º.
O Sr. Alberto Martins (PS): Sr. Presidente, a proposta explica-se por si: visa, em grande medida, alargar o elenco das matérias que são da competência exclusiva do Parlamento e, naturalmente, é uma extensão do regime geral da criação de impostos do sistema fiscal, que é já matéria da reserva da Assembleia, ao regime geral das taxas de mais contribuições financeiras a favor das entidades públicas, com o sentido de que o cidadão não pode ser objecto de um dever público sem que isso seja fixado em termos da matriz definida por lei da Assembleia da República.
O sentido essencial da nossa proposta de alteração é esse.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados está à discussão.
Pausa.
Tem a palavra, Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, é para dizer que estamos de acordo com a proposta apresentada pelo Partido Socialista.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, como recordou agora, aquando da discussão do artigo 106.º, a propósito de uma proposta do PCP, o PSD teve a ocasião de manifestar a sua receptividade, não em sede do artigo 106.º mas, porventura, para equacionar ou no artigo 106.º ou, com mais propriedade, no artigo 168.º, numa outra formulação, como o Sr. Presidente agora aqui recordou.
Essa receptividade mantém-se por parte do PSD e o artigo 168.º parece-nos, de facto, uma localização bastante mais correcta, porque, de facto, taxas não são impostos e no artigo do sistema fiscal isso não ficaria bem.
Agora, o ideal seria encontrar a formulação que fosse a mais adequada. Confesso que não sou um perito na matéria e que a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo está, com certeza mais, habilitada em termos técnico-jurídicos para encontrar uma formulação adequada, mas a receptividade do PSD relativamente a esta matéria mantém-se.
O Sr. Presidente: Tem a palavra Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): Sr. Presidente, sem querer suscitar aqui aquela velha questão entre receitas tributárias e impostos, que opõe os fiscalistas, penso que poderíamos talvez avançar para uma redacção de criação de receitas tributárias onde tudo cabe, ou seja, onde cabem os impostos, as taxas, as contribuições especiais e estas outras contribuições financeiras, desde que tenham a natureza tributária.
Penso que isso é mais abrangente e que fica uma redacção mais linear. O que poderemos ter, eventualmente, é aquela velha polémica dos fiscalistas, entre receitas tributárias, se se resumem aos impostos ou não. Eu, pessoalmente,
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penso que não, e é por isso que estou a avançar com esta tese.
O Sr. Presidente: Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo, permita-me uma observação: o PS quer aparentemente distinguir, por um lado, a criação de impostos, no sentido que eles têm constitucionalmente, isto é, que deve ser a lei da Assembleia a criar o imposto, a fixar a taxa e a definir todo o regime dos regulamentos essenciais, e, por outro lado, em relação às taxas e às chamadas contribuições especiais ou parafiscais, a reserva da Assembleia da República seria apenas reserva do regime geral, isto é, eventualmente o regime de competência de criação num quadro geral e não propriamente a criação de cada taxa ou de cada contribuição especial.
Portanto, a sugestão da Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo, de criação de...
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): De impostos e mais receitas tributárias.
O Sr. Presidente: Seria exagerado, porque não se trata de dar à Assembleia competência para criar também as demais contribuições financeiras. Portanto, havia que estabelecer um regime entre o que está bem agora para os impostos e o que se pretende acrescentar, que não é igual, que é apenas a definição do quadro geral, porque, inclusivamente, os municípios, as regiões autónomas e os vários serviços públicos têm o direito de criar taxas.
Por outro lado, as contribuições financeiras, chamadas contribuições especiais ou impostos parafiscais, são hoje criados, em geral, pelo governo e a ideia era a de que isso poderia continuar a ser assim, simplesmente na base de uma lei-quadro que a Assembleia da República ou que o governo, por delegação, poderia fazer.
Portanto, salvo melhor opinião, penso que a proposta do PS é a correcta.
Nesta base, poderíamos só prestar ...
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Sr. Presidente, o texto é que está muito prolixo. Não sei se não poderíamos simplificar isto. Sem prejuízo de "obras" na formulação, a ideia parece-me correcta.
O Sr. Presidente: "Criação de impostos e sistema fiscal bem como regime geral (…)"
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Esta ideia do regime geral é fundamental, de facto,...
O Sr. Presidente: Regime geral é a forma que está no artigo 168.º e em vários outros sítios. Corresponde à lexicologia do artigo 168.º e, portanto, é congruente. "Regime geral" aparece na alínea e), aparece na alínea d) e aparece em vários lados com esse sentido de regime-quadro, comum às várias espécies. Portanto, aqui creio que está de acordo.
A expressão "contribuições financeiras" foi aquela que se encontrou para ser mais neutra, para não se falar em contribuições especiais, em contribuições parafiscais, que é aquilo a que a doutrina normalmente se refere: são as chamadas taxas dos antigos institutos de coordenação económica, as actuais chamadas taxas das comissões vitivinícolas regionais ou seja, toda uma série de contribuições financeiras que não são taxas em sentido técnico mas que são contribuições criadas para e a favor de determinadas entidades reguladoras e para sustentar financeiramente as mesmas.
Penso que não devemos entrar nesta discussão teórica e por isso a escolha da expressão "contribuições financeiras" foi aquela que se encontrou mais neutra para que a doutrina continue livre para fazer as suas discussões teóricas doutrinárias.
O Sr. José Magalhães (PS): É só uma questão de saber se qualquer liberalidade não acaba por cair dentro do conceito de contribuições financeiras, embora, obviamente a interpretação seja inserida no contexto…
O Sr. Presidente: É, no contexto tributário, de maneira que não cabem aqui as doações.
Risos.
Srs. Deputados, sem prejuízo da precisão na formulação, ficaria adquirido este acréscimo.
Para a alínea m)…
O Sr. João Amaral (PCP): Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. João Amaral (PCP): Sr. Presidente, em relação à alínea i) há uma proposta do CDS-PP...
O Sr. Presidente: Sr. Deputado, eu não a assumi, mas se o Sr. Deputado João Amaral quiser assumi-la para efeitos de discussão!…
Risos.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD):- Trata da questão da União Europeia, penso eu, mas creio que podemos considerá-la prejudicada, dada a ausência do partido proponente.
O Sr. Presidente: - Tem sido essa a lógica, Sr. Deputado. Quando os proponentes não estão cá, se houver alguém, a começar por mim, que resolva assumi-las para efeitos de discussão, muito bem; se não houver, passa-se à frente.
Como neste caso nem eu nem nenhum outro Deputado a assumiu para efeitos de discussão, fica prejudicada. Aliás, penso que o CDS-PP não deve ter prémio pelo seu alheamento, que esta deve ter a consequência natural do seu alheamento!… Não quer fazer discutir as suas propostas.
Vamos passar à alínea j), para a qual existe uma proposta do PSD, propondo que onde se diz "Definição dos sectores de propriedade dos meios de produção, incluindo a dos sectores básicos nos quais é vedada a actividade às empresas (…)" a norma seja encurtada, retirando a frase "(…) dos sectores de propriedade dos meios de produção, incluindo a (…)".
Assim, a alínea i) passava a ter a redacção seguinte: "Definição dos sectores básicos nos quais é vedada actividade
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às empresas privadas e outras entidades da mesma natureza;".
Não sei isto não está prejudicado, dado que nos sectores de propriedade o PSD propôs a eliminação do artigo, mas essa proposta não foi para a frente. Logo, em princípio, esta proposta para a alínea i) está prejudicada. Não é assim, Sr. Deputado Luís Marques Guedes?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, a alteração proposta pelo PSD não é propriamente uma alteração de substância; ela inscreve-se na ordem de alterações que o PSD chama, na sua exposição de motivos deste projecto lei, a limpeza semântica.
Portanto, trata-se apenas não de alterar substantivamente o que está neste artigo mas de fazer uma clarificação, uma vez que, de facto, não há nenhuma lei a definir sectores de propriedade dos meios de produção; o que há é uma lei de delimitação de sectores, onde são definidos os sectores básicos aos quais é vedada a actividade privada. É apenas este o contexto útil da proposta do PSD.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, está à discussão, uma vez que os proponentes entenderam que não está prejudicada.
Tem a palavra, Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, isto é simplicíssimo: mesmo que não haja, pode haver.
O problema que aqui se regula é o saber de quem é a competência e o que se define no artigo é que essa é uma competência relativa da Assembleia. Tão-só Sr. Presidente!…
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): Sr. Deputado, é no mesmo sentido. Quem pode o mais pode o menos e vamos manter poder o mais.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, não há acolhimento para alterar a alínea i).
Assim, vamos passar à alínea m), para a qual existe também uma proposta do PSD no seguinte sentido: que, onde se diz "Sistema de planeamento e composição do Conselho Económico e Social;", passe a dizer-se apenas "Composição do Conselho Económico e Social;".
Têm a palavra os proponentes para justificar a proposta eliminação da referência ao "sistema de planeamento".
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, a proposta do PSD nesta matéria inscreve-se no facto de nunca termos entendido muito bem o que se pretende nesta alínea da Constituição com "sistema de planeamento"; se a ideia é a existência de alguma lei-quadro ou de alguma lei de bases sobre o planeamento, que é uma matéria que, de facto, não tem uma tradução prática evidente.
Toda a matéria sobre o plano e o planeamento está regulada na Constituição em capítulo próprio, onde, obviamente, ficam perfeitamente clarificadas as competências próprias da Assembleia sobre esta matéria e como o Sr. Presidente sabe e os Srs. Deputados se recordam, quando discutimos esse capítulo, houve propostas genéricas de reformulação que ficaram de serem reequacionadas e reflectidas para uma segunda fase deste processo de revisão.
Em qualquer circunstância, a proposta do PSD era apenas no sentido de retirar daqui a referência ao sistema de planeamento, por lhe parecer, uma vez que estamos em termos de competências legislativas, que não faz sentido falar-se de uma lei-quadro do sistema de planeamento, quer dizer, essa lei-quadro faz sentido, na filosofia que o PSD - e reporto-me a quando, atrás, discutimos o nosso projecto a propósito do capítulo do planeamento - pretende retirar da Constituição e que é a de que existe uma lógica estruturante de planificação da economia, lógica essa que pressupõe, estruturalmente, a existência encadeada de um sistema de planeamento, com planos anuais, planos plurianuais, planos sectoriais, planos regionais e por aí fora.
Na nova perspectiva proposta pelo PSD, que ficou de ser reflectida, não nos parece que faça sentido a existência de uma lei-quadro ou de uma lei de bases do sistema de planeamento. No ponto de vista do PSD, como na altura tivemos a ocasião de aqui expor, os planos desenvolvem-se numa perspectiva de planeamento para o desenvolvimento e, nesse sentido, não nos parece lógica a existência de uma lei-quadro ou de uma lei de bases do sistema de planeamento, porque ele, enquanto tal, deixa de existir do nosso ponto de vista, ou deveria deixar de existir!
A existência de uma competência, de uma actividade de planeamento é, do nosso ponto de vista, significativamente diferente da existência de uma lógica de um sistema de planeamento aprovado numa lei-quadro, que pressuporia, naturalmente, uma lógica estruturante de economia planificada.
Genericamente, o contexto da proposta do PSD é o de reconduzir esta alínea m) à matéria que tem que ver com o Conselho Económico e Social, relativamente à qual, obviamente, não temos qualquer proposta de alteração a fazer.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, a proposta está à discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, o Conselho Económico e Social consta do Título II da Parte II da Constituição, chamado "Planos". O que esta alínea faz é dizer quem é competente para regular o enquadramento dos planos e do Conselho Económico e Social, com perfeita coerência. De resto, o quadro em que a existência destes planos aparece está tutelado pela norma dos limites materiais da revisão, pelo que creio não haver razão alguma para alterar esta reserva, esta simples atribuição - que não altera nada do regime material - de competência da Assembleia para, com a possibilidade de delegar no Governo através de autorização legislativa, ser ela a regular o enquadramento dos planos, porque isto não altera os planos no capítulo respectivo.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): Sr. Presidente, creio que na discussão tida sobre esta matéria no Título II e na
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questão da organização dos planos já ficou clara a posição do PS e as suas propostas até de ajustamento. Aqui do que se trata não é de pôr em causa o sistema de planeamento, ao qual não só demos o nosso apoio como manifestámos a importância da sua manutenção na Constituição, trata-se apenas da referência a uma competência legislativa que, naturalmente, pensamos dever manter-se como reserva relativa da Assembleia da República.
Portanto, não vemos qualquer razão para haver alteração deste ponto, o que, aliás, é uma decorrência das posições que tomámos anteriormente.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, não há abertura para considerar esta proposta.
Assim, vamos passar à alínea n), relativamente à qual existe uma proposta do PSD para eliminar a sua segunda parte.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, quero só deixar uma nota. Aquilo que acabou de ser dito pelo Sr. Deputado Alberto Martins não foi o entendimento linear com que o PSD ficou quando discutimos a parte relativa à organização económica.
A propósito dessa discussão, que, penso, foi bastante aprofundada e longa - o Sr. Presidente recordar-se-á -, a ideia com que ficámos é que havia uma abertura por parte do Partido Socialista para reflectir e ponderar a lógica planeadora da economia que resulta actualmente do texto constitucional para ver se era possível retirá-la, sendo certo que isso nunca chegaria ao ponto de retirar a actividade de planeamento da Constituição. A proposta do PSD era no sentido de que essa actividade de planeamento na Constituição fosse reconduzida a uma lógica de planos de desenvolvimento e não a uma lógica estruturante da organização económica.
A nota que quero deixar é a seguinte: da intervenção feita agora pelo Sr. Deputado Alberto Martins pareceu-me, não sei se por erro meu, que havia uma posição ligeiramente diferente por parte do PS relativa à abertura para reflexão que tinha sido deixada no ar pelo próprio PS aquando da discussão anterior sobre esta matéria. Nesse sentido, quero que fique registado em acta que o PSD, a ser verdade, estranha essa alteração de posição, porque, de facto, da discussão que tivemos na altura ficou mais ou menos claro que o PS manifestava abertura para reequacionar a perspectiva de alterar a lógica de planificação da economia enquanto elemento estruturante da organização económica do Estado. Por isso, quando agora ouvimos dizer que o PS entende que a lógica do sistema de planeamento deve ficar na Constituição, de algum modo pensamos que isso pode conflitar com o objectivo e a orientação da discussão que tivemos atrás.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): Sr. Deputado Luís Marques Guedes, creio que não há contradição com o que ficou dito atrás, no sentido em que o Partido Socialista manifestou disponibilidade para equacionar toda a matéria respeitante ao conteúdo dos planos e, aliás, fez propostas nesse sentido.
Aqui a matéria é diversa e do que se trata é da competência da Assembleia da República, que é uma questão absolutamente distinta da anterior. Equacionar o papel dos planos, a sua componente, o seu conteúdo, é uma questão diversa da aqui ora tratada, que é a da competência para o sistema de planeamentos da Assembleia da República, e não quanto ao conteúdo desses planos. Aliás, como sabe e tem presente - não participei directamente nessa discussão -, temos propostas alternativas e artigos de alteração ao próprio conteúdo dos planos tal como estão inscritos hoje na Constituição.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, sem procurar prolongar a discussão, penso que o que faz espécie ao PSD é a ideia de sistema de planeamento. Encara o PSD como satisfatório, e o PS com alguma abertura, substituir a expressão "sistema de planeamento" por "regime dos planos económicos e sociais"?
O Sr. Alberto Martins (PS): Sim, Sr. Presidente.
A questão do sistema não é fechada em termos terminológicos, a ideia é o regime geral, que, aliás, está contido no artigo. Portanto, pensamos que é aceitável a substituição da expressão por "regime geral" ou "bases gerais".
O Sr. Presidente: Sr. Deputado João Amaral, encara também esta hipótese?
O Sr. João Amaral (PCP): - Não tenho uma oposição de princípio a essa alteração, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, penso que, em princípio, podemos considerar haver abertura para a seguinte fórmula: em vez de "sistema de planeamento" utilizar-se-ia a expressão "regime dos planos económicos e sociais".
Srs. Deputados, vamos passar à alínea n), para a qual existe também uma proposta do PSD que consiste na eliminação da sua segunda parte. Onde a actual alínea diz "Bases da política agrícola, incluindo a fixação dos limites máximos e mínimos das unidades de exploração agrícola privadas" o PSD propõe que passe a dizer apenas "Bases da política agrícola".
Têm a palavra os proponentes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, penso que a supressão desta parte final da alínea tem que ver com a realidade actual, em que, claramente, está já extinto o processo histórico, pós-revolucionário, da chamada "reforma agrária" - aliás, era mesmo esta a denominação que a própria Constituição da República conferia a todo o processo.
Assim sendo, o actual texto constitucional, na parte onde se infere a necessidade de uma fixação de limites à propriedade agrícola, está hoje em dia perfeitamente ultrapassado; não é uma realidade da política agrícola, é, sim, um resquício da Constituição tal como inicialmente foi elaborada.
Do nosso ponto de vista, hoje não faz sentido continuar a Constituição, de uma forma como esta, a deixar a ideia clara - porque é aquilo que se lê claramente da parte final do preceito - que existem limites máximos e
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mínimos à exploração agrícola privada. Não é essa a concepção que temos e que vigora hoje em dia nem do direito de propriedade, nem da política agrícola.
Nesse sentido, parece-nos evidente a necessidade de retirar da Constituição da República esta referência que, à semelhança de outras menções constitucionais já referidas pelo PSD a propósito de outros artigos, continua a ser uma formulação que caustica de uma forma quase pejorativa a propriedade privada, neste caso a propriedade privada de explorações agrícolas, no sentido de obrigar a legislação e o legislador a prever limitações expressas, em termos de máximos e mínimos, à propriedade agrícola privada.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, deixem-me fazer uma pergunta. Estamos a tratar da reserva de competências, não estamos a tratar do regime material da exploração agrícola.
Assim, trata-se de saber o seguinte: a Constituição hoje admite ou não que a lei estabeleça mínimos, que, aliás, existem, e máximos, que, aliás, deviam existir? É ou não possível que a lei o faça? Sendo possível, admitem que isso continue, ou não, a ser reserva de competência legislativa da Assembleia da República?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Posso responder, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, em primeiro lugar, é evidente que uma matéria como esta tem de estar na lei. Do nosso ponto de vista, não tem que ter, em nenhuma perspectiva, uma conversão constitucional.
Para além disso, coloca-se o problema, já aqui citado várias vezes pelo PSD a propósito de matérias da Constituição como esta, que são claras continuações ou resquícios de textos constitucionais anteriores, da estigmatização feita à propriedade privada. Se o problema, como o Sr. Presidente o equaciona, pode existir em termos de legislação, sempre ordinária, em qualquer circunstância, do que deveria falar-se aqui era da fixação de limites máximos e mínimos das unidades de exploração agrícola, ponto final. Nunca por nunca fazer uma estigmatização, como aquela que é aqui feita e que decorre - todos o sabemos e, por isso não vale a pena iludirmos a questão! - de uma lógica de elaboração da Constituição como ela estava anteriormente.
A resposta que eu daria à questão que o Sr. Presidente colocou é a seguinte: se houver necessidade que o PSD… Aliás, sinceramente, entendo que não existe essa necessidade, porque quando se fala em bases da política agrícola é evidente que aqui se engloba, como se englobará, por exemplo, em termos de política industrial ou de política comercial, determinado tipo de requisitos para a abertura de estabelecimentos ou para a criação de actividades económicas em determinadas áreas...
Sempre se poderá, relativamente a todas as áreas de actividade económica, colocar o problema de haver determinadas delimitações em termos legais. Isto é normal num Estado de direito, mas não é isso o que está aqui em causa.
Assim, o PSD propõe que se deixe a expressão "Bases da política agrícola", como é evidente, onde essa como outras circunstâncias podem ficar perfeitamente, porém no que se refere à estigmatização que aqui se faz à propriedade privada, como enunciei na minha intervenção inicial, é proposta do PSD que desapareça da Constituição, à semelhança do que já propusemos para outro tipo de artigos.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Deputado, posso perceber a sua argumentação no que respeita à especificação de que se trata apenas da propriedade privada e até posso perceber alguma da sua preocupação quanto à ideia da fixação dos limites máximos. Porém, quero chamar a atenção para o facto de esta norma não ser tributária única e exclusivamente da reforma agrária nem do período pós-revolucionário, pois a fixação de uma unidade mínima de cultura vem do Estado Novo, para a qual, aliás, remete expressamente o Código Civil, e tem que ver com preocupações de emparcelamento agrário, incluindo preocupações como as de evitar que o emparcelamento agrário seja um instrumento para fugir à proibição de emparcelamento para fins urbanos.
Essa fixação de unidade mínima de cultura prevista na lei e que é estabelecida por portaria, de acordo com o regime legal, que tal permite - aliás, discutivelmente, do ponto de vista constitucional, tendo em conta até o próprio conteúdo desta norma -, não tem, apesar de tudo, a estigmatização que lhe imputa.
Percebo que a carga ideológica possa ter estado presente na redacção do preceito e, na minha perspectiva, admito que faça sentido a eliminação da referência à propriedade privada, porque o que interessa é que a lei fixe, de facto, o estabelecimento de uma unidade mínima de agricultura, independentemente da propriedade ser privada ou pública, sendo certo que, provavelmente, na esmagadora maioria será privada e, portanto, o efeito útil, no essencial, será o mesmo.
Até posso admitir algumas dúvidas quanto à necessidade da fixação de um limite máximo, embora isso não me pareça extremamente preocupante, a menos que por essa via se pretendesse, o que tem que ver com o conteúdo material da norma e não já com a norma de competência, por alguma forma, impor uma qualquer restrição desproporcionada à propriedade privada. Como disse, isto já teria que ver com o conteúdo da norma, não propriamente com a norma de competência, que é aquilo que está aqui em causa.
Não me parece errado manter-se a norma de competência, eventualmente eliminando a referência à propriedade privada, até porque isto funciona como uma garantia e não como um ataque à propriedade privada. Funciona como uma garantia, no sentido em que impede que designadamente por via regulamentar possa obter-se o mesmo efeito.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): * Sr. Presidente, revejo-me em grande medida nas palavras que sobre este ponto
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o meu colega Deputado Cláudio Monteiro acabou de proferir. Trata-se de uma norma de competência...
O Sr. João Amaral (PCP): * Uma norma?
O Sr. Alberto Martins (PS): * Trata-se de uma norma de competência atribuída à Assembleia da República, sendo que, naturalmente, a forma como vai ser legislado o assunto em termos de lei ordinária não prejudica que as bases da política agrícola possam incluir, em termos da competência da Assembleia, a fixação de limites máximos e mínimos.
A ideia da propriedade privada lida como uma estigmatização não é o objectivo desta norma, naturalmente. Como foi dito, trata-se de uma norma que visa, no caso do limite mínimo, o combate ao emparcelamento excessivo da propriedade rural e, portanto, historicamente é muito anterior à Constituição da República enquanto norma do Direito comum.
Por isso, sem prejuízo de apuramento deste conteúdo, quanto à ideia de poder ser retirada a referência aos limites mínimos e máximos para a propriedade privada, admitindo dizer respeito à pública e à privada sem essa discriminação, não vemos que isso ponha em causa o conteúdo essencial deste artigo, que consideramos dever ser mantido.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): * Sr. Presidente, gostaria de pensar um pouco mais na solução, mas, de qualquer forma, não poderia deixar de sublinhar, desde já, o seguinte: será sempre útil realçar que esta alteração confirma a necessidade de estabelecer limites máximos e mínimos para a propriedade. Suscitando com esta alteração essa confirmação, o PSD dá assim, aparentemente, uma contribuição muito interessante para os objectivos constitucionais da política agrícola.
De qualquer forma, Sr. Presidente, gostaria de pensar melhor, porque às vezes posso estar enganado.
Risos.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Presidente, a Constituição prevê uma política de reconversão agrária quanto à pequena e à grande propriedade - aliás, isso já está referido na parte relacionada com a política económica.
Quanto a este ponto têm razão o Sr. Deputado Luís Marques Guedes e o PSD, do meu ponto de vista, quando vêem aqui uma discriminação em relação à propriedade privada. No fundo, o que se diz nesta alínea é que as unidades de exploração agrícola públicas são sempre boas - a agricultura burocratizada está sempre certa - enquanto que a agricultura privada ou privatizada tem de ter limites ou para mais ou para menos. É o que está aqui! Ora, isto é uma entorse, que tem vindo a ser recuperada, à filosofia política que se inscreveu numa parte da Constituição na sua versão originária.
É este passo que se quer dar aqui! Se tirarmos a referência à propriedade particular já se dá um grande passo; limpa-se uma certa herança que está aqui a mais!
O Sr. Alberto Martins (PS): * Sr. Presidente, dá-me a palavra?
O Sr. Presidente: * Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Alberto Martins (PS): * Sr. Presidente, pela nossa parte há disponibilidade para retirar aquilo que é visto como estigma, que não é o objectivo do texto constitucional, na nossa leitura, ou seja, para retirar a palavra "privada".
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Mas uma coisa é eliminar a referência à propriedade privada e outra coisa é eliminar a norma de competência para a fixação dos limites! São dois problemas distintos.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados do PSD, face a esta abertura do PS para encarar a possibilidade de retirar a palavra "privada", o que têm a dizer?
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): * Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: * Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): * Sr. Presidente, sem querer estar a retirar à discussão a noção superestrutural em que ela se encontra, mas vindo ao sector primário em que nos encontramos, concretamente ao falar da política agrícola, penso que deve ser competência da Assembleia em termos de reserva relativa a questão do emparcelamento. Essa é a questão fundamental da actividade agrícola.
Quando temos microfúndios, minifúndios e latifúndios e a nossa agricultura tem falta de produção, de produtividade e de competitividade, o que está em causa é o emparcelamento, não é estabelecer mínimos e máximos: é ir directamente ao assunto, ou seja, ao emparcelamento, e é aí a nossa falha!
Pessoalmente, afigura-se-me que a base da política agrícola ainda podia eventualmente discutir-se, mas a segunda parte, sem sombra de dúvidas, em minha opinião, devia ser pôr a tónica na questão do emparcelamento das unidades de exploração agrícola, não propriamente nos mínimos e máximos, isto quer em termos da política agrícola nacional, quer, inclusive, da sua inserção em termos da Política Agrícola Comum, que importa ter presente.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, em resposta directa à questão que me colocou, para além daquilo que já ficou dito, quer agora pela Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo quer pelo Sr. Deputado Barbosa de Melo, eu reitero o que disse e lembro ao PS um aspecto - e, sinceramente, é preciso, de uma forma descomplexada, abandonarmos aqui determinado tipo de fantasmas - que é o seguinte: de facto, não é a mesma coisa porque,
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se reparemos nos artigos 97.º e 98.º da Constituição da República, utilizando o termo "redimensionamento", o que se refere (e que a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo acabou agora de frisar) expressamente é que "O redimensionamento das unidades de exploração agrícola que tenham dimensão excessiva do ponto de vista dos objectivos da política agrícola [lá está! O que faz sentido é falar na competência para a definição das bases da política agrícola] será regulado por lei (…)", que depois pode ou não prever expropriação e por aí fora!…
Ora, o que se diz na alínea n) do artigo 168.º é diferente: diz-se que a lei fixa limites máximos e mínimos das unidades de exploração agrícola, independentemente da questão das explorações privadas, que damos por ultrapassada, porque quanto a isso o PS já reflectiu no sentido de dar abertura à sua retirada. Mesmo o facto de falar-se aqui na fixação de limites máximos e mínimos, de certa forma - parece-me evidente -, é algo diverso daquilo que consta dos artigos 97.º e 98.º, em que a Constituição fala a propósito da política agrícola em objectivos de redimensionamento, que passarão, obviamente, por uma apreciação necessariamente flexível, em cada momento, da política agrícola e da definição das bases da mesma. As políticas de redimensionamento (leia-se de emparcelamento ou de parcelamento) terão de ser ajustadas a par e passo de acordo com isso.
Portanto, do nosso ponto de vista, não faz qualquer sentido haver uma previsão constitucional rígida impondo a definição de limites máximos e mínimos. É uma lógica perfeitamente descabida - perdoem-me a expressão! - daquilo que é a política que, de resto, decorre dos artigos próprios, onde se fala de uma perspectiva de redimensionamento, que terá de ser aferida em cada momento pelo legislador ordinário, como é evidente.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): * Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, creio que não há qualquer menor congruência entre o disposto na alínea n) do artigo 168.º e o disposto no artigo 98.º, aliás, vejo-os e leio-os em conexão. No artigo 168.º há uma norma de competência no sentido de caber à Assembleia a definição das bases gerais, atrás, no artigo 98.º, há uma definição do tratamento destas matérias por lei. Naturalmente, é diverso a fixação das bases gerais pela Assembleia e a competência atribuída à lei, que, naturalmente, será uma norma dependente do enquadramento das bases gerais.
Se lermos esta alínea à luz do artigo 98.º, sem prejuízo de futuramente encontrarmos uma fórmula mais escorreita de coordenação, tudo será compreensível, porque tenho para mim como seguro que a questão do emparcelamento não pode ser dissociável da fixação de limites máximos e mínimos - pelo menos é uma componente importante de toda uma política de emparcelamento.
Por isso, se lermos esta alínea, eventualmente abrindo um espaço para uma formulação mais precisa, sem o ser no sentido de estigmatização da exploração agrícola privada e sem o ser dissociada do disposto no artigo 98.º, podemos, eventualmente, até encontrar uma formulação mais precisa em momento posterior.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Presidente, gostaria de pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado Alberto Martins.
A questão, do ponto de vista interpretativo, é esta: na proposta que o PSD faz fica incluída na reserva legislativa relativa da Assembleia da República a definição das bases da política agrícola. E o que é a política agrícola? - perguntar-se-á o intérprete. Vai ao artigo 96.º, que diz que a política agrícola tem determinados objectivos e, depois, prossegue no artigo 97.º, onde se refere que esta matéria é regulada por lei (aliás, diz-se algures "será regulado por lei"), tratando-se da lei parlamentar propriamente dita, ou seja, cabe à Assembleia da República fazê-lo.
Ora, se tirarmos desta norma de competência a ideia de que se quer menosprezar a propriedade privada ela fica perfeitamente clara. Tudo o que está referido nos artigos 96.º e 97.º pertence à reserva da Assembleia da República. É isto que diz a nossa proposta. Ou não será assim?
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): * Sr. Presidente, Sr. Deputado Barbosa de Melo, penso que há um nexo de congruência entre o que propomos com esta abertura, ou seja, retirar a expressão "exploração agrícola privada", com o exposto, ínsito, nos artigos 96.º, 97.º e 98.º. Portanto, não há aqui nenhuma incoerência, a nosso ver, a partir do momento em que abrimos a hipótese de retirar a expressão "exploração agrícola privada".
Assim, nesse sentido, estamos abertos, sem abrir mão da proposta e do disposto no texto constitucional, a reconsiderar uma reformulação desta alínea, sem pôr em causa - e penso que o não é - o seu sentido actual tal como se encontra expresso, sem prejuízo desta não estigmatização da propriedade privada, pois não é esse o nosso objectivo.
O Sr. Presidente: * Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado João Amaral quero chamar a atenção para o seguinte aspecto: no artigo 168.º estamos apenas a tratar de saber o que é matéria de reserva da Assembleia da República, ou seja quais são as matérias sobre as quais o Governo não pode legislar sem autorização da Assembleia da República e as matérias sobre as quais as regiões autónomas não podem legislar. Não estamos a tratar de mais nada.
Portanto, a meu ver, alguma da argumentação aqui produzida não tem que ver com isto, tem que ver com o fundo, ora, o fundo está noutro lado!… Sendo pela mesma faculdade constitucional a lei a estabelecer os limites máximos e mínimos, o que o artigo 168.º diz é que, havendo-os, eles são da competência reservada à Assembleia e não do Governo. É só isto! Não compreendo, sinceramente, a insistência do PSD.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): * Sr. Presidente, deixa-me com alguma dificuldade porque, de alguma forma, essa sua
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intervenção constitui um apelo para que não entre no fundo da questão, mas outros entraram.
Eu querendo entrar nesse tipo de discussão apenas quero dizer que, historicamente, o estabelecimento de limites mínimos e máximos à propriedade não é um timbre ou um apanágio de uma postura esquerdista, esquerdizante ou sequer de esquerda. Foram princípios introduzidos ao longo da História, em numerosas situações, por considerações que têm que ver, em primeiro lugar, com a natureza da terra como meio de produção e, em segundo lugar, com a própria estrutura social que decorre da propriedade da terra.
Portanto, isso foi feito em numerosos sítios, tendo objectivos aqui enunciados, por exemplo, o aumento da produção agrícola, o bem-estar dos agricultores, etc. De alguma maneira, estamos aqui a mitificar e a criar um mito em torno desta questão, que não existe seguramente.
Entrando, agora, no fundo da questão - e creio que o problema está exemplarmente bem posto na intervenção do Sr. Presidente - deixo ainda mais uma nota, que é a seguinte: o que aqui está são os limites para a propriedade privada, não os limites para a propriedade pública, mas temos de ver exactamente em que termos vamos colocar na norma que confere competência, ou seja temos de ver o que queremos dizer com essa alteração, porque, numa certa altura, estamos já a legislar em sentido material!
Finalmente, pergunto: embora não considere isso uma coisa muito importante, o que significa dizer que o Estado tem um limite de propriedade?! É preciso ver exactamente o que isso quer dizer, porque o Estado...
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Não é dizer "público" e "privado"; é eliminar a referência a "privadas" e falar apenas em unidades de exploração agrícola.
O Sr. João Amaral (PCP): * O problema que estou a equacionar é o de saber o que significa o Estado dizer de si mesmo que tem limites em relação à propriedade! Por exemplo, o Vale do Jamor é propriedade do Estado, é propriedade pública!… A serra de Monsanto…
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, estamos a falar das unidades de agricultura!
O Sr. Alberto Martins (PS): * Estamos a falar de explorações agrícolas!
O Sr. João Amaral (PCP): * A serra de Monsanto é um parque florestal!
O Sr. Presidente: * Sim, mas não é uma exploração, é um parque!
Srs. Deputados, o estado da questão é o seguinte: o PSD propôs a eliminação da segunda parte da alínea, proposta que não tem o acolhimento nem do PS nem do PCP. O PS manifestou abertura quanto a eliminar o qualificativo "privadas". Se o PSD quiser agarrar esta abertura, pode fazê-lo; se quiser fazê-lo já, ficávamos assentes na questão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, quero só lembrar que nesta fase não há compromissos por parte dos grupos parlamentares. Já deixei claro que, obviamente, retirar a palavra "privadas" será sempre um ganho - isso está fora de causa -, mas parece-me que o PS devia reflectir sobre se faz sentido falar-se aqui…
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, não vamos insistir numa questão que já foi três vezes discutida, até porque o PSD, para já, não está disponível para reflectir mais do que aquilo que já reflectiu.
Passamos para a alínea r), que, em princípio, passará com outra redacção para o artigo 167.º. Portanto, ficou mais ou menos acordado que a alínea r), "Regime dos serviços de informações e do segredo de Estado", passaria para o artigo 167.º. Caso essa proposta seja efectivamente concretizada, como está neste momento em perspectiva, a alínea r) desapareceria deste artigo, mas não é essa a questão.
Srs. Deputados, vamos passar à alínea t) "Participação das organizações de moradores no exercício do poder local", relativamente à qual existe uma proposta de eliminação do PSD.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes para justificar a proposta de eliminação.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, a justificação é clara. O PSD propõe, mais à frente, a eliminação de todos os artigos da Constituição referentes às organizações de moradores. De facto, as organizações de moradores ...
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Luís Marques Guedes, para não entrarmos aqui no fundo da questão o melhor é adiarmos e darmos, para já, como desnecessário esse debate. Discutiremos o fundo da questão na altura própria; se a referência for eliminada nessa sede voltaremos aqui.
Srs. Deputados, vamos para a alínea v), relativamente à qual existe uma proposta do PS, que propõe acrescentar a, onde se diz "Bases do regime e âmbito da função pública", a expressão "Bases da organização da Administração Pública".
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): * Sr. Presidente, na lógica das propostas anteriormente apresentadas sobre este ponto, esta proposta corresponde a um alargamento do elenco de matérias em que a actuação da Assembleia deve ser articulada de forma mais precisa, no sentido de ter uma competência de reserva relativa em relação a certas matérias.
Tendo em conta as razões que implicavam que o regime e âmbito da função pública fosse tratado pela Assembleia, por maioria de razão a Assembleia deve ter competências para definir as bases gerais do regime de organização da Administração Pública. Trata-se de um mais, que se compreende, em termos de definir regras matriciais de organização do poder político, que deverá caber como norma de competência à Assembleia da República.
A lógica inclui-se no disposto neste artigo, dando-lhe uma maior abrangência e uma contextualização mais precisa, na medida em que não faz sentido ter-se competência para definir o regime e o âmbito da função pública mas não as grandes linhas organizadoras da Administração Pública.
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O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, a proposta está à discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero fazer uma pergunta ao PS, pois devo dizer que esta proposta tem-nos deixado, desde que a lemos pela primeira vez, bastante perplexos quanto ao seu objectivo.
A pergunta muito concreta quero colocar é esta: pretende o PS, com esta proposta, retirar ao Governo, no plano das competências naturais que tem de direcção da Administração Pública, a competência para, de uma forma livre, poder formular a organização interna dessa mesma administração, no sentido, inclusive, de a estruturar e de prever as formas como a mesma deve ser organizada? É que, de facto, o termo utilizado é "bases da organização da Administração Pública"! Trata-se, portanto, da própria lógica estrutural de organização da Administração, que, obviamente, do nosso ponto de vista, é de competência clara do Governo, actualmente.
Assim, pergunto: pretende-se retirar-lhe esta competência, deixando de ser competência clara do Governo?
O Sr. Presidente: * É concorrencial!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Com certeza, Sr. Presidente; isso está fora de causa! Mas é competência clara do Governo!
O Sr. Presidente: * Pareceu-me que estava a dizer que era uma competência natural, que a Administração era propriedade do Governo!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Não, Sr. Presidente, eu estava a concluir dizendo que essa competência era retirada para a competência exclusiva da Assembleia.
O Sr. Presidente: - Para a competência reservada relativa!
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins para responder a esta interpelação.
O Sr. Alberto Martins (PS): * Sr. Presidente, confesso não ter uma percepção nítida das questões e das dúvidas que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes colocou com essa questão.
No meu entender, da mesma forma que a Assembleia tem competência exclusiva para definir o regime e o âmbito da função pública, deveria tê-la também para definir a base da organização da Administração Pública, ou seja, as grandes linhas, as grandes referências, os grandes princípios, o que não põe em causa a competência orgânica, regulamentar e mais específica do Governo numa lógica de auto-organização interna.
A definição dos grandes princípios, das grandes regras, como questão decisiva da organização do Estado, deverá caber à Assembleia da República, e é nesse sentido que admitimos esta proposta.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Sr. Presidente, julgo que há, de facto, alguma dificuldade resultante da própria semântica da expressão utilizada.
Em minha opinião, confesso que a norma me faz alguma confusão, apenas no sentido em que por esta via se pudesse entender que se trataria de uma reserva de competência em matéria orgânica propriamente dita, isto é, em matéria de organização da Administração Pública.
Tenho uma interpretação mais lata da reserva de competência do Governo do que o próprio PSD, porque sujeitou recentemente à ratificação da Assembleia da República um decreto-lei que, claramente, dizia respeito a matéria orgânica de um determinado Ministério.
Assim, considero muito discutível que o pudesse ter feito sem violar a própria reserva de competência absoluta do Governo nessa matéria. Julgo que o fez porque, de vez em quando, esquece-se dos seus princípios estruturantes adquiridos durante o período em que estiveram no Governo.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é verdade!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - De qualquer maneira, compreendo esta proposta se a mesma disser respeito àquilo que hoje é tratado no artigo 267.º da Constituição e ao seu desenvolvimento e completação, sendo certo que, nessa perspectiva, as grandes bases de organização da Administração Pública, no sentido dos grandes princípios estruturantes da mesma (desburocratização, aproximação dos serviços às populações, descentralização, desconcentração, etc.), já estão, de certa forma, reguladas na Constituição.
Admito que se pudesse, nessa matéria, ir para além da Constituição e que fizesse sentido, se fosse esse o caso, estabelecer uma reserva de competência, ainda que relativa, da Assembleia da República. O único receio que tenho é que possa entender-se esta norma no sentido de a mesma conferir competência à Assembleia da República em matéria orgânica propriamente dita, isto é, em matéria de auto-organização da Administração Pública, que deixaria de ser auto-organização e passaria a ser regulada directamente pela Assembleia.
É neste sentido que tenho alguma reserva pessoal, não porque não entenda o que esteve no espírito de quem propôs, mas apenas porque tenho receio da interpretação que possa vir a dar-se ao preceito.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Presidente, não entendo bem o alcance desta disposição, aliás, gostaria de acentuar uma ideia avançada pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro, que acaba de usar da palavra, e que reputo importantíssima.
Já uma parte está constitucionalizada, a própria Constituição já define com muita precisão, no artigo 267.º, a estrutura global da Administração Pública; o regime geral está definido. É para mais do que isto que está aqui a criar-se uma reserva em favor da Assembleia da República?!
Depois, há o problema da auto-administração. Já há as direcções-gerais, por exemplo. Isso é matéria da organização
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do Governo? Não é. Trata-se de administração, mas é auto-administração. A Assembleia vai reservar-se definir isso, que é a manus visível da acção do Governo dentro do contexto geral da Administração Pública?! Suponho que uma reserva com este alcance não resolveria nenhum problema que a Constituição já não tenha resolvido e criaria conflitos entre a Assembleia da República e o Governo, nomeadamente, que também são de evitar.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): * Sr. Presidente, a proposta apresentada pelo PS é interessante e generosa, mas a sua aplicação cria uma dificuldade muito grande, que é a de saber quais são os exactos limites entre as bases da Administração Pública e, depois, a organização concreta dessa Administração. Não sei se com a formulação "bases da organização da Administração Pública" ficaremos suficientemente seguros de que a Assembleia só legislaria sobre uma coisa muito vaga, os princípios gerais, e deixaria a margem de funcionamento necessária ao Governo para realizar a Administração.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado João Amaral, permito-me lembrar-lhe que neste artigo há seis alíneas que começam pela palavra "bases"!
O Sr. João Amaral (PCP): * Sim, mas nem todas elas levantam este problema.
O Sr. Presidente: - Todas levantam. Quando se fala em bases põe-se o problema de saber o que quer dizer.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, nem todas as alíneas levantam este problema. Essa indefinição pode levar a Assembleia a ter que legislar sobre matéria que, em nossa opinião, não deveria ser legislada por este órgão em regime de exclusividade - é esse o sentido do que estou a dizer -, ao passo que nos outros casos não se levanta esse problema; existe a indefinição mas ela não suscita nenhum problema. Aqui a indefinição suscita, de facto, um problema.
Lembrando o que já foi dito, o entendimento dos partidos quanto à competência do Governo nesta área tem sido bastante alargado. Recordo, por exemplo, em relação ao PSD, que, em 1986, a Assembleia chamou à ratificação o decreto-lei que criava a orgânica do Ministério do Planeamento, do Ministro Valente de Oliveira, porque regulava num dos artigos o sistema de planeamento ao dizer o que eram as regiões-plano.
Esse caso era claramente competência da Assembleia e, portanto, foi bem chamado a ratificação. Mas, mesmo assim, o governo, na altura, fez uma quartelada por considerar que era completamente inadmissível discutir leis orgânicas na Assembleia. Claro que agora já não fez o mesmo e o Sr. Deputado Cláudio Monteiro lembrou muito bem que na oposição já teve uma ideia diferente do que devia ser isso.
Portanto, pensamos que valeria a pena reflectir sobre isto, encontrando uma fórmula que circunscreve-se exactamente aquilo que a Assembleia deve fazer, na medida em que me parece que com esta fórmula pode não suceder.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Tenho de fazer apenas uma referência, já que por duas vezes, na intervenção do Sr. Deputado Cláudio Monteiro na do Deputado João Amaral, foram feitas referências, do meu ponto de vista parciais, relativamente à posição que o PSD teve no passado sobre esta matéria, pelo que considero ser preciso clarificar as questões.
O Sr. Deputado João Amaral disse uma verdade nua e crua, mas apenas disse parte dela, ou seja é estritamente verdadeiro que o PSD, em 1986, quando era governo minoritário, face a uma tentação nítida de governo de Parlamento, assumido na Câmara, ripostou pelos meios idóneos e normais em termos constitucionais.
A questão chegou a ser considerada pelo próprio Tribunal Constitucional e o assunto ficou tão estabilizado que, a partir daí (recordo-o ao Sr. Deputado Cláudio Monteiro), o Partido Socialista, amiúde, nomeadamente há dois anos, a propósito da reformulação integral da estrutura da Secretaria de Estado da Cultura, chamou à Assembleia todos os diplomas aprovados pelo então Secretário de Estado da Cultura, e o Governo do PSD veio tranquilamente à Assembleia discutir a sua estruturação orgânica.
Portanto, convém que essas meias verdades, que são atiradas para a Mesa para ficarem a constar da acta convém, fiquem então estipuladas na sua integridade. A prova de que assim é que o próprio Partido Socialista, aquando da ratificação pedida pelo PSD para apreciar alguns aspectos da restruturação orgânica do Ministério da Agricultura, a que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro se referiu, se tinha dúvidas de constitucionalidade devia ter feito a fiscalização da admissibilidade. Não o decidiu fazer exactamente porque tem a mesma interpretação que o PSD sobre esta matéria, sobre a qual doutrina está firmada.
Como disse o Sr. Presidente, e bem, numa pergunta que dirigiu ao PSD no início da discussão deste artigo, o problema que se coloca, do ponto de vista do PSD, é que hoje em dia existe claramente uma competência concorrencial sobre esta matéria, em termos genéricos, porque é evidente que essa competência concorrencial também tem de ser analisada numa perspectiva de equilíbrio face a outros princípios constitucionais, nomeadamente o da separação de poderes que, em nenhuma circunstância, pode ser violado em consequência da utilização da competência concorrencial.
Portanto, tem de haver aqui, como em todas as outras áreas constitucionais, uma certa ponderação e equidade na utilização da lógica de competência concorrencial que existe sobre esta matéria. Aquilo que pomos em causa na proposta do PS é a eliminação da competência do Governo sobre esta matéria, sendo posta em causa a competência concorrencial e é com isso que o PSD não concorda.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, não prolonguemos a discussão com assuntos laterais adjacentes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Gostaria de dar uma breve resposta ao Sr. Deputado Marques Guedes.
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Se o Sr. Deputado não sabia antes, viu ontem na televisão com certeza que a nova maioria não se esgota no PS e que nem todos os que dela fazem parte se revêem integralmente em todas as posições do PS e muito menos respondem pelas posições do passado quando não integravam ou quando não participavam nos trabalhos parlamentares nessa qualidade.
Assim, a minha opinião pessoal quanto à interpretação de reserva da competência do Governo não pode ser assacada ao PS. Aliás, para sua informação, aquando da discussão na Assembleia do pedido de ratificação do PSD, suscitei internamente, no Grupo Parlamentar do PS, essa questão, que não mereceu acolhimento pela simples razão de que o PS, coerentemente com as suas posições do passado, não alterou o seu posicionamento na matéria.
Portanto, peço ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes que não confunda aquilo que eu lhe refiro como sendo o meu entendimento pessoal com o entendimento do Partido Socialista - aliás, isso seria assim ainda que eu fosse militante deste partido.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, a proposta do PS não merece claramente o apoio do PSD e conta com as objecções do PCP e do Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Deputado Alberto Martins quer acrescentar alguma coisa?
O Sr. Alberto Martins (PS): * Sr. Presidente, penso que não vale a pena depois da conclusão que o Sr. Presidente formulou, além de que o silêncio pacífico com que a conclusão foi acolhida dispensa outros comentários.
O Sr. Luís Sá (PCP): * O Sr. Presidente referiu a objecção do PCP, mas clarifico que não se trata de uma objecção de fundo, mas de uma proposta no sentido de procurar a melhor formulação para que não restem dúvidas nesta matéria. Quero, de resto, referir que a proposta do PS que segue, relativa à alínea x), refere-se às bases gerais e por isso talvez bastasse, neste caso, acrescentar a palavra "gerais" para grande parte do problema ficar resolvido.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): * Sr. Presidente, depois deste acrescento deixo a seguinte nota: na nossa proposta, onde a competência não é concorrencial é nas bases da organização da Administração Pública e, se me permitem, lembro a doutrina, aliás muito precisa, sobre essa matéria.
O Sr. Presidente, em texto doutrinário, dá um contributo significativo para os três níveis em que este artigo se estrutura, no sentido de haver competência exclusiva da Assembleia em matérias genéricas, absolutas, plenas, de haver competências em regimes gerais e de o escalão mais baixo da competência ser o único ponto em que a competência não é concorrencial, que é nas bases gerais do regime jurídico da organização da Administração Pública.
Estas bases gerais, a meu ver, entroncam com algumas questões que, constando do texto constitucional na parte respectiva à organização da Administração Pública, poderiam ter a ver sobretudo com matérias respeitantes à descentralização e até a algumas questões de filosofia de princípio quanto à desconcentração da Administração Pública. Não me parece que isso não deva deixar de ser matéria da competência da Assembleia da República e deva ser expresso como competência da Assembleia da República. De qualquer forma já vi que existe acolhimento e dispenso-me de mais comentários.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, passamos à alínea x) que há bocado por erro apresentei, para a qual existe uma proposta do PS. Onde se diz: "bases gerais do estatuto das empresas públicas", o PS propõe que se acrescente "dos institutos públicos e das fundações públicas".
Têm a palavra os proponentes para apresentarem a proposta.
O Sr. Alberto Martins (PS): * Sr. Presidente, a proposta exprime-se pela sua própria natureza, sendo uma proposta de extensão que se justifica por si. Não nos limitamos apenas às empresas públicas, à propriedade pública, mas estendemos a competência da Assembleia aos institutos públicos e às fundações públicas. A natureza desta proposta dispensa aprofundamentos, pois trata-se apenas de as bases gerais de tudo o que diz respeito ao Estado serem reguladas pela Assembleia da República.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Sr. Presidente, ao contrário das dúvidas que há pouco manifestei quanto à matéria da organização da Administração Pública, neste caso julgo que a proposta é muito pertinente, tendo em conta a experiência recente de multiplicação de institutos públicos e fundações públicas.
O Sr. Presidente: * Recente, já que ela é do actual governo.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Sim, inclusive do actual governo, pois não actual governo dessa apreciação, embora, obviamente, quantitativamente, este Governo ainda tenha pouco tempo de vida para ultrapassar o ranking do PSD, que, nesta matéria, foi também bastante prolixo.
Julgo que esta questão é pertinente pela circunstância de, embora sendo uma norma de competência que, por natureza, é neutra, não deixa de dar um sinal no sentido de ser necessário que exista um regime geral dos institutos públicos e das fundações públicas para evitar que no articulado dos estatutos de cada instituto ou de cada fundação se estabeleçam regimes diferenciados, criando, às vezes, problemas muito sérios.
É, pois, neste sentido que, julgo, a proposta é pertinente. Por outro lado, aqui já não se põe o mesmo problema, porque não se tratará nunca de regular o instituto a, b ou c em particular, mas apenas de estabelecer as consequências jurídicas da concessão de toda a atribuição de personalidade jurídica a serviços do Estado, designadamente regulando matéria que tem que ver com o património, com a sujeição à contabilidade pública, com a responsabilidade, com a possibilidade ou não de haver delegação de competências de membros do Governo para presidentes de institutos públicos, etc.
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Neste sentido, julgo que esta é uma das lacunas do nosso ordenamento jurídico, pelo que faria todo o sentido que existisse um diploma sobre essa matéria e, a existir, faria todo o sentido que fosse a Assembleia da República a responsável pela elaboração e pela aprovação do mesmo.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, a proposta continua à discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): * Sr. Presidente, creio que esta proposta tem toda a justificação e que não fazia grande sentido estar prevista como reserva relativa de competência a matéria relativa às bases gerais das empresas públicas e não estar simultaneamente prevista a da definição das bases gerais de outras zonas da administração indirecta do Estado, que, aliás, como já foi referido, a experiência revelou ser cada vez mais importante.
Assim, creio que, muito frequentemente, a criação de institutos públicos até não teve nenhuma justificação, a não ser iludir formas de controlo de variado tipo.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Luís Sá, já agora, para não discutirmos coisas que não estão incluídas na proposta, devo dizer que isto nada tem a ver com criar ou não criar. A criação dos institutos continua a ser uma competência do Governo; o que se trata é de haver, tal como existe para as empresas públicas, um quadro geral do regime jurídico dos institutos públicos e das fundações públicas.
O Sr. Luís Sá (PCP): * Sr. Presidente, essa matéria é inquestionável. Não era isso sequer que eu estava a dizer, mas que a prática de criação de institutos levou à diminuição de determinadas formas de controlo e que a definição de bases gerais deve assegurar que, independentemente da legitimidade do Governo para criar institutos públicos, isto não deve significar que se iludam formas de controlo, como aconteceu no passado.
Quanto ao facto de haver 900 institutos públicos, como já chegou a ser calculado e contado há relativamente pouco tempo, ou haver 1000 ou 1100, aquilo que creio ser importante é que isto não signifique uma diminuição frequente das possibilidades de fiscalização a pretexto de que se trata de simplificar, desburocratizar, etc. E nesse sentido creio que esta proposta tem inteira justificação e que corresponderia a uma benfeitoria significativa nesta revisão.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, devo dar uma pequena nota de direito comparado.
Na generalidade dos sistemas a própria criação dos institutos públicos carece de lei, de lei parlamentar ou de autorização parlamentar. No mínimo existem leis gerais de institutos públicos ou de figuras equivalentes, no caso espanhol os chamados organismos autónomos, existindo uma lei que é anterior à transição democrática; no sistema francês, a criação de novos tipos de établissement publique exige uma lei parlamentar, isto mesmo no sistema francês onde o regulamento governamental pode tudo; no sistema italiano existe uma lei das actividades para-estatais que inclui os institutos públicos.
Portanto, nesse aspecto, somos uma insólita excepção quanto ao total alheamento parlamentar em matéria de institutos públicos e, por paralelismo, de fundações públicas.
O PS não propõe que a criação de cada instituto careça de uma lei parlamentar, o que é óbvio (embora isso não fosse insólito em termos de direito comparado), propõe, sim, aquilo que existe para as empresas públicas. Hoje em dia, o Estado, o governo cria ou "descria" empresas públicas livremente, simplesmente o seu regime, constando de decreto-lei, é feito na base de uma lei-quadro que estabelece o regime das empresas públicas.
Devo dizer que falo como autor desta proposta e, portanto, permitam-me que acrescente algo àquilo que o Sr. Deputado Alberto Martins disse. Em matéria de institutos públicos, ou se criam institutos públicos sem mais, isto é, sem dizer praticamente nada sobre o seu regime, remetendo para um pretenso regime geral, que não existe, ou se criam institutos públicos com uma incrível diversidade de regimes. Ainda há dias, passando os olhos pelas leis orgânicas do novo Governo, vi a extraordinária diversidade de densidade legislativa, ou de densidade de regulação quanto aos institutos criados pelo novo Governo, no Ministério da Cultura, no Ministério da Economia, etc.
Ora, isso cria problemas graves de transparência e de regime administrativo quanto ao património, quanto à competência dos dirigentes dos institutos, quanto ao estatuto dos próprios dirigentes dos institutos, quanto à responsabilidade civil, quanto a uma série de coisas em relação às quais creio que uma lei geral, tal como existe em relação às empresas públicas, seria altamente clarificadora, pois significaria uma benfeitoria e uma melhoria da qualidade da nossa Administração.
Desta forma, ficaríamos a saber (os cidadãos em geral) com o que podemos contar quando se litiga não contra o Estado ou contra a Administração em geral, mas, sim, contra um instituto público. E muitas vezes tem de se litigar contra o instituto e contra o ministério ao mesmo tempo e não se sabe quem é responsável e a quem pertence o património.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Deputado, se me permite, devo dizer que é pior do que isso, só por uma razão: é que a personalidade jurídica, quando atribuída a outrem que não uma pessoa singular, já é uma ficção; no caso concreto dos institutos públicos é uma ficção de uma ficção, porque se transferem os fins, isto é, as atribuições, e não se transferem as competências para manter administrativa e burocraticamente o mesmo sistema de controlo ministerial do exercício da competência e não manter o mecanismo de controlo, porque passa a ser um mecanismo de controlo próprio de entes personalizados.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, o que se visa com esta proposta é que para os institutos públicos e fundações públicas haja um modelo semelhante ao da lei espanhola ou à nossa lei geral das empresas públicas.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, o PSD apresentou uma proposta sobre a alínea x) de sentido parcialmente inverso e passo a explicar porquê.
O PSD propõe a eliminação da actual alínea x), que consiste apenas nas bases gerais do estatuto das empresas públicas, o que é apenas parte do problema que é colocado
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pela proposta do PS, como o Sr. Presidente acabou de explicitar e já o Sr. Deputado Alberto Martins o tinha feito, uma vez que o PS propõe coisas novas.
Nesse sentido, eu divido a posição do PSD em duas partes: quanto à questão das bases gerais do estatuto das empresas públicas, a proposta do PSD de retirar a alínea x) do artigo 168.º tem que ver com o reconhecimento de que, nos últimos anos - e isso tem ficado basicamente claro -, tem vindo sucessivamente a operar-se a transformação de empresas públicas em sociedades anónimas como a forma tida por mais adequada à inserção das posições do Estado no chamado Sector Empresarial do Estado, composto quer por empresas públicas quer por sociedades de capitais públicos.
A tendência actual é de transformação sistemática das empresas públicas em sociedades anónimas de capitais públicos e, nesse sentido, o PSD considera que a situação das empresas públicas é praticamente residual (existem hoje, no nosso país, meia dúzia de empresas com o estatuto de empresas públicas) e não nos parece haver grande vantagem na existência da reserva exclusiva de competência da Assembleia sobre esta matéria quando, na realidade, trata-se de meia dúzia de situações, situações essas que, do ponto de vista do PSD, cabem perfeitamente no âmbito da competência que pode ficar concorrencial entre o Governo e a Assembleia, uma vez que é o Governo, obviamente, que tem a competência de dirigir e de responder pela gestão do Sector Empresarial do Estado e, nesse sentido, o Governo poderia organizar essas empresas públicas da forma que o faz.
Devo dizer, com toda a clareza e com toda a frontalidade, que todos sabemos que o Governo entende que o estatuto das empresas públicas não é o mecanismo adequado e satisfatório para resolver o problema de determinado tipo de empresas, mas, na realidade, vem sucessivamente alterando esse estatuto dessas empresas, transformando-as em sociedades anónimas e dando, assim, aquela que é, do ponto de vista de cada governo, em cada momento, a flexibilidade mais adequada às formas de gestão própria que elas devem ter.
Por assim ser o PSD propõe, quanto à questão do regime geral do estatuto das empresas públicas, que ele passe para uma lógica de competência concorrencial por nos parecer que a realidade veio a demonstrar que não faz sentido, hoje em dia, continuar a equacionar esta questão como um exclusivo de competência da Assembleia da República.
Quanto à segunda parte, que o Sr. Presidente explicitou, e bem, o PSD reconhece - de resto, pelo conhecimento de causa em termos práticos sobre esta matéria - que a necessidade de regulamentação e uniformização do regime a que deve estar subordinada a criação de institutos públicos é premente. Tanto assim é que o PSD, nos últimos anos em que esteve no governo, por compromisso político, não jurídico, assumido com as organizações económicas, quer sindicais quer patronais, deixou, nomeadamente na última legislatura, de criar institutos públicos com um regime diverso, em termos de pessoal nomeadamente, das direcções-gerais.
Portanto, vemos com bastante interesse a sugestão apresentada e explicitada pelo Sr. Presidente, no sentido de se prefigurar a necessidade de haver uma definição legal das bases gerais do estatuto dos institutos e das fundações públicas.
O problema existe, o novo governo tem vindo a utilizar a lacuna, em termos de regime jurídico estabelecido, sobre o estatuto dos institutos públicos para voltar a fazer proliferar aquilo que nos últimos anos estava de alguma forma sustido pelo compromisso político que eu referi e não por obrigação jurídica.
Deixo apenas a seguinte nota: o PSD irá ponderar porque, em qualquer circunstância, isto não ilude o problema de fundo que é o de saber, tratando-se os institutos públicos, apesar de tudo, de algo que consta da Administração Pública e da Administração do Estado, até que ponto essa competência deve ser exclusiva da Assembleia e não pode o Governo ter uma função legislativa também própria.
Apesar desta reflexão, devo dizer, desde já, que no que se refere às bases gerais dos institutos públicos e das fundações públicas (embora a questão dos institutos seja bastante mais premente, colocando-se com bastante mais acuidade e, aliás, o PSD reconhece que se trata de uma lacuna da nossa ordem jurídica), gostaríamos apenas de reflectir sobre se deve ou não ser competência exclusiva da Assembleia da República.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, por lapso, não anunciei a proposta do PSD de eliminação da actual alínea x), que diz respeito à reserva de competência da Assembleia da República em relação à legislação sobre as bases gerais do estatuto das empresas públicas.
Temos uma proposta do PS, para acrescentar à reserva relativa da Assembleia da República as bases gerais dos institutos públicos e das fundações públicas. O PCP concordou e o PSD manifestou uma certa abertura, ainda que tenha salvaguardado posição definitiva.
Vamos discutir a proposta do PSD no sentido de eliminar da actual competência reservada à Assembleia a definição do regime geral das bases gerais do estatuto das empresas públicas.
A proposta foi apresentada e está à discussão dos Srs. Deputados.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): Sr. Presidente, a nossa posição quanto a esta questão decorre da proposta que apresentámos, proposta essa que engloba toda a Administração directa do Estado.
Como o Sr. Presidente já explicou, aliás, de forma muito minuciosa, o acrescento dos institutos públicos e das fundações públicas, que hoje é uma exigência da organização do Estado e de uma competência que deve ser atribuída à Assembleia da República, por razões que são já conhecidas e aceites, não faz precludir a ideia de que o estatuto das empresas públicas, independentemente da dimensão e do número, não deve ser fixado nas suas bases gerais pela Assembleia da República.
Na verdade, não vemos que haja qualquer razão para que, em função da alteração do número de empresas, a sua natureza não deva ser definida por quem tem competência para definir as grandes regras da organização da administração do Estado. Aliás, em termos sistémicos, não faria sentido abrir-se o espaço e uma disponibilidade para incluir os institutos públicos e as fundações públicas e
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retirar-se aquilo que esteve, em grande medida, na origem desta zona da administração directa do Estado, que são as empresas públicas, sem prejuízo da sua evolução em termos da segmentação do sector público. Nesse sentido, não veríamos com uma receptividade positiva esta alteração.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): Sr. Presidente, a nossa posição é idêntica. Independentemente das razões que levaram à fuga de empresas do sector público para o sector privado, transformando-as em sociedades anónimas de capitais públicos, também é sabido que frequentemente essa foi a antecâmara da ulterior privatização. Mas, isto não impede, de forma nenhuma, que as empresas públicas que existam devam ter um estatuto e que este estatuto deva ser reserva relativa de competência da Assembleia da República.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, pelo que acabou de ser referido, a proposta de eliminação da actual reserva de lei parlamentar para as bases do estatuto das empresas públicas não tem viabilidade.
Passamos, agora, para a alínea aa), que diz respeito ao "Regime dos meios de produção integrados no sector cooperativo e social da propriedade" em relação à qual existem duas propostas de eliminação, uma do CDS-PP e outra do PSD.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, o PSD propõe a eliminação desta referência por nos parecer que faz pouco sentido haver uma reserva de lei para o regime dos meios de produção integrados no sector cooperativo e social da propriedade.
Trata-se de um sector onde a iniciativa de constituição é de natureza privada. O PSD, de resto, tem uma proposta de acrescento de um artigo específico na Constituição para o chamado sector social, para as denominadas "instituições particulares de solidariedade social".
Assim, o que nos parece é que a função da lei, a função do Estado nesta matéria, é a de criar condições para estimular a criação e apoiar o desenvolvimento deste tipo de instituições e, por outro lado, prover, consequente e concomitantemente, os mecanismos adequados para a fiscalização da sua actividade, fiscalização essa que é consequência natural do apoio e do estímulo que o Estado dará à sua constituição.
Já nos parece menos lógico que, para estes sectores de actividade, seja conferida uma reserva de competência legislativa para a definição do regime dos meios de produção integrados neste sector.
Na verdade, parece-nos que deve existir uma lógica genérica de liberdade de iniciativa, estando consagrado na lei, por parte do Estado, por um lado, a criação de mecanismos de apoio e concomitantemente de instrumentos de fiscalização para o exercício dessa actividade apoiada.
Porém, haver uma lógica de condicionamento legislativo ao funcionamento destes meios de produção parece-nos algo de errado e, nessa perspectiva, o PSD propõe a retirada desta alínea aa) do artigo 168.º.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Luís Marques Guedes, peço-lhe, mais uma vez, a sua atenção para o seguinte: este artigo é apenas de reserva de competência, não diz aquilo que é ou não condicionado, pois isso resulta de outros artigos da Constituição. Este artigo só estabelece, na medida em que certas matérias sejam objecto de lei, que essa lei é da Assembleia da República. O artigo só diz isto, não diz mais nada!
O que é que o artigo estabelece hoje? Que as leis sobre as cooperativas, os baldios, os meios de produção de exploração colectiva de trabalhadores e, no caso de ser aprovada uma proposta do PS, o chamado sector não lucrativo (se acrescentarmos isso ao n.º 4 do artigo 82.º) são da reserva de competência da Assembleia da República e que o governo não pode legislar sobre as mesmas, salvo autorização.
Portanto, não misturemos os dois planos: um, é saber aquilo que a lei pode ou não fazer em relação a certos domínios; outro, é saber de quem é a competência da lei. Ora, este artigo apenas prevê de quem é a competência da lei, não tem uma lógica condicionante. O que o artigo define é que para certas matérias, na medida em que podem ser objecto de lei, a lei é da Assembleia da República.
Portanto, retirar esta alínea aa) implicaria passar as matérias nela previstas da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia, ou seja, em que governo só pode legislar mediante autorização, para a competência livre do governo. Isto é, legislar sobre as cooperativas (apenas na medida em que não estivesse em causa a liberdade de constituição de cooperativas) e os regimes dos baldios e das explorações colectivas de trabalhadores passaria para a competência livre do governo. Para já, é isso que a proposta do PSD significa. Penso que dizer isto era importante para apresentar a proposta do PSD.
Srs. Deputados, está à discussão a proposta de eliminação da alínea aa) do artigo 168.º.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, talvez um comentário do Sr. Deputado Luís Marques Guedes facilitasse o debate, porque nada há a acrescentar àquilo que observou e a confusão entre competência para definir condicionamentos legislativos e os condicionamentos eles próprios é, de facto, uma confusão, do ponto de vista metodológico e gnoseológico, facilmente ultrapassável com as explicações que o Sr. Presidente deu.
Portanto, penso que da parte do PSD, desse ponto de vista, haverá alguma receptividade à percepção gnoseológica dessas consequências.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, eu não intervim, porque entendi a intervenção do Sr. Presidente como sendo a expressão da sua opinião. Obviamente, o Sr. Presidente não falou pelo PSD, nem isso lhe compete.
Eu, da parte do PSD, já expus a perspectiva do PSD, a qual mantenho. Para mim, é evidente que - não vale a
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pena jogarmos com as palavras - a proposta do PSD inscreve-se, única e exclusivamente, no contexto que eu acabei de referir e se o problema, como foi aqui aventado, tem que ver com as cooperativas, com os baldios, com o que quer que seja, há outros artigos da Constituição que referem essas matérias, que dispõem sobre as mesmas, e que, do ponto de vista do PSD, já o fazem de uma forma satisfatória e suficiente.
Pensamos que não há razão para se referir, como se refere no artigo 168.º - a proposta do PSD é apenas nesse sentido -, a existência de legislação sobre o regime dos meios de produção integrados no sector cooperativo e social de propriedade, porque nos parece que esses sectores têm já uma regulamentação própria nos termos da Constituição, nos capítulos próprios. E, mais do que isso, deve funcionar a lógica geral, genérica e abstracta de liberdade de iniciativa, pelo que não nos parece que seja necessário prever a existência de regimes para esses meios de produção, em termos legislativos. Se houver necessidade de regulamentar qualquer aspecto sobre direitos ou garantias, ou o que quer que seja sobre essas matérias, as competências legislativas exercem-se nos termos normais da Constituição.
O que o PSD entende é que não deve haver exclusividade de competência legislativa sobre essa matéria. É só este o alcance da proposta do PSD e nada há a rever, do nosso ponto de vista, quanto à proposta que fazemos. Ela é feita sem qualquer tipo de dramatismo, pelo que não vale a pena tentar encontrar algumas perspectivas menos correctas ou camufladas, da parte do PSD, na proposta que faz. A proposta apenas visa a retirada dessa alínea, por entender que, para além daquilo que já está na Constituição sobre o sector cooperativo e o social, não há razão para haver uma reserva de competência legislativa sobre esta matéria. Para além daquilo que está na Constituição, funcionam os mecanismos gerais. É esta a proposta do PSD.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, só quero perguntar se deixava de se poder legislar sobre esta matéria se esta alínea fosse eliminada.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, Sr. Deputado, é evidente que, eliminando-se esta alínea, o que deixava de acontecer era a exclusividade de a Assembleia da República legislar sobre esta matéria. É apenas isto que está em causa.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, estando assim confirmado que o PSD tem consciência plena da sua proposta, que sabe que a própria regulamentação constitucional sobre estas matérias não dirime uma questão da competência em termos adequados sem esta norma constante do n.º 1 alínea aa) do artigo 168.º - aprovado, de resto, com votos favoráveis do PS e do PSD em 1989 -, e sendo certo que deseja governamentalizar ou, pelo menos, colocar na zona concorrencial esta competência que tem sido, e deve ser, da Assembleia da República, gostaria de declarar a nossa indisponibilidade para essa alteração.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): * Sr. Presidente, nós entendemos que, se e quando for entendido legislar sobre o regime dos meios de produção integrados no sector cooperativo e social de propriedade, estes têm importância e dignidade suficiente para ser a Assembleia da República, em regime de reserva relativa, a fazê-lo e não propriamente outra entidade, designadamente o governo.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Luís Sá, não se trata da ideia do "se e quando"… Sobre esta matéria existe o código cooperativo, a lei dos baldios e mais uma série de leis, portanto, não é "se e quando"…
O Sr. Luís Sá (PCP): * Sr. Presidente, é "se e quando" exactamente porque existem todos esses regimes que podem ser mantidos ou, eventualmente, alterados. Se decidirem alterá-los, naturalmente que, na nossa opinião, deve ser com base no regime de reserva relativa.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, passamos a discutir a proposta de aditamento de novas alíneas, apresentada pelo PS, relativas à reserva relativa de competência legislativa da Assembleia, que são a ab) e a ac), "Bases da organização das forças de segurança" e "Bases da organização do Banco de Portugal", respectivamente.
Há ainda uma proposta dos Deputados do PS Cláudio Monteiro e outros, de aditamento de uma alínea bb), com o seguinte teor: "Bases gerais do ordenamento do território e do urbanismo".
Coloco à discussão todas estas propostas de aditamento.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, para apresentar as propostas de aditamento das alíneas ab) e ac)
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, em matéria de repartição constitucional de competências, no tocante à regulação das questões relacionadas com as forças de segurança, creio que a combinação entre o que decorre das normas de competência inseridas na sede que agora estamos a examinar e o artigo 272.º da Constituição aponta já, sem nenhuma dúvida, para que haja regulação por lei parlamentar de questões sociais do regime das forças de segurança. Nós, aliás, também pretendemos rever o artigo 272.º, mas apenas no tocante à admissão da possibilidade de criação de corpos municipais de polícia, pelo que não propomos a alteração do essencial da norma, tal qual hoje vigora.
O que se trata, no caso da proposta do PS, é de prever que a Assembleia da República terá competência para legislar sobre as "Bases da organização das forças de segurança". Parece importante, para já, que haja definição dessas
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bases, isto é, que haja intervenção parlamentar para definir as bases da organização. Pode ser uma forma de clarificação, preferível à legiferação avulsa e, evidentemente, sem prejuízo da existência de estatutos autónomos articulados e compatibilizados, e até de sedimentos de produção normativa diferentes, como é inevitável.
A proposta parece-nos ser um passo em frente estruturante em relação ao regime que vigora, sem prejuízo, todavia, desse regime. Gostaria de sublinhar isto, uma vez que não se pretende uma margem de governamentalização, porque não alteramos o artigo 272.º e a leitura deste artigo e do artigo 168.º n.º 1, alínea ab) deve fazer-se articuladamente, como mandam as regras básicas.
Em relação à proposta de aditamento das "Bases da organização do Banco de Portugal", ela tem estreita associação com o conceito que temos da importância do banco central português. A ideia de que seja o Parlamento a definir as bases da organização significa, obviamente, aí sim, um reajustamento de fronteiras entre o espaço de intervenção governamental e o espaço de intervenção parlamentar.
Pela sua importância, pela estreita associação entre esse estatuto e aquilo que decorre dos tratados, e devido àquilo que sabemos ser o destino anunciado das instituições centrais, é bom que a instituição da qual depende a vinculação de Portugal, em termos internacionais, a regras que constrangerão e definirão o funcionamento dos bancos centrais seja também a instituição que delimita aspectos orgânicos fundamentais do funcionamento dessa instituição central.
Portanto, é uma harmonização que tem em conta os poderes do Parlamento em matéria de vinculação internacional do Estado português e a própria natureza do Banco de Portugal, tal qual a tem hoje e tal qual a terá no futuro.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado José Magalhães, chamo a sua atenção para o facto de o projecto do Prof. Jorge de Miranda sugerir o acrescento das "Bases gerais da organização, do funcionamento e das disciplinas das forças de segurança", enquanto que a proposta do PS se limita às bases da organização. Não sei se quer tomar em conta esta sugestão.
No caso das bases da organização do Banco de Portugal, apenas quero lembrar que o CDS-PP havia proposto que esta matéria passasse a ser da reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República, conforme proposta de aditamento de uma alínea u) ao artigo 167.º, que foi rejeitada, e o PS propõe agora que passe a ser matéria de reserva relativa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro, para apresentar a proposta de uma alínea bb), "Bases gerais do ordenamento do território e do urbanismo".
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, em relação à lembrança que introduziu no debate, quero dizer o seguinte: algumas das coisas relacionadas com esta disciplina decorrem já da Constituição na sua interpretação corrente, uma vez que o estatuto disciplinar das forças de segurança não pode ser, nos termos do próprio artigo que estamos a analisar, objecto de legislação governamental, embora haja aí um debate interessante sobre os limites desse poder e sobre as fronteiras de competência.
O Sr. Presidente: * Na medida em que integra o estatuto da função pública.
O Sr. José Magalhães (PS): * Exacto.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Sr. Presidente, quanto à proposta que consta na nova alínea que propomos, chamo a atenção para a circunstância de que, talvez por reacção à técnica legislativa que o Estado Novo, abandonamos a técnica dos parágrafos, o que nos obriga, quando há muitas alíneas, a criar alíneas por composição, e, curiosamente, enquanto que o PS usa a lógica de somar uma nova letra ao a, nós propomos uma alínea bb), o que não deixa de ser pelo menos curioso do ponto de vista da falta de sedimentação em matéria de técnica legislativa entre nós.
O Sr. Presidente: * Sobre o pluralismo da nova maioria...!
Risos.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Mas, quanto ao mérito da proposta em si mesmo, julgo que a ideia de que as bases gerais do ordenamento do território e do urbanismo devem ser matéria de competência se explica por si só.
É verdade, naquilo que diz respeito à delimitação de atribuições e competências entre o Estado e as autarquias locais e à "dissecação" do conteúdo do direito de propriedade privada, que matérias que normalmente estão em discussão quando se fala em bases gerais do ordenamento do território e do urbanismo já se encontrariam abrangidas, respectivamente, pela reserva de competência em matéria de Direitos, Liberdades e Garantias e em matéria de estatuto das autarquias locais.
Porém, não é menos verdade que há muitos outros aspectos do ordenamento do território e do urbanismo, designadamente os que se prendem com o sistema de planeamento, com a função dos planos e com a relação entre os planos, que hoje têm uma importância capital e que deveriam ser objecto de discussão parlamentar, sem prejuízo da possibilidade de haver nessa matéria autorização legislativa ao governo.
Aliás, é sintomático que todos os diplomas relativos ao ordenamento do território e urbanismo, mesmo aqueles que não dizem respeito a bases gerais e que regulam procedimentos administrativos em especial ou institutos específicos, nunca deixaram de "vir" à Assembleia, quanto mais não seja porque nunca deixou de ser requerida a respectiva ratificação.
Temos o exemplo dos regimes dos planos municipais, de loteamentos urbanos, de licenciamento de obras, e que não tratavam de bases gerais - porque não é isso que está
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em causa nesta reserva de competência - mas, sim, do regime desenvolvido e alargado propriamente dito.
Portanto, julgo que era conveniente, até pela perspectiva que se avizinha de discussão de uma lei de bases nesta matéria - a qual, aliás, já vinha do anterior governo que chegou a elaborar vários projectos sobre esta matéria, embora não tivesse chegado a apresentar um projecto à Assembleia, ou, em qualquer caso, a aprovar -, que fosse dada a esta alínea a dignidade constitucional que ela merece, porventura, muito mais que outras que já constam do artigo 168.º.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, estão à discussão as três propostas de aditamento de novas alíneas, as duas do PS e a do Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): * Sr. Presidente, creio que qualquer das propostas de aditamento é plenamente justificada e que as razões apresentadas pelos Srs. Deputados são suficientes nesta matéria.
Quero sublinhar, com particular aplauso, a proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, que me parece amplamente justificada, não apenas pela natureza da matéria em causa, mas também pelo grande interesse que, invariavelmente, a Assembleia da República revelou, ao longo dos anos, nesta matéria, sobre a qual constantemente interveio.
Julgo que a questão do ordenamento do território e do urbanismo é cada vez mais importante e tem uma incidência cada vez mais significativa, inclusive em matéria de direitos fundamentais e de atribuições e competências das autarquias locais. Directa ou indirectamente, muito frequentemente, a questão do ordenamento do território prende-se com o respectivo estatuto, que, como é sabido, já é reserva relativa de competência e, mesmo quando não parece prender-se, acaba por condicioná-lo de forma indirecta, como é o caso dos planos especiais de ordenamento ou dos planos regionais de ordenamento do território, que condicionam profundamente um aspecto fundamental da competência autárquica e, nesse sentido, creio que a proposta é amplamente justificada.
Por outro lado, as forças de segurança têm igualmente um papel cada vez maior, o Banco de Portugal tem a importância que é conhecida, pelo que julgo que as propostas apresentadas têm toda a justificação.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, começo pelo fim, relativamente à apresentação, porque me parece que é o menos discutível.
Como o Sr. Deputado Cláudio Monteiro referiu, sempre foi essa, e sempre terá que ser, por força da forma como está organizado o nosso ordenamento jurídico, a interpretação sobre a legislação básica do ordenamento do território, que acabou por ser competência reservada da Assembleia da República. De resto, nunca o PSD teve um entendimento diferente desse e, inclusive, quando foi governo, chegou a ensaiar a implantação de uma lei de bases do ordenamento do território, obviamente, com a intenção de a subordinar à Assembleia da República; isso nunca esteve fora de causa. Isto para dizer que também é esse o entendimento do PSD, pelas razões que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro acabou de referir.
De algum modo, já assim era, mas a inclusão explicita de uma alínea neste sentido, para além de fazer todo o sentido, pela razão que acabei de referir e que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro bem explicitou, é uma dignificação de uma área que cada vez mais carece de uma regulamentação clara e nacional. Portanto, pensamos que fazer-se uma explicitação deste tipo é um ganho para a Constituição.
Quanto às outras duas propostas, embora o Sr. Deputado José Magalhães não estivesse presente quando discutimos a proposta do PS de aditamento da alínea v) devo reconduzir um pouco a apreciação que o PSD faz destas propostas à discussão que já tivemos quanto à proposta do PS, no sentido de reservar para a Assembleia as bases da organização da Administração Pública.
De facto, relativamente à questão da organização, parece-nos que são perfeitamente distintas as matérias que estão envolvidas, quer na problemática da estrutura da Administração Pública quer na da estrutura das forças de segurança. É inequívoco, para todos, e nunca se questionou no nosso Estado de direito, que a chamada lei de bases de segurança interna é, por força das matérias que lhe estão implícitas, reserva da Assembleia da República. Isto nunca foi questionado por nenhum dos partidos e não é questionável.
O Sr. José Magalhães (PS): * Tecnicamente não é uma lei de bases!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Uma coisa completamente diferente é falar-se na organização das forças de segurança. De facto, aqui, temos as maiores reservas, porque não nos parece minimamente aceitável que toda a matéria que tem que ver com os problemas organizacionais de estruturas, que, obviamente, acabam por ser estruturas da Administração, seja colocada na reserva de competência da Assembleia da República, a não ser nos casos explícitos da defesa nacional em que a Constituição já o faz, porque sempre o fez.
A Constituição estabelece reserva de competências para a defesa nacional, por razões óbvias, atendendo às questões de fundo que estão subjacentes às Forças Armadas, à defesa nacional, além disso, também estabelece reserva de competências em matéria de organização do funcionamento das Forças Armadas. Esta é a única área organizacional da Administração do Estado que a Constituição sempre colocou na reserva de competência da Assembleia da República, neste caso até na reserva absoluta de competência. Não nos parece que faça sentido alargar esta competência reservada da Assembleia da República em matéria de organização de estruturas do Estado a outros sectores, seja às forças de segurança seja ao Banco de Portugal.
A questão do Banco de Portugal já foi discutida na Assembleia da República, aquando do problema da nomeação da administração do Banco de Portugal, do governador ou do vice-governador. Já fizemos alguma aproximação à sensibilidade política dos vários partidos sobre essa matéria, portanto o problema que pode colocar-se, inclusivamente ao Banco de Portugal, conforme o Sr. Deputado
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José Magalhães bem enunciou, é o da necessidade de "desgovernamentalização", ou seja, de o Banco de Portugal ganhar um crescer de independência, até no quadro das instâncias europeias em que estamos integrados.
Do nosso ponto de vista, a questão da independência pode e deve ser perfeitamente resolúvel através da eventual nomeação ou eleição do Governador do Banco de Portugal.
Já do ponto de vista organizacional, penso que há um aspecto que nunca devemos perder de perspectiva: trata-se, aqui, como nas forças de segurança, obviamente, de áreas da Administração, e quando falamos em competência para legislar sobre matérias organizacionais de sectores da Administração entendemos que não faz sentido "transplantar" isso para a reserva exclusiva de competência da Assembleia da República, sendo certo que, em última instância, será sempre ao governo que competirá a gestão destas matérias, quer em termos económicos lato sensu quer em termos de eficácia de funcionamento stricto sensu.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Deputado, só para atalhar, quero perguntar-lhe o seguinte: na sua leitura qual é o alcance e a função daquilo que dispõe o artigo 272.º, n.º 4, da Constituição, que já determina que é suposto a lei fixar o regime das forças de segurança, aliás, dispondo materialmente a Constituição que a organização é obrigatoriamente única para todo o território nacional?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Deputado, o PSD não entende, nem nunca entendeu, que o artigo 272.º, nomeadamente o n.º 4, que o Sr. Deputado referiu, determina que não é competência do governo a organização interna das forças de segurança. Não é essa a leitura que o PSD faz.
Quer dizer, é evidente que há matérias sobre o regime das forças de segurança que até têm que ver com matérias de natureza estatutária (estatutária, em termos de estatuto do pessoal), com o problema das forças militarizadas, ou não militarizadas, com o problema disciplinar, e por aí fora…
Mas, quanto à questão organizacional, penso que há sempre que não perder de vista que a condução da política de segurança, em termos práticos, depois, é também da responsabilidade do governo, e não devem ser retirados mecanismos ao governo, para que este tenha uma total responsabilização sobre o resultado final, a eficácia ou a eficiência, com que essa política de segurança é executada ao longo de uma legislatura.
Nesse sentido, do nosso ponto de vista, só no caso das Forças Armadas, em que não há uma preocupação de eficiência ou eficácia política nesse sentido, porque na defesa nacional as preocupações colocam-se acima dessas lógicas de funcionamento e de responsabilidade política pela administração e pela eficácia dos resultados obtidos, é que se justifica a existência de reserva de competência da Assembleia. Em todos os outros casos não faz sentido criar o "exclusivo" para a Assembleia da República, "desresponsalizando", de algum modo, o governo dos resultados obtidos nessas matérias,
De resto, o contrário só faria sentido se houvesse alguma desconfiança política da Assembleia da República - eu entendo que, em termos de sistema constitucional, isso não deve, pura e simplesmente, existir, nem sequer ser pensado - relativamente ao governo, para a condução de determinado tipo de matérias da Administração.
Como o PSD entende que esse tipo de lógica, em abstracto, nunca deve estar presente no próprio texto constitucional é da opinião de que todas estas competências organizacionais, que actualmente são matérias que se inscrevem na esfera concorrencial legislativa dos dois órgãos de soberania, não devem ser "transplantadas" para a esfera de competência exclusiva da Assembleia da República.
Em termos genéricos, é este o entendimento do PSD.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vou apresentar uma sugestão para tentar abrir caminho a um outro modo de encarar a questão.
Constitucionalmente, deve haver uma lei que fixe o regime das forças de segurança, di-lo o artigo 272.º, n.º 4, e também, obviamente, um estatuto do Banco de Portugal. A questão que se coloca é se estas leis devem ser da competência do governo ou se devem ser reserva relativa de competência reservada da Assembleia da República.
Pergunto ao PS se está disponível para alterar a redacção da alínea ab) de "Bases da organização das forças de segurança" para "Bases do regime das forças de segurança", uma vez que esta é a expressão constante do artigo 272.º n.º 4, e da alínea ac) de "Bases da organização do Banco de Portugal" para "Bases do estatuto do Banco de Portugal".
Pergunto ainda ao PSD se estas duas alterações eliminariam ou minorariam as reservas que expôs contra a proposta, tal como estava redigida.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, não vejo possível objecção, por várias razões.
Em primeiro lugar, porque ao deixar de colocar-se o enfoque na específica, directa e exacta questão da organização e ao aludir-se a regime opera-se em consonância com o artigo 272.º, com o seu âmbito exacto.
Em segundo lugar, porque o essencial da nossa preocupação não decorre de nenhuma desconfiança sistémica e muito menos de uma desconfiança político-conjuntural, uma vez que pensamos que este é o momento perfeito para operar determinadas modalidades de reforço da intervenção parlamentar, não na base da retaliação em relação ao governo, ou de um medo em relação à preservação da margem de actuação desejável do governo. Ou seja, como a nossa posição se filia nestas concepções e não noutras quaisquer e como creio que a proposta considera as preocupações que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes enunciou, que são respeitáveis, de ter em conta qual é o perfil da actuação governamental no sistema constitucional português e até qual o limite desejável da sua responsabilidade política, a efectivar perante o parlamento e a opinião pública, não vemos objecções à alteração de redacção proposta pelo Sr. Presidente.
Contudo, a verdade é que parece positivo que haja um envolvimento parlamentar obrigatório, sendo certo que ele pode existir facultativamente. Por exemplo, não é segredo para ninguém que o actual Ministro da Administração Interna anunciou que é sua intenção submeter ao Parlamento um instrumento que obedece precisamente, em grande medida, a esta preocupação de "arquitectura". É óbvio que
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qualquer Governo poderá sempre fazê-lo, mesmo sem uma cláusula constitucional do tipo que propomos, a verdade, porém, é que a nossa é impositiva, e como todas as cláusulas impositivas que estabelecem reservas garante a aplicação de um princípio, independentemente da oscilação política.
Numa óptica de simetria e de "arquitectura", creio que esta solução, designadamente na versão que o Sr. Presidente alvitra, é uma benfeitoria. Penso que o Parlamento e o regime ganharão com o facto de, em relação a coisas tão importantes como os princípios e as regras essenciais, haver uma clarificação e definição parlamentar, porque se trata de duas coisas que permitem maiorias alargadas para gerir matérias em que é muito importante haver grandes consensos nacionais.
Por outro lado, todos os partidos poderão sempre fazer com que o Parlamento - estou ciente disso - intervenha em relação a questões que tenham que ver com alguns aspectos contidos sob a designação "regime das forças de segurança" através do instituto da ratificação (claro que sim!), e é isso o que tem acontecido na maior parte das vezes, sem o debate de fundo, que é também um debate estratégico (não é um debate puramente de configuração de regimes legais, tem de estar associado a estratégias nacionais para este sector).
Esses debates ganham não quando temos pela frente uma malha mais ou menos articulada de diplomas legais em sede de ratificação, sobretudo, que não permite nunca a visão conglobante, mas, sim, quando se garante que as bases são obrigatórias. A Assembleia tem pouca tradição de feitura de lei de bases, o que considero ser mau. Por exemplo, a lei de segurança interna, que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes há bocado referia, é um caso curioso, porque não se trata de uma lei de bases tipicamente. É capaz de regular, aliás, ainda hoje regula, o regime das escutas, e num aspecto curioso, crucial, ou seja, no aspecto em que atribui à Polícia Judiciária o monopólio da realização desse tipo de elementos de intersecção, tendo também alguns princípios gerais! Portanto, trata-se de uma simbiose estranha que foi necessária num determinado momento político.
Além de instrumentos simbióticos desse tipo, devíamos habituar-nos a fazer em determinadas áreas leis de bases, não porque elas sejam de menos, mas porque são muito úteis para clarificar as bases, isto é, as regras, os princípios fundamentais de enquadramento e para enformar a legislação que o Governo, obviamente, fará e que está sujeita a controlo parlamentar.
O Sr. Presidente: - Existem algumas leis de bases, a começar pela Lei de Bases do Sistema Educativo!
O Sr. José Magalhães (PS): - Claro! Mas nesta área não, infelizmente!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, considera que o refraseamento da proposta do PS, segundo o alvitro que fiz, afasta as objecções levantadas pelo PSD?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, deixo aqui, nesta primeira leitura, a posição do PSD. É evidente que a proposta do Sr. Presidente visa tornar mais palatável a inserção de competências para a Assembleia da República que actualmente não existem.
As propostas como estão presentes, do ponto de vista do PSD, têm as objecções que referi; a contraproposta do Sr. Presidente torna-as, de facto, mais palatáveis. Porém, não quero esconder, Sr. Presidente, que se mantém a dúvida de fundo do PSD sobre a vantagem real em estar a acrescer à Assembleia da República competências sobre uma série de matérias quando, do nosso ponto de vista, as competências que a Assembleia da República tem já são perfeitamente suficientes para acautelar o normal funcionamento, quer dos interesses públicos em presença quer do equilíbrio de competências e de fiscalização entre os vários órgãos de soberania.
Portanto, não vemos de facto vantagem política significativa em transplantar para a Assembleia da República expressamente, nos termos das alíneas a acrescentar ao artigo 168.º, a competência exclusiva para legislar sobre determinadas matérias. Com franqueza, Sr. Presidente, à partida o PSD entende que há determinado tipo de responsabilidades, que actualmente estão divididas em termos de matérias - conforme sejam direitos, liberdades e garantias -, em que, obviamente, só a Assembleia pode legislar. Há outro tipo de legislação, virada fundamentalmente para objectivos de eficácia e de eficiência de funcionamento, em que em termos típicos o Governo deve ter responsabilidades.
Por ser assim em termos genéricos, confesso que, embora a proposta do Sr. Presidente seja bastante mais palatável, o PSD tem sempre alguma dificuldade em perceber a vantagem ou o ganho significativo da mesma, nomeadamente em termos políticos, porque, obviamente, a revisão da Constituição tem que obedecer sempre a critérios de natureza política, de vantagens políticas genéricas, não necessariamente partidárias mas, sim, nacionais.
Não vemos vantagem significativa em fazer acrescer esse tipo de competências para a Assembleia, mas sendo a proposta feita formalmente, é evidente que o PSD irá reflectir. De qualquer modo, deixo desde já aqui as reservas que acabei de enunciar, porque são reservas de fundo e não de formulação ou de oportunidade.
O Sr. Presidente: - O PS não se pronunciou ainda sobre a proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, a proposta parece-nos extremamente meritória e também aí não vemos senão um excelente contexto, até porque não temos nenhuma desconfiança sistémica e menos ainda desconfiança conjuntural. Portanto, se se estabelecer um consenso em torno da ideia do alargamento da reserva de competência da Assembleia da República neste domínio, que é seguramente um domínio de dor de cabeça vinda de longe e de riscos sérios, sempre, em relação ao futuro, estaremos inteiramente de acordo.
O Sr. Presidente: - Concluindo, quanto à proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro existe um consenso de princípio para acrescentar por parte do PCP, do PSD e do PS. Quanto às propostas do PS reformuladas, têm o apoio do PCP e as objecções do PSD, que contudo reserva posição definitiva.
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O Sr. José Magalhães (PS): - Já agora, Sr. Presidente, a acolher-se essa proposta, creio que, apesar de tudo, é preferível que fique ab) e não bb).
Risos.
Para podermos escutar o alfabeto: ab, ac, ad, af, ag!… De contrário, saltamos já para o b!…
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, com isto terminamos a discussão do artigo 168.º, com o qual gastámos toda a manhã. Proponho que a partir de agora passemos a discutir mais do que um artigo por sessão.
Como convoquei uma reunião do grupo coordenador para agora, em vez de passarmos a um novo artigo, proponho interrompermos os nossos trabalhos.
Eram 12 horas e 25 minutos.
Srs. Deputados, está reaberta a reunião.
Eram 15 horas e 25 minutos.
Srs. Deputados, vamos dar início à discussão do artigo 169.º, para o qual existem apenas propostas relativas ao n.º 2. Ressalvo a proposta de Os Verdes para o n.º 3, que é apenas um reflexo de uma sua proposta para o artigo 164.º, que não é aqui chamada.
Quanto ao n.º 2, todas as propostas são no sentido de alargamento do actual elenco das chamadas leis orgânicas, designando-se com esse nome esquisito um conjunto de leis com um processo específico de formação, isto é, que exigem maioria absoluta para a sua aprovação final global, que estão sujeitas a um processo especial de fiscalização preventiva da constitucionalidade e que em caso de veto presidencial carecem de uma maioria qualificada de 2/3 para a supressão do mesmo. É isto o que quer dizer a expressão "leis orgânicas".
Na altura própria terei oportunidade de propor que se abandone esta designação constitucional pura e simplesmente, mas não é o caso agora. Vamos é saber que elenco de leis ou de matérias estão sujeitos a este processo qualificado de formação legislativa.
De acordo com o actual n.º 2, pertencem a esse grupo as leis previstas nas alíneas a) a e) do artigo 167.º, ou seja, as relativas às eleições dos titulares dos órgãos de soberania, ao referendo, ao Tribunal Constitucional, à defesa nacional e ao regime do estado de sítio e do estado de emergência. Todos os partidos, salvo o PSD, propõem um alargamento deste elenco.
Não estando presente o CDS-PP, adopto para discussão uma parte da respectiva proposta, concretamente aquela em que propõe que se junte a este elenco os estatutos político-administrativos das regiões autónomas, que de facto, a meu ver, deviam ser as primeiras dessas leis.
No que se refere às propostas do PS e do PCP, dou a palavra aos respectivos proponentes (no caso do PS, por sub-rogação ao Sr. Deputado Cláudio Monteiro) para as apresentarem.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - O estatuto de independente também tem que ter custos; não pode ter só benefícios!
Risos.
Sr. Presidente, parece-me que, sem prejuízo da questão da qualificação das leis como orgânicas ou não, e estando em causa fundamentalmente estabelecer uma exigência qualificada de maioria para aprovação - no caso, maioria absoluta -, se justifica a proposta do PS. Digo isto pela circunstância de pretender alargar-se o âmbito do actual n.º 2 do artigo 169.º a todas as matérias que de alguma forma podem considerar-se incluídas na Constituição política em sentido material, isto é, a todas as matérias que são de alguma forma estruturantes da própria organização do poder político, designadamente aquelas que têm que ver com a Constituição e a designação dos titulares dos órgãos de soberania, bem assim como de outros órgãos constitucionais, em particular com as relações destes com os órgãos da República, como sejam as autarquias locais e as regiões autónomas.
Tanto quanto me é dado a perceber, acrescenta-se…
O Sr. Presidente: - A cidadania?
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - As questões da cidadania e do serviço de informações!
O Sr. Presidente: - E também a questão dos partidos políticos!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Exactamente !
Sr. Presidente e Srs. Deputados, a justificação é esta, aliás, julgo que só fica bem ao PS manter essa proposta num momento em que, sendo Governo, não tem maioria na Assembleia da República e, portanto, deixa de poder, com os seus votos, aprovar sozinho qualquer destas matérias, exigindo, pela positiva sempre, e não apenas pela negativa ou pela neutralidade, a participação de pelo menos mais um grupo parlamentar.
O Sr. Presidente: - Exacto!
Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, pouco mais há a dizer sobre as razões da nossa proposta, pois são as mesmas.
Pretendemos inserir no n.º 2, tal como o PS, as alíneas f), h) e j) (eleições dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas e do poder local) do artigo 167.º. Além dessas, aditávamos a esse elenco algumas outras alíneas que não tiveram acolhimento no debate do artigo 167.º e, portanto, estão fora de questão, estão prejudicadas agora, bem como a matéria do estatuto dos titulares dos órgão de soberania e do poder local. Parece-nos que as razões invocadas e aquilo que acabou de ser dito, por exemplo, sobre a eleição dos titulares dos órgão do governo próprio das regiões autónomas e do poder local deviam levar a considerar as mesmas exigências de forma, a de lei orgânica, em relação ao estatuto dos titulares dos órgãos de soberania.
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Sr. Presidente, não sei se devo limitar-me à apresentação desta iniciativa ou se posso dizer alguma coisa acerca da proposta que V. Ex.ª assumiu.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, devo dizer que, até com algum espanto, quase fiquei tentado a ver se não haveria algum lapso, se não estaria no artigo 229.º alguma exigência especial semelhante a esta. Realmente, se não existe nenhuma exigência especial de forma, creio que aqui o CDS-PP, mesmo ausente, tem alguma razão.
O Sr. Presidente: - Foi por isso que adoptei a proposta!
Srs. Deputados, estão à discussão as propostas do CDS-PP, na parte em que a assumi, do PS e do PCP.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, o PSD não apresentou modificações neste domínio por ter a ideia geral de que aquilo que está no preceito está bem, não sem excluir a possibilidade de melhorias, claro está; tudo o que está pode ser melhorado.
Há um ponto em que é preciso conjugar as coisas. Estamos num regime em que o Presidente da República tem um papel próprio, uma legitimidade e uma legitimação próprias. Várias dessas matérias são agora incluídas, por estas propostas, no elenco coberto pelas leis orgânicas, em que o regime previsto para o veto presidencial e a sua ultrapassagem já tem cobertura. Quando o Presidente da República concorda com a maioria normal na Assembleia e não suscita nenhuma questão, não veta politicamente, não toma nenhuma posição negatória relativamente à maioria feita, as coisas passam. Isto é importante porque o Presidente não tem que sair necessariamente do mesmo grupo político, aliás, a nossa tradição não é essa. Embora seja essa a situação actual, ele não tem de nascer do mesmo grupo político.
Se o Presidente não tem objecções, as coisas passam, se tem objecções, então, funciona o n.º 3 do artigo 139.º, que abrange, por exemplo, todas as eleições previstas. Assim, não vejo muita utilidade na proposta de cobertura pelo conceito de lei orgânica da alínea j) do artigo 167.º.
Quanto à lei sobre as associações e partidos políticos, de facto talvez aí haja um ganho, como há um ganho relativamente ao estatuto das regiões autónomas, que considero ser uma matéria paraconstitucional. Estes estatutos, claro está, não são uma Constituição, mas têm uma função paraconstitucional, de maneira que deve ser exigida, já na primeira decisão legislativa, uma maioria própria. Porém, não sei se esta ideia ligada às leis orgânicas chega, se é assim tanto como isso na votação global haver esta maioria, mas o resto… Não sei, mas de qualquer maneira isto parece-me bem, parece-me um ganho.
Moral da história, para não estarmos aqui a "partir cabelos em quatro": parece-me que este alargamento em alguns casos não traz nenhum ganho político e real ao funcionamento do sistema, mas noutros casos traz.
Assim, reservaria a posição do partido para, na altura própria, em segunda leitura, apurarmos que alíneas devem ser incluídas nesta categoria especial de leis, que exige logo na primeira votação uma maioria qualificada particularmente exigente.
O Sr. Presidente: - Particularmente exigente? Bom, no caso de um Governo de maioria absoluta não é nada exigente!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Obriga, pelo menos, os Deputados a estarem naquela proporção, ou seja, a estarem presentes 2/3, o que já não é pouco.
O Sr. Presidente: - Não, não! A maioria exigida para as leis orgânicas é só a maioria absoluta!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - A maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções. Mas têm de estar todos cá! Era isso o que eu queria dizer.
O Sr. Presidente: - As leis orgânicas carecem de aprovação, na votação global, por maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções, só se excepcionando as que respeitam aos ciclos eleitorais e uma lei, que, aliás, nem é lei orgânica, referente às restrições dos...
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Na segunda votação, para superar o veto, é que é preciso essa maioria particularmente exigente. E isso já garante muita coisa!…
Se calhar, na minha óptica - mas não pensei nisto em pormenor e com rigor -, talvez fosse de alargar a maioria qualificada de 2/3 para vencer um veto do Presidente da República, mais do que propriamente alargar a maioria na primeira votação. Parece-me que isto condizia melhor com o sistema semipresidencial que temos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, compreendo algumas das preocupações do Sr. Deputado Barbosa de Melo quando refere a duplicação de mecanismos, que não são de controlo, porque este não é bem um mecanismo de controlo mas, sim, um mecanismo de obrigar ao consenso, que é prévio ao problema do controlo.
Ora, isso reflecte a circunstância de termos vivido experiências constitucionais bem diversas do ponto de vista da prática constitucional, as quais levam a que a Constituição seja por vezes eficaz e outras vezes ineficaz no que respeita ao respectivos mecanismos de controlo, o que deriva de o sistema funcionar, em certas circunstâncias, de acordo com o exercício normal do sistema parlamentar maioritário e de, noutras circunstâncias, ser acentuado o pendor semipresidencialista do sistema. Como sabemos, isso varia muito da prática política e das condições políticas existentes: da circunstância de haver ou não confluência, afinidade política ou ideológica entre a maioria parlamentar - não diria maioria presidencial para não utilizar um termo pejorativo - e o Presidente da República; de haver ou não maioria absoluta.
A vantagem do alargamento destes limites a outros actos que se reputam relevantes e igualmente estruturantes
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do sistema é, pese embora possa haver uma certa duplicação das garantias, as garantias funcionarem diferentemente consoante as circunstâncias políticas concretas.
É verdade que o mecanismo do veto e da maioria qualificada exigível para o ultrapassar é um mecanismo de garantia que serve sobretudo as situações em que há maioria absoluta, em que o Presidente funciona como uma espécie de contrapeso, mas também é verdade que isso só acontece quando o Presidente, apesar de tudo, tem uma posição de maior equidistância em relação à maioria parlamentar. Acontecerá menos, provavelmente, numa situação em que haja, para além de maioria absoluta, também alguma sintonia política entre a maioria parlamentar e o Presidente da República.
Esta situação, pelo contrário, porventura funciona como um mecanismo de controlo mais eficaz numa situação como a presente, em que há uma sintonia entre o Presidente da República e o Governo, sendo que este, apesar de tudo, nem sequer tem maioria absoluta e, portanto, careceria sempre do concurso de pelo menos mais um partido representado na Assembleia da República para aprovar qualquer um destes diplomas.
Não constituindo propriamente um bloqueio - porque não me parece que seja de modo a bloquear a acção governativa -, é sempre mais uma forma de garantir o consenso necessário para matérias que apesar de tudo são estruturantes do sistema político. É nesse sentido que, julgo, a proposta foi formulada.
Nessa perspectiva, até concedo com o Sr. Deputado João Amaral (embora o faça do ponto de vista pessoal, porque não tenho aqui nenhum representante legítimo da bancada do PS para o fazer) que a alargar-se o n.º 2 às matérias que propõe o PS também faria sentido alargar-se, designadamente, à matéria do estatuto dos titulares dos órgãos de soberania, à alínea l) do artigo 167.º.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, pessoalmente, penso que estes mecanismo das chamadas leis orgânicas visam obrigar a alargar o consenso à partida, sobretudo no caso de governos minoritários, permitir um regime de fiscalização preventiva mais expedito para evitar a entrada em vigor de leis inconstitucionais nestas áreas e exigir maioria qualificada no caso de veto do Presidente da República. São todos mecanismo para estas matérias politicamente sensíveis (o Sr. Deputado Cláudio Monteiro viu bem este ponto quando analisou aqui o elenco da Constituição política material) exigirem alguma ponderação qualificada e, portanto, não ser admissível, por exemplo, que por um jogo puro de abstenção a actual maioria relativa pudesse aprovar uma lei de partidos políticos, ou uma lei eleitoral, ou um estatuto de uma região autónoma, ou uma alteração do estatuto da cidadania.
Independentemente de se saber quem neste momento tem maioria, confesso que me choca um bocado que leis básicas dessa natureza possam ser aprovadas por uma simples maioria relativa, que não haja um mecanismo que facilite mais a fiscalização preventiva e que em caso de veto presidencial ele possa ser superado por simples maioria absoluta. Portanto, do meu ponto de vista, penso que eram boas obras aquelas que aqui se propuseram.
Havendo convergência no fundamental entre o PS e o PCP quanto ao alargamento do elenco das matérias, havendo também convergência quanto à proposta do CDS-PP que suscitei, por parte do PSD há reserva de posição, portanto, à partida não há exclusão mas também não há admissão concreta, deixando-se a análise concreta para o futuro, sem prejuízo de o Sr. Deputado Barbosa de Melo ter, em relação à questão dos estatutos das regiões autónomas, manifestado a sua posição de que este seria um dos casos em que claramente haveria uma melhoria.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, se me permite, gostaria de fazer só um pequeno acrescentamento.
O Sr. Presidente falou, e bem, que há coisas que chocam serem feitas por um só grupo…
O Sr. Presidente: - Sobretudo se for minoritário!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - E mesmo se for maioritário!
A verdade - quero só deixar esta nota para a acta - é que olhando para trás...
O Sr. Presidente: - Isso não tem acontecido!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - … isso não tem acontecido, porque esta sensibilidade acompanha a generalidade dos representantes do povo português aqui no Parlamento. Seria erróneo presumir que este choque é só de uns; toda a gente se chocaria com isso, e por isso é que ninguém ultrapassa esta barreira!… Não podemos arranjar um sistema racionalmente fechado sob pena de matarmos a política! Tem de ter algumas aberturas, e a verdade é que funciona, tem funcionado! Ainda hoje não conheço nenhum caso em que se tenha excedido os limites impondo uma lei, que à partida precisasse do consenso plural, por uma maioria monocolor, nas áreas da Constituição política, que é essencial ao funcionamento do sistema político.
O Sr. Presidente: - Em todo o caso, em termos de sistema constitucional penso que haveria um ganho, fica, no entanto, esta questão em aberto e o PSD reserva posição. Em relação à alínea b) do artigo 164.º manifesta abertura, mas também com reserva de posição.
Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 170.º.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, posso fazer uma sugestão?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. João Amaral (PCP): - O artigo 171.º , "Discussão e votação", está muito ligado à questão que acabámos de ver e talvez tenha alguma vantagem, visto que o artigo 170.º já tem matéria…
O Sr. Presidente: - Não vejo vantagem nisso, Sr. Deputado; chegaremos lá rapidamente.
Quanto ao artigo 170.º existem algumas propostas.
O Sr. João Amaral (PCP): - É que as propostas que existem são muitas e talvez convenha ter uma boa representação aqui.
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O Sr. Presidente: - São todas simples, Sr. Deputado. Grande parte dessas propostas reduzem-se a incluir a iniciativa legislativa do cidadão. Todas as propostas do PS têm que ver com isso, bem como a proposta do PCP, a do Sr. Deputado António Trindade e outros e a de Os Verdes. Só a proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro não tem que ver com essa questão.
Portanto, tirando a proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, todas as outras têm que ver com uma única coisa, que se chama "iniciativa legislativa dos cidadãos", e é isso que está à discussão.
Começando pelo PS, a proposta referente aos n.os 1, 2 e 3 limita-se exactamente a acrescentar as iniciativas de grupos de cidadãos, sendo que o novo n.º 4 proposto diz que "A iniciativa legislativa dos cidadãos é assumida por um número de subscritores não inferior a dez mil, devendo ser apreciada em prazo não superior a seis meses".
A proposta do PCP inclui também a iniciativa legislativa dos cidadãos sem mais especificações, sendo apreciada obrigatoriamente pela Assembleia no prazo estabelecido no seu Regimento - é esta diferença.
A proposta do Sr. Deputado António Trindade é igual à do PS. A proposta de os Verdes é também igual à do PS, não prevendo o prazo da discussão.
Portanto, Srs. Deputados, está à discussão o pacote de alterações, que na verdade se reduzem a uma, dos vários números do artigo 170.º, ou seja, todas as alterações relativas à chamada iniciativa legislativa popular, à iniciativa de grupos de cidadãos eleitores.
Começando por ordem de proponente (PS, PCP, Sr. Deputado António Trindade e Os Verdes), têm a palavra os Srs. Deputados do PS para apresentarem as propostas referentes aos n.os 1, 2, 3 e ao novo n.º 4 do artigo 170.º, que regulam a iniciativa legislativa de grupos de cidadãos junto da Assembleia da República.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, esta é uma daquelas propostas que apresentámos por se inserirem claramente nos seis princípios básicos para a reforma do sistema político, que são o centro do projecto de revisão constitucional.
Trata-se, como disse, de garantir aos cidadãos uma possibilidade de desencadear processos legislativos, pois consideramos desejável que os portugueses, desde que num número expressivo, possam pôr em marcha processos de elaboração de leis cuja apreciação pela Assembleia deve nesses casos ser obrigatória. Não se trata, obviamente, de uma obrigação de resultado, trata-se de uma obrigação de conhecimento e de deliberação, que não poderá ser indiferente ao mérito das próprias iniciativas, aos subscritores e à forma como as mesmas sejam fundamentadas.
Nos termos em que isto é proposto pelo grupo parlamentar do PS, trata-se verdadeiramente de uma elevação qualitativa, de um salto qualitativo, em relação a uma das inovações da revisão constitucional de 1989, ou seja, a apreciação de petições assinadas por um número significativo de cidadãos pelo Plenário da Assembleia da República.
Não consigo ver uma diferença tal entre uma figura e outra que legitime o aplauso de uma e a rejeição da outra. Pela nossa parte acolhemos ambas, ainda que tenham filosofias, implicações e recortes específicos.
Verificámos durante o debate com algumas das entidades que intervieram neste processo, designadamente no decurso da conversa com o Sr. Prof. Jorge Miranda, que consta do seu projecto de revisão constitucional um approach diferente, uma aproximação, uma solução diferente, uma vez que ele não sustenta a iniciativa legislativa popular mas, sim, uma obrigatoriedade de agendamento de iniciativas outras populares, que no horizonte não colidem com um dos objectivos essenciais de alargamento da participação cívica subjacente a esta proposta.
Portanto, Sr. Presidente, só talvez por algum tabu político e gnoseológico é possível estabelecer um grande fosso entre uma iniciativa e outra. Esta vem rodeada de todos os cuidados, garante o que pode garantir, não garante aquilo que só compete à maioria parlamentar que se estabeleça ou não em torno de uma iniciativa. Não prejudica também os trabalhos parlamentares, na medida em que todas estas iniciativas têm que ser articuladas e o seu agendamento deve obedecer às regras do Regimento, as quais, obviamente, já providenciam neste momento prioridades e garantem que actos que devam ter precedência a tenham nos momentos e pelas formas devidas.
Eis, pois, o nosso apelo a que a iniciativa seja considerada pelo que é, e não porventura pelo que alguma leitura menos rigorosa pudesse sugerir que fosse.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o PCP propõe um regime idêntico ao do PS, mas em termos mais económicos sob o ponto de vista sistemático e formal. De resto, se a solução fosse adoptada teria a minha preferência.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, pouco mais adiantarei, pois a proposta está descrita, quero só dizer que não há, como ouvi dizer ao Sr. Deputado José Magalhães no momento em que entrei, uma obrigação de resultado - é evidente que não há uma obrigação de resultado -, mas há aqui um mecanismo que seguramente aproximava os cidadãos do exercício do poder político. Isso é um valor suficientemente importante para, numa situação em que a Assembleia e os Deputados apreciam livremente a iniciativa, num quadro em que está completamente respeitada a soberania e a competência própria do órgão, acolher um mecanismo que sem dúvida nenhuma prestigiará a Assembleia.
É tudo o que tenho a dizer, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, não vou entrar muito longe na discussão deste ponto, vou primeiro fazer uma selecção das duas propostas, que, aliás, têm um conteúdo correspondente. A técnica melhor parece-me ser a da proposta do PCP, que acrescenta dois números e mantém o resto, parecendo-me mais adequada. Por outro lado, tem uma vantagem sobre a do PS, na medida em que não fixa um prazo constitucional para a apreciação da iniciativa dos cidadãos, deixa isso ao Regimento, portanto, sujeito ao direito ordinário, à legislação ordinária. Parece-me mais maleável, menos rígida, daí ir debruçar-me sobre ela.
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Pessoalmente, subscrevo a iniciativa do referendo popular que incide sobre temas particularmente relevantes. Quem promove um referendo sujeita-se ao ridículo, pode ser punido pelo próprio eleitorado se não corresponde no número necessário para que o referendo tenha significado, há uma punição in reipsa de uma iniciativa mal conduzida, portanto, o referendo tem um travão intrínseco interno. Creio que a iniciativa para o referendo popular é uma aproximação do sistema perante o comum dos eleitores e que tem um travão intrínseco.
A iniciativa da lei por parte directamente dos cidadãos, a iniciativa popular da lei, estou um pouco como o Prof. Jorge Miranda, foge um bocado às minhas regras, à minha maneira de ver a democracia representativa, e não vejo que se ganhe muito a esse respeito. Mas, enfim, esta é uma questão delicada, que mexe com o cerne do sistema político. Assim, reservaria a posição do PSD para esta matéria, sendo certo que pode discutir-se quanto ao número dos eleitores, claro está.
Também não sou daqueles que admita que vamos consagrar uma iniciativa popular e pôr um número de cidadãos que a requeiram de tal ordem que a torne impraticável - isso não é honesto do ponto de vista da boa legislação constitucional. Se se entender por bem que um número significativo de cidadãos deve poder fazer mexer o processo legislativo através de uma tomada de iniciativa, então, o número para fazer isto tem de ser razoável, não vamos poder fazer entrar pela janela o que quisemos que saísse pela porta. Talvez dez mil seja o número indicado. Para o referendo talvez mais, na verdade.
De qualquer forma, pessoalmente, coloco muitas reservas à iniciativa legislativa popular, pois penso que pode conduzir a uma derrapagem permanente do sistema representativo, porque ela é continua, aparecem projectos de lei a todo o tempo sobre todos os temas. Então com a solução do PS, se calhar, a marcação da agenda do Parlamento ficaria por conta dos cidadãos eleitores e não propriamente por conta dos seus representantes, que tanto trabalhinho dão a eleger em cada tempo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, como é notório, o projecto que subscrevo não propõe a iniciativa popular em matéria legislativa. Obviamente, tenho dúvidas, algumas das quais correspondem às dúvidas suscitadas pelo Sr. Deputado Barbosa de Melo, embora eu tenha também algumas dúvidas de que a sua fé na iniciativa popular em matéria de referendo tenha tido alguma repercussão na discussão que aqui fizemos atrás sobre a mesma matéria, uma vez que o PSD transformou a iniciativa popular em matéria de referendo numa espécie de petição qualificada, ou direito de petição qualificado, uma vez que ela se faz perante a Assembleia sem possibilidade de autónoma e irreversivelmente poder desencadear o processo.
Concordo com as objecções e alguns receios de desvio popular ou populista da democracia representativa nesta matéria, porque julgo que a haver alguma atenuação do sistema político no que respeita ao equilíbrio entre o princípio representativo e o princípio de democracia directa, esse equilíbrio deve alcançar-se encontrando instrumentos autónomos para cada um, não propriamente misturando as duas componentes no mesmo processo, como seria o caso permitindo a iniciativa legislativa directa pelos cidadãos.
No entanto, quanto ao número de cidadãos suficientes para propor uma iniciativa popular, eu até iria mais longe do que o Sr. Deputado foi, porque a admitir-se esta iniciativa, então, não faria sentido que o número de subscritores não fosse pelo menos idêntico ao da ratio eleitores representados ou Deputados. Digo isto pela simples circunstância de que se essa é a maioria exigível para eleger um Deputado, que por sua vez tem depois a iniciativa legislativa, por esta via se abriria a porta a conferir "representação" a grupos organizados de cidadãos que, porventura, não alcançassem a maioria necessária para eleger um Deputado mas que desta forma podiam condicionar os trabalhos parlamentares de fora, apesar de não terem conseguido lá entrar pelo voto directo dos cidadãos.
O Sr. Presidente: - E qual é a ratio, Sr. Deputado Cláudio Monteiro?
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - A ratio varia consoante seja a ratio real, isto é, em termos de cidadãos inscritos nos cadernos e em termos de eleitores efectivos, oscilando entre os 25 000 e os 40 000.
O Sr. João Amaral (PCP): - Há os inscritos e os falsos...
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, havendo convergência nas propostas do PS, do PCP e de outras propostas neste sentido, há, no entanto, a registar as objecções de fundo apontadas pelo Sr. Deputado Barbosa de Melo e a consequente reserva de posição quanto a esta matéria, pelo que não avançamos mais no assunto.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, estou inteiramente de acordo com a conclusão que tirou, mas permita-me fazer só um comentário brevíssimo sobre dois dos argumentos utilizados.
O primeiro argumento é que, independentemente das questões de fé dividida, ou seja, de aposta na iniciativa popular para umas matérias e não para outras, e havendo todas estas questões que agora não considero, os riscos de derrapagem permanente, como foi chamado, de projectos de lei polivalentes ou sobre todos os temas e de um Parlamento por conta dos cidadãos parecem-me francamente minimizáveis e controláveis neste sentido puro, ou seja, enquadráveis através de saudáveis regras regimentais.
Não consigo estabelecer uma diferença qualitativa entre a apologia, por exemplo, da modalidade de direito de petição inventada em alternativa à consagração da iniciativa legislativa popular e os riscos de derrapagem de que alguns Srs. Deputados aqui fizeram eco. Por exemplo, na proposta do Prof. Jorge Miranda as petições individuais ou colectivas apresentadas sobre qualquer matéria subiriam sempre que qualquer iniciativa legislativa com o mesmo objecto fosse apreciada pelo Plenário. Não digo que seja negativo, mas analisando a mecânica do funcionamento de uma solução desse tipo isso conviria a uma iniciativa por contacto ou por adesão ou por identidade de objecto. Ou seja, lobrigada a apresentação de uma determinada iniciativa, os candidatos a peticionários fá-lo-iam para terem o
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benefício da apreciação da petição pelo Plenário, juntamente com a iniciativa, quer de um grupo parlamentar quer de um Deputado singularmente tomado, o que em sede de proliferação e de efeito adiantado como negativo para os Srs. Deputados é seguramente mais incerto.
Neste caso trata-se de, em relação a determinadas matérias… Reparem que no nosso caso esta forma de iniciativa está condicionada a um número significativo de assinaturas, portanto, não é qualquer pessoa que reúne o dobro das assinaturas necessárias para actividades fundacionais partidárias para colocar uma questão nacional. É o dobro! É só isto, o dobro!… E o dobro para um acto que se esgota em si mesmo, uma só vez! Quem quiser repetir tem que recomeçar a partir do zero, ou seja, da primeira até à última das assinaturas necessárias. Não é um processo simples, ninguém tem aqui uma máquina de injectar assinaturas que permita transformar isso num pesadelo disruptivo ou numa derrapagem.
Portanto, Sr. Presidente, quero dizer que algumas das soluções alternativas parecem acarretar mais disrupção do funcionamento e questões mais complexas de gerir do que esta, que é singular, exacta, medida e limitada, no sentido de ser objecto de restrição.
Quanto a conceder representação a quem não entrou no Parlamento, parece-me a mais normal das coisas, porque estar no Parlamento é uma situação transitória, sendo que dar voz aos cidadãos que sempre existirão é uma questão permanente. Portanto, não é obrigatório estabelecer uma relação de bronze entre a eleição para ter voz e estar fora do Parlamento e todavia ter voz dentro dele. No que respeita a ter democracia representativa e participativa ao mesmo tempo, as duas coisas articulam-se normalmente com uma certa fluência.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, quero pedir um esclarecimento.
Não se trata de voz, trata-se de intervenção no processo legislativo. É disso que estamos a tratar, ou seja, da intervenção no processo legislativo.
O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Não se trata de ter ou não ter voz na petição! Isso é outra coisa!…
O Sr. José Magalhães (PS): - Não! Refiro-me a ter voz no processo legislativo! Tem razão, Sr. Deputado.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Trata-se de ter voz no processo legislativo! É só neste ponto!
A minha pergunta relaciona-se com o seguinte: V. Ex.ª disse que esta proposta do PS estava limitada pelo seu objecto. Não estou a ver como isso é, pelo que gostaria que me esclarecesse. Há temas?
O Sr. José Magalhães (PS): -Não, não!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Ou a iniciativa legislativa versa sobre qualquer matéria legislativa? É esta a questão.
O Sr. José Magalhães (PS): - Nos termos em que está formulada a proposta - se o induzi em equívoco interpretativo, peço desculpa -, a iniciativa coincide exactamente com o âmbito da própria iniciativa legislativa dos Deputados, ou seja, é vedado à iniciativa legislativa popular o que é vedado à iniciativa parlamentar.
O Sr. Presidente: - Portanto, não há nenhuma restrição específica?
O Sr. José Magalhães (PS): - Não, não há uma restrição específica. Não sei se o Sr. Deputado concebia a necessidade de alguma específica restrição para este tipo de iniciativa.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Não, o que concebo é que isto não fique cá! Pela minha lógica isto não deve ficar cá!
Por exemplo, em matéria de iniciativa para lei constitucional de revisão…
O Sr. Presidente: - Esta é só à lei ordinária!
O Sr. José Magalhães (PS): - Esta é a iniciativa legislativa popular corrente. A apresentação de projectos de lei...
O Sr. Presidente: - A iniciativa de revisão constitucional está regulada noutro lado!
O Sr. José Magalhães (PS): - Nessa matéria não creio que se estabeleça confusão. Mas se essa preocupação existe, clarificamo-la.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, quero só acrescentar que há diferenças entre a petição e o processo legislativo, mas deste ponto de vista não há. É que através do mecanismo da petição com quatro mil assinaturas os cidadãos podem hoje, nos termos da lei, impor à Assembleia a discussão de um determinado tema, e o que se pede à Assembleia em geral são medidas legislativas.
Portanto, a discussão por iniciativa dos cidadãos é feita no quadro da petição, aqui trata-se de o fazer num outro quadro, que é o da própria apreciação da lei. Evidentemente, a situação é diferente, mas a grande questão do monopólio da representação pelos Deputados já foi ultrapassada por lei, essa barreira já não existe hoje na Assembleia.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Para a petição, Sr. Deputado, mas estamos a falar no processo legislativo.
O Sr. João Amaral (PCP): - Eu sei, e estabeleci a diferença, Sr. Deputado! Mas disse que aí o relevante é a barreira do relacionamento dos cidadãos com a Assembleia, a qual já foi vencida na petição. Posso, através de uma petição, apresentar um projecto de lei à Assembleia para que esta o considere. Claro que não a obrigo à votação específica, mas obrigo-a à apreciação desse projecto. Sobre
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a forma de petição apresento um articulado de lei e suscito a sua discussão na Assembleia.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Já tem acontecido! Temos uma petição sobre o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
O Sr. João Amaral (PCP): - Provavelmente, vamos discutir já a seguir, no artigo 171.º, a propósito de uma proposta do PCP, uma questão que, creio, dever-nos-ia preocupar a todos, independentemente da formulação que aí está, que é a da sequência das petições quando discutidas em Plenário.
O Sr. Deputado recordará, com certeza, dos tempos em que foi presidente da Assembleia da República, as vezes que eu lhe disse que considerava aquela discussão inconclusiva, sem possibilidade de haver um mecanismo de deliberação qualquer, frustrante para os cidadãos que exerceram o direito de petição, vêm à Assembleia e assistem a um moinho de palavras, que não é aquilo que eles esperam.
Isto para dizer que se estamos a consagrar um mecanismo que aproxima os cidadãos da Assembleia, então consagre-se com esta expressão, que não tem nenhum exagero, porque os Deputados são livres de votar aquilo que entenderem, que tem cautelas suficientes - podem introduzir-se mais, evidentemente -, mas que dá uma expressão concreta a este relacionamento, e não uma expressão palavrosa e insuficiente, na minha opinião. Volto a sublinhar que lhe disse, quando era Presidente, como lamentava o que se passava com as petições a esse nível.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Se me permite a observação, Sr. Presidente, a lógica do sistema vigente é esta: o direito de petição é dirigido à Assembleia - ir ao Plenário é uma coisa já significativa - e depois os grupos parlamentares é que são devolvidos à sua responsabilidade de adoptarem uma coisa ou não. Não é inconsequente nenhum grupo parlamentar subscrever a iniciativa proposta.
O Sr. João Amaral (PCP): - Eu sei que é diferente, mas chamei a atenção para as semelhanças. Não há só diferenças.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que a discussão não foi, obviamente, irrelevante, mas o estado da questão não se alterou. Pela minha parte - já agora dou a minha posição - bem gostaria que este instituto da iniciativa legislativa popular avançasse. Quanto à formula, penso que é tecnicamente mais económica a do PCP, como, aliás, já tinha dito.
Vamos a outras propostas. Os Deputados do PCP propõem um n.º 10 cujo sentido não alcanço, mas que os proponentes esclarecerão. Diz o seguinte: "A iniciativa da proposta de referendo é exercida, nos termos da lei, de acordo com o disposto no artigo 118.º".
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá para apresentar a proposta.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, as finalidades desta disposição são meramente técnicas e têm, naturalmente, o pressuposto de que a iniciativa legislativa, cuja natureza e contornos já verificámos, não deve, nem pode, subtrair-se à regulamentação geral prevista no artigo 118.º.
É evidente que isto está de algum modo pressuposto, assim, pode colocar-se naturalmente em causa a indispensabilidade desta disposição. Aquilo que se pretende dizer é que o facto de se admitir a proposta de referendo em termos mais vagos não significa de forma nenhuma que não seja obrigatório o cumprimento do disposto no artigo 118.º.
Se for entendido, como eventualmente será, que a disposição é inútil, creio que resta a utilidade desse entendimento.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que merece discussão esta proposta. Sinceramente, penso que é totalmente inútil.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, nem sei como exprimir de maneira diferente a ideia que acabou de deixar em acta, porque o artigo 170.º, n.º1, foi redigido específica e claramente para, em articulação com o que aprovámos na Revisão Constitucional de 1989 quanto ao artigo 118.º, estatuir o necessário sobre a iniciativa referendária.
A articulação sempre existiu, foi introduzida nas duas sedes na segunda revisão constitucional, como tinha que ser, e claro que é uma iniciativa de proposta de referendo, porque já se sabe que aos Deputados e aos grupos parlamentares não cabe só isso.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, talvez possa acrescentar algo que, dentro da economia do projecto do PCP, permita um entendimento ao qual o PS, por exemplo, que tem outra opção nesta matéria, não tem que fazer este tipo de remissão. A proposta, não propriamente de iniciativa popular de referendo, como vimos, mas, sim, de uma petição qualificada em matéria de referendo, foi feita pelo PCP não no artigo 170.º mas, sim, no artigo 118.º.
O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Por isso mesmo nesta disposição, em que se regulamenta a iniciativa da lei e do referendo, quis remeter-se para o artigo 118.º, atendendo a que aí há uma proposta de inovação na economia da proposta do PCP em relação à situação actual, que é exactamente a iniciativa popular de referendo, embora saibamos que não nos contornos em que faz o PS, isto é, não como direito potestativo mas, sim, como uma petição qualificada perante a Assembleia.
O Sr. Presidente: -Sr. Deputado Luís Sá, creio que está de acordo comigo em que bem podemos passar à frente.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, penso que resulta da sua intervenção em particular que podemos passar à frente, porque é óbvio que não estamos a trabalhar na economia da proposta do PCP.
O Sr. Presidente: - Muito bem.
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No que respeita à proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, a parte que acrescenta a iniciativa legislativa dos agrupamentos parlamentares, figura que hoje não existe, será vista depois. O Sr. Deputado Cláudio Monteiro, na altura própria, proporá, ficando dependente esta proposta da consideração que se fizer na altura própria no que respeita aos agrupamentos parlamentares.
Ainda quanto à proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro há ainda a analisar a parte relativa ao n.º 8, que representa, isso sim, uma alteração do actual numero.
Tem a palavra o proponente para apresentar a proposta.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, a proposta, para ser muito sincero, diz menos do que aquilo que verdadeiramente quer dizer, embora também diga o que lá está escrito. Ou seja, é verdade que a propósito do regime do processo legislativo se entendeu propor esta alteração que distingue as comissões consoante a fase em que o processo legislativo se encontra, residindo, portanto, a alteração fundamental em apenas permitir que os textos de substituição surjam na fase da discussão na especialidade, em não permitir que a comissão se pronuncie sobre os diplomas previamente ao debate na generalidade.
Por isso refiro que a proposta, em certo sentido, diz menos do que aquilo que quer dizer, porque no fundo, por falta de regime constitucional (e compreendo que o regime constitucional tenha que ser, apesar de tudo, contido nesta matéria, dado que se trata de uma matéria de auto-organização do Parlamento, que a este deve fundamentalmente caber), por falta de disposições constitucionais relevantes em matéria do papel das comissões parlamentares - e esta proposta resulta da minha pouca experiência, porque é particularmente minha esta proposta -, pela pouca experiência que adquiri na sessão legislativa anterior, julgo que é necessário introduzir, apesar de tudo, algumas regras, por mais tímidas que sejam, que permitam distinguir bem a função das comissões parlamentares e permitam, designadamente, distinguir a circunstância de elas deverem exercer funções diferenciadas consoante a fase do processo legislativo em que nos encontramos.
Daí a distinção entre a fase em que se faz a discussão do projecto na especialidade, onde reconheço que a comissão tem um papel de legislador ou de legislador substituto, e a fase em que a comissão se pronuncia sobre os projectos anteriormente à sua subida ao Plenário, em que julgo que a comissão deve ter um papel meramente instrutório. Esta leitura, aliás, depois obriga ou permite tirar consequências a outros níveis, designadamente no que diz respeito aos poderes que a comissão tem de permitir ou impedir o acesso dos projectos ao debate na generalidade.
Embora haja ressalva - e a ressalva já está vigente no actual texto - de que este poder de substituição não prejudica as propostas quando elas não sejam retiradas, o facto é que não deixa de ser verdade que por esta via se permite de alguma maneira que sejam abafadas algumas iniciativas legislativas, coisa que julgo ser de evitar numa fase anterior à sua discussão à generalidade. Julgo que é de obrigar, por assim dizer, a que as iniciativas subam ao Plenário tal qual foram apresentadas e correspondam à vontade dos seus proponentes.
É verdade que no plano político este fenómeno ocorre por outra via, porque este fenómeno...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Cláudio Monteiro, a comissão propor a substituição não preclude a votação dos projectos sobre os quais a comissão se debruçou,
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não, não preclude, aliás, ressalvei que é verdade que o próprio texto constitucional vigente salvaguarda em última análise o direito de os proponentes levarem os projectos até ao fim, o que significa que obrigam a que sobre ele haja uma apreciação e uma votação na generalidade.
O que eu disse é que considerava que isso, apesar de tudo, não escondia a circunstância de o texto de substituição, de certa forma, consumir a iniciativa originária e servir em última análise para a abafar, por assim dizer, o que, aliás, já sucede. Mas isso é uma consequência inevitável do ponto de vista jurídico, com a circunstância de que o desencadeamento de um processo legislativo por parte de um partido frequentemente leva os demais partidos a, na sequência dessa iniciativa, tomarem iniciativas sobre matérias para as quais porventura não estavam a ponderar e só o fazem para ter um parâmetro de comparação e, às vezes, até um parâmetro de assimilação ou de consumo da proposta originária.
Julgo que, apesar de tudo, é relevante estabelecer esta regra, que, embora sendo tímida, não deixa de dar uma indicação que julgo ser útil e que não vejo que não tenha dignidade para estar no texto constitucional, no sentido de consagrar o princípio da prevalência do Plenário sobre as comissões parlamentares e para enquadrar a função destas, estabelecendo a distinção de que os poderes que as comissões têm devem variar consoante a fase do processo legislativo e que estas só devem ser poderes legislativos a partir do momento em que o Plenário já sancionou o projecto com a votação na generalidade. Até então, as comissões devem ter um papel meramente instrutório da apreciação e da discussão na generalidade dos projectos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à consideração a proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, visando esclarecer que, em sede de discussão na generalidade, as comissões não podem apresentar textos de substituição dos projectos ou propostas submetidos à apreciação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - A ideia é que a comissão, enquanto não houver debate e votação na generalidade, não pode ... Imaginando o seguinte caso: há vários textos, a comissão é integrada por todos os partidos, que estão todos de acordo em que, em vez de se fazer um debate sobre qualquer um dos textos que não está muito bem, se elabore um texto que integre tudo para ser discutido no Plenário. Isto hoje pode ser feito, mas com a emenda proposta já não pode.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Deputado, é verdade que é assim e o argumento que utilizou serve para reforçar a ideia que esteve na origem desta proposta. Esta proposta foi feita por alguém que nas circunstâncias actuais está livre de vínculos partidários (pelo menos está livre
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desses vínculos com a intensidade com que outros estarão) e só por isso talvez a tenha apresentado.
A referência que fiz não tem nada que ver com a circunstância de eu ser independente, mas com a circunstância de julgar que é perniciosa a ideia de que a lógica política pode sempre prevalecer sobre alguns princípios fundamentais, designadamente o que está aqui em causa, que é o princípio da prevalência do Plenário e da sua autoridade sobre o trabalho feito em comissões. Julgo que isso deve ser assim precisamente numa fase em que o Plenário já se pronunciou sobre as propostas que são objecto de discussão.
O que tem conduzido a esta ideia de que havendo consenso se pode fazer tudo é o facto de haver interpretações diferenciadas consoante a conveniência política, interpretações essas que não têm que ver apenas com a possibilidade de fazer ou não propostas de substituição, mas com o próprio entendimento que se tem acerca dos poderes de admissão dos projectos por parte do Presidente da Assembleia da República e dos poderes que a comissão tem de se sobrepor ou não a essa apreciação sobre a admissão dos projectos.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Posso fazer uma pergunta?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - O mecanismo tal como está não tem uma válvula de segurança para quem diz: eu não retiro a proposta. A comissão vai fazer um projecto conjunto, mas eu não retiro a proposta. Quando for a hora de ir ao Plenário é apresentado o projecto da comissão, mas eu, autor do projecto, quero que ele seja votado também no Plenário, e vou intervir no Plenário para 'defender a minha dama'.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Essa válvula de salvaguarda existe, mas entendo que isso não deixa de indiciar que a comissão tem uma espécie de disponibilidade sobre as iniciativas legislativas, que julgo que só deve ter depois de estar legitimada pelo voto maioritário do Plenário no sentido de que a proposta pelo menos merece baixar à comissão para ponderação na especialidade.
Por isso é que eu dizia no início que a proposta diz menos do que aquilo que quer dizer, porque obviamente esta foi a fórmula encontrada para, para além de resolver este problema concreto (que porventura nem é o mais importante embora também seja um dos problemas importantes), dar algum indício no texto constitucional da diferenciação dos poderes da comissão em razão da fase do processo legislativo segundo a ideia de que, na fase prévia à apreciação na generalidade, a comissão deve ter uma função meramente instrutória. Isto resulta na dignificação do papel da comissão nessa fase, designadamente dos relatórios que são produzidos, que hoje em dia constituem um mero pró-forma em grande parte das circunstâncias.
Por outro lado, a fórmula encontrada na proposta também esclarece algo quanto aos poderes da comissão não apenas no que diz respeito ao aspecto estrito da apresentação de projectos de substituição, mas sobretudo quanto à disponibilidade da comissão relativamente ao projecto em termos de impedir ou não a sua subida a Plenário, matéria que aliás, tanto quanto percebo, tem sido controvérsia ao longo de muito tempo. Julgo que ainda não se chegou, a não ser conjunturalmente, a consensos precisamente pela circunstância de que as soluções têm sido adoptadas em grande medida em função das conveniências políticas do momento.
Na sessão legislativa anterior, houve interpretações diversas e divergentes quanto aos poderes do Presidente na admissão dos projectos, quanto aos poderes da comissão no controlo do despacho de admissão através da figura do relatório prévio à apreciação na generalidade, embora, na sessão legislativa anterior, nunca se tenha impedido que nenhum diploma subisse a Plenário, embora isso já tivesse sido proposto na comissão, aliás, salvo erro, pelo Sr. Deputado Calvão da Silva, que defendia intransigentemente esse entendimento.
Esta diferenciação de funções deveria ter alguma estabilidade e a maneira de lhe dar estabilidade é precisamente não deixar que essa interpretação se faça ao sabor da conveniências e das maiorias conjunturais.
O Sr. Presidente: - O que é que se defendeu?
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Foi defendido que, apesar do despacho de admissão, a comissão devia ter poderes para impedir a subida a Plenário de diplomas, com fundamento designadamente na sua inconstitucionalidade, precisamente porque não teria uma função instrutória, teria uma função mais activa no processo legislativo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, esta proposta suscita-nos grandes dúvidas por várias razões, que gostaria de começar por enunciar.
Talvez convenha "limparmos" o terreno não misturando questões, ou seja, eu não misturaria aqui a discussão sobre o instituto da admissão, designadamente a figura da não admissão por razões de inconstitucionalidade e toda a intervenção da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias nesse processo, e equacionaria tão-só o que está aqui em causa. E o Sr. Deputado Cláudio Monteiro resumiu muito bem o que está em causa, isto é, se devemos ou não limitar a possibilidade de as comissões parlamentares apresentarem textos de substituição, incluindo no processo preparatório da apreciação pelo Plenário de iniciativas legislativas.
Nessa matéria chamo a atenção para o facto de ser interessante cruzar perspectivas, ter em conta as raízes deste instituto, tratando-se de um equilíbrio muito cuidadoso, diria que é um equilíbrio de relojoaria, entre questões muito contraditórias e que tem obviamente como princípio básico e alma a protecção das minorias e dos Deputados enquanto autores, porventura singulares, de uma iniciativa legislativa. Trata-se da arma que impede precisamente aquilo que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro referiu, ou seja, abafar uma iniciativa. As iniciativas morrem de pé, morrem no Plenário ou morrem na gaveta, mas morrem sozinhas e se tiverem companhia ainda aí se podem separar dela ao menos política e espiritualmente, não ficam afastadas, arredadas daquilo que encetaram.
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Essa é a filosofia do preceito, que creio ser muito razoável sobretudo se tivermos em atenção que há muitos protagonistas de iniciativa legislativa.
Admito sempre a reinvenção da instituição parlamentar porque cada Deputado novo reinventa a actividade parlamentar e assim será sempre enquanto houver parlamentos, e as Constituições servem talvez para, no meio de toda essa remodelação, estabelecer algum limite e alguma regra constante.
O caso que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro contou é único. Na minha história parlamentar é, quase diria, uma beterraba do Entroncamento, porque - o Sr. Deputado Calvão da Silva serviu, involuntariamente quiçá, de test case para isso (há sempre uma primeira vez) - nunca tinha visto sustentar esta matéria com base na Constituição actual e no sistema constitucional português - que, nesse ponto, se distingue de outros sistemas constitucionais, do de 1933 seguramente, da experiência constitucional francesa por exemplo e de outras que sujeitam a um juízo liminar e a um parecer favorável de comissão a viabilidade ou o aborto, e podem interromper (pouco voluntariamente aliás) o processo legislativo se assim o considerarem. Essa caução não existe em Portugal, nunca existiu e não existirá, suponho eu.
Não estamos a discutir nada disso aqui, o que só apareceu aliás como fantasma episódico durante dez minutos numa reunião da Comissão de Assuntos Constitucionais, Liberdades e Garantias desta legislatura e desapareceu rapidamente tendo sido enxotado por unanimidade, com grande rapidez, e aliás com impulso do próprio na parte final.
Portanto, é preciso ter em conta, por um lado, que este dispositivo protege minorias, e bem, que os autores das iniciativas podem ser Deputados, de vários tipos, sozinhos, em associações diversas, Deputados do mesmo partido, Deputados de partidos diferentes, grupos parlamentares como tais, desde que isso foi consagrado constitucionalmente. Podem ainda ser regiões autónomas, governos, sendo que o dispositivo de salvaguarda se aplica a todos. Ou seja, quando, no trabalho instrutório, a comissão chega a um consenso que permite habilitar o Plenário como solução alternativa melhor que é consensual na comissão, essa solução deve subir a Plenário. Se não houver consenso não sobe coisa alguma a não ser a iniciativa.
Funciona neste caso um princípio de aproveitamento, no sentido de que podemos dizer que um Deputado teve uma bela ideia, mas escangalhou-a e isso é suficientemente relevante para que à partida apresentemos uma solução, serve-nos para emendar a mão em relação a iniciativas que vindas do governo não colhem consensos, mas vindas dos grupos parlamentares podem colhê-los. E isto já aconteceu entre nós e na Assembleia da República tem acontecido com alguma frequência.
Serve ainda para, em relação às iniciativas legislativas da regiões autónomas, criar uma forma de reflexão alargada em contextos diversos que possa ser confrontada com a originária, sempre tendo em conta a regra de que uma não prevalece sobre a outra.
A última observação que gostaria de referir é a seguinte: não há o direito de abafar iniciativas de um partido, de um grupo parlamentar ou de um Deputado singularmente, quer dizer, um "lancelote" com a sua iniciativa única, singular, quiçá até mal compreendida. Mas o contrário também não é possível, ou seja, não há uma coisa chamada o primado ou o padrão dos descobrimentos do Parlamento, sendo essa uma excelente regra.
E, portanto, coisas de que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro fala relevam mais da ideia de que se podia limitar a concorrência e dar uma espécie de patente. Se há coisa que é arredia à vida parlamentar é a ideia de patente; as boas ideias nascem e quando nascem muitas vezes são copiadas (e ainda bem!), ou são destorcidas ou são objecto de concorrência, o que acontece quase imediatamente.
Portanto, não há nenhuma possibilidade de criar uma espécie de direito de abafar iniciativas para estabelecer um monopólio em relação a quem teve a boa ideia ou a ideia pregnante. E creio que é bom que assim continue a ser.
Por outro lado, repito: se os relatórios são hoje um pró-forma, nem sempre isso acontece - o Sr. Deputado ainda o ano passado deu um exemplo positivo ao fazer um ou outro relatório que o qualificaram como bom relator. De facto, não tem que ser assim, e o mecanismo proposto também não nos garantia que não fosse assim, ou seja, que no debate instrutório e nessa função instrutória privada da ferramenta "apresentação de propostas" houvesse relatores assim-assim, bons, excelentes ou nulos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, gostaria apenas de dar uma pequena nota.
Insisto num ponto que foi também reforçado pelo Sr. Deputado José Magalhães, pois o texto está equilibrado, este texto está pensado. Os autores da iniciativa estão na comissão, estão no Plenário, mas se se avançar para a ideia da iniciativa legislativa popular, vindo a iniciativa de fora, isso é uma espécie de petardo lançado para dentro da Assembleia, o próprio autor não a acompanha e depois não pode dizer se concorda ou não.
Portanto, a redacção tem de ser retocada, mas mantenho a ideia de que o texto está equilibrado. Apesar das razões do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, continuo a dizer que o sistema está equilibrado. Não podemos prever tudo, porque ao fazê-lo podemos estragar tudo.
Teremos, eventualmente, que fazer algum retoque na redacção se se avançar para a ideia de que há iniciativa popular legislativa.
O Sr. José Magalhães (PS): - E não se pode exigir 10 000 assinaturas para retirar a iniciativa.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Não pode, não! Ou, então, não há retirada.
O Sr. Presidente: -Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço desculpa por alguma incorrecção que venha agora a proferir devido ao facto de não ter acompanhado a discussão desde o princípio, e por isso me penitencio, mas estive presente noutra reunião de uma outra comissão.
A proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro sugere-me uma reflexão que, na parte do debate a que assisti,
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não vi ver equacionada e gostava de ver, nomeadamente pelas pessoas que são, seguramente, muito mais experientes no manuseamento e na utilização do Regimento do que eu.
De facto, a proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro parece-me uma virtualidade, pois o texto actual permite a apresentação de textos de substituição antes da votação na generalidade e será que isso não permite (não sei se é assim ou não já que não tenho experiência parlamentar que mo indique) "defraudar" a estabilidade do agendamento? Ou seja, o que quero dizer é o seguinte: actualmente o agendamento da discussão dos diplomas é feito pela conferência de líderes e todos sabemos que a chamada junção para discussão em conjunto de diplomas congéneres (de que falava há pouco o Sr. Deputado Cláudio Monteiro) que surgem de outros deputados, de outros grupos parlamentares, um pouco a reboque de uma iniciativa que surgiu em primeiro lugar, tem prazos próprios e que só é admitido pela conferência de líderes o agendamento para Plenário em simultâneo, ao abrigo do princípio da estabilidade do agendamento, no caso de haver consenso. Assim, basta que um grupo parlamentar se oponha à discussão em conjunto de um projecto que apareça à última hora sobre a mesma matéria para que isso não aconteça.
Ora, de acordo com o texto actual, sem a alteração proposta pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro, qualquer grupo parlamentar que detenha maioria na Assembleia, e, portanto, tenha maioria em comissão, pode ou não, através do mecanismo dos textos de substituição antes da discussão na generalidade, introduzir, sempre "à revelia" da decisão da conferência de líderes, um novo texto para discussão em Plenário ao abrigo do epíteto "texto de substituição" para ser discutido em paralelo com a iniciativa originária que, de acordo com as normas regimentais normais, teria que ser discutida a solo, porque nenhum outro partido atempadamente apresentou propostas análogas? Isto é ou não verdade?
É que se assim for, convenhamos que a proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro tem uma clarificação quanto aos trabalhos parlamentares que o actual texto não tem.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Não me parece que esta norma tenha a ver com a questão equacionada pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes, mas, sim, com outros mecanismos que têm a ver com o agendamento, designadamente da chamada subida por semelhança de objecto, problema para o qual a Assembleia da República tem vindo a construir soluções várias desde um período em que houve uma espécie de agendamento automático por semelhança de objecto (e, certamente, o Sr. Deputado Barbosa de Melo lembrar-se-á de como é que evoluímos nos últimos anos nessa matéria tão bem ou melhor do que eu) até um período em que se foi admitindo que o partido envolvido e autor da iniciativa para marcar uma agenda tem direito a objectar que a sua ordem do dia seja ocupada por outros por mera semelhança. Como se trata de um direito potestativo, nesses casos tem-se admitido que a objecção valha como um "não" definitivo.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mesmo para textos de substituição?
O Sr. José Magalhães (PS): - Os textos de substituição constituem algo totalmente diverso porque normalmente quando aparece um texto de substituição é porque há uma iniciativa cuja apreciação vai ser feita pelo Plenário. Ou seja, o agendamento arrasta obrigatoriamente a consideração do texto substituição, nos termos desta norma, mas não arrasta a abdicação da iniciativa própria e, menos ainda, a sua retirada automática.
Do ponto de vista político, é óbvio que a existência de um texto de substituição… Imaginemos que um Deputado apresenta uma iniciativa de uma matéria, que é considerada meritória quanto à ideia mas clamorosamente inepta na solução. Uma maioria parlamentar quase unânime, incluindo os Deputados do partido proponente, engendra uma solução que granjeia um consenso total. É óbvio que, do ponto de vista do êxito pessoal da iniciativa, mesmo que ela não seja retirada, não consigo imaginar um retrato mais cruel de um fiasco. No entanto, são respeitadas por esta norma, do ponto de vista jurídico-formal, todas as regras. Mas do ponto de vista político, mediático, este Deputado passa como aquele que engendrou algo que outros consumaram, bem melhor do que ele próprio tinha imaginado.
Mas isso não pode ser evitado por esta via e não há conexão entre esta questão que está aqui a ser equacionada e as melindrosas questões da ascensão por similitude para a agenda parlamentar.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, se me permite, gostaria ainda de acrescentar mais uma outra hipótese que também é relativamente frequente na praxis parlamentar. Muitas vezes são discutidos, na generalidade, em Plenário, diplomas e depois chega-se à conclusão de que o melhor é que eles baixem à comissão sem haver votação na generalidade. Eles baixam à comissão não para debate da especialidade, porque ainda não houve sequer votação na generalidade, mas, sim, para que a comissão refaça o texto, que carreie elementos.
O Sr. José Magalhães (PS): - E para os tornar viáveis.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Com esta solução, Sr. Deputado Cláudio Monteiro, isto fica precludido, e é errado fazê-lo do ponto de vista do funcionamento parlamentar.
O Sr. José Magalhães (PS): - Do ponto de vista da economia parlamentar, tendo em conta a ideia de economia, de poupar, de extrair o mais possível.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, em jeito de síntese, concedo nalgumas das objecções que foram levantadas, a última das quais, aliás, só reforça a ideia que está subjacente à proposta, pressupõe, apesar de tudo, o consenso do Plenário para que a proposta volte à comissão para ser objecto de melhoramento ou de alteração.
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Por isso é que eu disse no início que se dizia aqui menos do que se queria dizer.
Obviamente, o princípio fundamental que está subjacente a esta proposta e o ponto de vista da filosofia da proposta têm que ver com a circunstância de que a única preocupação que deve existir quanto à dignidade da função parlamentar (parece-me da pouca experiência parlamentar que tenho) não se prende apenas com aquilo a que já designei por espartilhamento da função do Deputado pelos grupos parlamentares, também tem que ver com a cada vez menor dignidade com que o Plenário se pronuncia sobre as matérias e a cada vez maior relevância do papel das comissões, as quais julgo que devem ter um papel relevante. Não podem é ter um papel de tal modo relevante que ponham em causa a função essencial do Plenário. Foi por esta razão que resolvi fazer uma proposta que, de alguma maneira, introduz a ideia de que há um princípio do primado do Plenário em matéria do processo legislativo e que ele se devia manifestar por alguma forma e esta foi uma das formas que encontrei para fazer com que ele se manifestasse.
Admito que algumas das objecções levantadas são pertinentes e que em algumas circunstâncias, porventura, a flexibilidade actual é positiva. Contudo, não quis deixar de chamar a atenção para alguns dos riscos e dos problemas que a excessiva flexibilidade comporta ao tornar menor o papel do Plenário e ao reforçar exageradamente o papel das comissões, as quais, julgo, devem ter um papel especialmente relevante depois de as propostas serem legitimadas pelo voto do Plenário.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está feita a discussão da proposta, que não se mostra viável, já que conta com a oposição do PS e, sem bem entendi, do PSD, e o PCP não se pronunciou.
Vamos passar ao artigo 171.º para o qual existem propostas de alteração do n.º 6 por parte do CDS-PP, do PS e do Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
A proposta do PS é relativa à alteração do actual n.º6 do artigo 171.º, que visa apenas harmonizar esta norma com a alteração proposta para o artigo 152.º, que prevê as circunscrições uninominais de candidatura, no sentido de estender à definição dessas circunscrições o princípio da maioria qualificada de 2/3. Portanto, esta proposta fica dependente do que atrás se apurar. Se, efectivamente, forem consagrados os círculos uninominais de candidatura eles terão de ser aprovados também pela maioria qualificada prevista na proposta.
Vamos passar à proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro que acrescenta a alínea g) do artigo 174.º, relativa às amnistias e perdões genéricos, que passam a carecer de 2/3 dos votos para serem aprovadas.
Tem a palavra, para justificar a proposta, o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, é evidente que é uma proposta que não se pode dizer que seja marcada pela intemporalidade, dado que, embora tenha sido apresentada em momento anterior à votação do projecto de lei do Partido Socialista sobre a amnistia das FP 25, obviamente foi marcada em parte pela discussão prévia que se gerou em torno dessa matéria.
A proposta tem a ver com a consideração que os subscritores têm de que o poder de conceder amnistias e perdões genéricos ou, genericamente, o poder de perdoar é fundamentalmente um instrumento de pacificação social e, sendo um instrumento de pacificação social, deve evitar-se o risco de que ele próprio constitua um factor de divisão.
Recordo que os três subscritores do projecto de lei n.º 8/VII foram os únicos três Deputados que se abstiveram na votação do dito projecto de lei por entenderem que, sendo as amnistias e os perdões genéricos fundamentalmente um instrumento de pacificação social, o dito diploma não deveria nem poderia constituir um facto de divisão e que deveria ser exigível um consenso alargado, pelo menos na classe política, já que não se poderia obtê-lo por esta via na sociedade, para que eles merecessem a aprovação.
Isto tanto vale para o caso das FP 25 como valeria para quaisquer outros casos e é por essa razão que a proposta é feita obviamente em termos gerais e abstractos, sem quaisquer considerações de casos específicos de amnistia e de perdão genéricos. A mesma leitura que nos levou a entender que naquele caso concreto não se justificava o recurso à amnistia para pacificar algo que, na nossa perspectiva, já estava pacificado conduziu a que a discussão em torno desta amnistia fosse ela própria o factor de divisão, razão pela qual entendemos, nessa altura, que talvez uma boa solução para o futuro fosse a de exigir um consenso alargado numa matéria que, apesar de tudo, como já se revelou, pode ser especialmente sensível.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à discussão esta proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro no sentido de exigir maioria qualificada para aprovação de amnistias.
Pausa.
O silêncio significa rejeição, mas penso que, até agora, nenhuma proposta desmereceu pelo menos expressa rejeição.
Uma voz não identificada: - É um indeferimento tácito.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, nenhuma razão vejo para indeferimento tácito, porque, aqui, não há tabus, mas também atento que não deve haver traumas. Ou seja, eu não conheço em direito comparado nenhum caso de aprovação de amnistias e perdões por uma maioria deste tipo e parece-me, francamente, que não vale a pena de legislar sob impacto de trauma, por maior - enfim, acima de qualquer reparo - que possa ser o trauma; aí respeitável, enfim, no limite.
Portanto, nem gostaria de discutir o poder de a Assembleia da República conceder amnistias e perdões genéricos à luz de um caso concreto, pontual, e que, de resto, foi verdadeiramente uma excepção numa galáxia de amnistias unânimes, regra padrão nesta matéria. É esta a nossa experiência constitucional, uma galáxia de amnistias
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unânimes, com uma excepção, e eu não gostaria de fazer dessa excepção a regra ou de construir sobre essa excepção a "igreja" de uma maioria obrigatória reforçada. Parece-me francamente, que não se funda na experiência de outros, nem, ainda menos, se calhar, na nossa própria experiência.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, vou ser muito breve.
Apenas quero dizer que nós entendemos que uma maioria qualificada de 2/3 é excepcional, deve sê-lo e deve estar relacionada com questões estruturantes de um sistema político, isto é, com questões verdadeiramente fundamentais.
Creio que, independentemente da importância do caso, como o Sr. Deputado disse, a proposta não é intemporal. Independentemente da importância desse caso, quando nós referimos esta matéria não estamos perante as grandes questões estruturantes de um regime e de um sistema político; manifestamente, não estamos, e, nesse sentido, pensamos que, em coerência, se houvesse que alargar maiorias de 2/3 era noutros sentidos e não propriamente neste que é proposto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, também do meu ponto de vista esta alteração não é de aceitar. Na verdade, o que a Constituição sujeita a uma maioria de 2/3 dos Deputados presentes são temas de grande relevância na vida do Estado e das pessoas. Por exemplo, o que tem que ver com o exercício dos direitos fundamentais por parte de militares, etc., portanto, são matérias muito graves.
Normalmente, a amnistia é concebida como um poder de graça, tem natureza excepcional e exerce-se porque são criadas condições objectivas para o exercício deste poder de graça.
Realmente, não me parece adequado construir a partir de um caso excepcional uma solução constitucional que vem espartilhar e desorganizar o sistema. Aliás, estas decisões políticas têm as suas consequências políticas, não jurídicas. Se algum grupo toma uma iniciativa para uma amnistia, que depois não é bem-vinda no plano político, fica com as consequências. É assim que devemos raciocinar.
Nunca podemos ter a ambição de arranjar um sistema constitucional que não tenha perdas, senão matamos a política. Isto é apenas um quadro geral onde a política funciona. Estabelecer que o poder de graça exercido pelo Parlamento carece de acordo de 2/3 dos Deputados parece-me restringi-lo muito.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Deputado, fazendo a síntese e respondendo a algumas das objecções que foram levantadas, começo por dizer que não entendo a amnistia como uma questão tão menor como foi entendida por alguns dos Deputados que intervieram, porque ela não pode discutir-se sem referir aquilo que está na sua origem, que é a criminalização e o valor jurídico que a sociedade atribui a determinadas condutas. E essa matéria, como sabemos, implica directamente com direitos fundamentais, em particular, com o direito à liberdade de todos os cidadãos.
Mas, em qualquer caso, e sem prejuízo da pouca intemporalidade, que eu próprio entendi por bem confessar logo no início da minha intervenção, julgo que nesta matéria há uma coisa que ressalta, e foi por isso que essa proposta foi feita: é que, do que nos é dado a perceber - e a História portuguesa tem-no demonstrado -, Portugal é um país onde se criminaliza com a mesma facilidade com que se perdoa e a pouca relevância que foi atribuída às amnistias e aos perdões genéricos, aqui, também é, de alguma maneira, reveladora da pouca importância que se atribui ao instituto, designadamente, pela circunstância de ser utilizado frequentemente para amnistiar multas de estacionamento ou outros pequenos delitos.
Talvez assim seja porque, felizmente, em Portugal, se vive um clima de paz social relativamente estável, pois, nos últimos 20 anos - que é o tempo de vida desta Constituição -, nunca foi necessário recorrer à amnistia, como já foi noutros países e noutros ordenamentos jurídicos, como instrumento para, efectivamente, prescindir da reprovação social em favor de uma paz social mais necessária, como sucede em Espanha, em Inglaterra, na Itália, na Alemanha e noutros países em que essa questão se colocou, porventura com muito mais acuidade.
Nessa matéria nós, os três subscritores desta proposta, divergimos, provavelmente, da generalidade dos grupos parlamentares na maneira como encaramos o problema da repressão criminal, da criminalização e, consequentemente, do respectivo reverso da medalha, que é o poder de perdoar ou de amnistiar.
Parece-nos, pois, que deveria ser-se menos severo na criminalização e mais severo, ou mais restritivo, no que se refere ao poder de amnistiar ou de perdoar, e é um facto que a História recente tem revelado que em Portugal se criminaliza com muita facilidade e que também se perdoa e se amnistia com a mesma facilidade.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Só para pedir um esclarecimento!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - É sobre se vamos propor que a criação de crimes seja aprovada por maioria de 2/3?
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Exactamente! Era só isso que eu ia perguntar; se vai fazer essa emenda à alínea que reserva à Assembleia o direito de criar crimes.
O Sr. José Magalhães (PS): - Peço desculpa, mas não é por acaso que essa objecção aparece ao mesmo tempo nas bocas de toda a gente.
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O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Reservamos essa nossa posição política de fundo para próximas e futuras iniciativas legislativas que se avizinham sobre matérias relevantes e pertinentes.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não podendo senão concordar com a ideia de que se tem abusado de amnistias, a verdade é que a proposta não tem acolhimento.
Ainda nesta matéria, lanço para a discussão - os proponentes não estão cá, mas penso que seria mau não encararmos as propostas - a proposta do CDS-PP para o n.º 6 do artigo 171.º.
O CDS-PP propõe que esta norma de aprovação por maioria qualificada de 2/3 dos Deputados presentes seja aplicada não apenas aos círculos eleitorais, mas a toda a matéria do artigo 152.º - por lapso, escreveram artigo 162.º -, ou seja, incluindo também, por exemplo, o número de Deputados por cada círculo do território nacional, e também a todas as deliberações que comportem a atribuição a uma organização internacional do exercício de competências do Estado português.
Esta proposta converge com outra de Os Verdes, constante da nossa colectânea, de aditamento de um artigo 173.º-A, segundo a qual "Os tratados relativos ao exercício em comum dos poderes necessários à construção da União Europeia são aprovados por maioria de 2/3 dos Deputados presentes, desde que superior - há um lapso de redacção, que vou passar - à maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções.".
Para que a Comissão não passe por cima de uma proposta relevante, independentemente da minha posição sobre ela, vou pô-la à discussão, a saber: a proposta do CDS-PP, na parte que respeita às "(…) deliberações que comportam a atribuição a organização internacional do exercício de competências do Estado português (…)", a de Os verdes, sobre os "(…) tratados relativos ao exercício em comum dos poderes necessários à construção da União Europeia.".
Srs. Deputados está à discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, V. Ex.ª perfilhou, para efeitos de discussão, esta proposta, e agora vai consentir-me que lhe faça um pedido de esclarecimento.
O Sr. Presidente: - Claro!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, por que é que os proponentes incluem aqui o n.º 3 do artigo 152.º, que só diz…
O Sr. José Magalhães (PS): - Por lapso!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Por lapso?! Então, qual é a diferença em relação ao que está vigente?
O Sr. José Magalhães (PS): - Nenhuma! É zero! Em relação ao artigo 152.º, é zero!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Não, mas eles incluem-no!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, a pergunta foi feita a mim!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - A pergunta que quero colocar é esta: fica na disponibilidade de 2/3 da Assembleia dizer se os Deputados representam todo o País ou o círculo por onde são eleitos, ou é a Constituição que decide isto?
O Sr. Presidente: - Obviamente que isso é irrelevante!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - É uma questão importante, Sr. Presidente! V. Ex.ª tem de esclarecer isto!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, esclareço já essa questão! Mesmo eliminando o n.º 3 do artigo 152.º, que, obviamente, não depende da lei, mantém-se o n.º 2, segundo qual o número de Deputados por cada círculo do território nacional,…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Mas isso já consta, Sr. Presidente!
O Sr. José Magalhães (PS): - Isso, felizmente, já consta!
O Sr. Presidente: - .… exceptuado o círculo nacional, que depende da lei, quando existe, é proporcional aos número de cidadãos eleitores.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Isso já está cá!
O Sr. Presidente: - Não está! O número de Deputados por círculo nacional, hoje, não está sujeito a maioria de 2/3.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - O n.º 6 do artigo 171.º estabelece que "As disposições das leis que regulem as matérias referidas nos n.os 1 e 2 do artigo 152.º (…) carecem de aprovação…
O Sr. Presidente: - Está certo! Corrijo o que disse! Tem toda a razão, Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O n.º 3 do artigo 152.º não precisa de estar previsto no n.º 6 do artigo 171.º.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, não é não precisa; é não deve estar! Não pode estar! Não pode ser assim, tem de ser em matéria constitucional.
O que é que faz um Deputado? Representa os seus eleitores, ou não?
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, eu tornei claro que só punha à discussão a segunda parte da proposta do CDS-PP.
O Sr. José Magalhães (PS): - Portanto, a parte relativa às organizações internacionais.
O Sr. Presidente: - Por isso, eu não pus à discussão essa primeira parte.
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Sr. Deputado Barbosa de Melo, era isso que eu deveria ter-lhe dito e não ter-me deixado iludir-me por essa pequena "armadilha" que me fez.
Srs. Deputados, estão à discussão duas propostas: a segunda parte da proposta do CDS-PP para o n.º 6 do artigo 171.º e a proposta de Os Verdes, de aditamento de um artigo 173.º-A, relativas à exigência de maioria qualificada de 2/3, num caso, mais abrangente, para a aprovação de "(…) todas as deliberações que comportem a atribuição a organização internacional do exercício de competências do Estado português(…), e, noutro caso, para a aprovação dos "(…) tratados relativos ao exercício em comum de poderes necessários à construção da União Europeia", respectivamente.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, esta proposta, independentemente da sua redacção, não me parece que deva merecer acolhimento, por uma razão fundamental.
Do ponto de vista do PSD, a submissão, ou não, em termos constitucionais, de matérias à obrigatoriedade de aprovação por maioria qualificada de 2/3 deve decorrer de uma apreciação objectiva sobre as matérias que estão em causa e não sobre a forma como essas decisões são tomadas, ou sobre a forma como a Assembleia da República é chamada a tomar as decisões, a sua proveniência, ou a sua origem.
Ou seja, como dizia há pouco o Sr. Deputado Luís Sá, a propósito da discussão da proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro de a matéria relativa às amnistias passar ser aprovada por maioria de 2/3, a lógica de aprovação das disposições constitucionais que submetem determinadas matérias à aprovação de 2/3 deve ter em consideração a substância estruturante (utilizando os termos do Deputado Luís Sá), isto é deve ter em consideração a matéria que está em causa e não a forma pela qual ela é submetida ao Parlamento.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, permita-me que o interrompa.
É exactamente isso que está em causa. Não se trata de uma questão de forma; trata-se de uma questão de matéria. Trata-se de submeter à maioria de 2/3 as deliberações, sejam elas quais forem, independentemente da forma, que impliquem a atribuição de competências do Estado português à União Europeia ou a outras organizações internacionais.
Portanto, penso que esse argumento não é relevante, salvo o devido respeito.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, é relevante! Parece-me relevante, pelo seguinte: o facto de determinado tipo de deliberações, constem elas ou não de determinado tipo de convenções internacionais ou tratados, ter que ser aprovado por uma maioria x, por uma maioria normal, por uma maioria de valor reforçado do tipo da das leis orgânicas, ou por uma maioria qualificada de 2/3, deve decorrer da matéria em si, que está em decisão, do instrumento em causa, e não do facto de ela constar de uma iniciativa normal ao abrigo da competência legislativa dos órgãos de soberania nacionais ou de decorrer de um qualquer acordo ou tratado internacional onde, para regular determinado tipo de matérias, foi negociado haver, ou não, uma intervenção de uma organização internacional para o exercício de determinado tipo de competências! Competências que materialmente podem ir de matérias tão importantes como a moeda até outras de relevância muito menor, como, por exemplo, competências de fiscalização da actividade económica ou de determinado tipo de produtos, atendendo, por exemplo, à saúde pública!
Portanto, são as matérias que estão em causa nas competências a exercer, que, do nosso ponto de vista, devem relevar para se cuidar de saber se a decisão da Assembleia da República deve formar-se a partir de uma maioria simples, de uma maioria de valor reforçado, ou, quiçá, de uma maioria qualificada de 2/3!
Não nos parece que o critério para decidir o tipo de maioria deva ser o que aqui vem proposto, que, no fundo, lança uma lógica de desconfiança, ou de suspeição, permanente sobre tudo o que possa ser uma lógica de partilha de competências, em termos de exercício de autoridade do Estado português, com instâncias internacionais. Não nos parece que deva ser essa suspeição a relevar para efeitos de aprovação das iniciativas legislativas, o que deve relevar, sim, é a essência material daquilo que está em causa em cada uma das decisões, e, sobre esse ponto de vista, a formulação apresentada pelo CDS-PP, à primeira vista, não merece acolhimento, exactamente pelas razões que acabei de explicitar.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados esta proposta está à discussão.
Apenas quero dizer o seguinte: a proposta de Os Verdes é colhida ipsis verbis do documento do Prof. Jorge Miranda: artigo 173.º, "Os tratados relativos ao exercício em comum dos poderes necessários à construção da União Europeia são aprovados por maioria de 2/3 dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções".
Uma voz não identificada: - Há um erro material na redacção.
O Sr. Presidente: - Quando li a proposta, disse exactamente que existia essa deficiência.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Em primeiro lugar, a fórmula utilizada pelo CDS-PP parece-nos inadequada. Creio que no artigo 7.º, n.º 6, em particular, houve um extremo cuidado em não utilizar este termo, que é passível de segundas e terceiras leituras, bem conhecido de quem alguma vez se debruçou sobre a questão da natureza jurídica da transferência de poderes para a Comunidade Europeia e respectivas consequências políticas. Nesse sentido, creio que a formulação utilizada pelo Prof. Jorge Miranda e por Os Verdes é bem mais cautelosa e adequada.
Creio, efectivamente, que é disso que se trata. Isto é, é inquestionável que numa directiva, num regulamento, a Comunidade Europeia pode estabelecer poderes de fiscalização para qualquer dos seus órgãos. Creio que isto não merece qualquer dúvida para ninguém e é corrente, eu diria que ocorre quase todos os dias.
As competências partilhadas, a atribuição de competência à administração comunitária, a utilização da administrações
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nacionais como uma espécie de administrações periféricas, para efeito de execução políticas comunitárias, é algo que ocorre todos os dias, e não é isso propriamente que está aqui em causa. Aquilo que eu creio que se coloca é efectivamente convencionar o exercício em comum de competências nos termos do artigo 7.º, n.º 6, designadamente, tendo em vista a construção da União Europeia, para utilizar a expressão que está actualmente consagrada na Constituição.
O problema que se coloca é o de saber se essas questões, que não são propriamente as correntes, as de todos os dias, são ou não matérias que podem ser "desestruturantes" - para utilizar o termo de há bocado - de determinados aspectos do sistema político.
Creio que aqui não se colocam quaisquer problemas e dificuldades especiais. Sabemos que se houvesse, nesta matéria, a exigência constitucional de uma maioria de 2/3 nunca teria existido qualquer dificuldade neste plano. Entretanto, o problema é saber se se trata de uma questão tão pouco frequente que exige uma especial ponderação nos termos e com a redacção cuidada e qualificada que venha a ser consagrada.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados continua à discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Luís Sá teve ocasião de sublinhar algo que foi objecto de polémica na revisão constitucional de 1992 e que hoje está, felizmente, mais sedimentado, gerando consensos mais alargados, qual seja o cuidado que houve na redacção do artigo 7.º, n.º 6, que viabilizou, como sabemos, a ratificação por Portugal do Tratado da União Europeia, do Tratado de Maastricht.
Só que esse cuidado foi, de facto, ainda mais longe do que aquilo que o Sr. Deputado há pouco sugeriu, porque, sendo certo que admite o que admite, ou seja, admite significativas vinculações do Estado português, não admite toda e qualquer vinculação. Os limites do artigo 7.º, n.º 6 são os que constam do preceito e que foram objecto...
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado, eu falei no artigo 7.º, n.º 6, exactamente para referir esse aspecto. Por exemplo, considero que a redacção do Prof. Jorge Miranda com uma remissão para o artigo 7.º, n.º 6, provavelmente, é a fórmula adequada de legislar nesta matéria.
O Sr. José Magalhães (PS): - Mas o problema, Sr. Deputado, é aquilo que o artigo 7.º, n.º 6, inculca é que Portugal pode convencionar o exercício em comum dos poderes necessários à construção da União Europeia e vincular-se dentro dos limites nele estabelecidos. Mas há um limite, e há limites vários - aí a solução 1992 é razoavelmente subtil - a esse processo de vinculação, uma vez que a Constituição foi deixada intacta, deliberadamente, em relação a múltiplos aspectos.
Portanto, havendo uma colisão, esta cláusula não é um "alçapão" constitucional, não foi construída para o ser, não foi construída para dizer que a Constituição diz tudo o que diz excepto aquilo que deixar de dizer, pelo facto de haver uma vinculação do Estado português, com vista ao exercício comum dos poderes necessários à construção União Europeia, caso em que teríamos, no ano da graça de 1992, decretado uma espécie de "eutanásia" constitucional, ou uma possibilidade de suprimir ilimitadamente institutos, normas de carácter material, preceptivo, e todas, e outras, sem qualquer limite.
Ora, não é esse o alcance da cláusula de 1992, pelo menos na leitura que dela fizeram os seus autores e que procuraram plasmar no texto. Aliás, tivemos o cuidado de densificar tudo isto numa declaração de voto que consta dos respectivos autos, do Diário, que tem, naturalmente, o valor hermenêutico que tem, nem mais nem menos, mas que procura precisamente eliminar este aspecto dos limites. Ou seja, sempre admitimos que, se num determinado estádio de construção europeia o perfil e a mancha das competências dos órgãos de soberania portugueses sofresse uma alteração que implicasse a modificação da forma de Estado, isso implicaria uma nova revisão constitucional. E essa revisão constitucional, de resto, teria melindrosos problemas a considerar, tendo em conta questões como os limites materiais, etc., etc., a identidade constitucional expressa através dos seus mecanismos próprios e de garantia.
Digo isto só para sublinhar que, nesta matéria, quando um Estado tem um constituição própria e está empenhado em processos de construção alargada com outros Estados, obedecendo a fórmulas tão ou menos originais do que a nossa, a europeia - ainda por cima, como sabemos, está a ser reinventada, neste preciso momento, em alguns aspectos -, é bom que as coisas se façam de maneira clara pela forma própria, até porque isso garante não apenas os direitos dos órgãos de soberania mas também os direitos do cidadãos, eles próprios. Portanto, as alterações de tratados, que, aliás, podem ser as mais diversas - e quanto estamos a falar de alterações de tratados não é obrigatório que tenham a dimensão que teve, na altura própria, o tratado da União Europeia -, podem ser revisões de menor tombo, de carácter pontual, ou uma amálgama de situações.
Eu deixo de lado a proposta do CDS-PP, porque me parece ser tão maximalista que perdemos de vista até onde é que chegaria nas suas consequências. Mas, quando estamos a tratar de meros tratados, e sublinhando de novo que pode tratar-se de revisões de natureza muito distinta, é bom que não se transfira para a aprovação de tratados aquilo que deve ser competência de uma Assembleia dotada de poderes de revisão constitucional. Ou seja, as revisões de tratados possíveis, ao abrigo de uma cláusula como a que consta do artigo 7.º, n.º 6, são as que são, se alguma acarretar uma revisão de questões que tenha implicação constitucional, então, não pode haver aprovação do respectivo tratado sem uma revisão constitucional habilitante.
Por conseguinte, sempre haverá exigência de uma maioria de 2/3 para esse tipo de coisas, para outro tipo de coisas é razoável que haja a maioria que há para aprovação de outros tratados, alguns dos quais podem ser, aliás, de dramática importância. Por exemplo, um tratado que aceitasse a inclusão da federação russa teria grande importância e deveria ser aprovado pela Assembleia da República, como sabemos, obrigatoriamente (neste caso, a alteração), e isso é transcendentemente importante, tal como seria dramática e grandemente importante para todos um tratado que implicasse para os países da CPLP uma qualquer
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associação com outro espaço, o que não significa que não possa ser aprovado por maiorias que não tenham que ser obrigatoriamente de 2/3.
O Sr. Deputado Luís Sá disse, aliás, que há uma maioria europeia bem superior a 2/3, mas a questão que coloquei de distinção entre maiorias de aprovação de tratados, que não devem dar de barato… Devo dizer, francamente, da apreciação que fiz dessa proposta com algumas pessoas, que não deve tomar-se o artigo 7.º, n.º 6, pelo que não é, ou seja, por uma cláusula aberta, total e restrita, e transferir para a aprovação dos tratados o regime dos 2/3, que, de facto, é sempre aplicável quando haja uma alteração constitucional obrigatória, que fira a Constituição, ou que possa colidir com a Constituição, caso em que é necessário uma habilitação constitucional.
Portanto, a preocupação da exigibilidade de uma maioria de 2/3 está assegurada em relação a esse tipo de matérias e, quanto à outra, teria tanta razão de ser como tem razão de ser a aprovação de outros tratados que são igualmente relevantes.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, as propostas em causa não têm viabilidade, elas têm a oposição do PS e do PSD, não tendo registado a posição do PCP.
Vamos passar ao artigo...
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, a posição do PCP é de simpatia pela proposta do Prof. Jorge Miranda e de Os Verdes, nos termos referidos.
O Sr. Presidente: - Fica registado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente posso fazer só uma pergunta?
O Sr. Presidente: - Claro, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, não estando cá os proponentes não sei exactamente se a pergunta se dirige ao Sr. Presidente...
O Sr. Presidente: - Se eu puder sub-rogar-me aos proponentes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, uma proposta deste tipo, em abstracto, porventura, não abriria a porta a uma lógica em que determinado tipo de matérias que devam ser objecto de maiorias de 2/3, nos termos da Constituição, não o sendo, possam ser submetidas a referendo pela maioria simples da Assembleia, assim substituindo a obrigatoriedade de 2/3?
Isto pela razão, a contrario, de que é evidente que, quer o Prof. Jorge Miranda, quer o PCP, quer os Verdes, propõem que as matérias internacionais, aquelas de que estamos aqui a falar, possam e devam ser decididas por referendo. Referendo, que é ...
O Sr. Presidente: - Não, ninguém propôs um referendo directo, o tratado será sempre aprovado pela Assembleia.
O Sr. Luís Sá (PCP): - É isso mesmo!
O Sr. Presidente: - O referendo não preclude à aprovação parlamentar, por isso não aboliria a necessidade de aprovação por uma maioria de 2/3, pelo que não há incongruência nesse ponto.
Srs. Deputados, fica registada a inviabilidade das propostas.
Há ainda, quanto ao artigo 171.º, uma proposta do PCP, sobre as petições, de aditamento de um n.º 7, com o seguinte teor: "A apreciação das petições realizadas pelo Plenário inclui a votação dos projectos de deliberação que sobre elas incidam e que tenham sido apresentados pela comissão parlamentar competente ou por qualquer Deputado".
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, creio que esta proposta se explica por si própria.
Nós entendemos que o instituto do direito de petição é teorizado como uma das mais importantes garantias dos cidadãos, está, de resto, consagrado no artigo 52.º, não apenas em nome e para protecção de direitos dos cidadãos individuais e colectivos, mas também para defesa da Constituição, das leis e do interesse geral.
Nesse sentido, creio que temos deparado com uma contradição entre a consagração constitucional do direito de petição, o papel que doutrinariamente lhe é atribuído e a prática parlamentar. Isto é, muito frequentemente as petições têm sido discutidas tarde, em períodos desvalorizados do debate parlamentar, sem impacto público e, para além disto, de um modo inconsequente.
Portanto, julgamos que esta possibilidade de, por iniciativa de uma comissão parlamentar ou de um Deputado, poder haver uma deliberação sobre a petição que é dirigida à Assembleia constituiria um elemento importante de valorização do direito de petição e de dar-lhe um conteúdo prático mais importante, ou pelo menos tido como mais importante por parte dos próprios cidadãos, do que o que tem actualmente.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à discussão esta proposta do PCP, nos termos em que foi apresentada.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, o direito de petição é um direito conatural, digamos assim, aos regimes mais ou menos civilizados que surgiram depois da Magna Carta e que foi fortemente reforçado no período que se seguiu à Revolução Francesa e na democracia parlamentar. Mas qual é o conteúdo que tradicionalmente se dá ao direito de petição?
Numa primeira fase, e durante séculos, o conteúdo era o de não se ser punido por se dirigir ao rei ou a uma autoridade pública para fazer uma reclamação ou uma queixa, o de ser legítimo fazer isto - é isto que a Magna Carta consagra.
Numa segunda fase, depois da instituição do regime constitucional, ficou claro que o direito de petição envolve, por natureza, a apreciação do ponto de vista que o cidadão traz à consideração do órgão parlamentar. E ainda hoje é esta a função do direito de petição, mais do que isto entramos no que pode ser a iniciativa legislativa popular, de que falámos há pouco. Mas este é que é o conteúdo normal da petição.
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A proposta do PCP altera profundamente este mecanismo tradicional, estabilizado na cultural constitucional, do que é o direito de petição. A proposta é arriscada, altera isto, mas "não cai o Carmo e a Trindade" por introduzir-se uma invenção no sistema constitucional.
Contudo, parece-me que a proposta não é aceitável por uma razão: normalmente, as petições, se o Parlamento quiser garantir ao cidadão que existirá uma decisão quanto ao "fundo", envolvem matéria legislativa, implicam uma decisão legislativa. Normalmente é assim, envolvem uma alteração a uma lei que não está a ser aplicada, uma deliberação…
Mas uma deliberação de quê? Vamos fazer uma censura a um funcionário público por não ter dado atenção ao cidadão que se lhe apresentou? A Assembleia não pode fazer isto. Isto não faz parte da divisão de poderes, não entra na competência da Assembleia. A Assembleia vai deliberar. Qual é o objecto dessa deliberação? Garantir! Isto é, o que se faz é garantir aos peticionários que existirá uma deliberação da Assembleia.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado, posso dar um esclarecimento?
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado Barbosa de Melo, esta deliberação não obriga a legislar, não obriga a decidir no sentido vinculativo para ninguém. Não se trata disso. O que implica, em sentido formal, é aprovar, e discutir, eventualmente, se o entender, uma deliberação cujo conteúdo pode ser apenas uma opinião sobre o que a Administração pública deve fazer.
Dou um exemplo concreto: na semana passada, foi discutida a construção de uma determinada estrada e todos os partidos intervieram no sentido de que ela deveria ser construída. O problema que se coloca é de os 4000 cidadãos poderem ter também a perspectiva de emissão formal de uma opinião, por parte da Assembleia da República, que deseja que a Administração Pública, a quem compete, naturalmente, construir a estrada, o faça tão oportunamente quanto possível, ou que construa um centro de saúde (este foi outro ponto discutido, relativamente ao qual também houve consenso generalizado).
Portanto, não se trata de inverter a filosofia normal do direito de petição, mas, sim, de valorizar o direito de petição e a função parlamentar emitindo uma opinião, se essa for a proposta de qualquer Deputado e se houver uma maioria nesse sentido.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Ora bem, mas o problema subsiste, porque esta deliberação vai projectar efeitos sobre o desenvolvimento da actividade administrativa.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Pode não projectar!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - A Assembleia, ao deliberar em concreto sobre uma petição, está, no fundo, a fazer um governo de Assembleia, e é este o risco...
O Sr. Luís Sá (PCP): - É o mesmo do que as vagas do ensino superior; o governo depois faz o que quer. A Assembleia da República emitiu uma opinião...
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Este avanço parece-me modificar profundamente a actual estrutura que o direito de petição tem em direito comparado e tem riscos no que diz respeito à divisão de poderes.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta do PCP, de aditamento de um n.º 7 ao artigo 171.º, continua à discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, o intuito foi explicitado. Parece-nos, no entanto, que é uma preocupação hiper-regulamentar, a qual, ainda por cima, não garante o resultado, porque nada o pode garantir. Parece ser essa a preocupação. Compreendemos qual é o instrumento.
Não sei se pelo menos parte da solução não pode vir a ter contemplação em sede de lei ordinária. Aliás, já tem contemplação e, aquando da revisão do Regimento, pode vir a ter aperfeiçoamentos.
Suponho que a inclusão de uma solução deste tipo, concreta e constitucional, excede a razoabilidade na tutela a conceder, mas vamos ponderá-la, naturalmente.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em todo o caso, a proposta não se mostra viável dado a oposição do PSD, independentemente da abertura do PS.
Passamos à discussão do artigo 172.º, para o qual existem várias propostas. Para o n.º 1 deste artigo há duas propostas, uma do CDS-PP e outra do PS.
A do CDS-PP é de que só os decretos-leis aprovados pelo Governo ao abrigo da autorização legislativa poderão ser submetidos à apreciação parlamentar. A do PS, além de uma questão conceitual, que é a de que se abdique da expressão "ratificação", mas quanto aos mais sem alteração do regime, altera o prazo dentro do qual se podem submeter à apreciação parlamentar os decretos-leis governamentais.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, para apresentar a proposta.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, nesta matéria, propomos que se tome uma decisão que levará até ao fim a ruptura com o sistema que vigorou, sob o regime anterior, neste domínio e que lentamente veio a ser gerido, com oscilações, de resto, em revisões constitucionais, mas de que verdadeiramente não nos libertámos.
A nova filosofia que propomos prescinde do próprio conceito de ratificação. A ratificação, aliás, não existe no nosso direito, o que existe, naturalmente, é a rejeição, a recusa de ratificação, e as relações entre a Assembleia e o governo, tendo esta matéria sido objecto de intensa e compreensiva polémica, bem podem prescindir do que resta do "fantasma" e da Constituição de 33. É isso que nós propomos e, simultaneamente, propomos uma correcção cirúrgica no que diz respeito à contagem dos prazos.
Uma outra questão em que creio que ganharíamos todos com uma alteração constitucional é na garantia que
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hoje consta do Regimento da Assembleia da República, embora tenha tido flutuações de cumprimento, de que os processos de apreciação parlamentar dos decretos-leis devem gozar de prioridade, e de prioridade assinalável, a fixar, naturalmente, pelo Regimento.
Estamos cientes de que a fixação pelo Regimento é susceptível de ser treslida, tão treslida como tem sido, ou foi, em determinados momentos da história da Assembleia, mas creio que seria importante que se consagrasse o princípio da celeridade, uma vez que é mau para a estabilidade da ordem jurídica que deduzida uma dúvida sobre um diploma emanado pelo governo essa dúvida se prolongue e que o processo de apreciação parlamentar, uma vez suscitado, não seja célere. Ou sim ou não com alterações, mas sim, claramente, e com prioridade regimental assegurada.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, nessa segunda parte, a proposta do PS tem convergência com uma proposta do PCP, relativa ao n.º 4 do artigo 172.º, e do Deputado João Corregedor da Fonseca, quanto ao n.º 6 desse mesmo artigo.
Quanto à proposta do PS, de eliminação do conceito "ratificação", chamo a atenção para o facto de que se esqueceu de operar igual alteração semântica no n.º 3 do artigo 172.º. Quanto ao prazo que o PS propõe para o n.º 1 é uma alteração de fundo.
Se me permitem, antes de por à discussão esta proposta, gostaria de dizer alguma coisa sobre a questão semântica, já que, até certo ponto, sou o pai dessa proposta.
A questão é a seguinte: até à Constituição 1933 a competência legislativa era exclusiva do Parlamento, no caso de decretos chamados ditatoriais, isto é, de leis do governo, eles normalmente eram sanados através de bill de imunidade pelo Parlamento seguinte ou pelo próprio Parlamento que tinha sido expropriado, o que normalmente se traduzia num espécie de ratificação da infracção constitucional das leis governamentais.
A Constituição 1933 trouxe o seguinte regime: na primeira forma, que era claramente compromissória, a competência legislativa continuava a ser exclusiva da Assembleia Nacional, mas o governo podia legislar em casos de urgência, ou durante as férias parlamentares, que aliás eram muitas, e, no caso de o fazer, tinha obrigação de submeter a ratificação expressa da Assembleia Nacional os decretos produzidos nessas circunstâncias.
Como se sabe, de 1933 a 1945, a maior parte da legislação foi governamental e produzida ao abrigo desta cláusula excepcional. Isto é, o governo legislava e depois submetia a ratificação os decretos produzidos.
Em 1945, para pôr a lei de acordo com a realidade, como foi justificado no parecer da Câmara Corporativa, o governo adquiriu poderes legislativos normais, isto é, originários, e a ratificação passou a não ser obrigatória, a ser da iniciativa dos Deputados e a poder ser tácita. Ou seja, o governo deixou de ser obrigado a submeter os decretos a ratificação, os Deputados podiam "chamá-los" a ratificação e, se não o fizessem, consideravam-se implicitamente ratificados. A lógica ainda era uma homenagem ao princípio da reserva parlamentar da lei, portanto, a ideia, mesmo ficta, era de que os decretos-leis acabavam sempre por poder ser imputados à Assembleia Nacional dado que eram ratificados expressamente, porque os Deputados assim o requeriam, ou tacitamente, se não o requeressem.
A Constituição de 1976 herdou ainda este sistema constitucional de 1933. Embora alargando a matéria de competência reservada da Assembleia, manteve a ideia de que os decretos-leis do governo careciam de uma ratificação, fosse expressa, fosse tácita, no caso de nenhum Deputado requerer a ratificação dentro de certo prazo.
Em 1982, alterámos completamente este ponto de vista e deixou de haver ratificação expressa ou tácita, passando a haver aquilo que a Constituição denomina agora de "a não ratificação". Os decretos-leis passaram a ser produção legislativa autónoma, no mesmo plano das leis, só que estão sujeitos a uma espécie de processo especial de apreciação parlamentar, ou de veto parlamentar, no caso da recusa de ratificação, e de alteração por um processo expedito. O que o PS propõe nessa área é apenas a correcção semântica, isto é, o abandono definitivo da antiga lógica da ratificação e tornar claro que o que aqui está não é ratificação - de facto, já não o é desde 1982 - mas, sim, um processo de fiscalização parlamentar de decretos-leis, que pode terminar na sua rejeição ou alteração.
Portanto, nesse ponto, não há alteração de fundo e o regime constitucional continuará a ser o que é desde 1982. Isto é, a Assembleia da República pode rejeitar, por um processo expedito, os decretos-leis governamentais através de resolução, nem sequer precisa de uma lei, só que em vez de chamar-se "não ratificação" passa a chamar-se aquilo que é, ou seja, "rejeição do decreto-lei".
Quanto ao prazo de apreciação parlamentar dos decretos-leis, o PS propõe que deixe de ser nas primeiras 10 dez reuniões plenárias subsequentes à publicação e que se fixe um prazo de 30 dias subsequentes à publicação. De facto, não se entende essa ideia das 10 reuniões plenárias, porque isso depende de uma coisa aleatória, isto é, as 10 reuniões plenárias podem ser 4, 5, 10 semanas. Isto não tem que ver com nada, portanto, a ideia de um prazo fixo, independentemente de descontado o recesso parlamentar, parece-me uma solução bastante melhor do que a que actualmente consta na Constituição.
Quanto à terceira ideia do PS, que é a de dar prioridade aos processos apreciação parlamentar de decretos-leis, ela já foi justificada e nada acrescento àquilo que já foi apresentado.
Com esta explicação suplementar que me coube, estão à discussão as propostas do PS para esta matéria.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, antes de mais nada quero dizer que o sistema assim, como vem proposto, fica mais racionalizado, mais claro. Aliás, suscitavam-se dificuldades nestas votações (o que está aí previsto foi introduzido em 1982): o que é que se vota? Vota-se a rejeição? Que resolução se vota? E assim isto fica claro, muito mais racionalizado e melhor.
Também me parece que é saudável pôr um prazo desses, que é muito maior e muito mais amplo do que o que está previsto. Normalmente, as 10 reuniões plenárias cumprir-se-ão muito mais cedo do que os 30 dias, descontados nos períodos de suspensão de funcionamento da Assembleia da República.
O Sr. Presidente: - Não. Três reuniões plenárias por semana seriam quatro semanas, portanto, não é muito mais.
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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD):- Três semanas e...
O Sr. Presidente: -Três semanas e tal.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isto é aumentar mais uma semana!
O Sr. Presidente: - Não! Em condições normais é, mas, havendo semanas em que não há três reuniões plenárias bem como recessos parlamentares, em média fica na mesma. Três reuniões por semana dá três semanas e qualquer coisa.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - São mais três dias!
O Sr. Presidente: - Dá 25 dias, nós aumentamos para 30, e há períodos em que não há três reuniões plenárias por semana.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Mas há períodos em que o Parlamento funciona mais de três vezes por semana. Vamos entrar agora num desses períodos, que é o do orçamento, por exemplo, e nessa altura esgota-se rapidamente...
O Sr. Presidente: - O que penso é que o prazo não deve depender disso, não deve depender da frequência...
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - E o prazo, a ser modificado, deve ser para alargar e não para encurtar. Parece-me que o prazo deve ser de 30 dias ou, eventualmente, mais dias, mas deve alargar-se.
De resto, justifica-se plenamente que o processo tenha prioridade, visto que se trata de uma lei que está em vigor.
O Sr. Presidente: - Exacto!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Lança-se sobre a lei a suspeição sobre se ela vai continuar ou não em vigor, portanto, este período de dúvida deve ser, obviamente, superado o mais rapidamente possível, por todas as razões, aliás, evidentes, não é preciso enunciá-las.
Por conseguinte, parece-me que a proposta está certa na sua lógica geral, salvo alguns retoques e posições mais afinadas, e instala a ideia clara de que o que a Assembleia faz é uma decisão de conteúdo negativo, que, no caso de rejeitar o decreto-lei, anula uma lei feita pelo governo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, só quero fazer uma achega a esta segunda parte da apreciação.
Quanto à primeira parte, faço minhas as palavras do Sr. Deputado Barbosa de Melo.
Quanto à segunda parte, penso que observadas as devidas distâncias não seria despiciendo olharmos para os prazos que são dados ao Sr. Presidente da República para promulgação das leis, porque, politicamente, a questão pode equiparar-se.
No fundo, politicamente, o que está em causa é a apreciação por parte de um órgão de soberania sobre um acto praticado por um outro órgão de soberania, que, no estrito exercício das suas competências - neste caso, a Assembleia da República, as suas competências fiscalizadoras -, olha para o decreto-lei do governo e decide se há, ou não, alguma coisa a iniciar.
Além disso, não podemos esquecer que, ao contrário do que acontece no acto de promulgação em que o Presidente da República tem que tomar uma decisão definitiva num determinado prazo, aqui trata-se apenas tomar a iniciativa de solicitar o antigo mecanismo da ratificação e, com esta alteração, de fiscalização. Abrir-se-á, a partir daí, mais um período, em termos regimentais, para a apreciação normal, portanto, considero que há toda a vantagem em encurtar que não em prolongar a actual situação.
No entanto, considero que o Sr. Presidente tem razão quando diz que faz pouco sentido este prazo estar dependente das vicissitudes que decorrem do funcionamento do plenário parlamentar, que, como sabemos, tem várias vicissitudes, pelo que é mais lógico ter um prazo certo em termos de certeza de calendário.
Como o Sr. Presidente se recordará, a propósito do instituto da promulgação, ficou sobre a mesa uma proposta do PSD, com alguma abertura política para ponderação, nesta primeira fase, de um encurtamento dos prazos da promulgação. Penso que, por similitude de razões, nunca por nunca o prazo em que a Assembleia da República exerça este pedido de fiscalização dever ser superior àquele que o Presidente da República tem para promulgar as leis, por exemplo, no caso dos decretos da Assembleia, o Presidente da República tem 20 dias, e ele é um órgão unipessoal. Isso não faz sentido, porque a Assembleia da República - os grupos parlamentares e os Deputados - tem seguramente mais meios e mais disponibilidade para a sua actividade primordial de fiscalização do governo do que o Sr. Presidente da República tem para apreciar todos os diplomas que lhe são submetidos.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Mas tem 40 dias para os outros!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A proposta do PSD é para reduzir o prazo, claramente!
Uma voz não identificada: - Está à discussão os 30 ou os 40 dias.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Está à discussão.
Portanto, Sr. Presidente, penso que devíamos tomar isso como referência. Reduzir o prazo para 20 dias, no mínimo, talvez não fosse despiciendo, porque é mais lógico.
Propõe-se alterar de 25 para 30 dias, e por que não de 25 para 20, até pela comparação com o instituto da promulgação?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, chamo a sua atenção para o seguinte: o artigo 139.º prevê dois prazos, um de 20 dias, para as leis, e outro de 40, para os decretos-leis, mas há uma razão para a existência dessa distinção.
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No caso das leis, o Presidente da República conhece o que vai aparecer-lhe, acompanhou a discussão pública, os seus assessores estão na bancada, já está à espera das leis e pode saber com o que conta muito antes de receber o decreto da Assembleia.
No caso dos decretos do governo, eles aparecem ao Presidente da República de chofre, ele não sabe do que se trata, por isso lhe deram 40 dias.
No caso da Assembleia da República é a mesma coisa, isto é, quando aparece publicado um decreto-lei, os Deputados e os grupos parlamentares tomam conhecimento dele de chofre, portanto, o que prazo que devíamos aplicar para a Assembleia é o de 40 dias e não o de 20.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, não, porque não é para uma decisão definitiva. A promulgação do Presidente da República é uma decisão definitiva, aqui apenas se requer…
O Sr. Presidente: - Isso é verdade, Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A Assembleia depois tem um tempo infindo, muito mais do que os 40 dias, para "mastigar" internamente o processo de ratificação.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, não quero argumentar muito neste "pano" e penso que poderíamos deixar a questão do prazo para mais tarde.
Em todo o caso, chamo a sua atenção para o seguinte: se não dermos um prazo relativamente suficiente para os partidos e os Deputados analisarem os decretos-leis, eles vão, preventivamente, sujeitar tudo à ratificação, isto é, se não tiverem tempo para analisarem os decretos-lei, em caso de dúvida, pedem a ratificação. Penso que com essa solução deixamos entrar por uma janela grande aquilo que estamos a tentar fechar com uma porta pequena.
Srs. Deputados, a proposta continua à discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, sem ter uma posição claramente definida sobre a matéria, tenho, contudo, uma dúvida que quero deixar, embora sem fazer necessariamente uma interpelação directa, designadamente ao Sr. Presidente, que de certa forma fez a apresentação da proposta.
A minha dúvida é neste sentido: compreendo as razões históricas que levaram progressivamente a que nos afastássemos do regime da ratificação, mas elas têm quer ver com a circunstância de que, usando terminologia administrativa, falamos em ratificação/sanação por se partir do pressuposto de que o governo era incompetente para legislar. O facto é que, a partir do momento em que esse pressuposto desapareceu e em que passou a admitir-se a competência concorrencial, o instituto da ratificação, a fazer sentido, faria sentido na perspectiva da ratificação/confirmação e não da ratificação/sanação. Isto porque, fundamentalmente, o que está aqui em causa é assegurar o primado da Assembleia da República em matéria de competência legislativa sobre o governo.
Isso não leva necessariamente a que eu rejeite a alteração que é introduzida...
O Sr. Presidente: - Mas nós não propomos nenhuma alteração de fundo.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não?!
O Sr. Presidente: - Hoje não há ratificação nenhuma, desde 1982 que deixou de haver ratificação.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Certo! Nesse sentido, enfim, se não se puder falar em ratificação tácita…
O Sr. José Magalhães (PS): - Nem sanação, nem confirmação.
O Sr. Presidente: - Não há nada disso! Deixou de haver em 1982. É uma pura questão semântica.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - É uma questão semântica, e, precisamente por isso, confesso que tenho algumas dúvidas, designadamente, quanto à expressão rejeição que é utilizada.
Rejeição, na minha perspectiva, é o contraposto de aprovação, o que levaria à ideia de que não se trataria de um diploma em vigor, porque seria um requisito de validade e não um mero requisito de eficácia no caso de ser desencadeado um processo de fiscalização sobre um diploma em particular, sobretudo tendo em conta que, tal como a Constituição já fixa e continuaria a fixar, os efeitos dessa recusa ou dessa rejeição seriam meramente ab-rogatórios e não anulatórios, uma vez que se produziriam a partir da data da publicação da resolução, portanto, para futuro, e não da data de entrada em vigor do diploma. O que, aliás, é sensato, tendo em conta que não está aqui em causa a invalidade, mas a mera inoportunidade ou inconveniência política da proposta em causa.
Nessa perspectiva, se é para assumir que não estamos a falar de ratificação, mas apenas de um poder específico de revogação que é desencadeado através de um mecanismo, eu aí concordo com a ideia de introduzir a celeridade regimental, sob pena de nem sequer fazer sentido prever o instituto na Constituição, porque sendo a matéria concorrencial sempre poderia a Assembleia desencadear um processo legislativo autónomo, com vista a, artigo único, "é revogado o decreto-lei x". O instituto, a fazer sentido, fá-lo na perspectiva de ser um mecanismo especial e célere de obter a revogação ou a alteração de decretos-leis.
Nesse sentido, já que é para abandonar a ideia de ratificação, para evitar a confusão da ratificação/sanação e da ratificação/confirmação, não sei se não seria de ponderar pura e simplesmente utilizar-se a expressão revogação em vez de rejeição, até para evitar um pouco esta noção de que há uma espécie de eficácia precária, porque, afinal, depende de uma aprovação, ainda que negativa, ou da ausência de uma aprovação. Portanto, punho à consideração esse aspecto.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, continua à discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, quanto à questão da prioridade, a nossa proposta coincide com a do PS, e creio que se justifica por si própria.
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Quanto à questão do prazo, julgo que a proposta do PS é justificada, sem prejuízo de ponderar melhor se são exactamente 30 dias, um pouco mais ou um pouco menos.
Chamo a atenção para o facto de, independentemente da argumentação do Sr. Presidente nesta matéria, haver outras entidades que com frequência intervêm e que pedem aos grupos parlamentares que solicitem a ratificação. Trata-se de grupos de pressão, incluindo sindicatos, associações representativas do patronato, diferentes estruturas, que têm, por sua vez, os respectivos tempos para a solicitação. Assim, das duas uma: ou se cai numa banalização a título preventivo da intervenção parlamentar desta matéria; ou então importa não encurtar demasiado os prazos, aliás, não estou a ver que por causa de 10 dias haja um grande avanço ou um grande atraso na sedimentação legislativa nesta matéria, na solidificação de um texto, em colocá-lo ao abrigo da possibilidade de rejeição ou alteração parlamentar.
Quanto à clarificação proposta pelo PS suprimindo a ideia de ratificação, somos sensíveis às ideias aqui colocadas, designadamente à histórica feita do instituto da ratificação e da situação que actualmente vivemos. Propunha, talvez, que esta matéria pudesse ser melhor ponderada do ponto de vista técnico, porque o termo fiscalização coloca-me algumas dificuldades pessoais, apenas no sentido em que, normalmente...
O Sr. Presidente: - Está a referir-se à epígrafe?
O Sr. Luís Sá (PCP): - Exacto!
Como estava a dizer, normalmente, em Direito Público a fiscalização tem um outro sentido, que não é propriamente o de intervir para rejeitar ou alterar com poderes deliberativos e com uma supremacia legislativa. Reporta-se muito mais a poderes de carácter inspectivo e de controlo do que propriamente a uma intervenção deste género.
Se não for possível arranjar melhor, naturalmente que veremos novamente a questão. Quanto à ideia de fundo, julgamos ser de ponderar...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Sá, chamo-lhe a atenção para o seguinte: o artigo 165.º, cuja epígrafe diz "Competência de fiscalização", contém exactamente, na alínea c), esta matéria. Foi por isso, aliás, que fomos buscar exactamente a epígrafe "Fiscalização de decretos-leis"!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sem dúvida, Sr. Presidente, o que não impede que a questão continue a colocar-se, e mais ainda neste caso, tendo a epígrafe de todo o artigo apenas o conteúdo deste instituto.
O Sr. Presidente: - As epígrafes não alteram o conteúdo!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Exacto! Mas creio que se trata de uma questão a reflectir, procurando encontrar o máximo de correcção possível nesta matéria. Naturalmente, é muito frequente os conselhos serem polissémicos, como é sabido, mas creio que...
O Sr. Presidente: - Não, este seria claramente congruente!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Teria de ser minimamente coerente com o instituto que se propõe, julgo eu. Mas quanto à ideia de fundo, aquela que nos parece verdadeiramente importante, julgo que merece ponderação e um exame atento, tendo a nossa abertura.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, desculpem fazer mais uma intervenção, mas penso ser de acrescentar a tudo o que foi dito - e foram ditas coisas interessantes por todos os intervenientes, que enriquecem o diálogo parlamentar em torno deste texto - que é bom que fique claro que este é sempre um processo legislativo especial. O Governo tem competência, ou porque a Assembleia o autorizou a tal, ou porque ele exerceu a sua competência normal numa zona de pura concorrência, exerceu a sua competência legislativa.
Ora, abre-se para a Assembleia uma possibilidade num processo especial, porque se trata de um processo legislativo especial...
O Sr. Presidente: - Especial e expedito!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sim, expedito!
A Assembleia, no fundo, vai "caçar"...
O Sr. Presidente: - É um processo de "caçação"!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Como dizia, a Assembleia, no fundo, vai "caçar" a legislação do Governo, mas fica limitada também, porque, por exemplo, não pode dar ao seu diploma efeito retroactivo, está marcado aqui que o diploma do Governo vigora até ao momento em que é publicada no Diário da República a decisão de rejeição, de não ratificação ou de recusa dessa legislação.
Portanto, estamos perante um processo legislativo especial, o termo dele é uma lei negativa, uma lei que anula outra lei, porém a Assembleia não tem aqui grande capacidade de deliberação quanto ao fundo da questão, pois rejeitando os diplomas os efeitos estão fixos na Constituição.
Gostaria que isso ficasse dito porque penso que enriquece a valiosa intervenção aqui feita pelo conjunto dos intervenientes.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, houve um ponto que me suscitou uma dúvida em algumas intervenções, mas agora o Sr. Deputado Barbosa de Melo ajudou a clarificar.
Da nossa parte não esteve presente a ideia de alterar o que há de específico no que resta sobre o nomem juris ratificação do procedimento de controlo refundado em 1982 e depois alterado, aliás, algo polemicamente, em 1989. Mas isto não está agora em causa!…
Um aspecto específico tem que ver com uma questão introduzida pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro, que é a seguinte: o que faz a Assembleia da República quando diz "não"? O que faz o Parlamento?
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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Revoga!
O Sr. José Magalhães (PS): - Na nossa legislação, no nosso quadro constitucional, recusa a ratificação, deliberando por resolução. É isso tipicamente que faz, ou seja, não elabora um lei que opere um efeito revogatório nas condições previstas no artigo 172.º, n.º4, o que deve ser mantido.
Na arquitectura da nossa proposta não estava presente a ideia de que a Assembleia da República, cada vez que quisesse operar este mecanismo de fiscalização, quando desejasse dizer "não", devesse aprovar uma lei com artigo único a dizer que é revogado determinado decreto-lei.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Uma resolução!
O Sr. José Magalhães (PS): - Não foi essa a nossa ideia, manteve-se a ideia de utilizar essa fórmula. Porquê? Entre outras coisas, porque isto tem efeitos na repartição constitucional de competências, designadamente do poder promulgatório. Não é assim?
O Sr. Presidente: - Claro! A resolução não é promulgável!
O Sr. José Magalhães (PS): - É que quando a Assembleia da República aprova uma resolução esta não está sujeita a promulgação, sendo, portanto, um acto livre do Parlamento, contrariando o Governo e o Presidente da República em relação a um diploma que só pode existir na ordem jurídica…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O Presidente não está vinculado a uma decisão do Governo!
O Sr. Presidente: - Obviamente que não! A promulgação não implica concordância com…
O Sr. José Magalhães (PS): - Dada a natureza da promulgação, isso é razoavelmente sustentável, mas é óbvio…
Perdão, Sr. Presidente, mas fui desviado pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes!… O Sr. Luís Marques Guedes estava a dizer que essa resolução pode não ser contrária à vontade do Presidente da República.
O Sr. Presidente: - Proponho que não nos desviemos para questões adjacentes e que nos mantenhamos nas propostas em causa.
O Sr. José Magalhães (PS): - Abandonando então, com um ar culpado e um pouco recriminado, a adjacência e voltando à questão principal, ou seja, a da forma de operar, quero dizer que quando a Assembleia da República deseje introduzir alterações… Não estou muito seguro quanto à proibição total e absoluta de retroactividade por parte da lei de alterações, suponho que isso depende…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Deputado, leia o n.º 4!
O Sr. José Magalhães (PS): - O n.º 4, Sr. Deputado?! Mas porquê?!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Se for rejeitado não pode ser retroactivo!
O Sr. José Magalhães (PS): - Certo!
Portanto, essa diferença de operar mantém-se nesta nossa sugestão. Porém, não vendo razões para querer ser terminante nesta matéria, creio que é preciso ponderar um nomem juris para aquilo que qualificamos como rejeição.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, sem querer prolongar excessivamente o debate, devo dizer que concordo com o Sr. Deputado Luís Sá quanto à necessidade de ponderar tecnicamente a questão, prolongando essa ponderação no tempo sem chegarmos hoje necessariamente a uma conclusão.
O argumento que o Sr. Deputado José Magalhães introduziu é interessante, aliás, já há pouco o Sr. Deputado Barbosa de Melo, quase em off the record, também colocava a questão de saber se pode falar-se em revogação tratando-se de um órgão diferente, e não o próprio órgão que aprovou o diploma.
De qualquer maneira, também quero chamar a atenção para dois aspectos. Por um lado, o problema da equiparação de forma só se coloca havendo lacuna na lei. Isto é, se a lei expressamente permitir a revogação por forma diferente daquela utilizada na adopção do diploma não há nada que impeça que se lhe chame revogação apesar da fórmula utilizada ser a de resolução e não a de lei propriamente dita, até porque, porventura, o que o legislador quer é precisamente subtrair ao poder de promulgação e ao poder de fiscalização preventiva da constitucionalidade. Nesse sentido, pode fazer as duas coisas em simultâneo, desde que expressamente regule a matéria.
Por outro lado, o problema de ser ou não o mesmo órgão não nos suscita particular aversão, porque aquilo que aqui está em causa, na minha perspectiva, é assegurar o primado da Assembleia da República e, portanto, funciona, fazendo o paralelo como o Direito Administrativo, como uma espécie de concessão do poder de revogação ao "superior hierárquico", obviamente, salvo as proporções e adaptações necessárias.
Foi nesse sentido que suscitei a questão, não como uma convicção pessoal - porque não ponderei o assunto suficientemente - de se falar em revogação propriamente dita e não em rejeição, pois o termo rejeição, de facto, suscita-me algumas dúvidas quanto à verdadeira finalidade do instituto.
Mesmo no que diz respeito à fixação dos limites temporários da resolução em causa, qualquer que seja a sua designação (para além de a Constituição distinguir claramente as situações de recusa pura e simples das situações de alteração, pois só estabelece imperativamente os efeitos para os casos de recusa pura e simples, não sendo expressa quanto às causas da alteração), e mesmo nos casos de recusa pura e simples, confesso que não tendo feito nenhuma proposta nessa matéria também tenho dúvidas de que a rigidez devesse estar sempre consagrada no texto
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constitucional. Digo isto pelo seguinte: se é verdade que o que está fundamentalmente aqui em causa é assegurar o primado e, consequentemente, um juízo político sobre a substância do decreto-lei aprovado, não é menos verdade que pelo menos toda a doutrina admite a circunstância de ser possível ao Parlamento fazer fiscalização da constitucionalidade.
Não sei se esta também não seria uma manifestação e se, numa circunstância em que o fundamento fosse essencialmente de validade e não de oportunidade política, não poderia colocar-se a questão de ser possível, desde que por decisão expressa, tal como acontece com o Tribunal Constitucional em certo sentido, embora na perspectiva inversa, fixar limites temporais para a eficácia do acto diferentes dos limites temporais normais. Digo isto embora compreenda o melindre e os problemas que tal poderia colocar, sobretudo na perspectiva da tutela da confiança e da segurança dos cidadãos num diploma aprovado, que entrou em vigor e que, por esta via, poderia ser objecto de uma revogação com efeitos retroactivos, a qual, porventura, poderia ser mais perigosa do que propriamente benéfica, embora nalgumas circunstâncias pudesse eventualmente ser benéfica.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, realmente, penso que é urgente que fique anotada a necessidade de se refazer a epígrafe. Trata-se de uma fiscalização que o Parlamento faz ao Governo! Uma epígrafe, por definição, não pode ser prolixa, mas "Fiscalização parlamentar"...
O Sr. Presidente: - A epígrafe é "Fiscalização dos decretos-leis"! É um lapso!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Em vez de "Fiscalização parlamentar" a epígrafe deverá ser "Fiscalização dos decretos-leis"!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Eu ia também propor a epígrafe "Fiscalização legislativa"!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há duas pequenas questões a tratar. Em primeiro lugar, quanto à questão de utilizar a palavra "rejeição" ou "revogação", por mim tenho resistência a colocar aqui a palavra "revogação", que tem um conceito técnico muito definido.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Não, não! Rejeitar!
O Sr. Presidente: - Eu deixaria à doutrina saber o que é isto exactamente. Ora, isto coincide exactamente com aquilo a que na doutrina constitucional americana se chama o veto legislativo, legislative veto, ou seja, o acto pelo qual o Congresso rejeita, pára decisões presidenciais, em certos casos. Isto é a mesma coisa! Há um decreto-lei governamental a que a Assembleia da República dá o seu "não"!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - É um conteúdo negativo!
O Sr. Presidente: - É um conteúdo negativo!
Saber se se trata de revogação em sentido técnico ou não, deixaria isso para a doutrina. Não utilizaria aqui a palavra "revogação", antes um conceito aberto, "rejeição". A doutrina encarregar-se-á de saber o que é isto exactamente, se é o veto legislativo à americana, se é uma revogação técnica.
A minha resistência não é tanto por isso, mas porque se trata de uma "revogação" feita por uma forma diferente, que é uma resolução. Portanto, o problema de ser outro órgão não tem nada que ver, não seria relevante agora. Porém, ser feito por resolução e chamar-se a isto revogação… Eu deixaria isto em aberto!… Tenho uma certa resistência em utilizar aqui a palavra "revogação".
Quanto ao prazo, sinceramente, faço questão nos 30 dias, porque mesmo o PSD o mínimo que propôs para o veto presidencial de decretos-leis foi 30 dias. Portanto, creio que por maioria de razão o prazo devia ser pelo menos igual neste caso.
Espero que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes não faça questão nisso e que possamos arrumar esta matéria, não a deixando em aberto, porque, de facto, hoje o prazo é 25 dias no geral, mas tendo em conta os de acesso parlamentar será mais do que 30 dias, pelo que não devíamos fazer questão nessa matéria. Se o PSD fizer questão, fica em aberto o prazo.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, não quero tomar tempo, até porque a decisão pode ser tomada na altura, sendo uma decisão acessória, como V. Ex.ª disse. Penso que o essencial está politicamente adquirido, esta é uma decisão marginal, mas creio que o princípio da segurança jurídica também tem que estar presente nestas matérias. É evidente que este instituto de potencial rejeição de diplomas jurídicos, como foi sublinhado pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro, pode afectar a estabilidade e o princípio da segurança jurídica, que é estruturante da própria ordem jurídica, e nesse sentido quanto mais céleres forem esses mecanismos melhor.
De qualquer modo, Sr. Presidente, creio que esta é, de facto, uma questão acessória, pelo que optar-se por 20, 25 ou 30 dias é uma decisão que tomar-se-á na fase final.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, fica em aberto a questão do prazo, já que assim se quer.
Vamos agora apreciar as outras propostas que ainda não foram consideradas nesta matéria, nomeadamente a proposta do PCP para o n.º 2, que visa aplicar o regime a todos os decretos-leis e não apenas aos elaborados no uso de autorização legislativa.
Sr. Deputado Luís Sá, faça favor de apresentar a proposta e de a defender, se entender necessário fazê-lo.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, esta proposta, como de resto outra que será discutida ulteriormente, propõe aquilo a que poderia chamar uma plena reabilitação do instituto do referendo, que a nosso ver foi afectado na Revisão Constitucional de 1989 nesta matéria, isto é, foram-lhe introduzidas restrições. Essas restrições foram na época encaradas de forma crítica, e também ulteriormente por sectores da doutrina, a nosso ver sem plena justificação, salvo a de reduzir a intervenção fiscalizadora (com aspas ou sem aspas) da Assembleia da República nesta
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matéria. Aquilo que propomos é restabelecer nesta matéria a situação anterior à Revisão Constitucional de 1989, pois continuamos a não ver razões, nem a prática revelou que existam, para que se mantenha.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à discussão a proposta do PCP no sentido de a faculdade de suspensão da vigência de decreto-lei sujeito à apreciação parlamentar se estender a todos os decretos-leis, independentemente de serem ou não elaborados no uso de autorização legislativa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, falando por mim, creio que para quem suscitou a questão de falar-se em revogação e não em rejeição, obviamente, isso significa também que quem pode o mais pode o menos.
Julgo que na perspectiva que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes há pouco colocou, reforçando as minhas palavras, de defesa da confiança e da segurança jurídica dos cidadãos, mais uma razão haverá para que possam adoptar-se medidas cautelares relativamente a diplomas que podem vir a ser objecto de alteração. Isto é, deve ser possível à Assembleia suspender a vigência desses diplomas com base no pressuposto de que não vale a pena deixar que se consolidem situações jurídicas ao abrigo de decretos-leis que, porventura, serão objecto de alteração, sabendo nós que o processo legislativo que conduz essas alterações, quando há propostas de alteração, pode prolongar-se por um tempo consideravelmente longo.
Por essa razão não vejo sentido em limitar aqui o poder de suspensão aos decretos-leis aprovados ao abrigo da autorização legislativa. É que se a Assembleia da República, tratando-se de matéria concorrencial, sempre podia revogar ou suspender por acto expresso e autónomo, por maioria de razão também nesta circunstância devia poder fazê-lo de forma célere com vista a salvaguardar os interesses que porventura estivessem em causa na discussão.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, continua a discussão da proposta do PCP de admissão da suspensão de decretos-leis mesmo não produzidos no uso de autorização legislativa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, eu reconduzia a posição do PSD um pouco à intervenção inicial que o Sr. Presidente fez ao introduzir a proposta que perfilha de alteração global deste artigo, nomeadamente da denominação.
Penso que, de facto, hoje em dia está perfeitamente adquirido no nosso sistema constitucional a competência concorrencial dos dois órgãos de soberania em matéria legislativa. Ora, se assim é, parece-me evidente que num instituto de fiscalização como este nunca por nunca pode pura e simplesmente invocar-se a lógica da segurança jurídica para se introduzir medidas cautelares, quando o que está em causa é o exercício de uma competência própria, constitucionalmente reconhecida, de um órgão de soberania como é o Governo. Ou seja, quando o Governo legisla em matéria para a qual é perfeitamente competente, é evidente que a Assembleia da República sempre terá esta última palavra de fiscalização, mas daí a dizer-se que em qualquer circunstância, relativamente a todo e qualquer tipo de iniciativa legislativa do Governo, ainda que ao abrigo da competência que lhe é própria, a Assembleia pode, para além do poder de fiscalização, ter um poder cautelar de suspensão imediata antes da apreciação de fundo da bondade da iniciativa legislativa, é um excesso em termos do equilíbrio que actualmente existe na divisão de competências em matéria legislativa, porque também se trata de matéria legislativa hoje em dia, claramente.
Como disse o Sr. Presidente, já não estamos na situação de 1933, em que o poder legislativo era a Assembleia Nacional, só excepcionalmente podendo o Governo exercê-lo em determinadas circunstâncias e dentro de determinadas condições. Hoje em dia o Governo tem competência plena nestas matérias, a competência fiscalizadora é outra.
Portanto, do ponto de vista do PSD, faz sentido que esta fiscalização vá ao ponto da medida cautelar quando o Governo actua legislativamente ao abrigo de uma autorização excepcional da Assembleia da República, que é o mecanismo de autorização legislativa. Neste caso, claramente, se a competência legislativa está a ser utilizada numa lógica de excepção faz sentido que a fiscalização também tenha uma lógica de excepção, como é a medida cautelar. Se não for esse o caso, parece-nos um pouco desequilibrador do balanço (balanço no sentido de balance, de equilíbrio) existente entre a divisão de competências dos órgãos de soberania, nomeadamente em termos de competência legislativa, a Assembleia ter para todo e qualquer tipo de acto legislativo do Governo esta competência excepcional, a acrescer à fiscalização normal, de proferir medidas cautelares.
Portanto, neste sentido, parece-nos que o actual texto constitucional reconduz a uma lógica adequada um acréscimo especial ao mecanismo da fiscalização, como seja a tal medida cautelar de suspensão antes da análise e aprovação definitiva por parte do Plenário da Assembleia quanto à matéria de fundo.
O Sr. Presidente: -Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, sem querer monopolizar o debate, chego à conclusão que, afinal, a tutela da segurança e da confiança jurídica dos cidadãos é um interesse legalmente protegido, só é efectivamente tutelado quando coincide com a tutela do interesse do Governo. É que aparentemente, mais uma vez, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes manifesta preferência pela prevalência da competência do Governo relativamente à competência da Assembleia,…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): -Preferência?!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - ... sendo certo que há aqui dois vícios lógicos. Em primeiro lugar, como há pouco salientou, só há uma limitação temporal para os efeitos da resolução quando ela se destina à rejeição ou à recusa de ratificação do diploma, não quando há alterações, o que significa a contrario que...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não!
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O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Só há uma limitação constitucional quanto aos efeitos temporários da resolução quando ela é de rejeição ou de recusa de ratificação pura e simplesmente, não quando ela é de alteração. Isto significa que não permitir a suspensão provavelmente implica, na lógica dos proponentes da alteração, que a aprovação das alterações será feita por forma a retroagir ao momento da aprovação do decreto-lei, porventura a eliminar eventuais situações jurídicas que se tenham constituído na base do decreto-lei originário. Isto, obviamente, é sempre pior solução do que permitir a medida cautelar da suspensão e evitar que as situações se consolidem para depois se proceder à alteração do diploma.
O segundo vício lógico é que, pela mesma razão que se manifesta o primado da Assembleia da República neste instituto, sempre seria possível para uma maioria favorável à alteração do decreto-lei (na medida em que a Constituição não permite a suspensão no decorrer do processo de rectificação ou de rejeição) utilizar um mecanismo alternativo, que é votar a rejeição pura e simples e desencadear, até porventura com carácter de urgência, um processo legislativo novo, uma vez que também não há limitação para que a Assembleia volte a legislar sobre a mesma matéria, só há limitação para o Governo. Ora, isto significa que aquilo que porventura queria acautelar-se impedindo esta alteração nunca é acautelado, porque existem sempre dois mecanismos enviesados ou alternativos para se obter precisamente o mesmo resultado, talvez com custos mais elevados.
Haveria muito mais transparência em permitir-se a suspensão pura e simples no âmbito do processo de ratificação ou rejeição, o que, em qualquer caso, se houver maioria com disposição para tal, sempre poderá ser garantido por qualquer uma das vias alternativas: ou atribuindo efeitos retroactivos à resolução que introduz alterações; ou porventura optando pela rejeição pura e simples, com a iniciativa parlamentar subsequente de um processo legislativo novo para proceder às "alterações" ao decreto-lei rejeitado.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, continua em discussão a proposta para admitir a suspensão de decretos-leis em matéria de competência concorrencial do Governo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo, a quem peço que não prolongue a discussão.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, trata-se de questões que têm as suas complexidades, pelo que não podemos passar a correr sobre elas.
O Sr. Presidente: - Claro! Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, após a ideia que agora ouvi fiquei alertado para uma dificuldade.
Risos do Deputado do PS Cláudio Monteiro.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - O Sr. Deputado Cláudio Monteiro admitiu… Por isso é que, se calhar, as coisas estão redigidas (agora estou a pensar em voz alta) no Regimento como estão, e bem, com muitas complicações. Como é que uma resolução pode dar efeito retroactivo às alterações?!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Eu nunca vi! Essa lógica do automatismo até na retroactividade...
O Sr. Presidente: - Não, as alterações são aprovadas por lei!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Mas falou-se em resolução!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Cuidado, cuidado!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Foi um lapsus linguae!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Não foi!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Era o raciocínio!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Não era o raciocínio! Não é um vício lógico! Não há aqui vícios lógicos! Estas argumentações não têm vícios lógicos, são argumentações políticas!…
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, é muito interessante analisar a questão numa óptica dos vícios lógicos e também fazer o raciocínio sobre a maneira como esta instituição funcionou.
Foi polémica, obviamente. O PSD insistiu especialmente na consagração desta solução na Revisão Constitucional de 1989, sendo que tal foi incluído no conjunto das coisas consideradas imprescindíveis e inevitáveis e que no acordo político de revisão constitucional vieram a ter consagração, tendo na altura o PS aderido a elas com fundamentos que foram nesta Comissão intensamente discutidos.
Nessa altura, algumas das coisas agora adiantadas foram ecoadas, aliás, tive ocasião de alertar na circunstância para alguns dos possíveis riscos. Curiosamente, talvez pelo facto de estarmos nessa altura, e termos passado nesse ciclo, a viver em maioria absoluta, gerou-se a seguinte situação: os governos com maioria absoluta tinham capacidade de impedir não apenas a recusa como, evidentemente, por maioria de razão, a suspensão. Os partidos de oposição geriram com a sageza possível - incluindo o PS - a sua capacidade de criticar legislação governamental, emanada sob a forma de decreto-lei, recorrendo não à figura da proposta de suspensão mas, sim, à figura da recusa de rectificação, e, portanto, sujeição à apreciação em sede de ratificação e apresentação de projectos de resolução tendentes à recusa de ratificação.
Em nenhum caso, que eu me lembre, se suscitou a questão da suspensão nestes termos, para a qual, de resto, os defensores mais empenhados da solução adiantavam que sempre estaria aberta aos partidos da oposição a possibilidade de proporem, através de iniciativa legislativa, a respectiva
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suspensão, não beneficiando, é certo, de todas as vantagens de legislar por incidente de suspensão no meio de um processo de ratificação, mas dispondo igualmente de alguns dos mecanismos para efectivarem o seu processo político se entendessem que deviam fazê-lo.
Num cenário de governos não assentes numa maioria absoluta de apoio é possível vislumbrar, se calhar, nesta cláusula uma forma de protecção, uma vez que só uma maioria absoluta pode suspender um diploma que tenha sido emanado pelo governo.
Mas a verdade é que, como o Sr. Deputado Cláudio Monteiro sublinhou, não é vedado aos partidos da oposição, ou até a uma coligação hostil, portanto, a uma maioria hostil, a apresentação de uma iniciativa tendente à obtenção da suspensão do diploma governamental. E, portanto, a protecção que um governo sem o apoio parlamentar absoluto dispõe, nesta matéria, por força desta norma, é também uma protecção limitada.
O que quer dizer que há aqui um equilíbrio de contrários tortuosamente gerado. Na nossa evolução nem tudo nasce das forças de Minerva e, portanto, nesta matéria atingiu-se, quiçá, uma situação em que os vícios lógicos não têm sido vícios práticos e algumas das vantagens teóricas não têm sido vantagens práticas. Também tem acontecido que alguns dos inconvenientes teóricos não têm sido inconvenientes práticos e, portanto, nós não propusemos a alteração desta norma, provavelmente em homenagem ao acordo político de revisão constitucional de 1989 e também em homenagem a esta teoria e a esta prática. É esta a explicação que vos posso oferecer.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta do PCP não se mostra viável, prevalecendo a oposição do PSD e as objecções do PS.
Temos ainda para discutir a proposta do PCP de eliminação do n.º 3.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, proponho que esta questão seja considerada em conjunto com a eliminação do n.º 5, porque em rigor são duas matérias estreitamente conexas.
O Sr. Presidente: - Certo!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Trata-se de alterações que foram introduzidas na revisão constitucional de 1989 nos termos a que o Sr. Deputado José Magalhães agora aludiu e que foram objecto, aliás, de grandes protestos na época. O que estava acima de tudo em causa era a possibilidade de, através do não agendamento dos debates e das votações, uma maioria parlamentar provocar a caducidade das suspensões ou dos processos de alteração ou a rejeição dos decretos-leis sujeitos à apreciação parlamentar. Esta questão é tanto mais significativa quanto o facto de ter sido adiantada a possibilidade de, neste contexto, passar a ser constitucionalmente obrigatório agendar os debates e votações, o que não veio a ser consagrado na Constituição. Como é sabido, a matéria foi remetida para o Regimento, onde, eventualmente, pode ser objecto de alterações que venham a criar uma situação que se descortine como esvaziamento do poder de apreciação parlamentar.
Trata-se de um contexto que pode vir a ser complicado. A prática não se revelou tão preocupante quanto foi assinalado na época, mas isto não significa, de forma nenhuma, que tal não venha a verificar-se. E, nesse sentido, julgamos que este instituto da fiscalização legislativa parlamentar, ou melhor, da apreciação legislativa parlamentar, (prefiro dizer assim) só teria a ganhar se as alterações introduzidas em 1989 viessem agora a ser eliminadas.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Sá, a proposta de eliminação dos n.os 3 e 5, que consagram a caducidade da suspensão e do próprio processo de apreciação parlamentar dos decretos-leis, não fica precludida com o aditamento da norma, para a qual já há consenso, de uma prioridade regimental dos processos de apreciação?
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, sem dúvida nenhuma, coloca-se - aliás, em termos importantes - o problema da prioridade parlamentar. Mas admitimos que esta prioridade talvez possa não ser suficiente, embora julgue que a questão fica fortissimamente atenuada, não tenho qualquer dificuldade em reconhecê-lo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em apreciação as propostas do PCP de eliminação dos n.os 3 e 5 do artigo 172.º da Constituição.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, não vemos qualquer razão para suprimir o n.º 5 e quanto ao n.º 3, pela razão que enunciei antes, nem me pronuncio.
Por outro lado, não interpreto redutoramente a norma constitucional e, independentemente das vicissitudes da prática e das soluções consagradas com mais felicidade e, sobretudo, das práticas mais felizes ou menos infelizes que, neste ou naquele momento, tenham existido, creio que faz parte da boa hermenêutica do artigo 172.º, n.º 5, a garantia de não asfixia de uma iniciativa fiscalizadora por retenção. Sempre considerámos - aliás, isso ficou claro nos debates de 1989 - que a norma tal qual está redigida tem implicações quanto ao agendamento e à apreciação efectiva, ou seja, a Assembleia não é livre. Imagine-se que interpretação aberrante não seria dizer-se que a Assembleia da República, e uma maioria parlamentar, que neste caso teria que ser particularmente não escrupulosa e violadora da Constituição, não só na agendava nenhuma matéria como, beneficiando-se do facto de poder bloquear a lei nos termos do n.º5, não garantia o mínimo de apreciação e de intervenção parlamentar.
Podemos, quiçá, conseguir, na próxima revisão do Regimento, fórmulas mais felizes de garantir a tramitação destes processos de apreciação e podemos, consagrando as propostas do PS, e aliás também as do PCP neste ponto, garantir inequivocamente a prioridade, eliminando assim as dúvidas. Mas não deve haver dúvidas de interpretação, dando à maioria parlamentar o direito de sufoco ou de asfixia, já que não o tem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, do meu ponto de vista, fez bem em colocar a questão ao Sr. Deputado Luís Sá, porque o PSD entende que há aqui uma distinção: a introdução de um novo número que
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tem que ver com um processo de urgência, do nosso ponto de vista, aparentemente, preclude a necessidade do n.º 5.
Por outro lado, qualquer que seja o tratamento regimental dado a este processo de urgência, o n.º 3, do meu ponto de vista, tem sempre que ficar, por uma razão: os processos de urgência têm que ver apenas com a discussão na generalidade lato sensu e nada impede que, independentemente do agendamento muito urgente e prioritário da discussão desta matéria na generalidade, depois, até pelo intrincado ou pelo problema político que surja no debate na generalidade, a Assembleia se veja obrigada a ter um período um pouco mais alongado até à votação final global.
Portanto, nesse sentido penso que faz sentido colocar, ao abrigo da tal lógica do princípio da segurança e da certeza jurídica, de acordo com o n.º 3, um termo ao período de suspensão, obrigando à sua caducidade ao fim do decurso de um determinado prazo.
Já quanto ao n.º 5, afigura-se-nos ser boa a solução preconizada quer pelo PS, quer pelo PCP, embora ainda haja que distinguir uma situação, já que o PCP tem uma proposta ligeiramente diferente que nos parece que tem de ser discutida.
O Sr. Luís Sá (PS): - Nós não tirávamos o n.º 5 do nosso projecto.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Eu estava a responder ao Sr. Presidente dizendo que, aparentemente, do ponto de vista do PSD, se se optar pelo princípio da prioridade, o n.º 5 poderia "cair", porque o que está aqui em causa é o n.º 3, que diz respeito aos efeitos da suspensão. Quanto ao resto, não estando suspensa, e uma vez que se opte por configurar o princípio de prioridade em termos constitucionais, parece-nos que o actual n.º 5 está a mais.
É que se a Constituição passar a considerar como prioritário o processo legislativo nesta matéria, penso que não vale a pena vir a introduzir uma lógica de caducidade considerando que, independentemente de ser prioritário, se a Assembleia não for célere a tratar dessa prioridade, ainda assim volta a caducar.
O Sr. José Magalhães (PS): - Mas a caducar o quê, Sr. Deputado? O que caduca é o processo de ratificação, não é o diploma.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!
O Sr. Presidente: - O que se estabelece no n.º 5 é o seguinte: não é apenas para o caso de a Assembleia não se pronunciar, é no caso de ter introduzido alterações e de ficar pendente um processo legislativo mesmo urgente. Se o processo tiver sido iniciado no final da sessão legislativa, estabelece-se uma caducidade para a sessão legislativa, salvo se não tiverem decorrido quinze reuniões, e o processo passará para a sessão legislativa seguinte.
Não vejo grande desvantagem em eliminar o n.º 5.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS) - Considero que isto só reflecte um princípio geral de direito processual segundo o qual o meio cautelar só se justifica se o fim que visa acautelar se mantém presente, e, portanto, obviamente, a ideia da caducidade só visa assegurar isso. É que só faz sentido a suspensão se ela tiver prazos...
O Sr. Presidente: - O n.º 5 não tem a ver com a suspensão, são coisas diferentes.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Mas as duas coisas é que podem ser lidas conjuntamente.
O Sr. Presidente: - Não, não há nenhuma leitura conjunta! São processos completamente distintos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, para além do que acaba de ser dito, quero chamar a atenção para um facto que certamente está presente também no espírito de todos. É que a proposta do PCP de prioridade, não significa que não esteja aberto a outra, dizia respeito aos decretos-leis aprovados no uso da autorização legislativa e portanto o problema colocar-se-ia em relação...
O Sr. Presidente: - Julguei que era a última pessoa que ia levantar esse problema depois de uma proposta mais ampla.
O Sr. José Magalhães (PS): - Mas os nossos aplicam-se a todos! Somos mais generosos para a oposição!
O Sr. Luís Sá (PCP): - O outro aspecto que eu queria sublinhar é que, se por acaso, o n.º 5 não for eliminado importa eliminar a expressão "processo de ratificação".
O Sr. Presidente: - Claro! A correcção tem de ser feita, tal como na parte final do n.º 3.
Srs. Deputados, quanto a estas duas propostas de eliminação há que concluir o seguinte: o n.º 3 tem a oposição do PSP e do PS e quanto ao n.º 5 há uma aparente abertura do PSD mas não do PS.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Quero chamar a atenção para mais um aspecto do n.º 5. Na verdade, trata-se de caducidade do processo de ratificação.
O Sr. Presidente: - Exacto!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Introduzir-se um processo que, como disse há pouco, tem um efeito legislativo especial, embora não termine numa lei, mas é a denegação de uma lei… Deixar em aberto que ele possa ficar perdido nas gavetas até às calendas, penso que não é de boa organização parlamentar. Um processo destes iniciou-se e, se não se cumpre, tem de haver um limite a partir do qual ele está caduco, desaparece. Penso que faz sentido manter isso.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Não pode ser o próprio Regimento a dizer isso?
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * É um processo que tem a ver com a competência legislativa do governo, que exerceu uma competência legislativa ou por atribuição especial da Assembleia, através da lei da autorização, ou
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porque exerceu a sua competência normal. Neste caso há um conflito entre a Assembleia e o governo, um processo de ratificação é um processo que abre um conflito.
Deixar que o processo não tenha um ponto a partir do qual caduca, parece-me que não é de boa técnica legislativa ou constitucional.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): * Gostaria apenas de dizer que a grande questão da segunda fase do debate de 1989 (e o Sr. Deputado José Magalhães lembra-se bem desse debate) teve a ver com o facto de as caducidades, quer da suspensão quer do processo de apreciação, não terem sido acompanhadas de princípios de agendamento obrigatório dos debates e votações.
O problema que se colocava era o de haver um veto por parte da maioria parlamentar, qualquer que ela fosse, de uma iniciativa da oposição neste domínio, e portanto, desta forma era esvaziado o processo. É neste sentido que, até certo ponto, se poderá se justificar a questão, embora eu concorde que, consagrando o princípio da prioridade do processo de apreciação parlamentar dos decretos leis, extensivo a todos eles e não apenas aos de autorização legislativa - como parece estar desenhado, e nós já mostramos abertura para corrigir a nossa proposta nesse sentido - o problema fique atenuado.
Temos também de reconhecer que o grande receio que havia na época que era o facto de o próprio Regimento não assegurar devidamente o agendamento do processo de apreciação parlamentar também ficou atenuado. Portanto, houve talvez até um dramatismo do debate de 1989 e, repito, não tenho nenhuma dificuldade em reconhecer que a prática não revelou que a questão fosse tão problemática como eventualmente poderia ser desenhado.
O que julgo ser particularmente importante neste quadro é o seguinte: ou é eliminado o n.º 5 ou é consagrado, em termos claros com a devida projecção regimental ulterior, o problema da prioridade à apreciação parlamentar.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, a ideia da consagrar um veto de gaveta através do artigo 172, n.º 5, não esteve (e o Deputado António Vitorino teve ocasião de o sublinhar na minha frente muitas vezes e creio que seria uma violência duvidar disso) na mente nem na letra deste processo.
O que houve, como em muitos outros aspectos dessa revisão constitucional, foi uma tentativa de resolver algumas questões em sede constitucional, deixando-se algumas questões para execução ulterior por via regimental ou lei ordinária, em condições que suscitaram publicamente dúvidas. Este aspecto foi discutido e procurei contribuir o mais possível para que a discussão fosse iluminadora.
A consagrar-se uma clara prioridade regimental para os processos de apreciação parlamentar de decretos-leis, de todos os decretos-leis - aliás, o n.º 5 aplica-se a todos e quaisquer decretos leis aprovados sob autorização ou não - creio que a questão pode ser fácil e razoavelmente ultrapassada.
Há outro que aqui se acautela, que é o de existir uma caducidade para o requerimento do processo de ratificação. Existem dois valores aqui em presença: o valor da crítica da fiscalização e o valor que consiste no facto de, não havendo sequência e impulso, apesar da prioridade - o que pode acontecer, até porque como sabemos há partidos parlamentares, todos já passaram por isso, que se empenham num determinado momento na apresentação de requerimentos, mas não do impulsionamento de determinadas coisas, ou seja, o interesse das coisas ou se esgota no acto em que...
O Sr. Presidente: * A própria caducidade leva-os a levantar a questão, a não deixar adormecer. Penso que há vantagem no n.º 5.
O Sr. José Magalhães (PS): * Portanto, este segundo elemento é motor, cria uma dinâmica de obrigação de cuidar da criatura que se introduziu no feito parlamentar.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Luís Marques Guedes, penso que é bom manter o n.º 5.
Em conclusão: as propostas de eliminação dos n.os 3 e 5 não se mostram viáveis e, de resto, perderam muita da sua necessidade, segundo os próprios proponentes, e creio que bem, com a consagração do princípio da prioridade regimental.
Srs. Deputados, passamos ao artigo 173.º, para o qual existe uma proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, mas como tem a ver com a figura dos agrupamentos parlamentares, discuti-la-emos na altura própria e por isso entramos no artigo 175.º, tratando-se de uma matéria altamente importante.
Srs. Deputados, para o artigo 175.º, que diz respeito à dissolução da Assembleia da República, existe uma proposta do PSD quanto à existência de um novo n.º 1, que tem de ser vista em com as propostas do CDS-PP e do Deputado Arménio Santos para a alínea e) do artigo 136.º.
O CDS-PP e o Deputado Arménio Santos tinham proposto ideias limitadoras da liberdade presidencial de dissolver a Assembleia da República. O objectivo é o mesmo, os mecanismos não são os mesmos e, portanto, temos de analisar a questão.
O PSD está aqui para apresentar a sua proposta, que diz respeito à indicação constitucional dos casos em que a Assembleia da República pode ser dissolvida, e porei também à discussão as restantes.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Vou fazer uma apresentação muito simples.
A ideia que está por detrás da nossa proposta é a de que a Assembleia só pode ser dissolvida, em princípio, quando é demitido o governo.
O Sr. Presidente: * A expressão "em princípio" não consta da proposta do PSD.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Mas estou a apresentá-la, não estou a escrevê-la.
Como eu dizia, a Assembleia da República não pode ser dissolvida se não houver demissão do governo. Quando há um conflito entre os órgãos de soberania, não faz sentido dissolver a Assembleia mantendo o governo. Então,
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para dissolver a Assembleia é preciso demitir o governo e arranjar um governo que realize as eleições que hão-de seguir-se se for caso disso, se houver lugar para a dissolução. Este é o primeiro ponto.
Mas, o Presidente da República não deverá dissolver a Assembleia com base na demissão do governo a não ser nos casos referidos no n.º 1 do artigo 175.º. Só pode fazê-lo, de acordo com a alínea b) do artigo 198.º, isto é se o Primeiro-Ministro tiver pedido a sua demissão e ela ter sido aceite; no caso da alínea d), se tiver havido rejeição do programa de governo e não ter sido aprovada uma moção de confiança ou ter sido aprovada uma moção de censura. Só neste casos de demissão do governo é que pode ser dissolvida a Assembleia.
É esta a lógica da proposta que fazemos para o n.º do artigo 175.º.
No fundo, trata-se de limites materiais, ou procedimentais, se quisermos, à dissolução da Assembleia. Fica de fora, por exemplo, a morte ou impossibilidade física do Primeiro-Ministro, que é outro caso de demissão, que, em princípio, segundo a nossa proposta, não pode dar lugar não pode dar lugar à dissolução da Assembleia.
O Sr. Presidente: * Esta proposta é diferente da do Sr. Deputado Arménio Santos, segundo a qual o Presidente da República pode dissolver a Assembleia da República ouvidos os partidos nela representados, excepto se o governo em funções dispuser de apoio parlamentar superior à maioria dos Deputados em efectividade de funções. Portanto, segundo a proposta, mantinha-se a actual liberdade de dissolução parlamentar, excepto para governos de maioria absoluta.
E diferente da do PSD é ainda é a dos Deputados do CDS-PP segundo a qual o Presidente da República poderia dissolver a Assembleia da República nos seguintes casos: por solicitação da própria Assembleia da República e quando esta não consiga manter ou gerar uma solução governativa estável, ou, ainda, em caso de força maior quando se verifique a impossibilidade do funcionamento regular das instituições democráticas.
Srs. Deputados, estão à discussão as propostas relativas do CDS-PP e do Deputado Arménio Santos quanto ao 136.º alínea e), que não foram discutidas na altura porque foram remetidas para esta sede, para que fossem discutidas em conjunto com as outras propostas relativas à dissolução da Assembleia da República.
O Sr. José Magalhães (PS): * A proposta do Deputado Arménio Santos é a mais simples, aliás, supõe que também tem um traumatismo constitucional resultante da experiência do anterior ciclo político que visava tornar indissolúvel um Parlamento onde o governo tivesse uma maioria absoluta. É claro, é simples, é inequívoco e é inaceitável.
O projecto do CDS-PP não vai tão longe quanto a proposta do Deputado Arménio Santos, embora deva aceitar que não está muito longe dela no primeiro segmento onde inova, ou seja, ao não autorizar uma dissolução quando tenha sido gerada e mantida uma solução governativa estável.
Isso obrigaria, no cenário que me parece sumamente inconveniente de vir a ter alguma consagração, a fazer-se uma reflexão extraordinariamente capitosa sobre o que seja uma solução governativa estável, não só sobre conceitos de estabilidade, sobretudo porque o mero critério numérico estável igual a maioria absoluta é seguramente redutor.
Infelizmente, os proponentes não estão presentes para nos dizerem que variações disto é que admitem, mas a verdade é que, com variações num espectro maior ou menor, a fórmula ou se reconduz à do Deputado Arménio Santos e vale o que esta vale, ou é alguma coisa de mais lábil, de mais difícil de definir e, provavelmente, ou não tem poder "constrangente" nenhum ou tem dificuldades bastante drásticas de hermenêutica para funcionar como elemento limitativo, uma vez que se trata de um poder do Presidente em que o juízo de constitucionalidade do acto é "insindicável", mas politicamente relevante para o impacto público e político da decisão tomada.
Portanto, uma fórmula indefinida ou uma fórmula vaga, sujeita a contencioso político ilimitado e verdadeiramente sem fronteiras teria como grande consequência o facto de, provavelmente, manchar ou não manchar com o labéu da inconstitucionalidade a decisão de um Presidente da República em função do aplauso ou da crítica que o Presidente da República e a sua acção em geral merecesse aos opinantes.
Assim, misturar-se-ia a fronteira da critica política com o juízo de constitucionalidade, o que me parece bastante perigoso e indesejável.
Depois, até o CDS-PP admite o chamado caso de força maior, o que "incertentiza" significativamente, mas leva a perceber que o CDS-PP sentiu que não podia ir tão longe quanto o Sr. Deputado Arménio Santos, pelo menos, adepto da tese mais quimicamente pura desse ponto de vista.
Curiosamente, a solução que consta do projecto de revisão constitucional do PSD, enquanto tal, reconduz-se quase rigorosamente ao mesmo, mas de uma forma quand meme mais subtil. As explicações do Sr. Deputado Barbosa de Melo são úteis, mas, verdadeiramente, o que se faz é conferir ao governo uma espécie de poder de provocar a dissolução e de a impedir, porque se limita a mesma aos casos das alíneas b), d), e) e f) do n.º 1 do artigo 198.º.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Isso está no poder discricionário do governo, porque estabelece-se que pode ser dissolvida e não que deve ser dissolvida.
O Sr. José Magalhães (PS): * Não, mas é que alguns dos casos enumerados no n.º 1 do artigo 198.º não têm quer ver com actos próprios do Presidente da República, a rejeição do programa do governo é um acto parlamentar...
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * São só questões políticas, digamos assim!
O Sr. José Magalhães (PS): * Não, a rejeição do programa do governo é um acto parlamentar, Sr. Deputado Barbosa de Melo. E é isso que há de estimulante na sua contribuição analítica, é que todos os poderes - a alínea b), é a aceitação pelo Presidente da República do pedido de demissão do Primeiro-Ministro, e, quanto a este, o Presidente da República tem o poder aceitar ou não a demissão, portanto, em parte…
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O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Mas pode aceitar a demissão do governo e não dissolver a Assembleia. Aqui trata-se do poder de dissolução da Assembleia.
O Sr. José Magalhães (PS): * Exacto! Exacto!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Portanto, o Presidente da República pode dizer que aceita o pedido de demissão, mas...
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Deputado Barbosa de Melo, como em todas as situações, aquilo que, de forma normativa, opera uma delimitação positiva opera também uma delimitação negativa. Tanto quanto eu percebo, a delimitação que esta proposta faz conduz à seguinte dicotomia: o Presidente da República não pode dissolver…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * A Assembleia sem demitir o governo.
O Sr. José Magalhães (PS): * Mas não só, o Presidente da República não pode dissolver a Assembleia da República sem demitir o governo nas circunstâncias previstas nas alíneas b), d), e) e f) do n.º 1 do artigo 198.º,…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Não, só exclui a...
O Sr. José Magalhães (PS): * … fora de todas essas circunstâncias - quando não haja rejeição do programa de governo, quando não haja aprovação de moção de censura - a Assembleia não pode ser dissolvida.
Portanto, uma Assembleia que não tenha recebido uma moção de censura por maioria absoluta dos Deputados, como é o caso, tipicamente, de uma Assembleia onde há uma maioria absoluta, que, obviamente, rejeita os votos de censura dos partidos da oposição, nesse cenário, torna-se indissolúvel, e idem aspas para os outros cenários. Ou seja, no fundo, chega-se a um sistema em que a posição do governo é crucial para o exercício do poder presidencial nesta matéria, que é muito diferente do que actualmente vigora, e que se aproxima daqueles em que o governo é dominus da dissolução, ou tem um poder significativo na provocação da dissolução, e os parlamentos tornam-se indissolúveis fora desse contexto. É um sistema demasiado...
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, primeiro, quero fazer uma rectificação: rigorosamente ao contrário daquilo que começou por ser afirmado pelo Sr. Deputado José Magalhães, a proposta do CDS-PP é a que vai mais longe, porque pressupõe a solicitação ao Presidente da República, por parte da Assembleia da República, como requisito fundamental para a sua dissolução, o que não acontece na proposta do Sr. Deputado Arménio Santos.
Não é a mim que me compete defender a proposta do CDS-PP, mas apenas intervenho para repor a verdade sobre as propostas que estão em cima da mesa.
O Sr. José Magalhães (PS): * No outro não pode ser dissolvida pura e simplesmente,…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Não, isso não é verdade, eu já explico. A proposta...
O Sr. José Magalhães (PS): * … mesmo que o solicite. Curiosamente, na proposta do Sr. Deputado Arménio Santos a Assembleia não pode ser dissolvida mesmo que o solicite, está à "prova de bala". É o contrário, é uma questão de rigor lógico, contrista-me muito que…
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, é ler as propostas apenas...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente! A proposta do Sr. Deputado Arménio Santos, ao contrário, permite a dissolução por acto do Presidente mesmo contra a vontade da Assembleia da República.
Por exemplo, na situação actual, em que o governo não tem maioria, pode haver uma maioria na Assembleia a não querer a dissolução e, mesmo assim, a proposta do Sr. Deputado Arménio Santos permite ao Presidente da República proceder à mesma. Isto é rigorosamente ao contrário daquilo que decorre da proposta do CDS-PP, portanto,…
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Luís Marques Guedes, eu não defendo a proposta do CDS-PP, mas pu-la à discussão.
A proposta do CDS-PP não tem esse conteúdo, ela admite a dissolução da Assembleia da República em três situações: por solicitação da Assembleia da República; quando esta não consiga manter ou gerar uma solução governativa estável; ou ainda, o terceiro caso, em caso de força maior, quando se verifique a impossibilidade de funcionamento regular das instituições democráticas. Portanto, são três situações distintas.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * A proposta do Sr. Deputado Arménio Santos pressupõe que mesmo que haja uma maioria na Assembleia da República a não querer a dissolução o Presidente da República continua a poder dissolvê-la. Digo isto, Sr. Presidente, apenas para repor, relativamente àquilo que foi equacionado pelo Sr. Deputado José Magalhães, o escalonamento das várias propostas.
Não me parece, embora não seja a mim que compita essa defesa, que seja correcto afirmar-se que a proposta do Sr. Deputado Arménio Santos é a mais extremista, porque, de facto,...
O Sr. José Magalhães (PS): * Peço desculpa, Sr. Deputado.
Quando falei não queria introduzir nenhum elemento de agressão, mas apenas sublinhar que essa proposta me pareceu "traumatizada" pela necessidade putativa de protecção de maiorias absolutas, o que me parece ser um juízo objectivo, porque, de facto, protege as maiorias absolutas e não as não absolutas. Isto é um facto, o Sr. Deputado acabou de o dizer! Foi só essa dimensão de "trauma" que eu quis assinalar, não quis fazer um top ten no qual metesse essa proposta em primeiro lugar.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Quanto à proposta do PSD, gostava de especificar que o que está em
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causa, fundamentalmente, para além daquilo que o Sr. Deputado Barbosa de Melo já afirmou, é a seguinte visão: parece-nos evidente que as competências que estão cometidas aos órgãos de soberania devem funcionar numa lógica de cooperação para o bom desenvolvimento do sistema político português e nunca numa lógica que possa permitir ou favorecer um conflitualidade latente.
Não vale a pena estarmos com rodeios. O Sr. Deputado José Magalhães falava numa marcação da História recente, não é a questão de uma marcação, é a questão da constatação de uma realidade que todos vivemos.
Penso que faz parte dos trabalhos desta Comissão equacionar, numa perspectiva descomplexada, os problemas que se colocam ao sistema político, de acordo com a prática que esse sistema político já nos deu em 20 anos de democracia, e tentar encontrar soluções para o futuro no sentido de o melhorar.
O que está em causa é que o sistema provou conter em si mecanismos suficientes para alimentar uma lógica de conflitualidade. Isto é um dado adquirido, não vale a pena negá-lo, e fantasmas terá quem os quiser negar, porque essa conflitualidade existiu, esteve perfeitamente latente e foi até denominada com termos como "bomba atómica", como "mecanismos de... Como?
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Salvo seja!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Não é salvo seja! O termo foi mesmo utilizado, não digo por quem, mas o termo existiu, foi colocado na comunicação social e na sociedade portuguesa!
Por conseguinte, os mecanismo de conflitualidade latente existem, o sistema provou que os tem, e a proposta do PSD vem no sentido de entender que na reforma do sistema político deve privilegiar-se a lógica de funcionamento das competências dos órgãos de soberania numa perspectiva de cooperação e nunca de conflitualidade.
A esse nível, é evidente que os poderes institucionais máximos, que são os que têm os órgãos de soberania na sua relação entre eles, devem pautar-se expressamente, do nosso ponto de vista, por uma lógica de busca sistemática de cooperação no funcionamento e de articulação do funcionamento dos órgãos de soberania.
É nesse sentido que a proposta do PSD vem tentar introduzir uma lógica de tipificação objectiva - é disso que se trata, claramente - na ausência do actual texto constitucional quanto à tipificação das situações em que o mecanismo da dissolução pode operar, ausência essa que originou (e permita-me, Sr. Presidente, enfatizar este aspecto com toda a frontalidade) uma conflitualidade latente na sociedade portuguesa com resultados e consequências perversas, quer em termos políticos quer em termos económico-sociais, evidentes para todos. Não vale a pena escamotear esta questão.
Portanto, o que a proposta do PSD pretende é ultrapassar, sanar, essa dificuldade de falta de tipificação do mecanismo da dissolução e esboçar uma tipificação, o que, como foi enunciado pelo Prof. Barbosa de Melo, fazemos não numa perspectiva de criarmos novas situações, mas de nos reconduzirmos àquilo que já está constitucionalmente previsto como formas objectivas de demissão do governo.
Dependendo o governo da Assembleia da República, parece-nos que faz todo o sentido que nas situações de demissão do governo tipificadas objectivamente na Constituição possa o Sr. Presidente da República - possa, reafirmo aquilo que o Sr. Deputado Barbosa de Melo disse -, no juízo que lhe compete, entender que, para além da demissão do governo, deve avançar também para o mecanismo de dissolução da Assembleia da República, por considerar (e é um juízo que a ele cabe, exclusivamente) que aquelas razões que levam à demissão do governo, politicamente, devem também levar à convocação de novas eleições, as quais só ocorrerão no caso da dissolução da Assembleia da República, uma vez que a demissão do governo em si não tem essa consequência constitucional, como todos sabemos.
A partir daqui, é evidente que o PSD apenas não previu no n.º 1 do artigo 175.º as alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 198.º, porque, objectivamente, são situações tipo que nada têm que ver com considerações de ordem política, todas as outras situações propõe que sejam aqui incluídas.
O que está em causa é a tentativa de tipificar objectivamente esta situação para, politicamente, ultrapassar a conflitualidade que existiu - não vale a pena negarmos - e, desse modo, superar um potencial de antagonismo, que o PSD entende claramente prejudicial para o nosso sistema democrático, entre as maiorias presidenciais e as maiorias representativas que resultam da eleição para a Assembleia da República.
De facto, do nosso ponto de vista, as legitimidades democráticas dos dois sufrágios, quer do sufrágio para a Assembleia da República quer do sufrágio para a Presidência da República, devem ser respeitadas numa lógica de obrigatoriedade constitucional de cooperação e de convivência institucional sã entre os órgãos e só devem ser postas em causa em situações o mais tipificadas possível, sob pena de estarmos a encontrar mecanismos de subversão e de as legitimidades democráticas que se formam para os órgãos de soberania através desses diferentes sufrágios poderem vir a sobrepor-se, havendo aqui como que um conflito de ver quem é que tem mais legitimidade e representatividade popular, se é o órgão Assembleia da República, se é o órgão Presidente da República.
Isso, do nosso ponto, é algo que não é minimamente salutar para o nosso sistema democrático e provou ser negativo, ainda que felizmente apenas no plano da dúvida que foi lançada sobre a sociedade e não no plano da sua efectivação. De facto, graças a Deus - neste caso, graças à clarividência, apesar de tudo, do Presidente da República de então -, não foi lançado nenhum movimento caudilhista para um qualquer Presidente da República pôr em causa a legitimidade democrática da Assembleia da República apenas por razões de conflitualidade com um qualquer governo.
Pensamos que, constitucionalmente, essa matéria deveria ser afastada, e a nossa proposta é exactamente nesse sentido. Sem "fantasmas", a nossa proposta olha para a realidade histórica da nossa democracia e tenta buscar uma solução que nos parece equilibrada e que mantém no Presidente da República todas as suas competências políticas quanto à responsabilidade de nomeação e de demissão do governo e quanto à Assembleia da República no respeito integral pela legitimidade que esta tem por também ser eleita directamente pelo soberano, que, esse sim, é o povo e não nenhum dos órgãos de soberania, em particular.
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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, há uma pergunta que me esqueci de fazer quando a proposta foi apresentada: por que razão o PSD não inclui a hipótese de dissolução da Assembleia da República quando o governo seja demitido ao abrigo do n.º 2 do artigo 198.º?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, como o Prof. Barbosa de Melo disse há pouco, quando falava com o Sr. Deputado José Magalhães, o governo e a Assembleia da República são órgãos de soberania distintos e devem ser entendidos como tal!
O Presidente da República, quanto ao governo, uma vez que o governo tem responsabilidades no funcionamento regular das instituições, porque conduz a Administração e a generalidade das instituições, pode, se necessário, se entender que o funcionamento das instituições está a ser posto em causa pela prática do governo, demiti-lo.
No que respeita à Assembleia da República, é diferente, porque a Assembleia é um órgão que tem uma legitimidade democrática própria, como o Presidente da República, e os sufrágios do soberano povo em democracia, como nós entendemos, são, em princípio, para ser levados até ao fim, salvo situações de absoluta excepção, e não para ser postos em causa por haver uma hierarquia preferencial de um determinado órgão de soberania relativamente a outro!
O governo, como o Sr. Presidente sabe, não tem legitimidade democrática directa, no sentido de resultar de um sufrágio directo. Parece-nos que a competência que o Presidente da República tem para fiscalizar e aferir politicamente o funcionamento do governo deve ir ao ponto do actual n.º 2 do artigo 198.º, mas, quanto à Assembleia da República, o problema não deve colocar-se nesses termos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, creio que a proposta do PSD, em primeiro lugar, tem uma característica muito clara: se nós analisarmos as alíneas que permitem a dissolução do governo, verificamos, claramente, que se trata da demissão apresentada pelo Primeiro-Ministro, da morte ou da impossibilidade física do Primeiro-Ministro,...
O Sr. Presidente: - Não, isso não previsto!
O Sr. José Magalhães (PS): - Não, essa última situação não!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Desculpem, é óbvio que esta última não está prevista!
Continuando, da rejeição do programa do governo, da não aprovação de uma moção de confiança. No fim de contas, são matérias que resultam fundamentalmente da aprovação de actos pela própria Assembleia da República. Creio que isto corresponde, efectivamente, a esvaziar a margem de apreciação e de decisão própria por parte do Presidente da República, o qual tem legitimidade decorrente do sufrágio universal.
Não se trata agora de discutir quem tem mais legitimidade, trata-se de dizer que tem legitimidade decorrente do sufrágio universal e que daí decorre uma componente característica do sistema político português, que é o facto de ser não um sistema parlamentar - como é sabido, num Estado de partidos, em geral, existem regimes presidenciais de Primeiro-Ministro -, mas, sim, um sistema misto parlamentar/presidencial.
Ora, no quadro de um sistema misto parlamentar/presidencial, creio que o poder de dissolução e os respectivos contornos têm uma importância bastante significativa, no sentido de o manter e, particularmente em situações de crise, de garantir ao Presidente da República uma margem de actuação importante para resolver estas mesmas situações.
O problema que se coloca é o seguinte: nós concordamos que convém, para usar a expressão do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, buscar a tal cooperação sã - suponho que são os termos que utilizou -, mas não é isso que está em causa, o que está em causa é o problema de impor a cooperação à força, fazendo com que uma parte avulte em relação à outra e, inclusive, que uma das partes se apague de forma significativa e profunda em relação à outra.
O Sr. Deputado utilizou várias vezes o termo "lógica de conflitualidade, ou antagonismo". Eu creio que é característico dos sistemas mistos parlamentar/presidencial, dos que procuraram, no contexto do Estado de partidos, encontrar formas de contrabalançar poderes, de procurar que não existam poderes absolutos, admitir que em certas situações haja possibilidade de alguma conflitualidade no quadro da cooperação que também tem que haver nas questões fundamentais. Mas é uma conflitualidade que tem subjacente a ideia de o poder suster o poder, é a velha ideia de contrabalançar poderes e de impedir poderes absolutos. E, quando nós temos e mantemos um Presidente da República eleito por sufrágio universal, quando afirmamos que queremos continuar a ter o sistema misto parlamentar/presidencial (outros preferirão dizer semipresidencial), creio que não faz sentido restringir de forma muito relevante e profunda o poder do Presidente da República nesta matéria ou noutras.
Nesse sentido, não nos parece que nenhuma das propostas em análise, nem a do PSD, nem a do CDS-PP, nem a do Sr. Deputado Arménio Santos, venha trazer um contributo significativo ao regime de separação e interdependência, que existe.
A questão da coabitação política, em Portugal, e noutros sistemas mistos ou parlamentares/presidenciais, como outros preferirão, está amplamente teorizada, sabendo-se em que é que se traduz a coabitação política, que dificuldades ou antagonismo colocarão, mas eu creio que estes pequenos choques, que podem verificar-se efectivamente, contêm virtualidades bastante significativas. Por exemplo, quando se punha o problema "il faut que le pouvouir arrene pouvouir", admitia-se que houvesse pequenos choques, ou pequenas formas de conflitualidade, entre vários poderes. Mas creio que ...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas isto não é uma pequena forma de conflitualidade, isto é uma "bomba atómica"! O problema é esse!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado, essa expressão foi muito utilizada num determinado ponto, mas não é uma
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"bomba atómica", apenas pelo seguinte: é que é um poder que implica uma sensatez de apreciação das situações que resultam da legitimação pelo sufrágio universal…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Então, e a Assembleia não tem?
O Sr. Luís Sá (PCP): - … e do condicionamento da opinião pública num país livre, num país em que existe democracia política, em que após a dissolução da Assembleia há eleições!
Em última instância, um acto injustificado de dissolução seria, naturalmente, punido no acto eleitoral seguinte, portanto, creio que há todas as garantias de que não existem quaisquer abusos nesta matéria, não existem quaisquer "bombas atómicas" a cair sobre o País em perspectiva, e penso que a própria prática que se tem verificado aponta para que os perigos que o Sr. Deputado e o PSD descortinam não têm grande razão de ser.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Registo que acha que a primeira maioria absoluta do Prof. Cavaco foi um acto benéfico.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Não foi um acto benéfico, não era isso que eu estava a referir.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Foi o que disse agora: com esta declaração passou a achar!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Ó, Sr. Deputado, não me atribua o que eu não disse!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
Srs. Deputados Luís Marques Guedes e Luís Sá, peço-vos o favor de deixarem prosseguir os trabalhos.
Apartes inaudíveis, por não terem sido feitos para o microfone.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, esta questão merece uma observação que é a seguinte: é que eu estou a tentar colocar questões no plano do funcionamento abstracto das instituições do Estado, tendo em conta o país em que vivemos.
O Sr. Deputado está com os "traumas" de uma coabitação política, que provavelmente até nem precisavam de o ter traumatizado tanto.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Sá, essa dissolução até foi feita a pedido do governo, portanto, não se aplica a questão.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A pedido do governo?
O Sr. Presidente: - É claro que foi a pedido do governo. Depois da moção de censura o governo pediu novas eleições.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Essa é boa! A pedido do governo? É uma decisão do Presidente da República!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, por favor, a História demonstra-o.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): -Sr. Presidente, a única questão suscitada verdadeiramente interessante foi a de saber se havia - é uma questão de análise e de rigor - alguma diferença entre a proposta do Sr. Deputado Arménio Santos e a proposta que os Srs. Deputados do PSD, que estão presentes, sustentaram e defenderam.
Ora, eu creio, muito razoavelmente, que, feito o debate até agora, é possível concluir que entre uma e outra proposta não há diferença nenhuma, a não ser pelo facto de uma escrever em letra de forma por a, mais b, mais c, mais d, aquilo que dela se alcança, ou seja, maioria absoluta "blindada" e de a outra "blindar" as maiorias absolutas, porque "desblinda" os governos com apoio parlamentar relativo. De facto, "desblindam" as duas os governos com apoio parlamentar relativo, mas fazem-no de maneiras diferentes e com técnicas diferentes. Reconheçamos que a proposta feita pelo PSD, enquanto grupo parlamentar, recorre a um reenvio e a uma remissão, que, para alguns jornalistas, pode tornar-se menos patente.
Uma proposta prevê que a Assembleia pode ser dissolvida, excepto se o governo tiver maioria parlamentar absoluta, ou seja, se dispuser de um grupo parlamentar com um número de Deputados superior à maioria dos Deputados em efectividade de funções, e a outra prevê que a Assembleia poderá ser dissolvida se ao governo acontecerem as seguintes quatro desgraças, todas as quais estão a associadas ao facto de não haver uma maioria parlamentar absoluta, ou de ela ter sido perdida. Ou seja, quando é que não há estas circunstâncias desgraçadas? Quando há um governo com apoio parlamentar relativo.
Assim sendo, ambas as propostas protegem as maiorias parlamentares absolutas e desprotegem as maiorias parlamentares relativas, sujeitam umas à dissolução e protegem outras da dissolução.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, isso não é verdade!
O Sr. José Magalhães (PS): - É uma concepção política, que se distancia da nossa, que se opõe até,…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, posso interrompê-lo para provar que isso não é verdade?
O Sr. José Magalhães (PS): - … e da qual se podem dizer as piores coisas do mundo, naturalmente, ou apenas que se distancia do paradigma constitucional a um ponto tal que não é comportável com ele, que é o que eu digo neste momento.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O Sr. Presidente dá-me a palavra?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu estou inscrito, mas dou-lhe a palavra.
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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, vou ser muito rápido. Quero apenas responder à afirmação que o Sr. Deputado José Magalhães fez. Eu demonstro-lhe imediatamente que isso não é verdade…
O Sr. José Magalhães (PS): - Isso o quê?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - … - essa similitude que acabou de expressar - com um exemplo prático.
Face à proposta do Deputado Arménio Santos, o Presidente da República poderia dissolver hoje à noite a Assembleia e, face à proposta do PSD, não o pode fazer. A diferença está aqui demonstrada.
É isso que o PSD pretende, é que as situações sejam objectivadas e, precisamente por haver no nosso sistema político dois sufrágios - o soberano é o povo e há dois sufrágios nacionais através dos quais o povo exerce essa sua soberania, que são para o órgãos de soberania Assembleia da República e Presidente da República -, só quando a maioria parlamentar da Assembleia da República, que dentro do nosso mecanismo constitucional elege ou põe em funcionamento o governo, não conseguir entender-se com o órgão de soberania governo (que ela própria põe a funcionar e legitima) e tiver problemas políticos que resultem das tais alíneas do artigo 198.º, que foram enunciadas, só quando ficar patente que há aí funcionamentos complicados, é que estão criadas objectivamente as condições para o Presidente da República, se o entender, dissolver a Assembleia. Digo se o entender, porque o Presidente da República pode optar apenas por demitir o governo. Demitir o governo é uma obrigação decorrente do artigo 198.º, mas o Presidente pode optar por ficar por aí, ou pode entender que o problema político entre o governo, que levou à demissão do governo, e o órgão de soberania que o legitima, que é a Assembleia da República, é insanável, e, portanto, decidir dissolvê-la. Aí, sim (é o que o PSD propõe), pode haver lugar à dissolução.
Fora dessas situações, o PSD entende que não é desejável haver essa conflitualidade, porque, do nosso ponto de vista, a legitimidade que decorre dos sufrágios que legitimam um e outro órgão nada tem a ganhar e é o próprio sistema que perde estabilidade se se mantiverem mecanismos que permitem que seja lançada a confusão e a instabilidade sobre a persistência das escolhas do povo para os mandatos para que essas escolhas são efectivadas.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado, permita-me que faça uma pergunta. Se o governo tiver a maioria absoluta, qual é a diferença entre as duas propostas?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, não temos nenhum trauma quando às maiorias absolutas, a tese de que as maiorias absolutas são um mal para a democracia não é nossa.
O Sr. Luís Sá (PCP): - A pergunta que faço é só para obter um esclarecimento, isto é, para saber qual é diferença, qual é o resultado prático diferente.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, para nós é mais ou menos evidente que uma maioria estável na Assembleia, aquilo a que o Sr. Deputado chama de maioria absoluta, deve pressupor, a menos que essa maioria se mostre incapaz de se entender politicamente com o governo que põe a funcionar, e para isso existem as tais alíneas do artigo 198.º, as moções de censura, as moções de confiança rejeitadas ou o que quer que seja, o povo quando faz uma escolha maioritária, estável, através de uma maioria absoluta é porque quer que ela permaneça durante quatro anos. Para nós isto é claro, é linear e é democrático, é a essência da democracia.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, gostaria de esclarecer, em primeiro lugar, que dizer que o Presidente da República goza de uma liberdade discricionária para dissolver a Assembleia da República é verdade em termos estritamente jurídicos, mas é um disparate em termos políticos.
Não é por acaso que, até agora, nunca a Assembleia da República com maiorias absolutas foi dissolvida, salvo em momentos de crise política. E porquê? Exactamente, porque o Presidente da República, salvo em situações excepcionais, não dissolve livremente a Assembleia da República, porque no prazo de três meses terá de haver audições parlamentares e se, porventura, a maioria dissolvida viesse a ser reeditada o Presidente da República sofria uma clara sanção política popular e nenhum Presidente da República quer fazer isso.
Logo o Presidente da República não dissolve livremente a Assembleia da República; o Presidente da República dissolve a Assembleia da República quando haja motivos políticos graves para o fazer e quando tenha indicações suficientes de que o povo não vai, pura e simplesmente, coonestar essa dissolução. É por isso que em 20 anos nunca houve uma dissolução de maiorias absolutas fora dos casos de crise política.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Só houve duas maiorias absolutas.
O Sr. Presidente: - A AD teve duas maiorias absolutas, e o PSD já teve duas, portanto, já houve quatro maiorias absolutas.
Portanto, como eu dizia, até agora, nunca nenhuma dessas maiorias absolutas foi dissolvida "a frio". Não é por acaso, é que a chamada liberdade do Presidente da República não existe. Nenhum Presidente da República cai na asneira de dissolver uma maioria só porque não gosta dela ou é de sinal político diferente. A própria ideia de que as eleições seguintes poderiam reconduzir a maioria dissolvida implicaria que ou o Presidente da República se demitiria, ou, pura e simplesmente, assumiria uma derrota flagrante. Nenhum Presidente da República de bom tom o faz. Portanto, assentemos que não existe no actual sistema constitucional nenhuma liberdade discricionária do Presidente da República para dissolver a Assembleia da República.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Então, temos de constitucionalizar isso, como é evidente!
O Sr. Presidente: - Segundo ponto: a proposta do PSD significa que maiorias absolutas não podem ser dissolvidas em nenhuma circunstância.
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O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Não, não, não é assim!
O Sr. Presidente: - Desculpe, Sr. Deputado, deixe-me argumentar!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A AD foi dissolvida!
O Sr. Presidente: - Nenhuma maioria absoluta pode ser dissolvida em nenhuma circunstância, salvo se se desagregar, porque as condições que o PSD propõe para admitir a dissolução não acontecem às maiorias absolutas normais, isto é, nem o Primeiro-Ministro pede a demissão, nem perdem moções de confiança, nem são objecto de moções de censura. E no único caso em que o Presidente da República pode demitir um governo com maioria absoluta, que consta do n.º 2 do artigo 198.º, o PSD não admite sequer nessas circunstâncias dissolução da Assembleia. Ou seja, nem quando está em causa o funcionamento regular das instituições democráticas o PSD admite que o Presidente da República possa dissolver uma Assembleia da República com maioria absoluta.
Penso que este é o caso mais evidente da contradição interna e do verdadeiro sentido da proposta do PSD.
Com isto o PSD quer dizer que a Assembleia da República com maioria absoluta não é dissolúvel, só o é se tiver maioria relativa, obviamente quando estas coisas acontecem, e nas maiorias relativas estas coisas podem acontecer. Neste ponto, é óbvio que a proposta do PSD oficial é mais restritiva do que a proposta do Sr. Deputado Arménio Santos, concedo-lhe esse ponto.
Vamos passar à questão de fundo, que se prende com a opção pelo sistema de governo; o nosso sistema de governo actual não é um sistema de governo parlamentar, é misto ou semi-presidencial, como incorrectamente lhe chamam. E o que é característico dessa formas de governo - que não é só nossa, e portanto não podemos acusar de antidemocrática - é exactamente o facto de o Presidente da República ser o elemento de regulação e de contenção das maiorias, sobretudo das absolutas, porque as maiorias relativas não precisam da contenção do Presidente, essas são contidas pelo próprio facto de serem minoritárias, isto é, de uma pura coligação das oposições lhes votar moções de censura e de as derrubarem, de lhes recusarem moções de confiança e de as derrubarem.
Portanto, se há algo que nos sistemas deste tipo carece de contenção são as maiorias absolutas, não são as maiorias relativas, que são naturalmente contidas pelo próprio jogo da relação com o Parlamento. São as maiorias absolutas que carecem de um antídoto no nosso sistema, faz parte da filosofia do sistema, se quisermos alterar a filosofia, muito bem, é uma questão de opção.
Por isso é que eu disse que se trata de uma questão de opção pela filosofia do sistema, que é esta: o Presidente da República, em casos extremos, é um contentor das maiorias absolutas. É esse o nosso sistema e penso que ele está bem e isso não deve ser mexido.
Penso que não admitir que em caso de o País estar em caso de estado de sítio, de total esvaziamento da capacidade do governo e da maioria de governar não dar ao Presidente da República capacidade de dissolver a maioria, só porque ela é a maioria absoluta e portanto não pode perder uma moção de confiança nem pode sofrer um moção de censura, penso que é um exagero, penso que é um extremo!
Então em caso de necessidade, de não funcionamento regular das instituições, o PSD retira ao Presidente da República a capacidade de intervir, de chamar o povo a uma nova maioria, que pode ser a recondução da que está! Penso que isto claramente é um exagero, e o facto de não admitir dissolução no caso do n.º 2 do artigo 198.º torna claro que o que o PSD visou foi apenas defender os governos de maioria absoluta e não procurar a contenção do poder de dissolução do Presidente da República.
Vamos passar à questão da conflitualidade. É óbvio que todos os sistemas mistos como o nosso têm um elemento de conflitualidade e de tensão, mas existe com o direito de veto, existe com a própria possibilidade de mensagem do Presidente da República, existe com a capacidade de "externalização" do Presidente da República, existe com todos os poderes próprios do Presidente da República. Todo e qualquer poder próprio do Presidente da República inclui no nosso sistema, tal como nos sistemas paralelos, um elemento de tensão e de conflitualidade com o governo, qualquer que ele seja, desde que o Presidente da República não concordo com qualquer medida do governo, pode vetá-la, pode dizer publicamente que não está de acordo, portanto, há uma série de poderes do Presidente da República que implicam elementos de conflitualidade.
E, portanto, a possibilidade de haver uma dissolução da Assembleia, mesmo em casos de governos com maioria absoluta, implica esse elemento de conflitualidade.
Mas penso que o elemento de conflitualidade no nosso sistema seria muito maior se não existisse a possibilidade de dissolução da Assembleia da República: imaginemos a última maioria do PSD, em que houve a tensão de saber se poderia ou não haver dissolução, e chamou-se a isso conflitualidade. Pergunto: que carga de guerra é que não teria havido se o Presidente da República não tivesse a possibilidade de dissolver a Assembleia da República?
Isto, é, aonde é que a filosofia das forças de bloqueio da denúncia da intervenção do Presidente da República não teriam ido se não houvesse essa contenção última que era a possibilidade do Presidente da República num extremo poder dizer "basta!"e dissolver a Assembleia da República. Eu penso que essa é que teria sido a conflitualidade máxima. O que não passou de escaramuças mais ou menos subterrâneas teria ido para a guerra absoluta, não tenho dúvidas! Tendo em conta a carga de tensão política que se estabeleceu entre o último governo do PSD e o Presidente da República, se não houvesse na Constituição o temor por parte da maioria de que o Presidente da República podia dissolver e a possibilidade de dissolver por parte do Presidente, teria acabado na guerra sem quartel! Porque o governo "desresguardado" da possibilidade de não poder haver dissolução, não tinha tido em conta o Presidente da República e teria elevado o tom da guerrilha que manteve com este a níveis completamente insustentáveis para o funcionamento de qualquer sistema.
O Sr. José Magalhães (PS): - E o veto, quiçá!
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O Sr. Presidente: - Portanto, o nosso sistema tal como está não comporta funcionamento regular senão com este poder do Presidente da República. Se este poder lhe for retirado, então devem-se retirar ao Presidente da República todos os poderes de intervenção e, pura e simplesmente, parlamentarizar o sistema de governo.
O que não é possível é manter um sistema em que o Presidente da República tem poderes próprios de intervenção, inclusive o direito de veto, e outros, nomeadamente o poder de estabilização, e depois não lhe dar um meio de defesa dos seus próprios poderes, que é contra uma maioria absoluta - ou seja, a que é capaz de pôr mais em causa o Presidente da República - não poder utilizar a dissolução da Assembleia da República.
Portanto, penso que o poder presidencial de dissolver a Assembleia da República é uma última ratio de equilíbrio do sistema político, que não funcionaria regularmente sem esta válvula de escape.
Admito qualquer racionalização deste poder - aliás ele já foi racionalizado em 1982 ou 1989, se não estou em erro, quanto aos prazos em que o Presidente da República pode utilizar este poder -, mas retirar ao Presidente da República a possibilidade de ameaçar uma maioria absoluta em casos extremos de dissolução é, a meu ver, retirar um elemento essencial do actual funcionamento equilibrado do sistema e sem ele esse sistema não funcionaria, ou levaria, pura e simplesmente, ao amesquinhamento do Presidente da República, à pura ditadura das maiorias e à aniquilação dos poderes do Presidente da República e, portanto, à pura transição constitucional para um sistema completamente fora da actual lógica constitucional.
Portanto, se o PSD entende que este poder está mal, a meu ver deve ir até ao fim da lógica e, pura e simplesmente, acabar com o actual sistema semi-presidencial ou de equilíbrio, porque este elemento é hoje um elemento ínsito sem o qual o actual sistema não funcionaria logicamente. Sem este elemento a conflitualidade do género da que se criou historicamente entre a última maioria do PSD e o Presidente da República teria atingido obviamente extremos de não funcionamento do sistema que só podia acabar ou na renúncia do Presidente da República ou, pura e simplesmente, numa espécie de guerra civil institucional cujo resultado seria de todo em todo imprevisível.
E, portanto, ao contrário da conclusão que os Deputados do PSD tiram de que a experiência dos últimos quatro anos aponta para esta solução para reduzir a conflitualidade tiro a solução rigorosamente inversa. É que sem este elemento essa conflitualidade que existiu a um nível perfeitamente governável teria atingido dimensões perfeitamente insuportáveis.
Portanto, trata-se de uma questão de lógica; ou optamos por uma lógica parlamentar, retirando ao Presidente da República qualquer poder na área do sistema de governo, ou mantemos a lógica do actual sistema, segundo a qual o Presidente da República é um elemento de contenção das maiorias, sobretudo das maiorias absolutas. É esta a lógica do sistema de governo, isso está escrito em todo o lado.
Não iludamos a questão: é óbvio que é dado ao Presidente da República um poder de contenção das maiorias, sobretudo das maiorias absolutas, porque essas é que precisam de contenção, as outras não precisam de nenhuma contenção do Presidente da República, porque já a têm à partida.
Portanto, a meu ver, eliminar este poder seria alterar o sistema de governo. Não digo que isso seria democrático ou antidemocrático, mas são lógicas de sistema diversos. Nós temos este sistema desde o princípio, o qual, obviamente, pode ser alterado. Mas penso que o sistema tem provado bem e alterá-lo desta forma dramática seria retirar a válvula de escape que até agora lhe tem permitido funcionar em casos de governo de maioria absoluta.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, ouvi-o com toda a atenção, uma atenção que teve a vantagem da veemência com que exprimiu o seu ponto de vista e da radicalização que lhe deu.
O Sr. Presidente: - Até admiti a racionalização deste poder!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Todavia, a sua intervenção padece de uma contradição insanável. Começou por dizer que numa situação de maioria absoluta não havia remédio, que numa situação de maioria absoluta nenhum Presidente da República podia dissolver o Parlamento.
O Sr. Presidente: - Eu não disse isso!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Disse, disse!
O Sr. Presidente: - Permita-me, então, que eu repita o que disse. O que disse foi que nenhum Presidente da República dissolve uma maioria absoluta imprudentemente, impunemente. A decisão de dissolver tem que ter sempre em conta o grau de apoio que essa maioria tem, porque se nas eleições seguintes...
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Então, eu percebi outra coisa, começou por dizer que era impossível...
O Sr. Presidente: - Não disse isso!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Começou por dizer que era politicamente impossível, que uma maioria absoluta era um dado incontrolável.
O Sr. Presidente: - Não disse isso!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Mas deixemos isto já que se trata de um pequeno pormenor.
O Sr. Presidente: - Mas penso que esse pormenor é importante.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Vamos passar para outra questão.
A proposta do PSD não altera a lógica política geral vigente no nosso sistema, porque há um facto que se esqueceu de referir na sua argumentação. Fez uma pergunta a esse respeito, a qual eu compreendi, no sentido de saber se se mantinha o n.º 2 do artigo 198.º, continuando a dar ao Presidente da República o poder de dissolver ...
O Sr. Presidente: - O PSD elimina isso.
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O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Não elimina, não!
Como eu dizia, perguntam se damos a possibilidade de demitir o governo se isso for necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas e eu disse-lhe que sim. O Presidente da República continua a ter essa competência: numa situação de maioria absoluta ou de maioria relativa, se o governo não estiver a funcionar por forma a assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas, o Presidente da República pode dissolvê-lo. Se se tratar de uma maioria absoluta pode dissolvê-lo à mesma. Cria-se um conflito e, depois, dissolvido o governo, ou a maioria descobre ou solução dentro dela própria e o mecanismo se renova ou isso termina numa dissolução da Assembleia da República.
O que pretendemos, em primeiro lugar, é evitar que se crie o pretexto da dissolução sobre uma maioria absoluta que pode estar a funcionar regularmente, já que isso prejudica o Estado, não os partidos, mas o Estado.
Os governos de maioria absoluta não são maus, os governos de minoria são uma excepção na democracia, o que pode acontecer muitas vezes é que para se fazer maioria absoluta é preciso agregar partidos. Eventualmente o que se pode dizer é que era bom que uma maioria não fosse totalmente integrada numa só perspectiva política, monocolor, mas isto faz parte do jogo da realidade da política, e não dos nossos desejos.
O governo democrático propriamente dito assenta no princípio da maioria, e não é da maioria iluminada, da vanguarda. Não se trata de uma lógica leninista que está por detrás do nosso sistema. O ideal num governo democrático é que ele corresponda à maioria da sensibilidade política dos cidadãos e o nosso sistema não altera isto, dando também ao Presidente da República a possibilidade de dissolver o Parlamento em dois em tempos, se assim o entender.
O Sr. Presidente: - Não dá!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Dá, sim senhor!
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, permita-me que coloque uma questão.
Face à intervenção do Sr. Deputado Barbosa de Melo, creio que o Sr. Deputado Barbosa de Melo acaba de confirmar, em dois passos, e não num só, aquilo que tem vindo aqui a ser discutido, ou seja, que, por esta forma, as maiorias absolutas são hiperprotegidas
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Mas V. Ex.ª está fixado às maiorias absolutas como se fossem um mal, o seu problema é esse. Mas estas maiorias não constituem mal nenhum, são uma coisa normal da vida democrática.
O Sr. José Magalhães (PS): - De maneira nenhuma, apenas me parece razoavelmente óbvio e bem demonstrado que existe uma desigualdade de tratamento que introduz um distorção séria no sistema e que altera e reconfigura o estatuto do Presidente.
Porém, suponho que não altera nada o facto de o Sr. Deputado dizer que é possível a dissolução desde que haja um procedimento em duas etapas. Na primeira etapa o Presidente da República invoca obrigatoriamente que isso é necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - É um juízo gravíssimo!
O Sr. José Magalhães (PS): - … e, num segundo momento, dissolve o Parlamento.
O Sr. Presidente: -Dissolve como? Dissolve se houver uma das hipóteses consagradas no n.º 2.
O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto! Ou seja, dissolve e provoca o accionamento da alínea b), tanto quanto eu percebi.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - O problema é que tem que demitir o governo.
O Sr. José Magalhães (PS): - Era isso que eu queria perceber rigorosamente.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - A nossa proposta estabelece que só há dissolução da Assembleia se houver motivos para dissolver o governo.
O Sr. Presidente: - Excepto no caso do n.º 2.
O Sr. José Magalhães (PS): - Excepto no caso do n.º 2 porque o Sr. Deputado não o prevê.
O Sr. Presidente: - Excepciona-o porquê?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Porque a democracia encontra soluções, Sr. Presidente.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): -Neste caso ele demite o Governo e não dissolve a Assembleia.
O Sr. José Magalhães (PS): - Ah! Nesse caso ele demite, mas não dissolve. Então, onde é que está o procedimento por etapas?
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Dá à Assembleia a possibilidade de ela arranjar uma nova solução e, se não o fizer, segue-se o processo normal da democracia.
O Sr. Presidente: - É o procedimento normal nas democracias parlamentares. Mas, o nosso sistema não é um sistema de governo parlamentar - admita-o, Sr. Deputado -, o nosso sistema é assim há 20 anos e não é insólito. Portanto, as coisas não são assim como princípio dogmático, as coisas são assim conforme os sistema de governo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Penso que o mais dogmático não fui eu, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Estou a falar do Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Eu é que sou mais dogmático?!
O Sr. José Magalhães (PS): - Este esclarecimento é de grande utilidade (aliás, é para isso que serve a primeira
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leitura) porque, por exemplo, a determinada altura do debate, fiz a interpretação benévola, como se prova, de que havia uma cláusula não escrita que aditava implicitamente às quatro circunstâncias tipificadas do n.º 1 a grande cláusula do n.º 2.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Então já não fazia sentido!
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Deputado, veja a aberração: há uma situação em que para tornar possível o regular funcionamento das instituições democráticas o Presidente da República demite o governo, mas na vossa lógica está impossibilitado de dissolver a Assembleia.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Naquele momento, sim!
O Sr. José Magalhães (PS): - Ou seja, está em perigo o regular funcionamento das instituições democráticas e o Presidente da República pode demitir o governo, mas não pode dissolver a Assembleia.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Tem de se formar um outro governo, obviamente.
O Sr. José Magalhães (PS): - Mas por que é que se forma outro governo?
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Se é uma intervenção do Presidente da República, não abala profundamente o processo político real?!… É evidente, isto não é uma palavra, não é um dito para os jornais, uma demissão do governo por parte do Presidente da República é uma coisa gravíssima, tem repercussões profundas num sistema como o nosso que é civilizado.
O Sr. José Magalhães (PS): - Claro, com certeza. Pode fazer isso mas deve dar à maioria uma chance.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não dá chance nenhuma, quem deu a chance à maioria foi o povo, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PS): - Uma segunda chance.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não se deve dar uma segunda chance, quem deu o mandato à maioria foi o povo, o povo é que é soberano.
O Sr. José Magalhães (PS): - Ou seja, o lema é: a maioria tem sempre uma segunda chance.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Foi o povo que quis a maioria!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Como o Sr. Deputado Barbosa de Melo chamou a atenção, parece que há aqui um trauma claro da parte de alguns Srs. Deputados em relação às maiorias absoluta. Chamo a atenção para o facto de o mecanismo do PSD operar-se tanto nas chamadas maiorias absolutas como nos governos de maioria estável, que até pode ser por coligação. O normal funcionamento da democracia é esse.
O que está aqui em causa não é o problema da maioria absoluta de um único partido, mas o facto de haver, dentro do sistema democrático normal, um sufrágio que gera um solução de apoio parlamentar estável, uma maioria estável em termos políticos, que tanto pode ser por uma decisão eleitoral do povo de conceder a um só partido, a uma só família política, uma maioria estável para o mandato de 4 anos, ou porque, por força dos mecanismos normais de funcionamento democrático, se gerou, dentro do sistema representativo da Assembleia da República, um acordo partidário, ou um acordo dos representantes do povo, no sentido de criar uma maioria estável.
Uma vez que essa maioria é estável, o Sr. Presidente da República tem que utilizar os seus poderes, mas sem pretender fazer "conflituar" a sua legitimidade democrática com a legitimidade democrática que decorre dessa maioria estável, seja ela monopartidária ou pluripartidária - os Srs. Deputados gostarão mais que seja pluripartidária e o PSD nada tem contra isso, já que, aliás, teve, ao longo da história, soluções maioritárias na Assembleia da República, quer por si só, quer em coligação com outras forças políticas, pelo que está perfeitamente à vontade para defender este ponto de vista.
Tem é de haver respeito por parte do Presidente da República pelas maiorias estáveis que se encontrem na Assembleia da República e, portanto, se o Sr. Presidente entender que as instituições...
O Sr. José Magalhães (PS): - É o respeito à outrance.
Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é à outrance, é o respeito que o Presidente da República …
O Sr. José Magalhães (PS): - Mesmo com um governo que põe em causa a regularidade das instituições.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, é o respeito que o Sr. Presidente da República, como todos os órgãos de soberania, deve às decisões do povo que é soberano.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, prosseguiremos os nossos trabalhos amanhã de manhã.
Está encerrada a reunião.
Eram 19 horas e 35 minutos.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL
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