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Quinta-feira, 31 de Outubro de 1996 II Série - RC - Número 47
VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)
IV REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
Reunião de 30 de Outubro de 1996
S U M Á R I O
O Sr. Presidente (Vital Moreira) deu início à reunião às 10 horas e 30 minutos.
Procedeu-se à conclusão da apreciação do artigo 175.º e à discussão das propostas de alteração relativas aos artigos 177.º, 179.º e 180.º, constantes dos diversos projectos de revisão constitucional.
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente (Vital Moreira), os Srs. Deputados Luís Marques Guedes (PSD), José Magalhães (PS), Luís Sá e António Filipe (PCP), Maria Eduarda Azevedo (PSD), Osvaldo Castro e Cláudio Monteiro (PS).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 12 horas e 30 minutos.
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O Sr. Presidente (Vital Moreira): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 10 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Ontem, ficou por concluir - não sei se ainda havia alguém inscrito - a discussão do artigo 175.º, quanto às propostas de redução da liberdade de dissolução parlamentar.
Recordarão que foram apresentadas três propostas, a do PSD, a do Deputado Arménio Santos e outros Deputados do PSD, e a do CDS-PP. Ontem, foi sobretudo à volta da proposta do PSD - de resto, os restantes proponentes não se encontravam presentes - que girou a discussão. Caso considerem que os argumentos não estão esgotados, reabro a discussão.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, em termos de esgotamento dos argumentos, penso que a discussão já foi suficientemente enriquecedora, contudo ainda há uma questão que gostaria de colocar.
Face à exposição argumentativa que já foi feita, pareceu-me que o Sr. Presidente deixou entreaberta a hipótese de se equacionar, eventualmente, uma qualquer tentativa de objectivação num ou noutro sentido, embora deixando a sua opinião de que não no sentido exacto da proposta do Partido Social Democrata. Mas pareceu-me - e é um pouco esse o esclarecimento que peço, nomeadamente, ao Partido Socialista - que, do seu ponto de vista, poderia, eventualmente, haver alguma preocupação de melhoramento do texto constitucional. O Sr. Presidente até citou que em anteriores revisões constitucionais já tinha havido busca, nesta questão dos prazos, em termos de delimitar um pouco o exercício deste instituto da dissolução da Assembleia da República.
Portanto, depois da argumentação expendida na última reunião, o que, eventualmente, nesta fase seria interessante para nós era saber se haveria, ou não, em nome dos objectivos últimos que presidem à proposta do PSD, alguma abertura, ou se, pura e simplesmente, o Partido Socialista entende que esta matéria não é passível de qualquer arranjo no texto, em termos de revisão da Constituição. Obviamente que, do ponto de vista do PSD, só fará sentido buscar aqui um arranjo, no sentido de tentar uma objectivação que limite de forma mais clara as situações e que impeça a tal situação que o PSD ontem descreveu como indesejável, face aos antecedentes históricos que temos sobre esta matéria.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, suponho que a pergunta que colocou tem dois destinatários.
Quanto a mim, interpretou correctamente: eu, tendo rejeitado a proposta do PSD, não excluí, porém, a hipótese de alguma racionalização dos poderes de dissolução do Presidente da República.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, estamos a considerar várias situações no âmbito da organização do poder político, portanto, creio que teremos de ponderar esta questão na articulação global que gerarem as correcções que formos acrescentando aqui ou ali, sendo certo que ficou clara, da nossa parte, a refutação da solução originariamente adiantada. Mas importa apurar se há caminhos de ponderação de soluções que sejam compatíveis com a essência dos poderes presidenciais e, simultaneamente, que, não distorcendo, introduzam alguma margem possível de clarificação, repito, sem perturbação de equilíbrios, mas isso é algo que só conseguiremos apurar quando tivermos uma visão mais global das alterações a introduzir, na área do poder político.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a questão fundamental é a seguinte: creio que a discussão revelou, com bastante clareza, que o poder presidencial nesta matéria é já muito limitado, não propriamente em termos jurídico-formais, mas em termos do funcionamento real do sistema do governo. Nesse sentido, não nos parece que seja indispensável qualquer condicionamento do poder presidencial nesta matéria, ele está condicionado pela sua própria natureza e pela natureza competitiva das várias eleições que se verificam nesta matéria.
Por outro lado, julgamos também que o próprio facto de a demissão do Governo ser já de si condicionada também é uma forma indirecta de condicionar a dissolução da Assembleia da República. Se se vier a revelar qualquer fórmula que seja suficientemente abrangente para não limitar os poderes presidenciais, naturalmente que a examinaremos com abertura.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o PCP considera intocáveis os poderes presidenciais?
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, não se trata de os poderes presidenciais serem intocáveis, trata-se de nos parecer que o sistema se deve manter como um sistema misto parlamentar/presidencial e não como um sistema presidencial.
Portanto, sem prejuízo de examinarmos as propostas que apareçam, fá-lo-emos à luz desta concepção geral. Isto é, o sistema que julgamos adequado para o País é o misto e não o parlamentar, o qual, como é sabido, frequentemente degenera num sistema de presidencialismo do Primeiro-Ministro e de poder pessoal do Primeiro-Ministro. Assim sendo, naturalmente, vamos examinar as propostas que apareçam, mas vamos fazê-lo neste contexto e com base nesta opção política global.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, nesse aspecto estamos perfeitamente de acordo, porque também entendo que o sistema não deve ser substancialmente alterado.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, creio que daquilo que referi resulta que um condicionamento relevante do poder presidencial nesta matéria é algo que pode tocar um dos aspectos da eficiência do sistema misto, como, aliás, resultou claro da intervenção de vários oradores, designadamente da do Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sem dúvida!
Srs. Deputados, vamos avançar.
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Há oposição à proposta do PSD, nos termos em que foi formulada, no entanto, não fica fechada, à partida, a porta para considerar outras hipóteses.
Passamos ao artigo 177.º.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se me permite a interrupção, relembro que o PSD também apresentou uma proposta de aditamento de um novo n.º 2 ao 175.º, passando o actual n.º 2 a ser o n.º 3.
O Sr. Presidente: - É verdade, desculpe.
No novo n.º 2, o PSD acrescenta uma outra limitação à dissolução da Assembleia da República, que é entre a data da convocação e a data da realização de referendo de âmbito nacional, alargando, portanto, os períodos de defeso da dissolução da Assembleia da República. Esta proposta está à consideração.
Para apresentar a proposta, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a lógica desta proposta do Partido Social Democrata prende-se com a natureza do sufrágio universal nacional que o referendo de âmbito nacional tem.
No actual texto prevê-se a impossibilidade de dissolução da Assembleia da República nos seis meses posteriores ao sufrágio da eleição da Assembleia da República, bem como no último semestre do mandato do Presidente da República, que são os outros dois sufrágios de âmbito nacional que existem.
Ora, com a inclusão do referendo, parece-nos que também há que equacionar aqui, em sede destes mecanismos de limitação à utilização deste instituto da dissolução, a salvaguarda da estabilidade necessária que tem de existir quando há convocação de um referendo. Ainda por cima, sabendo-se que a decisão sobre a marcação de um referendo compete ao Sr. Presidente da República, parece-nos evidente que nem sequer se pode dizer que se trata, ou deixa de tratar, de uma qualquer limitação aos poderes do Presidente da República, porque é evidente que o Presidente da República, se considerar que existe alguma situação política instável no País e estiver a ponderar a dissolução da Assembleia da República, tomará sempre a decisão de não aceitar a marcação do referendo - a decisão é dele -, de não marcar o referendo para essa data.
Parece-nos que a decisão do Sr Presidente da República de marcar um referendo (que é, obviamente, uma decisão ponderada, como todas as que toma no plano político, pois, tratando-se de um sufrágio de âmbito nacional, têm que estar criadas as condições de estabilidade e de serenidade, em termos políticos) é perfeitamente incompatível com a abertura de uma "crise máxima" - diria, em termos políticos -, como é a de uma eventual dissolução da Assembleia da República.
Por conseguinte, penso que a justificação deste acrescento que o PSD propõe é perfeitamente clara, e eu diria até que, provavelmente, como já vimos acontecer noutros artigos que foram mexidos na sequência da inclusão do referendo na Constituição na revisão de 1989, houve artigos que, na altura, deveriam ter sido alterados e não o foram, e este, do nosso ponto de vista, é um desses artigos que deve acomodar a nova realidade do referendo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está aberta a discussão sobre a proposta de alargamento dos actuais períodos de defeso de dissolução da Assembleia, de modo a abranger também o período entre a convocação e a realização de referendo de âmbito nacional.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, posso fazer uma pergunta ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes?
O Sr. Presidente: - Claro, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, ouvi com cuidado a fundamentação, mas não creio que tenha alcançado exactamente o porquê de preverem "(…) entre a data da convocação e a data de realização de referendo (…)".
Por um lado, porque há vários tipos de referendo, alguns dos quais podem nada ter que ver com o exercício de competências próprias da Assembleia da República, uma vez que também o Governo, e só este, pode propor que haja referendos em relação a matérias da sua competência - se o Sr. Presidente da República decidir convocá-los, obviamente. Portanto, o cenário referendário por iniciativa de parlamentares é apenas um dos cenários possíveis.
Por outro lado, o período de garantia destinar-se-ia, na sua fundamentação, a criar uma espécie de cláusula de protecção contra um gesto desencadeado e, simultaneamente, a criar uma possibilidade de não operar nenhum acto contra um órgão que tenha estado na génese de uma pergunta feita ao eleitorado. Era essa a fundamentação?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PS): - Então, nesse caso, porquê esse período de garantia? Pergunto-lhe isto, porque, como sabe, o referendo só serve para apurar algo que é crucial, que é um "sim" ou um "não", em relação a determinadas questões, mas, depois, falta fazer, e seria um Parlamento "refrescado" que executaria o legado do Parlamento dissolvido, no seu cenário.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, a intenção do PSD não é exclusivamente a que foi anunciada na pergunta que me fez, ou seja, a proposta do PSD não se efectiva apenas nas situações em que o referendo recaia sobre uma qualquer matéria em que a iniciativa de o fazer parta da Assembleia da República. Como referi, a nossa proposta é mais do que isso, ou é diferente disso; fundamentalmente, é uma diferença qualitativa e não quantitativa.
Para nós, a questão fundamental é esta: o referendo é, obviamente, um sufrágio universal de âmbito nacional, e, tratando-se de um sufrágio, de uma consulta ao soberano, ao povo, é evidente que, como todos os sufrágios de âmbito nacional, terá necessariamente que pressupor um período de reflexão e de serenidade para que o povo possa pronunciar-se sobre a questão - neste caso, não é uma questão electiva, é uma questão referendária - que lhe é colocada.
A decisão de convocar o referendo é sempre do Presidente da República.
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O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Eu relembro este aspecto, para deixar claro que a proposta em causa não pode ser confundida com uma qualquer limitação ao poder de dissolução do Presidente da República. Não é nesta sede que propomos esse tipo de limitações ao poder de dissolução do Presidente da República, nem pode ser confundido com tal, trata-se apenas de dizer o seguinte: se o Sr. Presidente da República aceitar convocar um referendo, parece-nos evidente (e estamos a falar de prazos de 90 dias) que durante esse período tem de, necessariamente, ficar assegurada - e a Constituição tem de velar por isso - a perfeita estabilidade, em termos políticos, do País e da sociedade.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito obrigado, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Portanto, essa é a questão, só essa e não outra.
O Sr. Presidente: - Logo, a ideia é evitar a sobreposição da campanha para o referendo com uma campanha eleitoral que imediatamente se desencadeia com a dissolução parlamentar.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Nem tínhamos pensado nisso, Sr. Presidente…
O Sr. José Magalhães (PS): - Mas existe!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A ideia é não permitir que o referendo, havendo um acto político da gravidade da dissolução,…
O Sr. Presidente: - Então, até considero que esta razão que aduzi seria uma boa razão!
O Sr. José Magalhães (PS): - Mas essa é uma razão boa, de facto!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, penso que só não é uma razão totalmente efectiva porque não sei se o Presidente da República marcaria imediatamente…
O Sr. José Magalhães (PS): - Por causa dos prazos!
O Sr. Luís Marques Guedes: - Exactamente.
O Sr. Presidente: - Tem de marcar!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não sei se a campanha iria ou não coincidir…
O Sr. Presidente: - A dissolução parlamentar marca imediatamente as eleições; a dissolução parlamentar inicia logo a campanha eleitoral, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - No fundo, a questão técnica é esta Sr. Presidente: o referendo é uma opção, será um voto em que o povo tomará uma decisão, e é evidente que se houver um facto político desta magnitude os cidadãos tenderão a utilizar também o acto eleitoral do referendo, não para decidir exclusivamente a matéria que está ali em causa mas para trazer à coacção outras questões e outras considerações de ordem política que sejam provocadas pela hecatombe da dissolução. E, como tal, é totalmente indesejável - e do nosso ponto de vista inaceitável - que possam confundir-se sufrágios deste tipo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, admito que uma limitação deste tipo não tenha sido introduzida propriamente por esquecimento mas por achar que, naquilo que ela tiver de razoável, o Presidente da República também lá chegará sem uma proibição expressa. E é esta a grande questão que se coloca em relação a este tipo de norma, isto é, eu admito que, muito frequentemente, seja perfeitamente insensata a sobreposição de um referendo e de uma eleição para a Assembleia da República e que só em situações absolutamente urgentes e excepcionais, que à partida não estou a descortinar, tal poderia verificar-se.
Todavia, a questão que se coloca também é a de perguntar se o povo português seria tão insensato que escolhesse alguém tão leviano que tomasse uma decisão que viesse trazer uma tal confusão de situações. Esta e, efectivamente, a grande interrogação!… Com toda a abertura de espírito para ponderar melhor a proposta do PSD, a questão que se põe é a de perguntar se não se chega lá sem uma proibição expressa neste sentido. Não é que eu esteja a ver um grande prejuízo na inserção da proibição, só penso que não é uma limitação do mesmo tipo das que cá estão, que apresentam razões bem mais profundas e que se prendem, algumas delas, com o funcionamento global do sistema. Sobretudo, há que perguntar se é verdadeiramente indispensável tal proibição, tanto mais que, até este momento, não criámos verdadeiramente uma cultura de democracia directa em Portugal. O referendo local está consagrado desde 1982, embora nenhum município, até hoje, tenha conseguido realizar algum, mesmo aqueles que o tentaram - creio que, na esmagadora maioria dos casos, foram todos declarados inconstitucionais - e a mesma coisa ocorreu a respeito do referendo nacional, que está consagrado desde 1989, mas até hoje, sete anos depois, não se realizou nenhum.
Portanto, o problema é perguntarmos se vão haver tantos referendos, tão urgentes, com a perspectiva de coincidirem com dissoluções que por sua vez não se têm verificado nos últimos anos, como é sabido, que obrigue a uma norma expressa deste género e ao perigo de que se verifique tal situação no caso de não ser consagrada.
É apenas uma interrogação, com abertura para reflectir melhor sobre a matéria.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, sem querer tomar muito tempo, e respondendo à questão que me foi colocada pelo Sr. Deputado Luís Sá, diria que é evidente que não é pelo facto de o problema não se ter colocado que ele deixa de ser relevante. Não vamos ficar à espera de casa roubada para pôr trancas na porta!
O que parece claro ao PSD é que, como o Sr. Deputado referiu, aquando da revisão constitucional de 1989 incluiu-se
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o instituto do referendo na Constituição pela primeira vez e, na revisão seguinte de natureza ordinária, que é esta - houve a revisão extraordinária de 1992 que foi perfeitamente restrita -, deve aproveitar-se para dar uma maior consistência ao instituto do referendo, independentemente de ele ter ou não já provocado algumas dúvidas ou perplexidades na sua inserção constitucional (que, de facto, como o Sr. Deputado acabou de referir, em termos práticos pelo menos, ainda não sucedeu), no sentido de estabilizar mais esta figura institucional e colocá-la na posição estruturante que de algum modo, apesar de tudo, do ponto de vista do PSD, ele também tem de ter no nosso sistema político, embora numa perspectiva de complementaridade mas sem por isso deixar de ser um instituto que releva de aspectos estruturais, quanto mais não seja pelo simples facto de, desde logo, uma vez que a democracia assenta no voto soberano do povo, o referendo ser um dos poucos mecanismos de consulta directa ao povo que existe e, como tal, ter de ser entendido, necessariamente, como estruturante.
Portanto, é fundamentalmente nesta perspectiva que apresentamos a alteração, Sr. Deputado, e não, seguramente, para tentar obviar qualquer problema existente que, de facto, como o Sr. Deputado referiu - e muito bem -, não se colocou até agora na sociedade portuguesa.
Já agora, deveria referir que o problema da dissolução nos seis meses posteriores à sua eleição também nunca se colocou na sociedade portuguesa e, no entanto, não deixou de ser por isso que, numa revisão constitucional anterior, foi entendido, como Sr. Presidente assinalou na última reunião, pelo legislador constitucional fazer esta delimitação, por obviamente ela respeitar a aspectos que são essenciais ao normal e harmonioso funcionamento do sistema.
Também nesta sede do referendo, pelas razões aduzi há pouco, parece-nos que a sua correcta efectivação deve pressupor mecanismos de garantia e de estabilidade em termos da situação política, que devem ser acautelados necessariamente para que o referendo cumpra o seu objectivo e não para que possa ser perturbado e pervertido com outro tipo de condicionalismos políticos. É apenas isso o que o PSD pretende afastar com a inclusão na Constituição desta nova disposição.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, este debate é, de facto, interessante, Creio que o bom senso dos protagonistas é sempre um excelente factor regulador e estabilizador, mas a Constituição não pode fugir, naturalmente, à responsabilidade de equacionar situações criadas por soluções constitucionais de normação incompleta ou que gerem novos problemas. Portanto, vamos estudar cuidadosamente os argumentos que foram aduzidos e ponderaremos com abertura a existência de uma situação que requeira normação nova correctiva.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta do PSD tem abertura, com reserva de posição tanto do PS como do PCP.
Passamos adiante, ao artigo 177.º, relativamente ao qual existem alterações para os n.os 1 e 2 relacionadas com a duração da sessão legislativa e com o seu início. Assim, o CDS-PP propõe que a sessão legislativa se inicie a 1 de Setembro e que o período normal de funcionamento decorra desde essa data até 31 de Julho; o PS propõe que se inicie a 15 de Setembro, mantendo-se a sua duração até 15 de Junho; o Sr. Deputado Arménio Santos e outros Deputados do PSD propõem que a mesma seja antecipada para 15 de Setembro e adiantada para 15 de Junho.
Portanto, temos três soluções distintas, todas elas coincidentes em alargar o período da sessão legislativa, em antecipar o seu início e, em dois casos, em alargar ou adiar o seu termo.
Srs. Deputados, as propostas que acabei de identificar estão à discussão e, não estando presente qualquer representante do CDS-PP, vou dar a palavra ao Partido Socialista, nomeadamente ao Sr. Deputado José Magalhães, para apresentar a respectiva proposta. E, em conjunto com esta, ponho à discussão as outras duas, ou seja, as do CDS-PP e do Deputado Arménio Santos e outros do PSD.
Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, durante o processo preparatório deste projecto de revisão constitucional fomos sensíveis à ideia de que o ritmo de funcionamento do Parlamento ganhará com o facto de o articularmos e harmonizarmos com outros ritmos que estão socialmente hoje adquiridos, designadamente os que têm a ver com o funcionamento do próprio ano escolar e de outras ocasiões de carácter civil. E, do ponto de vista político, temos vindo a verificar que aquilo a que se chama tipicamente a rentrée, o reinício, o reactivar das actividades políticas após as férias de Verão, ocorre, de facto, durante o mês de Setembro.
Pareceu-nos, pois, que a coincidência com o início do ano escolar poderia ser positiva e daí a data de 15 e não impreterivelmente o dia 1, mas estamos, obviamente, abertos a discutir esta questão. Julgamos que esta é uma solução flexível, nem no primeiro dia após 31 de Agosto, nem num dia que não coincida com nada, mas, obviamente, não temos aqui uma rigidez tremenda.
Quanto à alteração do chamado período normal de funcionamento da Assembleia da República, como sabem, não se exclui, por força do disposto no n.º 3 deste mesmo artigo da Constituição, que haja funcionamento do Plenário, prorrogando, por deliberação do Plenário, o período normal de funcionamento, e pareceu-nos que a prática parlamentar não tem contra-indicado, pelo contrário, favorece e parece justificar que o período normal da sessão legislativa seja de 15 de Setembro a 15 de Junho, com o que já teremos um alargamento significativo, sem prejuízo, naturalmente, de prorrogações, se isso for considerado necessário. Mas em condições normais creio que poderemos ter um bom período de trabalho se começarmos a trabalhar em 15 de Setembro e se a 15 de Junho pudermos, em condições normais, interrompê-lo, ou então prorrogá-lo por mais alguns dias, verificando-se, em função de circunstâncias concretas, por quantos dias e como. É esta a nossa proposta.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, relativamente às propostas que o Sr. Presidente põe à discussão conjuntamente, há dois aspectos que o PSD releva de uma forma diferente.
Quanto ao início da sessão legislativa, há um aspecto que, embora não tenha sido explicitado pelo Partido Socialista
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na exposição de motivos da sua proposta, parece ao PSD um argumento bastante relevante e que deve seguramente ser ponderado por esta Comissão ao equacionar a alteração deste artigo, que é o seguinte: face aos actuais prazos de apresentação do Orçamento, que embora possam ser alterados, porque decorrem da lei ordinária, da lei de enquadramento, são prazos correctos em termos temporais face ao decurso normal do ano económico, parece claro ao PSD, hoje em dia, que é profundamente incorrecto que a Assembleia da República só inicie os seus trabalhos no momento em que o Orçamento do Estado já está elaborado. Isto porque é evidente - e, de resto, ficou patente nomeadamente na movimentação política não só de vários partidos como também de forças sociais, no ano que estamos a viver - que há todo o interesse em, previamente ao momento final de aprovação da proposta de Orçamento por parte do Governo e sua entrega à Assembleia da República, haver, porventura, algum debate económico e social tanto na sociedade como também aqui no Parlamento, que possa, de algum modo, contribuir para as grandes opções que vão ser tratadas nesse Orçamento.
Nós pensamos que esse é um aspecto relevante e que, desde logo, aconselha, do nosso ponto de vista, como já aconselhou… Aliás, foi muito isso que esteve na razão de ser do pedido que conjunturalmente, este ano, levou o Partido Social Democrata a solicitar a antecipação da reabertura dos trabalhos da Assembleia da República, neste caso não a antecipação do início da sessão legislativa, porque como isso constitucionalmente não era possível teve de se operar o mecanismo de extensão da sessão legislativa anterior. Para obviar a esse tipo de soluções, uma vez que o argumento permanece e parece-nos ser objectivo e válido, entendemos que, de facto, seria útil alterar-se este prazo constitucional de início da sessão legislativa, exactamente para poder permitir o início dos trabalhos parlamentares antes ainda do prazo final de apresentação do Orçamento. Esse é um aspecto relevante a acrescer, entre outros, a alguns que foram enunciados pelo Partido Socialista na exposição da sua proposta.
Quanto ao outro prazo, o de terminus da sessão legislativa, o Partido Social Democrata entende também que a actual situação existente, a de um lapso de tempo que vai até quatro meses entre o terminus de uma sessão legislativa e o início da seguinte, constitui um prazo demasiado alargado. É certo, como disse o Sr. Deputado José Magalhães, que a prática parlamentar tem demonstrado, em todas as situações, que nunca os trabalhos parlamentares cumprem exactamente este período de interregno e que os mecanismos regimentais de prolongamento das sessões legislativas ou da antecipação do reinicio de trabalhos tem permitido, na prática, que este intervalo não tenha sido, ao longo dos vários anos, de quatro meses.
No entanto, penso que a proposta do Partido Socialista não foi totalmente explicitada, ou seja, com toda a franqueza, penso que o Partido Socialista propõe a alteração do prazo de terminus de 15 de Junho eventualmente já a pensar numa outra proposta que apresentará e que é do conhecimento público, a de uma eventual alteração dos prazos eleitorais. Portanto, esta é uma questão que não devemos iludir e que deve ser lançada para este debate, independentemente das posições que cada um dos partidos possa ter, porque é evidente que a alteração do texto constitucional em relação ao termo da sessão legislativa pode condicionar, de uma forma inultrapassável, a eventual discussão em torno da vantagem de se alterarem os prazos normais dos actos eleitorais, nomeadamente o acto eleitoral para a Assembleia da República.
Em suma, do meu ponto de vista, esta é uma matéria que tem de ser também discutida nesta mesa e, desde já, manifesto, em nome do Partido Social Democrata, abertura para equacionar claramente a antecipação do início da sessão legislativa, também com base naquele argumento fundamental que nos parece perfeitamente relevante e deve estar sobre a mesa.
Quanto ao terminus da sessão legislativa, gostaríamos de ver discutida esta questão em conjunto com a outra e, em qualquer circunstância, para já o PSD não toma uma posição definitiva, porque ainda quer reflectir bem sobre as intenções que existem quanto às questões eleitorais para então tomar uma decisão que, de uma forma articulada, permita resolver as várias opções de alteração das questões em torno do funcionamento da Assembleia da República e da sua eleição.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, efectivamente as propostas que são aqui apresentadas no sentido de aumentar o período normal de duração da sessão legislativa têm algum sentido, isto é, nós não apresentámos nenhuma proposta desta natureza na medida em que esta é uma questão que a prática até se foi encarregando de resolver, utilizando os mecanismos constitucionais que permitem, de facto, uma prorrogação do prazo. Na verdade, raras têm sido as sessões legislativas em que não há uma prorrogação dos trabalhos em relação ao período normal, já que elas costumam terminar, na prática, em meados de Julho. E, embora não seja tão frequente, também se tem verificado, como aconteceu este ano, a antecipação do início dos trabalhos parlamentares relativamente à data constitucionalmente fixada de 15 de Outubro.
Portanto, faz algum sentido a proposta de antecipar o início normal da sessão legislativa para 15 de Setembro, já que se evitam situações como a que ocorreu este ano, em que teve de haver uma repescagem da sessão legislativa anterior para que os trabalhos pudessem começar mais cedo, o que, de facto, não faz grande sentido - este ano até nos esquecemos do início da sessão legislativa, na medida em que os trabalhos estavam normalmente a funcionar desde há umas semanas antes.
Faz, de facto, algum sentido a antecipação da sessão legislativa, mas consideramos que já não será tão necessário alargar o período em Junho, na medida em que, aí, a simples prorrogação já pode fazer-se de uma forma mais pacífica.
De qualquer modo, estamos receptivos particularmente à proposta de antecipação do início da sessão legislativa para 15 de Setembro.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Deputado José Magalhães teve de ausentar-se, mas posso assumir aqui as considerações que se seguem.
Quanto à antecipação do início da sessão legislativa, penso que mais do que alargar o tempo de funcionamento da Assembleia da República, que pode sempre ser alargado através de uma decisão ad hoc, trata-se de pôr o ciclo parlamentar de acordo com o ciclo político. De facto - e o Deputado António Filipe chamou a atenção para o que
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aconteceu este ano - é ridículo dizermos que de 15 de Setembro, ou desde o dia em que reunimos até 15 de Outubro, estivemos ainda na primeira sessão legislativa. Não tem sentido algum! De facto, depois das férias parlamentares abre-se um novo ano político e, portanto, a abertura do ano parlamentar deve, realmente, coincidir com a abertura do ano político. A data de 15 de Setembro parece-me correcta, não só porque essa é hoje a data das férias judiciais e das férias escolares, mas porque coincide também com a abertura real do ano político. Não foi por acaso que este ano a Assembleia da república se reuniu a 16 ou a 17 de Setembro, sem problemas, praticamente por unanimidade. Portanto, repito, trata-se de pôr o ciclo parlamentar de acordo com o ciclo político.
Quanto ao termo da sessão legislativa, aí nós, Partido Socialista - estou a falar enquanto co-autor do projecto do PS - , não propusemos um alargamento por duas razões: primeiro, porque, na verdade, prorrogar a sessão legislativa já não põe o problema que prolongá-la em Setembro tem, quer dizer, a Assembleia está reunida e, naturalmente, se houver necessidade de prolongá-la, como normalmente tem ocorrido, isso faz-se, pura e simplesmente, sem grandes problemas; em segundo lugar, não queremos prejudicar a possibilidade de, em anos de fim de legislatura, promover a solução que o PS anunciou, de alterar a lei eleitoral de modo a tornar possíveis as eleições parlamentares em finais de Junho, para que não só a nova Assembleia da República possa, se quiser, ainda antes do recesso parlamentar, reunir para efeitos de tomar posse, dar lugar ao início de um mandato dos Deputados etc., e iniciar a 15 de Setembro o seu ano parlamentar, dando possibilidade de que o Governo se forme, elabore o Orçamento etc., e isso não é preciso estar na Constituição. Não nos pareceu que tivesse de estar, mas mantém-se o compromisso do PS de, em sede de lei eleitoral, promover uma alteração da lei eleitoral que permita as eleições antes do Verão, naturalmente na segunda quinzena de Junho.
Se estatuíssemos na Constituição que, necessariamente, o ano parlamentar ia além de 15 de Junho, teríamos de excepcionar provavelmente o final da legislatura, dado que, havendo eleições em finais de Junho, não teria sentido estar reunida a Assembleia da República. Fora isso, não pomos objecções em considerar a hipótese da prorrogação, só não nos parece que essa questão seja paralela à da antecipação.
Portanto, a antecipação parece natural, óbvia e evidente: trata-se de pôr o ciclo parlamentar de acordo com o ciclo político. Quanto à prorrogação, não nos parece que haja necessidade de alteração, mas se houver insistência para reflectirmos sobre a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Arménio Santos e outros do PSD, por exemplo, teremos abertura para considerá-la.
Entretanto, como o Sr. Deputado José Magalhães entrou na sala enquanto eu produzia a minha intervenção, perguntava se quer acrescentar algo mais sobre as posições do Partido Socialista.
O Sr. José Magalhães (PS): - Está muito bem, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, o único aspecto que queria esclarecer o Sr. Presidente acabou por o fazer, de uma forma curta mas suficientemente elucidativa, na parte final da sua intervenção. No fundo, ao trazer à colação a proposta do Partido Socialista sobre as leis eleitorais, a minha intenção era explicitar que, caso esse problema da alteração das leis eleitorais em termos de prazos não fosse para a frente, o Partido Socialista estaria aberto… Mas já fiquei esclarecido com a resposta do Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, verifico que, em princípio, há consenso para alterar o início da sessão legislativa para 15 de Setembro e que se mantém em aberto a possibilidade de considerar a prorrogação da sessão legislativa, se tal vier a ser considerado necessário.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se me permite,…
O Sr. Presidente: - Faça o favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - … antecipar sim, mas sem fixar esse início para 15 de Setembro ou para outra data. Como o Partido Popular apresentou uma outra proposta, penso que essa questão da data poderia ficar em aberto.
O Sr. Presidente: - Portanto, em princípio, fixar-se-á a data de 15 de Setembro.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Creio que o problema da antecipação é que ficou claramente aceite por todos, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos ao artigo 179.º, em relação ao qual foram apresentadas propostas de alteração para os n.os 2 e 3 e propostas de aditamento de um novo n.º 4.
Quanto ao n.º 2 do referido artigo 179.º foi apresentada uma proposta pelo PS, na qual se dá a faculdade de solicitar prioridade não só ao governo mas também aos grupos parlamentares.
Srs. Deputados, está em discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, para explicar este "brinde" aos grupos parlamentares.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, em consonância com o que, de resto, já tínhamos apresentado na tentativa de revisão constitucional encetada na legislatura passada - nessa matéria, a alteração do código político não alterou uma questão que resultava de uma posição de princípio -, propomos que também aos grupos parlamentares, tal como ao Governo, seja reconhecido o direito de solicitar prioridade para assuntos de interesse nacional de resolução urgente.
Aos grupos parlamentares são hoje já concedidos pela Constituição, pelo Regimento e por leis diversas múltiplos direitos de intervenção na formulação da agenda política do Parlamento, para além das possibilidades de criação de situações políticas que a nossa imaginação criativa foi desenvolvendo ao longo dos anos. Neste caso, a prioridade pode ter alguma importância, designadamente para evitar uma confusão típica e tradicional que, volta e meia, se verifica entre o regime parlamentar de prioridade e o regime parlamentar de urgência, o último traduzido meramente na supressão de diligências e trâmites parlamentares que,
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evidentemente, podem ter uma projecção temporal e resultar num encurtamento e, em consequência, numa aceleração. Mas, verdadeiramente, mais não são do que mecanismos de simplificação de tramitação e não mecanismos que tenham a ver com o tempo directamente, ou seja, têm mais a ver com o modus agendi do que com o tempo para tomar as decisões de forma directa, e indirectamente, repito, sempre por essa forma se alcança alguns resultados.
A solicitação de prioridade de que os governos têm feito uso, aliás variado e distinto, segundo estratégias várias, abre aos grupos parlamentares um campo que pode ser interessante e que, pela nossa parte, abrange tanto os grupos parlamentares da oposição como o próprio grupo parlamentar da maioria, uma vez que nesta matéria há um concurso de imaginação e também de sensibilidade em relação àquilo que deve ser prioritário na óptica do interesse nacional.
Dessa desgovernamentalização, ou melhor, dessa colocação ao lado do Governo de outros agentes parlamentares, só poderá resultar um maior enriquecimento da actividade parlamentar, sendo certo - e gostava de sublinhar isto por último - que não alteramos em nada o dispositivo do n.º 1 do artigo 179.º, ou seja, as ordens do dia são fixadas pelo Presidente da Assembleia da República segundo as regras que o próprio normativo estabelece (aliás, em caso de dúvida, dão a palavra decisiva ao Plenário da Assembleia).
O Sr. Presidente: - Essa situação de prioridade é uma solicitação que o Presidente da Mesa e, em última análise, o Plenário decidam deferir.
O Sr. José Magalhães (PS): - Exactamente!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à consideração esta proposta de alargamento da faculdade de solicitar prioridade para assuntos de interesse nacional de resolução urgente, passando a pertencer não apenas ao Governo mas também aos grupos parlamentares.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, pedi a palavra para um pedido de esclarecimento porque, confesso, não consigo perceber bem de que forma isto altera a realidade das coisas hoje em dia.
Como o Sr. Presidente deixou indirectamente claro nesta sua última precisão, é evidente que a decisão da marcação da ordem do dia cabe já à conferência de líderes e ao Plenário em última instância (quando falo em conferência de líderes leia-se o conjunto dos grupos parlamentares). Portanto, é evidente que o exercício de uma competência como esta, de os grupos parlamentares poderem solicitar a prioridade, não é nem mais nem menos do que aquilo que já hoje existe, do que as decisões que quotidianamente os grupos parlamentares, em sede parlamentar, do funcionamento dos mecanismos parlamentares e da conferência de líderes, nomeadamente, são chamados a pronunciar.
Já hoje em dia, quotidianamente, a função dos grupos parlamentares é a de tentar, pelas vias do funcionamento normal, democrático e interno da Assembleia da República, priorizar um determinado tipo de debates de acordo com a análise que fazem da relevância maior ou menor de determinado tipo de situações e das suas iniciativas.
Portanto, com franqueza, confesso que não vejo, desde logo, qualquer alteração à situação actual nem vejo a vantagem desta inclusão constitucional, pois nem sequer se trata aqui daquilo para que o Sr. Presidente nos chamou a atenção avisadamente várias vezes, ou seja, de muitas vezes a alteração da Constituição, ainda que para consagrar situações já hoje existentes, ter a virtualidade de transformar faculdades em obrigações. Aqui não é o caso. Não entrevejo bem sequer essa consequência, porque as coisas já assim são, continuarão a sê-lo, como o Sr. Presidente deixou claro na sua última precisão, e continuar-se-á tudo a passar rigorosamente da mesma maneira, não acrescendo nenhuns direitos potestativos de agendamento de matérias aos grupos parlamentares por força desta alteração.
Assim sendo, diria que a única consequência real desta alteração é talvez colocar em plano de igualdade os grupos parlamentares e o Governo para efeito de marcação da ordem do dia da Assembleia da República em termos do texto constitucional, porque na prática penso que isso de algum modo também já assim é.
O que disse não consubstancia bem uma pergunta, é mais um pedido de esclarecimento aos proponentes no sentido de, se me está a escapar alguma alteração qualitativa real à situação actual, ter uma explicitação, porque, de facto, como acabei de referir, não estou bem a ver onde se produzirá essa alteração.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, o simples facto de pôr em pé de igualdade o Governo e os grupos parlamentares não é já de si um valor positivo?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, penso que neste caso é perfeitamente dispensável. O Governo tem de constar do artigo porque este tem que ver com a ordem do dia das reuniões plenárias, e é evidente que a ordem do dia é fixada pela própria Assembleia, é um seu problema interno. O que releva, de facto, em termos de conteúdo normativo útil desde artigo é dizer que entidades como o Governo, que estão fora da mecânica de definição dessa ordem do dia, também podem nela influir. Estar a dizer que os próprios autores dessa ordem do dia nela influem, penso que é quase um pouco tautológico.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, quer responder à interpelação?
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, não sei rigorosamente se há uma resposta para esta interpelação, pois está em causa uma questão de concepção, por um lado, do que deve ser a Constituição na parte em que ela é matriz do Regimento do Parlamento, do valor que se atribui à colocação a par do Governo dos grupos parlamentares como outros agentes de iniciativa parlamentar, e, por outro lado, do relevo que se atribui à Constituição como documento normativo quaisquer que sejam as práticas possíveis.
Como não é possível calar, cortar a raiz ao pensamento, é sempre possível no limite prescindir de qualquer normativo nessa matéria. Assim, também é possível dizer que os grupos parlamentares podem lutar na barganha política corrente, aliás, nem sempre na conferência de líderes - em alguns casos preferivelmente na sociedade mediática -, pelas prioridades que entenderem. No entanto, isto está muito distante do objecto da nossa proposta, que tem que ver com elevar um patamar de consagração constitucional de direitos dos grupos parlamentares, na esteira, de resto, do que temos vindo a fazer em sucessivas
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revisões constitucionais, e, por outro lado, com distinguir figuras.
A tendência que pode verificar-se em determinado momento para "irrelevantizar" figuras por força daquilo que a sociedade mediática o permite, em termos de possibilidades práticas, pode ser grande, mas não me parece que seja vantajosa. Por isso é bom que o Regimento e a Constituição organizem de forma inequívoca e definam de maneira clara direitos e grandes enquadramentos do Regimento parlamentar. Um grande enquadramento é o pedido de prioridade para um assunto nacional não ser monopólio do Governo.
Como compreendem, esta Constituição, provavelmente, ainda tem algum eco de sistemas outros em que o Governo tem um papel muitíssimo maior do que aquele que os governos da nossa República têm no condicionamento da ordem do dia. Há aqui eco de uma coisa que entre nós nunca foi tão relevante porque os partidos, os grupos parlamentares, os agentes parlamentares outros, tiveram sempre no nosso sistema, e vieram aumentando e majorando, a sua possibilidade de condicionamento prático do funcionamento do Parlamento, designadamente quanto à sua própria continuidade de laboração, quanto ao seu ritmo de funcionamento, quanto às próprias agendas, em relação às quais gozamos de muitíssima mais capacidade de determinação do que outros parlamentos condicionados, e em certos casos hipercondicionados, pela vontade governamental, etc.
Portanto, isto nunca teve aqui a função impositiva e terrível que teve, ou tem, noutros sistemas políticos e noutras vidas parlamentares, mas algum vestígio desse fundo ficou na alusão de que pedir prioridade - isso, não - só o Governo. Por um lado, há prioridades objectivamente fixadas no Regimento, como sabemos, para grandes actos institucionais cuja discussão sobreleva todos os demais e interrompe tudo, mesmo fora do estado de sítio e do estado de emergência; por outro lado, criou-se este mecanismo que permite propor prioridades. Portanto, creio que haveria vantagem, francamente, em darmos este passo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, vemos com boa receptividade esta proposta, porque, de facto, o n.º 2 do artigo 179.º, tal como está, é compreensível mas parece incompleto.
É perfeitamente compreensível que o Governo pretenda legitimamente que a Assembleia da República atribua prioridade à discussão de uma determinada matéria, seja uma iniciativa legislativa que aquele reputa urgente, prioritária, para a sua governação, seja a realização de um debate que por qualquer razão considere dever ser feito naquele momento a breve prazo. Isto é perfeitamente legítimo e tem sido, aliás, correspondido. Em termos gerais, não tenho memória de o Governo fazer um empenho especial em que determinada matéria seja discutida urgentemente e não tenho dado nota que tenha havido qualquer obstrução por parte de quem é competente para os agendamentos.
Creio, porém, que importa que igual direito seja conferido aos grupos parlamentares, até porque não faz grande sentido que seja a Assembleia da República a fiscalizar a actividade governativa, por hipótese, e que apenas a entidade fiscalizada possa constitucionalmente propor a atribuição de prioridade à apreciação de uma determinada matéria. Portanto, parece-nos que faz todo o sentido que também se reconheça em sede constitucional que não apenas o Governo mas, também, os grupos parlamentares podem considerar que se justifica uma sua iniciativa legislativa ser discutida com carácter de prioridade ou que o debate de uma determinada matéria sobre outra forma regimental também deve ter lugar e ser-lhe conferida prioridade no agendamento.
Naturalmente, esta matéria carece de ter, depois, alguma tradução regimental. Creio que tem havido ultimamente alguma consideração de prioridades propostas por vários grupos parlamentares, mas nem sempre foi assim. Efectivamente, houve situações em legislaturas anteriores em que vários grupos parlamentares viram "hibernar" várias das suas iniciativas, embora…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Filipe, não lhe parece que esse interesse dos grupos parlamentares, sobretudo dos da oposição mas não só, em agendar matérias a que atribuem prioridade está protegido pelo n.º 3 do actual artigo 179.º? Qual é a função do n.º 3 do artigo 179.º se não justamente essa? Permite aos grupos parlamentares, a todos, agendar um determinado número…
O Sr. António Filipe (PCP): - Creio que permite essa possibilidade mas não a esgota, até porque este direito à determinação da ordem do dia, tanto quanto julgo saber, costuma funcionar mais como uma reserva de marcação, não necessariamente como uma atribuição de prioridade.
O Sr. Presidente: - É mais do que atribuição de prioridade!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É determinar, como a própria Constituição refere!
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, creio que o mecanismo do n.º 3 tem sido utilizado sobretudo para que os grupos parlamentares seleccionem, de entre as suas iniciativas, designadamente legislativas, aquelas em que consideram justificar-se serem eles próprios a impor potestativamente uma marcação da ordem do dia, tendo a reserva da ordem do dia e podendo, inclusivamente, impedir que outras iniciativas subam. Isso, aliás, tem sido feito.
Creio que se trata de algo diferente. É um pouco violento, perante um acontecimento que ocorra amanhã, por hipótese, e havendo um grupo parlamentar que entenda que o mesmo é de tal modo importante que deve ser discutido prioritariamente, obrigar esse grupo parlamentar a utilizar um dos agendamentos anuais a que tem direito - e são poucos, como se sabe - para que esse debate seja realizado. Pode tratar-se de uma matéria considerada prioridade por determinado grupo parlamentar, mas não é forçoso que seja uma iniciativa desse próprio grupo parlamentar.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, penso que existe a alínea c) do n.º 2 do artigo 183.º para esses casos que está a referir. O direito, esse, é potestativo e determinativo. Nessa alínea estatui-se: "Provocar, por meio de interpelação ao Governo, a abertura de dois debates em cada sessão legislativa sobre assunto de política geral ou sectorial;".
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, então, nesse caso, ainda penso que seria mais violento obrigar um
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grupo parlamentar a desencadear uma interpelação ao Governo,…
O Sr. Presidente: - Mas é para isso que existe, Sr. Deputado!
O Sr. António Filipe (PCP): - …com toda a solenidade que lhe está associada, desnecessariamente.
Creio que o facto de haver uma matéria que um grupo parlamentar considera dever ser discutida urgentemente, ter o direito de o propor e de obter alguma consideração para isso,…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, creio que o argumento está esclarecido.
O Sr. António Filipe (PCP): - …não obriga a que um grupo parlamentar tenha de gastar um dos seus agendamentos ou desencadear uma interpelação ao Governo. Aliás, esse debate até pode ser também do interesse do Governo!
Não é de excluir que os grupos parlamentares considerem que uma matéria é urgente e que o Governo até o reconheça. Portanto, seria um pouco violento obrigar ao gasto de uma interpolação ou de um agendamento.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas fazer um breve comentário e, depois, avançar uma sugestão.
O breve comentário visa apenas referir que não posso concordar com aquilo que foi dito pelo Sr. Deputado António Filipe, porque tal quase significa - perdoe-me a metáfora - querer ter todas as armas e não gastar nenhuma munição. Não faz sentido que a Constituição dê já um conjunto de instrumentos aos grupos parlamentares de uma forma perfeitamente clara e expressa, como o Sr. Presidente acabou de enunciar, tanto no n.º 3 deste artigo como mais à frente, numa alínea referente às competências próprias dos grupos parlamentares, e depois fecharmo-nos um pouco na posição de dizer "Bom, como não queremos gastar estes instrumentos, dêem-nos outro"! De facto, poderíamos ter argumento se disséssemos que gastamos todos estes instrumentos e depois ainda fica a faltar-nos mais qualquer coisa!… Era só este o comentário que queria fazer.
O único argumento de facto - e penso que a segunda intervenção do Sr. Deputado José Magalhães veio um pouco ao encontro da dúvida que eu tinha expressado na minha primeira intervenção à laia de interpelação aos proponentes sobre o conteúdo útil da sua proposta - é ter sido anuído pelo Sr. Deputado José Magalhães que, do ponto de vista dos proponentes, há aqui o interesse de colocar pelo menos num plano de igualdade os grupos parlamentares e o Governo.
Então, sugiro o seguinte, até porque penso que não estão em plano de igualdade (claramente, nesta matéria os grupos parlamentares estão num plano superior, do meu ponto de vista, porque a condução e a determinação da ordem do dia passa por eles): se é esse o único problema e a única vantagem útil, talvez seja melhor alterar o n.º 2 com o n.º 3 e, a seguir ao n.º 1, deixar expresso que todos os grupos parlamentares têm direito a determinar a ordem do dia, porque é isso o que aqui está dito, trata-se de um direito a determinar a ordem do dia. Depois, no final do artigo, uma vez que o Governo não é um parceiro parlamentar, não faz parte do universo de agentes parlamentares - é um agente estranho nesse sentido -, ficar residualmente estabelecido que ao Governo não cabe qualquer determinação, cabe apenas a possibilidade de solicitar prioridade, que, obviamente, como todos sabemos, terá de ser devidamente ajuizada e ponderada pelos próprios grupos parlamentares de acordo com os mecanismos regimentais que existem para esse efeito. Se esse é o único objectivo prático real de uma proposta como esta, talvez conseguisse ser atingido desta forma.
Terminava dizendo, Sr. Presidente, que mexer na redacção do actual n.º 2 acrescentando os grupos parlamentares, sem com isso retirar nenhuma consequência prática evidente e determinante a nível do Regimento, com franqueza, parece-nos uma não alteração, parece-nos uma forma de iludir a questão sem qualquer vantagem.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, ao ouvir o Sr. Deputado Luís Marques Guedes tem algum comentário a fazer?
O Sr. José Magalhães (PS): - Tenho, sim, Sr. Presidente. Vamos considerar estas observações, mas não gostaria que se esquecesse que a prioridade não é usada no direito parlamentar português no sentido vulgar. Tal como consubstanciada nos artigos 59.º e 60.º do Regimento em vigor, por exemplo, é alguma coisa que, constatada a existência de assunto nacional de resolução urgente, implica prejudicar todas as outras ordens do dia já estabelecidas, ou seja, interrompe e quebra as ordens do dia, com uma excepção: a prioridade não pode prejudicar a prioridade absoluta fixada no Regimento para matérias como a guerra e paz, estado de sítio, programa do Governo, dissolução dos órgãos das regiões autónomas, etc., ou seja, as matérias previstas nos n.os 1 a 7.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, isso não está em causa. O que está em causa é que pedir prioridade significa pedi-la, não ter o direito potestativo de a impor. Esse é o problema.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, quanto a esse problema valem as considerações que abundantemente fiz, ou seja, só numa concepção factualista da Constituição e do Regimento, que invalida a tal ponto a força dos normativos que é sempre possível a um resistente de língua afiada bramar contra uma maioria prepotente, não vale a pena considerar propostas destas.
O Sr. Presidente: - Claro!
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, efectivamente, uma proposta e uma disposição desta natureza não pode precluir ou prejudicar direitos regimental e constitucionalmente adquiridos. Não imagino que o facto de o Governo já poder solicitar prioridade para assuntos de interesse nacional possa, por exemplo, impor um debate ao abrigo desta disposição passando por cima de uma interpelação ao Governo já marcada.
Creio que a ordem do dia que temos hoje é um exemplo de que faz sentido haver uma disposição desta natureza.
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Hoje vamos ter um debate sobre um relatório de segurança interna, matéria que o Presidente do Grupo Parlamentar do PSD, numa das últimas reuniões plenárias, considerou ser da maior urgência que a Assembleia da República debatesse. Vamos ter depois um debate de urgência sobre matéria da droga, solicitado pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista (foi solicitado pelo grupo parlamentar. Embora seja o partido que apoia o Governo, não foi o Governo enquanto tal que o solicitou), que considerou muito urgente discutir esta matéria, havendo, pelos vistos, consenso na conferência de líderes para o efeito.
Portanto, este reconhecimento de que há matérias urgentes que devem ser discutidas com toda a brevidade é algo que funciona na prática (pelo menos nesta sessão legislativa tem funcionado na prática, mas nem sempre foi assim). Por isso mesmo faz todo o sentido reconhecer que não apenas o Governo deve ter o direito de chamar a atenção para esta urgência, também os grupos parlamentares devem poder fazê-lo, até porque na prática o fazem.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, a posição do PSD é intransigente ou admite reconsiderar a questão?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, é evidente que podemos reconsiderar. De resto, nesta fase o pano de fundo é sempre esse, porém, confesso que deste debate o PSD não ficou convencido da utilidade e da vantagem da proposta. Pelo contrário, como deixei claro, se não é para ter uma tradução regimental necessária, tememos que isto seja apenas um foco de equívocos e que vá no futuro apenas servir para baralhar o funcionamento interno da Assembleia da República sem vantagem para ninguém.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputados, devo concluir que o PCP está a favor da proposta e que o PSD manifesta a sua oposição, portanto, salvo convencimento ulterior do PSD, esta proposta mostra-se inviável.
Srs. Deputados, vamos passar ao n.º 3, relativamente ao qual foram apresentadas propostas pelo CDS-PP e pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro e outros Deputados do PS, esta última relacionada com a consagração do conceito de agrupamentos parlamentares. Considerá-la-emos num dos artigos próximos. A proposta do CDS-PP, a meu ver, é irrelevante, pelo que não a ponho à votação, até porque não estão presentes os proponentes.
Há dois novos números idênticos propostos pelo PS e pelo Sr. Deputado António Trindade e outra do PS, que visam conceder às assembleias legislativas regionais o poder de solicitar prioridade para assuntos de interesse regional de resolução urgente. Embora esta matéria tenha que ver com as regiões autónomas, creio que é destacável do regime geral das regiões autónomas, pois refere-se à ordem de trabalhos da Assembleia da República. Suponho que é altura de a discutir aqui, a não ser que a opinião da Comissão seja diversa.
Portanto, vamos discutir a proposta de aditamento de um novo n.º 4, apresentada pelo Partido Socialista.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, tanto esta proposta como a proposta do Sr. Deputado António Trindade e de outra Deputada do Partido Socialista visam o mesmo, e as razões são exactamente as mesmas, ou seja, dar também às assembleias legislativas regionais a possibilidade de solicitar prioridade para a discussão de assuntos que tenham relevância regional, que possam ter relevância nacional ou uma conexão relevante - a formulação, aliás, poderá variar - com os interesses das regiões autónomas, tal como são vistos e encarados por esses órgãos do governo próprio das regiões.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão à consideração as propostas do PS e do Sr. Deputado António Trindade, no sentido de conferir às assembleias legislativas regionais, na parte em que são competentes para ter iniciativa legislativa junto da Assembleia da República, a possibilidade de solicitarem prioridade para assuntos de interesse regional de resolução urgente. Talvez até tivesse merecido a pena discutir em conjunto as duas questões, pois não sei se o resultado da discussão anterior teria sido o mesmo.
Srs. Deputados, estão à consideração, repito, as propostas do PS e do Sr. Deputado António Trindade no sentido de dar às assembleias legislativas regionais o poder de solicitarem prioridade para assunto de interesse regional de resolução urgente. Portanto, trata-se de uma proposta paralela, por parte do PS, àquela que visava alargar o mesmo poder aos grupos parlamentares. Visa-se agora alargar também esse poder às assembleias legislativas regionais na parte em que a Assembleia da República seja competente para assuntos de interesse regional.
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o PSD vê com bastante agrado uma proposta desta natureza, que reforça o regionalismo autonómico, por isso mesmo nada tem a objectar, antes pelo contrário.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, não há alguma incongruência com a anterior argumentação no que se refere ao poder de os grupos parlamentares solicitarem prioridade para discussão urgente?
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Entendemos que não, Sr. Presidente, até mesmo tendo em consideração a representatividade e o que significam as assembleias legislativas regionais. Portanto, não vamos misturar as duas realidades.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, há pouco tive a oportunidade de intervir considerando que o direito de solicitar prioridade para a apreciação de determinados assuntos não fosse um exclusivo do Governo, mas também dos grupos parlamentares.
Digamos que não temos uma objecção de fundo ao que é proposto, embora a matéria do estatuto parlamentar das assembleias legislativas regionais seja algo que carece de alguma reflexão, pois creio que tal como está actualmente, em que é atribuído o direito de iniciativa legislativa mas depois não se estabelece qualquer outro mecanismo que permita às assembleias legislativas regionais acompanharem
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acompanharem as consequências dessa iniciativa, é algo que talvez careça de ser ponderado.
O Sr. Presidente: - Há propostas nesse sentido. Na altura própria analisá-las-emos.
O Sr. António Filipe (PCP): - Portanto, Sr. Presidente, creio que vale a pena enquadrar esta proposta nesse regime global que for estabelecido à partida. Não temos, assim, nenhuma objecção de princípio.
O Sr. Presidente: - Obviamente, o Partido Socialista não carece de acrescentar mais à carta que é a sua própria proposta. A proposta tem, portanto, o acolhimento do PSD e a abertura, a não objecção de princípio, do PCP.
Vamos passar ao artigo 180.º (Participação de membros do Governo). Para o n.º 1 foi apresentada uma proposta do PSD no sentido de acrescentar o direito dos ministros a participar nas reuniões das comissões. Têm a palavra os proponentes para justificar a proposta.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente e Srs. Deputados, esta proposta do Partido Social Democrata visa, no fundo, como o Sr. Presidente às vezes nos chama a atenção, transformar aquilo que actualmente é uma faculdade observada na prática, uma forma perfeitamente cooperante entre a Assembleia e o Governo, inscrevendo-se na lógica do funcionamento cooperante, num direito que passa a assistir aos próprios ministros.
É evidente - e queria deixar isto aqui claro - que não pretende o Partido Social Democrata que se mexa minimamente naqueles aspectos do Regimento, como já hoje existem, que colocam a diferenciação entre as reuniões normais de funcionamento das comissões parlamentares com as reuniões em que as comissões parlamentares assumem posições deliberativas, porque aí é evidente que há já, em termos regimentais, uma especificidade para esse tipo de situações, especificidade essa que o PSD não pretende pôr em causa. Quero deixar isto claro na explicitação da nossa proposta, porque é neste contexto que a mesma deverá ser interpretada.
A transformação da faculdade num direito tem a ver com o facto de entendermos claramente que é nas comissões que se desenvolve uma grande parte do trabalho parlamentar (e muitas vezes somos nós que o dizemos e também a própria comunicação social também o refere), é nas comissões que se desenvolve muitas vezes o trabalho parlamentar da mais alta dignidade e da mais alta qualidade em termos políticos e em termos técnicos, e se existe o direito de participação dos membros do Governo nos trabalhos parlamentares em Plenário esse direito deveria existir também nas comissões, onde, como nós todos somos os primeiros a reconhecer, esse trabalho existe com maior qualidade e profundidade.
Pensamos, portanto, que este direito trata-se de uma decorrência natural do empenhamento e da participação dos membros do Governo nos trabalhos parlamentares, pelo que, restringi-lo apenas à face visível em termos mais mediáticos, que é o Plenário, é convidar apenas o Governo para o espectáculo mais mediático - e digo-o sem qualquer intuito pejorativo -, dos trabalhos parlamentares e não lhe reconhecer esse mesmo direito para o trabalho muitas vezes mais sério e mais qualificado que se passa em 90% do tempo útil de funcionamento desta Assembleia em sede das comissões.
Portanto, a proposta do PSD inscreve-se neste entendimento apenas. Não pretendemos com isto pôr em causa minimamente quer a lógica regimental de funcionamento de comissões quer, muito menos, a lógica regimental das reuniões das comissões para votar matérias, para tomar posições deliberativas. Nada disso está presente no espírito desta proposta e, se houver alguma dúvida a esse respeito, estamos perfeitamente disponíveis para encarar qualquer alteração, ainda que ela não nos pareça necessária.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio ser útil propor que, juntamente com a proposta que consiste em dar aos membros do Governo o direito de comparecerem e participarem nos trabalhos das comissões, se faça a discussão das propostas comuns ao PS e ao PCP, no sentido de estabelecer um dever de participar, matéria que consta do n.º 3 do artigo 180.º. As propostas do PS e do PCP referem-se não só aos membros do Governo como também aos titulares de altos cargos da Administração Pública. Mas, para já, vamos deixar esta questão de lado e apenas discutir o estatuto dos membros do Governo em relação às comissões.
O PSD propõe que os membros do Governo tenham direito de participar enquanto que o PS e o PCP propõem que eles tenham o dever de participar quando solicitados.
Estão à discussão também as proposta do PS e do PCP.
Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, embora compreendendo a intenção e a ideia do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, parece-nos que o problema é exactamente inverso, pois o que existe hoje é a faculdade de as comissões convocarem os membros do Governo para participarem nas suas reuniões. Não estou a ver que um membro do Governo quisesse vir, e se impusesse como tal, legislar por exemplo na especialidade em sede de comissão. As comissões é que já têm sentido a necessidade da presença de um membro do Governo e, portanto, solicita a sua vinda - aliás a nossa proposta relativa ao n.º 3 vai nesse sentido, quando se refere "solicitar e obter a participação", e não só dos membros do Governo. Mas conferir, desde logo, um direito aos membros do Governo para estarem presentes por sua própria iniciativa na comissão…
O Sr. Presidente: - E sem que a comissão se possa opor!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Exactamente! Nessa circunstância, a comissão não se pode opor, porque no Plenário os Deputados não se podem opor a essa presença.
Por exemplo, um membro do Governo pode (e já o fez na anterior sessão legislativa) querer intervir no período de antes da ordem do dia, inscreve-se, tal como qualquer Deputado, e intervém, não podendo ser impedido de o fazer. Isso parece-nos certo em sede de Plenário.
Em sede de comissão, parece-nos que semelhante situação não deve ser admitida. Não quero dizer, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, que seja mais um afloramento ligeiríssimo de uma certa ideia de governamentalização,…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Lá está o complexo!
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O Sr. Osvaldo Castro (PS): - … mas não estou a ver, por exemplo, o Sr. Ministro da Presidência exigir e querer vir aqui discutir a revisão constitucional!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas o Sr. Ministro do Planeamento e o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus fartam-se de pedir para vir à comissão!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Pedem, mas a respectiva presença depende da aceitação da comissão!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Actualmente não têm esse direito!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Essa já é outra questão! Caso haja um pedido, tudo bem, e, em geral, até haverá acolhimento favorável. Aliás, em muitos casos há interesse da própria comissão (o que tem acontecido frequentemente) em solicitar a vinda dos ministros. Mas não nos parece adequado que eles tenham esse direito de per si e, portanto, não abrimos essa possibilidade.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, parece-me que a proposta do PSD, por um lado, e as propostas do PS e do PCP, por outro lado, são dificilmente conciliáveis.
Relativamente aos trabalhos em Plenário a situação é clara e tem funcionado. De facto, o Governo tem o direito de se fazer representar em Plenário e de intervir, e tem-no feito quando muito bem entende, tem gerido esse direito inscrevendo-se na ordem do dia para participar nos debates em que estão em causa iniciativas suas ou para intervir em iniciativas de outros grupos parlamentares.
Em comissão as coisas funcionam ao contrário, isto é, os membros do Governo participam quando devem participar (e normalmente até participam), quando a comissão o solicita, por proposta de alguns dos seus Deputados ou por consenso entre os vários grupos parlamentares. Mas não estamos a ver que seja adequada uma situação em que o Governo participe por direito próprio regularmente nas comissões, tal como acontece em Plenário - creio, aliás, que seria impraticável a existência de uma participação regular dos membros do Governo nas comissões como um agente parlamentar, tal como são os grupos parlamentares. Creio que seria impraticável para o próprio Governo que o Sr. Ministro da Administração Interna ou o Sr. Ministro da Justiça, ou um dos Secretários de Estado destas áreas, estivesse presente em todas as reuniões da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, em que matérias relativas a essas áreas são discutidas. Mas sempre se poderia argumentar que o Governo geriria isso como entendesse.
Em todo o caso, não me parece que fosse adequado que na discussão, na especialidade, de uma iniciativa legislativa de uma determinada área, para além da presença dos membros do Governo requerida pela comissão para prestarem esclarecimentos quanto a uma eventual iniciativa legislativa do Governo que esteja em discussão, o Governo participasse na discussão em pé de igualdade com os grupos parlamentares, não tendo depois direito a voto, como é evidente. Penso que se trataria de uma invasão por parte do Governo de uma esfera de funcionamento que é própria e exclusiva dos Deputados e dos grupos parlamentares, que é a discussão na especialidade de iniciativas legislativas.
Creio, pois, que esta proposta do PSD extravasa o estatuto parlamentar que deve ser conferido aos membros do Governo e faz todo o sentido, a nível das comissões, que, a solicitação das comissões, exista uma vinculação do Governo a estar presente quando as comissões o entendam, com todos os ajustamentos que a prática imponha em termos de agenda. Era importante clarificar o direito, não que os governos se tenham eximido a isso, já que a ideia que tenho é que, havendo solicitações da presença de membros do Governo em comissões, estes, regra geral, têm acedido, embora surjam por vezes problemas, por exemplo ministros que se fazem substituir pelos secretários de estado, por vezes com algum desagrado por parte da comissão respectiva. Até por isso penso que era importante consagrar o dever de comparência e de participação de membros do Governo em comissões quando tal for solicitado, o que não creio que seja compatível com a atribuição, por direito próprio, aos membros do Governo, da participação nos trabalhos das comissões
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra à Deputada Maria Eduarda Azevedo, proponho o seguinte: a única norma quanto às relações dos membros do Governo com as comissões é a do actual n.º 3 do 180.º, que estabelece que as comissões podem solicitar a presença de membros do Governo nos seus trabalhos.
O PS e o PCP propõem que os membros do Governo tenham o dever de comparecer sempre que solicitados e o PSD propõe que eles tenham o direito, solicitados ou não, de participar nas reuniões das comissões. Penso francamente que a proposta do PSD é excessiva, para não dizer esdrúxula e incomportável. Mas penso que, apesar de tudo, pode colher-se dela um valor, que é pelo menos o facto de ser dado aos ministros um direito de solicitarem a sua presença.
Portanto, sem prejuízo da defesa que os Deputados possam fazer da sua proposta, proporia uma alternativa que possa fazer-nos avançar, que é a consagração simultânea do dever de participação dos membros do Governo, quando solicitados, e o direito de solicitarem a sua presença, obviamente, substituindo esse direito de solicitar a participação pelo direito de participar, que o PSD propõe.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Parece-nos, aliás, que isso corresponde ao que é a prática de hoje!
O Sr. Presidente: - Não sei qual é a prática, estou a falar de um equilíbrio arquitectónico quanto à relação entre o Governo e as comissões que, sob o meu ponto de vista, me parece ser melhor.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, não sei se a proposta é esdrúxula ou não, mas, de qualquer modo, independentemente da acentuação, penso que ficou claro, até mesmo na intervenção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, que o direito de participar que sugerimos como redacção futura para o n.º 1 do artigo 180.º não significa imposição. Portanto, de qualquer maneira, as comissões terão sempre, no caso de a proposta ser acolhida nesta formulação ou numa formulação
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mais soft apresentada pelo Sr. Presidente, de se pronunciar pela oportunidade e conveniência da participação de membros do Governo.
Acontece que, ao contrário do que o Sr. Deputado Osvaldo Castro disse, não há qualquer complexo do PSD relativamente a uma eventual governamentalização, porquanto são membros do actual Governo e os casos apontados são dois de entre muitos que têm ocorrido no sentido de serem os próprios a estarem interessados em participar nas reuniões, um por circunstâncias que decorrem da participação de Portugal na Conferência Intergovernamental, outro por outros motivos também relacionados com questões europeias. É um dado adquirido, e não sei de que lado está o complexo, por isso o melhor que temos a fazer é uma catarse desses mesmos complexos.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr.ª Deputada, eu não disse de qual governo, disse dos governos!
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Mas provavelmente estaria a dar uma indirecta a um Governo do PSD, o que seria razoável, dentro da lógica da oposição partidária.
Quanto à questão do dever, mencionada pelo Sr. Presidente, afigura-se-me perfeitamente curial mencioná-la nos termos em que o fez. Afigura-se-me igualmente que a formulação que adiantou relativa ao direito de solicitar a participação, ao nível do n.º 3 do artigo 180.º, é consonante com a nossa pretensão e, portanto, em termos de ratio legis estamos sintonizados. Certamente ponderaremos apenas uma formulação em termos de redacção e não propriamente de substância, porque, como disse, há uma consonância evidente e manifesta, o que se constata pelo que disse o Sr. Deputado Luís Marques Guedes (e eu própria também já tive oportunidade de o referir).
O direito de participar não significou para nós, quando apresentámos esta proposta, uma imposição contra todos e contra tudo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de referir dois aspectos.
Devo dizer, em primeiro lugar, que a proposta que o Sr. Presidente apresentou tem toda a lógica, pelo que temos à partida uma posição receptiva relativamente a ela. Em segundo lugar, gostaria de fazer referência também ao facto de tanto na proposta do PCP como na do PS, segundo vejo, haver uma referência…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já lá vamos. Para já, deixei de lado a questão dos altos cargos na Administração Pública, discuti-la-emos à parte para não a misturar com a questão que tinha sido trazida pela proposta do PSD.
Algum dos Srs. Deputados do PS se quer pronunciar sobre a sugestão que avancei?
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Tal como referi, Sr. Presidente, parece-nos que, no essencial, a sua sugestão acolhe aquela que é hoje uma realidade. A participação nas comissões deixa de ser um direito próprio dos membros do Governo, embora eles a possam solicitar - é, aliás, o que vem sucedendo - e, portanto, não temos nada a objectar à formulação que V. Ex.ª sugeriu.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, sem prejuízo da formulação, ficaríamos com um acordo de princípio nesta base: o actual n.º 3 seria alterado de modo a consagrar o dever de participação dos membros do Governo nas comissões, quando solicitados, e o direito de, por sua iniciativa, solicitarem a possibilidade de participarem nos trabalhos das comissões.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, pareceu-me que o PSD se tinha oposto à consagração do dever de comparência.
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Pelo contrário, aplaudimos!
O Sr. António Filipe (PCP): - Então, foi equívoco da minha parte.
O Sr. Presidente: - Penso que é de aplaudir a possibilidade de encontrar soluções que, não sendo absolutamente coincidentes com as propostas, aproveitam uma boa parte do seu espírito.
Srs. Deputados, deixando de lado a questão do n.º 3, na parte ainda não considerada, passamos ao n.º 2, para o qual foram apresentadas propostas pelo PS, pelo PCP e pelo Deputado João Corregedor da Fonseca.
O PS propõe que se retire a referência às perguntas formuladas por escrito e o PCP propõe que a norma passe a impor um período quinzenal de question time, isto é, de perguntas ao Governo.
Segundo a proposta do Partido Socialista, o n.º 2 do artigo 180.º passaria a estatuir o seguinte: "Serão marcadas reuniões em que os membros do Governo estarão presentes para responder a perguntas e pedidos de esclarecimento dos Deputados formulados oralmente, (…)", onde a norma actual estabelece: "formuladas oralmente ou por escrito". É esta apenas a alteração.
Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a nossa proposta é apenas no sentido de suprimir a ideia de que as perguntas tenham de ser formuladas por escrito, procurando privilegiar a ideia da oralidade em Plenário. Claro que isto implicará, do nosso ponto de vista, subsequentes alterações em sede regimental: hoje, as perguntas são formuladas por escrito, geralmente com uma antecedência de uma semana, e de um conjunto de perguntas apresentadas o Governo selecciona umas tantas às quais responde.
Embora não tenhamos ainda esta experiência, pensamos que seria mais importante, dando mais vivacidade ao Plenário, que os ministros fossem confrontados com a pergunta oral. É evidente que, em sede regimental, é preciso determinar claramente quais são os ministros que vão estar presentes, já que não é o Governo por inteiro. Ou seja, em sede regimental, tem de se fazer essa adequação.
O Sr. Presidente: - Aliás, esse é o regime que vigora hoje. O PS não propõe alteração nesse ponto!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - No entanto, o sentido da proposta era o de que a questão fosse apresentada tão-só oralmente, sem a prévia indicação escrita do tipo de pergunta a fazer.
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Como disse, do nosso ponto de vista, tal implicará que sejam feitas algumas alterações regimentais no sentido de adequar devidamente a situação, já que este tipo de perguntas ao Governo não poderá ser de uma especialização tal que o ministro, estando desprevenido, não possa responder. Não se trata de perguntas de âmbito local ou regional (como são muitas vezes as perguntas hoje formuladas por escrito, que acabam por excessivamente localizadas), mas de perguntas de política geral, a que, obviamente, a essas sim, o ministro deverá estar habilitado a responder.
O Sr. Presidente: - Nesta parte, o PCP propõe o mesmo que o PS, isto é, o princípio da oralidade, eliminando as perguntas por escrito, mas estabelece que as reuniões sejam quinzenais.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, de facto, a norma compreende dois aspectos, mas creio que o mais importante é o da oralidade, por razões que já explicitarei.
Quanto à consagração quinzenal, parece-nos que tem alguma importância que seja estabelecido algo em termos de periodicidade, porque a experiência que existe é que há longos períodos sem sessões de perguntas ao Governo, ainda que esteja a ser feito um esforço para regularizar esta situação, já que vamos ter uma sessão de perguntas de sexta-feira a oito dias…
O Sr. Presidente: - O Regimento não fixa a periodicidade?
O Sr. António Filipe (PCP): - Tenho ideia que o Regimento fixa…
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não, a Constituição estabelece o seguinte: "Serão marcadas reuniões em que os membros do Governo estarão presentes para responder a perguntas (…)".
O Sr. Presidente: - Deve haver imposição, a Constituição obriga a que haja, a não ser que o Deputado Silva Marques tenha conseguido ilidir essa obrigação constitucional!…
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - São efectuadas em reuniões quinzenais.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, creio que tem havido algum consenso nesta Casa no sentido de que a quinzenalidade seria o tempo adequado, mas este princípio tem sido muito quebrado e, de facto, passam-se meses sem que haja qualquer sessão de perguntas ao Governo. Portanto, valia a pena, em nossa opinião, que houvesse uma fixação da periodicidade na Constituição.
Quanto ao outro aspecto, isto é, o da eliminação da formulação das perguntas por escrito, a sua formulação tem que ver com algum desvirtuamento desta regra que tem levado a que estas sessões de perguntas ao Governo estejam tremendamente desvalorizadas. A forma como funciona é a seguinte: uma semana antes, como disse o Sr. Deputado Osvaldo Castro, os grupos parlamentares informam o Governo de uma listagem de perguntas que queriam ver respondidas, e o Governo, depois, durante a semana que se segue, em função da enunciação escrita das perguntas, selecciona aquelas a que quer dar resposta. E passam-se situações absurdas!
Há aquelas situações compreensíveis em que o membro do Governo está numa reunião de ministros noutro país e, portanto, não pode estar presente, mas há situações em que um membro do Governo está cá e responde a uma pergunta e não responde a outra das que lhe foram formuladas. Portanto, creio que a eliminação da apresentação das perguntas por escrito valorizaria muito as sessões de perguntas ao Governo e daria uma outra dimensão ao papel fiscalizador da Assembleia da República relativamente à actuação do Governo.
O que faria sentido é que se estabelecesse uma sessão de perguntas ao Governo, ficando previamente definido quem seriam os membros do Governo que estariam presentes nessa sessão, e seria dada a possibilidade, em termos a definir no Regimento, de os Deputados questionarem os membros do Governo sobre a sua actuação e sobre a política a ser desenvolvida pela área respectiva. Da forma como as coisas estão a funcionar agora, há uma grande tendência para resvalar para a pergunta relativa a uma determinada localidade, a um problema pontual, com grande desvalorização da figura das perguntas ao Governo. Creio, por isso, que valeria a pena aproveitar esta revisão constitucional para actualizar e dar um sentido mais útil e positivo às sessões de perguntas ao Governo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão à discussão estas duas propostas de alteração do regime constitucional do question time, a primeira no sentido da oralidade e da imediaticidade e uma outra no sentido da constitucionalização do prazo regimental que, suponho, já está fixado em quinze dias.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, relativamente à questão de constitucionalizar a periodicidade, afigura-se-nos que haverá todo o interesse. Não temos qualquer dúvida em afirmá-lo, independentemente daquilo que o Regimento estabelece, dado que a prática, por vezes, não é absolutamente conforme. Quase que diria que a prática parlamentar poderá ser, se é que se pode dizer, inconstitucional nessa medida, e para deixar de o ser haverá uma baliza temporal rigorosa.
Quanto à questão de omitir a expressão "por escrito", solicito um esclarecimento ao Sr. Deputado Osvaldo Castro e ao Sr. Deputado do PCP no seguinte sentido: a partir do momento em que se deixe cair a expressão "por escrito", como resolver a questão de saber sobre que matérias é que os membros do Governo vão ser interpelados, se é sobre toda a matéria da delegação de competências que receberam, ou, pelo contrário, também vai haver uma delimitação de matérias? E, havendo uma delimitação de matérias, poderemos cair exactamente no mesmo problema que acabou de citar!
Além do mais, para obviar ao problema que suscitou, penso que não será por se reformular o modo de interpelar o Governo, oralmente ou por escrito, que se resolverá a questão; será antes fazendo crer ao Governo que tem de responder efectivamente às questões e de uma forma transparente, clara e efectiva, porquanto a forma que mencionou pode fazer-nos cair em debates de pura generalidade que não adiantam a ninguém e que não vão, certamente, beneficiar e reforçar nem o diálogo entre os dois órgãos
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de soberania, nem o nível desse mesmo diálogo, nem a informação que o Governo possa querer transmitir.
Em termos mais sintéticos, a primeira questão que coloco é a do modus faciendi e a segunda é se, efectivamente, não poderemos estar a cair numa banalização dessas mesmas interpelações a partir do momento em que ficaríamos em factos gerais, tão simplesmente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, a Sr.ª Deputada Eduarda Azevedo decepcionou-me, porque concedeu no acessório e manifestou reservas quanto ao principal, e de nada serve estabelecer uma periodicidade quinzenal…
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Isso depende das prioridades, Sr. Deputado!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - ... se a utilidade da reunião não for relevante do ponto de vista do controlo da actividade governamental pela Assembleia.
Eu até diria, à margem do debate constitucional, que já se ganhava muito se as reuniões não fossem à sexta-feira, pelo menos os Deputados estariam presentes a ouvir as perguntas e as respostas, coisa que hoje não acontece. E também não acontece, obviamente, pela falta de interesse que têm normalmente as ditas reuniões de perguntas e respostas, porque quase só falta que se transformem em reuniões de apresentação oral de requerimentos em que as respostas também são posteriormente fornecidas por escrito.
Aliás, se alguma crítica devia fazer-se às propostas do PS e do PCP - e, pela minha parte, faço-a pessoalmente - é a de que elas são muito tímidas, designadamente por não estabelecerem um dever de resposta, permitindo que o próprio Regimento, até pelas dúvidas que levantou, condicione, nomeadamente fixando as matérias restritamente, de tal maneira que não haja grande diferença em relação àquilo que acontece hoje, com a circunstância de as perguntas serem formuladas antecipadamente e por escrito.
Quanto à sua dúvida, Sr.ª Deputada, julgo que ela se resolve muito facilmente - não é esta a sede para a resolver, seguramente -, dando aos grupos parlamentares, na proporção das perguntas a que têm direito (e o Regimento, hoje, já estabelece isso), o direito de convocar um qualquer membro do governo sem determinação de matérias específicas, porque, como disse, obrigar-se à determinação prévia da matéria restringe de tal modo a margem de manobra de quem faz a pergunta, que, porventura, a diferença não será muito grande em relação àquilo que se passa actualmente com a circunstância de as perguntas serem formuladas por escrito.
Aliás, julgo que nesta matéria grande parte da experiência recente, designadamente da experiência vivida nas legislaturas anteriores em que havia um governo de maioria absoluta, revelou que esta é uma das áreas em que havia vantagem em caminhar no sentido dos tradicionais mecanismos de controlo parlamentares dos sistemas parlamentares puros, porque a verdade é que nós não vivemos num sistema parlamentar puro, dado que se vivêssemos, provavelmente, esta questão nem se colocaria.
O PSD, pelos vistos, até pela anterior proposta que discutimos, só adopta técnicas semelhantes à dos sistemas parlamentares puros quando isso significa um reforço da posição do governo, que nos sistemas parlamentares se justifica, designadamente, no que se refere ao direito de participação nas comissões, até pela circunstância de os membros do governo continuarem a ser parlamentares, apesar de serem membros do governo, coisa que não acontece no nosso ordenamento jurídico-constitucional.
Portanto, nesta matéria, julgo que é essencial garantir - e, depois, julgo que o modus faciendi, apesar de tudo, é uma questão de pormenor - a autenticidade do mecanismo de controlo da actividade governamental,...
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Aí, estamos plenamente de acordo!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - ... e essa autenticidade só se garante se os membros do governo não tiverem a faculdade de escolher as perguntas a que respondem, criando, nomeadamente, situações caricatas, como aquelas que o Sr. Deputado António Filipe referiu, de um membro do governo vir à Assembleia da república responder a uma questão que lhe interessa responder e recusar-se a responder a outra que não lhe interessa responder.
Mais do que a periodicidade, julgo que o fundamental é garantir que o membro do governo não possa escusar-se a responder às questões, e a via encontrada para tal foi a de impedir que as perguntas fossem feitas por escrito, sendo-o apenas oralmente. Não sei se é suficiente, no sentido em que não sei se fica claro no texto constitucional que o que se visa é estabelecer o dever de responder às questões, independentemente da prévia fixação da ordem do dia.
A fixação da ordem do dia, nesse caso, deve ser feita com generalidade e abstracção (perguntas ao governo) e, obviamente, a única restrição que o Regimento tem de "encontrar" é a de não obrigar todos os 15 ministros, ou os 50 secretários de estado, a vir nesse dia à Assembleia da República e estabelecer que cada grupo parlamentar, em função do que entende ser os assuntos de interesse político do momento, tem o poder de suscitar a presença do ministro a ou b, como, aliás, acabámos de reconhecer em relação às comissões.
Se reconhecemos que a comissão pode solicitar a presença de um ministro ou de um membro do governo e que ele não pode escusar-se a comparecer - nada diz, no artigo, que se tem de dar-lhe a conhecer, previamente, qual é o assunto sobre o qual vai ser questionado, embora isso deva acontecer, até por razões de cordialidade. Supondo que não é um puro acto de controlo mas um acto de cooperação no exercício da função legislativa -, no que respeita às perguntas e respostas, julgo que o essencial é garantir esse princípio.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, sinceramente, nenhuma vantagem vejo nas propostas, por uma razão muito simples: a questão da periodicidade já está adquirida. Não creio que estando prevista no Regimento a periodicidade quinzenal alguma maioria, por mais absoluta que fosse, ousasse propô-la para um ou dois meses ou tirasse a periodicidade. Portanto, politicamente, não vejo que seja necessário alterar a Constituição por esse motivo.
Quanto à proposta de as perguntas serem formuladas oralmente e não por escrito, sinceramente, nenhuma vantagem vejo. Por que é que os Deputados não hão-de prevalecer-se
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do direito de fazerem previamente a pergunta por escrito, para permitir aos membros do governo prepararem-se, encontrarem números, desde que, depois, o Deputado tenha possibilidade de "recarregar", de pedir esclarecimentos, etc.? Ou se retira, pura e simplesmente, a expressão "formuladas oralmente"… Não me parece que seja uma boa solução retirar o direito de fazer perguntas por escrito, pois penso que os Deputados e o Regimento devem manter a possibilidade de fazer as perguntas oralmente ou por escrito, de acordo com a sua vontade.
O problema que existe hoje - e ele não se resolve através da Constituição, porque a Constituição não é um bom local para alterar o Regimento - é que o Regimento permite que se faça um número de perguntas maior do que aquelas a que o Governo tem o dever de responder. A solução correcta é que os Deputados dos grupos parlamentares tenham direito a uma quota de perguntas e que o governo não tenha direito de escolha. Isto é, o governo responde, ou não, às perguntas que lhe são feitas, mas não tem direito de escolhê-las.
Também não se pode consagrar um dever de responder, o silêncio, a não resposta, é politicamente "valorizável".
O que há de mau no actual regime é o direito de escolha, isto é, é dar ao membro do governo quatro perguntas para ele escolher duas, ou dar-lhe cinco para ele escolher três. Isso é que deve acabar rapidamente! Mas isso é uma questão regimental e não devemos utilizar a Constituição para corrigir os entorses de regimentos feitos para facilitar a vida aos governos.
Pela minha parte, sinceramente, nenhuma vantagem vejo em alterar o n.º 2 do artigo 180.º. Ficar-me-ia por aqui, por um princípio de economia de alterações da Constituição, mas os Srs. Deputados têm a palavra.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Cláudio Monteiro, provavelmente não fui clara quando me exprimi, mas concordo inteiramente com aquilo que disse, e agora o Sr. Presidente fez uma síntese perfeita.
O que deve estar em causa é a forma como as perguntas são respondidas e não propriamente como são feitas, porque se eu quiser interpelar o ministro x em relação a uma determinada matéria (estou a pensar, por exemplo, no que se vai fazer em matéria de main streaming) posso fazê-lo por escrito ou oralmente, à luz do que estabelece a Constituição, mas o ministro - e eu só lhe faço uma pergunta - pode fazer o que quiser, fugir à questão, não me respondendo, ou responder-me, isso quer eu lha faça por escrito ou oralmente. Portanto, a questão coloca-se quanto ao modo de resposta e não quanto à forma como a pergunta é feita.
Concordo inteiramente com o que o Sr. Presidente disse, ou seja, que é dada tal faculdade aos membros do Governo, os quais, porque não são patetas, têm traquejo e sabem como fugir às questões, fazem como qualquer pessoa, isto é, seleccionam a que lhes dá jeito responder, e é isso mesmo que acontece.
Ora, a grande batalha deve ser a de estabelecer balizas, que, sem serem absolutamente constrangedoras, não permitam exercícios de retórica. Isto porque, no fundo, são esses exercícios de retórica que fazem com que à sexta-feira haja poucos Deputados no Plenário, porque pensam que a sessão de perguntas ao Governo não lhe diz muito (não vou dizer que não diz nada, mas não diz muito, pelo menos à generalidade). Essa é que deve ser a grande batalha e não propriamente a forma! Até porque a actual redacção do n.º 2 do artigo 180.º é suficientemente abrangente, nela cabe tudo, cabe a forma oral e a escrita. Portanto, se se concluir que por escrito é mais perverso, optamos pelo oral, se, pelo contrário, pensarmos que a forma oral é melhor, então, não utilizamos a forma escrita e vice-versa.
Penso que retirar qualquer uma das faculdades é estar amputar, sem qualquer mérito, podendo, inclusive, cair-se no tal debate de generalidades, diria mesmo, de coisas sem muito interesse, apenas para gastar tempo. E sabemos que nesta Casa, obviamente, o tempo é soberano, uma vez que há grelhas de tempos, e isso também é fundamental respeitar e ter presente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, começo por dizer que concordo com alguns dos pressupostos da intervenção do Sr. Presidente, mas não concordo com a conclusão - se concordasse, não tinha, obviamente, na minha intervenção anterior, defendido a alteração constitucional que é proposta, embora admitisse que ela poderia ter uma formulação diferente -, até pela simples razão de que já hoje, no artigo 159.º, se consagra, genericamente, o direito de os Deputados fazerem perguntas ao governo e o dever da resposta. E isso tem, regimentalmente, duas traduções: ou através de requerimento escrito, ou através de sessões da interpelação directa do Governo, em Plenário. O que questiono é que haja interesse em fazer perguntas por escrito nas sessões de interpelação directa, em Plenário.
Não julgo que se deva retirar o direito de fazer perguntas por escrito, sobretudo quando elas têm complexidade e, porventura, exigem uma resposta mais técnica e menos política, mas penso que isso está salvaguardado pela circunstância de continuar a ser possível aos Deputados formular essas perguntas por escrito e de continuar a haver um dever do governo de responder. Aliás, curiosamente, há direito de resposta neste caso, mas não há dever de resposta no outro, porque se eu fizer uma pergunta numa sessão de perguntas ao governo, em Plenário, não tenho o direito de ver a minha pergunta respondida, mas se eu fizer um requerimento tenho esse direito.
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Mas não tem debate, por exemplo, o que é um aspecto fundamental!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Por isso mesmo, Sr.ª Deputada, julgo que é fundamental, enquanto mecanismo de controle da actuação governativa, já que a Constituição prevê expressamente o mecanismo da sessão de perguntas e respostas - e penso que bem -, garantir a "imediatividade", e ela só se garante se as perguntas forem feitas no próprio momento, oralmente, e sem haver possibilidade de fuga formal à resposta.
Se me diz que qualquer pessoa pode fugir à resposta, no sentido de que pode escusar-se a responder, esse é um custo que tem, por que o que é fundamental, enquanto mecanismo de controlo, neste caso concreto, é a circunstância
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de a reunião ser pública e, sendo-o, ser do conhecimento imediato de todos e obrigar à resposta no próprio momento.
Os requerimentos, como também sabem, às vezes são respondidos na semana seguinte, outras vezes seis meses mais tarde, não obstante os prazos regimentais que possam estar estabelecidos. Além do mais, são respondidos no segredo dos gabinetes, através de um ofício do chefe de gabinete do ministro, para não dizer que também fogem às respostas frequentemente…
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Isso é injusto, Sr. Deputado!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não é injusto, é assim que se passa! Era assim que se passava anteriormente e,…
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Não, não era!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - … salvo o devido respeito, é assim que continua a passar-se.
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Não, não era!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, proponho que não se entre em diálogos e, sobretudo, que não se prolongue uma discussão.
Creio que os argumentos estão produzidos, vamos ao que interessa.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, eu estava inscrito.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, com todo o respeito pela sua muito…
O Sr. Presidente: - Peço aos partidos que considerem separadamente as duas questões, tomando posição, primeiro, quanto à questão de periodicidade e, depois, quanto à questão da oralidade.
Sr. Deputado, se quiser sistematizar a sua intervenção, com base nesta…
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, serei muito breve.
Creio que esta questão não é tão regimental quanto o Sr. Presidente assevera. Penso que podemos estar a desperdiçar uma oportunidade de dar maior vivacidade ao Parlamento e de o prestigiar mais.
O que é que acontece actualmente, Sr. Presidente? Quando há uma "grossa" questão, às vezes suscitada pelos media, a tendência é pedir, nas comissões, que venha cá o ministro tal, o da comunicação social, o da administração interna, o da justiça, etc… Ao procurarmos retirar a ideia de que as perguntas têm de ser apresentadas por escrito, o que leva a um mecanismo regimental de prévio conhecimento, visamos a imediação, o que forçosamente, em sede regimental, obrigará a que a conferência de líderes, em função das solicitações dos partidos, seleccione os ministros que estarão presentes.
Se sexta-feira não fosse feriado, e se este sistema estivesse em funcionamento, provavelmente, na terça-feira, a conferência de líderes teria agendado a presença do Sr. Ministro das Finanças na Assembleia, e a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo iria perguntar-lhe: "Diga-me cá, vai ou não vender o ouro?". É este o sentido! De facto, se esta pergunta tivesse sido formulada por escrito, tal como é dito, o Sr. Ministro das Finanças poderia cá vir responder a uma questão que fosse agradável e não ter seleccionado a da Sr. ª Deputada, caso contrário não pode.
Sr.ª Deputada, a senhora diz que as pessoas são experientes e podem fugir às questões…
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Não, não digo!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Se esta situação das perguntas ao Governo for prestigiada é evidente que um membro do governo que fuja à pergunta, de modo capcioso ou de outro modo, estando a comunicação social e os Deputados presentes, terá a sua sanção!
O sentido da nossa proposta é acabar com uma concepção perfeitamente burocratizada, hoje existente, da qual resulta, de facto, o "desvazio" das sextas-feiras, e permitir que sejam colocadas questões sobre uma situação de urgência que surge na própria semana.
Ao dizermos que as perguntas são formuladas oralmente, não queremos significar que o Deputado não pode ler um papel mas, sim, que não é obrigado a apresentar o tema por escrito, com antecedência. Por isso é que terá, em sede de Regimento, que haver um tempo determinado para que a conferência de líderes determine - de terça-feira a sexta-feira, com um período de pouco mais de 48 horas - que foi solicitada e ficou assente a vinda dos ministros a, b e c, para responder a perguntas, duas do PSD, uma do PCP, três do PS, enfim, de acordo com a proporcionalidade.
Mas o membro do governo o não tem de saber ao que vem, porque quando se desloca à comissão numa dessas situações não o sabe, imagina, obviamente, pela vida política, que o vão questionar sobre tal ou tal situação. Isto pode tornar muito mais vivo, pode prestigiar…
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - E pode ter o efeito perverso!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Também pode, Sr.ª Deputada. Admito perfeitamente que possa ter, e foi por isso que eu disse, no princípio, que há coisas que terão de ter alguma rearrumação, em sede regimental, mas parece-me que, em termos constitucionais, será diferente - com o devido respeito, Sr. Presidente - manter o artigo tal como está ou consagrar a oralidade. Há parlamentos onde as coisas sucedem assim (creio que não dou uma novidade), nomeadamente no inglês, onde o Primeiro-Ministro é confrontado com as mais diversas perguntas.
Quanto à necessidade de constitucionalizar a periodicidade quinzenal para as sessões de perguntas ao governo, parece-me que isso é matéria de Regimento. Mas, mesmo assim sendo, o facto é que, por vezes, a sua realização é impossível, razão pela qual, creio, se a periodicidade estiver consagrada na Constituição a força é outra. Quanto a isso, não tenho uma objecção absolutamente fundada, mas tenho alguma dúvida sobre se haverá ou não necessidade de proceder a esta constitucionalização.
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Considero que nós desperdiçamos uma fórmula de prestigiar o Parlamento, de fiscalizar os actos dos membros do governo mais em cima da situação, se não estabelecermos que as nossas perguntas são de natureza oral.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo. Peço-lhe que seja breve.
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, serei breve.
Sr. Deputado Osvaldo Castro, quanto à questão do prestígio da Assembleia da República e da fiscalização acutilante sobre o Governo, nós concordamos plenamente, e também concordamos relativamente ao diagnóstico quanto à prática actual.
Contudo, passo a colocar-lhe uma questão. Deu-me um exemplo, enfim, numa lógica facilitista, sobre uma situação destas, ao dizer que o Ministro das Finanças vem a esta Casa para ser questionado e é questionado de supetão. Agora, deixe-me ir para uma área, que por razões conhecidas me é particularmente próxima, que é a da justiça.
Imagine que o Ministro da Justiça vem cá - obviamente que vai ser questionado sobre questões da justiça - e não traz, por exemplo, e é muito natural que não o faça, elementos sobre as prisões, sobre as organizações tutelares de menores, etc., e para responder condignamente ele deveria socorrer-se de elementos concretos. Pensa que ficará satisfeito com a resposta ele lhe vai dar?
O Sr. Presidente: - A resposta que ele lhe vai dar é de que não tem elementos!
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Vai dizer que não tem os elementos,…
Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não, não!
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - … a menos que traga todo o staff com ele!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Exactamente!
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Nesse caso, formulada a pergunta, ele responde-lhe dizendo: "Vamos interromper a sessão, porque tenho de perguntar ao meu director-geral, ao meu assessor, ou a não sei quem…". Penso que até a própria imagem que daí adviria não seria propriamente…
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr.ª Deputada, em sede regimental, o problema pode ser ultrapassado. Permite-me a explicação, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr.ª Deputada, em sede regimental, o problema pode ser ultrapassado, porque admito que, no início da sessão, às 10 horas, seja comunicado o teor das perguntas e que exista um período em que o ministro, - embora eu tenha muitas dúvidas de que um ministro numa situação destas não venha munido de elementos…
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - À exaustão?!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não é à exaustão Sr.ª Deputada!
O que sucede hoje é o seguinte: o Deputado dispõe de 3 minutos para formular a pergunta e pode fazer uma "recarga" por 1 minuto; depois, cada um dos Deputados, dos outros partidos, dispõe de 1 minuto para pedir esclarecimentos, e o ministro tem, no conjunto, 10 minutos para responder. Também não estamos a falar de enunciação com profundidade!
Contudo, ao ministro pode ser concedido tempo para fazer tal e tal consulta. Inclusive, hoje, como sabe, as perguntas vêm ordenadas, mas às vezes, no Plenário, fazemos alterações, quando, por exemplo, um ministro diz que lhe convinha ser o sétimo a responder. E isso tem sido feito, de acordo com a Mesa!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, de forma muito breve, queria tomar posição relativamente às duas questões.
Quanto à periodicidade, somos proponentes e a nossa posição está clara.
No que respeita às questão sobre se as perguntas deverão ser formuladas por escrito ou oralmente, também nos parece que esta era uma boa oportunidade para retirar deste artigo a referência às perguntas por escrito, porque, creio, efectivamente, que está deslocado. Penso, como bem disse o Sr. Deputado Cláudio Monteiro, que quem quiser obter uma resposta a uma questão formulada por escrito tem o mecanismo do requerimento. Naturalmente, ninguém está a salvo de uma resposta malcriada, como já recebi algumas, e há departamentos de Estado especializados em respostas tortas a requerimentos - eu conheço alguns -, mas é um meio que permite, de facto, obter esses esclarecimentos.
Este tipo de sessões de perguntas ao Governo não têm características que permitam que os assuntos sejam debatidos à exaustão, porque há uma exiguidade de tempos, que é de alguma forma incontornável, que faz com que os esclarecimentos mais pormenorizados tenham que ser dados por outra forma.
Eu também não dramatizo a questão de um ministro poder não estar munido de alguns elementos que lhe façam falta, isto é, creio que um ministro, evidentemente, quando vem para uma sessão de perguntas ao governo, sabe quais são as questões políticas que estão em cima da mesa, portanto, ele tem ideia dos utensílios básicos de que precisará para estar presente naquela sessão de perguntas ao governo.
Se houver alguma questão especializada, de pormenor, por exemplo, sobre como é que estão as obras do tribunal da minha terra, efectivamente que é absolutamente compreensível que um membro do governo possa responder "Esse pormenor, naturalmente, não o tenho de memória, mas tomarei medidas para que a pergunta lhe seja respondida, evidentemente, não aqui, mas por escrito, noutra ocasião". Portanto, não dramatizo esta situação.
A opinião que temos é a de que a referência às perguntas por escrito está deslocada nesta disposição regimental.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tenho de perguntar partido a partido qual a posição quanto às duas questões.
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Começo pela questão da periodicidade, proposta pelo PCP.
Pergunto ao Partido Socialista qual é a sua posição, que, suponho, é a de ter reservas à sua constitucionalização.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Qual é a posição do PSD? Suponho que deu o seu acolhimento.
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Nada vemos contra!
O Sr. Presidente: - Exacto.
Quanto à oralidade, que é proposta quer pelo PS quer pelo PCP, o PSD emitiu reservas. Elas são de oposição ou de abertura, mas...?
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Mas…
O Sr. Presidente: - Portanto, o PSD apresentou reservas.
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Tínhamos de ser convencidos da bondade e da operacionalidade da proposta…
O Sr. Presidente: - Então, são reservas com reserva de posição.
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Exacto!
O Sr. Presidente: - Nesse sentido, as duas propostas mantêm-se em aberto. Em aberto é que não se mantém a reunião, que vai ser encerrada.
Ficam ainda por discutir, no que respeita ao artigo 180.º, duas propostas, a do PS e a do PCP, para o actual n.º 3 deste artigo.
Srs. Deputados, a próxima reunião realiza-se na terça-feira. A pedido de várias "famílias", a quem não tive força para me opor, a reunião de quinta-feira à noite será cancelada.
Srs. Deputados, está encerrada a reunião.
Eram 12 horas e 30 minutos.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL