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Sexta-feira, 22 de Novembro de 1996       II Série - RC - Número 56
VII LEGISLATURA             2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)
IV REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
Reunião de 21 de Novembro de 1996
S U M Á R I O
A reunião teve início às 15 horas e 25 minutos.
Procedeu-se à discussão dos artigos 168.º, alínea h); 229.º, n.º 1, alíneas c), g), i), j), q), r), s), t), u) e v), n.º 3 e n.º 5; 230.º; 231.º, n.º 3; e 233.º, n.º 5.
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente (Vital Moreira), os Srs. Deputados Luís Marques Guedes (PSD), Medeiros Ferreira (PS), Ferreira Ramos (CDS-PP), Guilherme Silva (PSD), Cláudio Monteiro (PS), Maria Eduarda Azevedo (PSD), José Magalhães (PS), Mota Amaral (PSD), António Filipe (PCP), Barbosa de Melo (PSD) e Arlindo Oliveira (PS).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 19 horas e 10 minutos.
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O Sr. Presidente (Vital Moreira): Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 15 horas e 25 minutos.
Srs. Deputados, antes de prosseguirmos os nossos trabalhos com a discussão das matérias relativas ao artigo 229.º, n.º 1, alínea c), informo que deram entrada na Mesa dois pedidos de audiência, um dos quais do Conselho Superior da Magistratura que vem assinado pelo respectivo Vice-Presidente, Pedro Gonçalves Mourão. Sugiro que a audiência solicitada tenha lugar num dos próximos dias 4, 5 ou 6 de Dezembro, isto é, daqui a quinze dias. Há, ainda, um outro pedido, este já anterior - por lapso meu, não foi incluído no pacote anterior -, da Associação Portuguesa de Espectadores de TV que pretende dar a sua opinião sobre as propostas em matéria de audiovisual, sobretudo relativamente à Alta Autoridade para a Comunicação Social.
Se não houver objecções e já que um dos pedidos propõe as datas de 4, 5 ou 6 de Dezembro, eu próprio proponho que ambas tenham lugar no mesmo dia, por exemplo, sexta-feira, 6 de Dezembro, de manhã. Deste modo, acoplaríamos as duas audições, incluindo, pois, a que foi solicitada pela Associação Portuguesa de Espectadores de TV, cujo pedido já tinha dado entrada anteriormente.
O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, no dia 6 não há trabalhos parlamentares, porque se realiza o Congresso do PCP.
O Sr. Presidente: Então, não podendo ser dia 6, poderíamos marcar para dia 4, de manhã, já que temos agendada uma reunião da Comissão para essa data.
O Sr. José Magalhães (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível transcrever as palavras do orador).
O Sr. Presidente:   No ofício sugere-se , é apenas uma sugestão: "(…) Vice-Presidente, solicito a V. Ex.ª que me seja concedida uma audiência, sugerindo que a mesma ocorra nos próximos dias 4, 5 ou 6 (…)".
Portanto, no próximo dia 4, quarta-feira, iniciaríamos a reunião com estas duas audições.
Srs. Deputados, assente esta questão, vamos retomar os trabalhos no ponto em que os tínhamos deixado ontem - alínea c) do n.º 1 do artigo 229.º da Constituição relativa às competências das regiões autónomas para desenvolver determinadas leis de bases.
Relativamente a esta matéria, há propostas do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, do PSD, do Sr. Deputado Guilherme Silva e do PP, todas elas caracterizadas por alargarem ligeiramente as competências, nomeadamente contemplando a alínea h) do artigo 168.º, que é a que tem por objecto o regime geral do arrendamento rural e urbano.
O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): Isso é a proposta do PP.
O Sr. Presidente:   É a proposta do PP, também. É a proposta do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, do PSD, do Sr. Deputado Guilherme Silva e do PP.
Suponho que o que todas as propostas visam é acrescentar a alínea h), do artigo 168.º, que prevê o regime geral do arrendamento rural e urbano.
Srs. Deputados, as propostas estão à discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos, para apresentar e justificar a proposta, em nome do CDS-PP.
O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): O Sr. Presidente já procedeu, de alguma forma, à apresentação da proposta que é no sentido de alargar a especificidade deste regime das regiões autónomas, ou seja, alargar também às regiões autónomas a competência sobre esta matéria.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados do PSD, alguém quer acrescentar alguma coisa?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD):   Sr. Presidente, apenas quero acrescentar que me questiono quanto a saber se o objectivo útil da alteração desta alínea c) virá ou não a ser subsumido na alteração que eventualmente vier a ser encontrada para as alíneas a) e b), na sequência do que o Sr. Presidente formulou à Comissão como proposta de trabalho.
A primeira questão que penso que deveríamos equacionar é no sentido de saber se, neste novo figurino que altera significativamente o actual texto constitucional, continuará ou não a justificar-se a necessidade de especificar matérias onde o que estará em causa é apenas o poder legislativo de desenvolvimento de leis gerais e, portanto, nunca interferência com matérias reservadas, porque as matérias reservadas serão as ditas leis gerais. Aqui tratar-se-á apenas de legislação de desenvolvimento.
Portanto, Sr. Presidente, é esta a primeira questão que suscito.
O Sr. Presidente:   Devo dar um esclarecimento.
Esta alínea foi acrescentada, em 1989, para responder a uma questão provocada pela experiência do Tribunal Constitucional que, embora sem unanimidade e nomeadamente contra o meu voto, tinha decidido que o desenvolvimento de leis de bases era competência reservada do Governo. Portanto, por isso é que esta alínea foi aqui posta.
Nesse contexto, penso que ela continua a ter interesse, mesmo que alteremos a alínea a) nos termos em que propus que fosse alterada.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, a base de trabalho em que assentámos na última reunião passava por duas propostas formuladas por si próprio: por um lado, a de haver uma delimitação da reserva exclusiva dos órgãos legislativos da República, entre os quais, obviamente, se inclui o Governo. Portanto, tudo reside em saber se nesse eventual artigo em que ficar delimitada a reserva exclusiva dos órgãos legislativos da República se incluirão ou não as matérias que estamos a tratar constantes das alíneas f), g) e h).
O Sr. Presidente:   Claro. Nesse sentido, sim. Depende do que virá a dizer-se.
Em todo o caso, como esta questão é tão pequena, poderíamos resolvê-la independentemente disso. Se, depois,
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fosse prejudicada, ficava. Mas para já, para o caso de o não ser, assentávamos na respectiva redacção.
Mas tem razão. É óbvio.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, se me dá licença, posso explicitar, pela parte do PSD, o porquê da proposta do aditamento da alínea h) que ficava subordinado à configuração final.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A proposta do PSD decorre de uma constatação, de resto já aqui citada a propósito de um exemplo que, creio, foi colocado pelo Sr. Deputado Mota Amaral numa das anteriores reuniões.
Quanto a nós, em matéria relativa ao arrendamento rural e urbano - mas até mais ao rural -, existem características próprias das regiões autónomas que aconselham a que haja competência legislativa das Assembleias Regionais, obviamente, respeitando os princípios fundamentais das leis-quadro, das leis de bases da República sobre esta matéria, no sentido de poderem desenvolver algumas especificidades próprias, atendendo a circunstâncias que são muito próprias da sociedade e da actividade económica existente nos arquipélagos e que, em alguns aspectos específicos, não são repetíveis no todo nacional.
Nesse sentido, parece-nos claramente que, como o Sr. Presidente nos explicou, esta é uma das áreas que faz parte do elenco que levou o legislador a incluir esta alínea c) na revisão de 1989. Quanto à alínea h) do artigo 168.º, a matéria que tem que ver com o arrendamento rural e urbano, também nos parece que contém especificidades próprias facilmente entendíveis por quem conhece a realidade das regiões autónomas que justificam que possa haver competência legislativa que, desenvolvendo leis de bases da República, possa atender a algumas especificidades.
É, pois, esta a razão de ser da nossa proposta.
O Sr. Presidente:   Srs. Deputados, está à consideração esta proposta comum ao projecto do PP, ao do PSD e ao de outros Deputados.
Sr. Deputado Medeiros Ferreira, tem a palavra.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): É só para dizer que, da nossa parte, há inteiro acolhimento a esta proposta do PSD no sentido da inclusão da alínea h) nas chamadas "leis de desenvolvimento". No caso de se manter esta redacção, como foi aqui afirmado, encaramos como matéria consensual esta inclusão da alínea h) sobre as leis do arrendamento urbano e rural.
O Sr. Presidente:   Srs. Deputados, está adquirido o aditamento da alínea h) quanto à competência legislativa das regiões autónomas respeitante às leis de desenvolvimento da República. Obviamente, este aditamento apenas subsistirá se a própria alínea c) subsistir.
O projecto do Sr. Deputado Guilherme Silva propõe, ainda, o aditamento à alínea z) do n.º 1 do artigo 168.º, na parte que respeita ao regime dos bens de domínio público regional.
Ora, aqui, há, claramente, um equívoco porque, no domínio público, não há leis de bases, todo o regime é reserva de confiança da Assembleia da República. Portanto, o que é proposto é uma excepção à reserva de competência da Assembleia da República, algo que, obviamente, não pode ter o meu acordo. Mas os Srs. Deputados julgarão.
A proposta está feita. É conveniente discuti-la, se alguém pretender fazê-lo. Em todo o caso, ponho-a à discussão, dizendo, desde já, que não há lugar a voto.
Pausa.
Sr. Deputado Marques Guedes, tem a palavra.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD):   Sr. Presidente, à falta de uma explicitação mais desenvolvida da parte dos proponentes, tenho alguma dificuldade em entender o verdadeiro alcance da proposta.
É que, aparentemente, como o Sr. Presidente chamou agora a atenção, e bem, o que está em causa na alínea z) do n.º 1 do artigo 168.º é o regime geral dos bens do domínio público.
Existe uma realidade, como todos sabemos, que são os bens do domínio público regional, parcelas do domínio público que, por força dos próprios estatutos político-administrativos das regiões, se integraram no domínio público regional.
Não vejo bem o que é que os proponentes pretendem, porque, relativamente aos bens de domínio público regional, penso que é inquestionável que haja competência da parte das Assembleias Legislativas Regionais para tomarem disposições sobre a sua gestão ou sobre as formas da sua utilização. Mas, tal como o Sr. Presidente disse, não me parece que isso deva ser entendido como um desenvolvimento da alínea z) do n.º 1 do artigo 168.º
A minha dificuldade é, pois, essa, Sr. Presidente.
Se o Sr. Deputado Guilherme Silva ou algum dos proponentes entretanto chegassem à sala, gostaria que, nessa altura, se voltasse à discussão desta matéria após uma maior explicitação da parte deles. É que, para nós, há um princípio com o qual estamos de acordo, não estamos é a ver que seja necessário incluí-lo nesta matéria.
E o princípio com o qual estamos de acordo é o de que, para a gestão e regime de utilização dos bens de domínio público regional, deve haver competências próprias por parte dos órgãos do governo próprio das regiões para poderem definir regras.
O Sr. Presidente:   Compete-lhes, seguramente, a gestão. Agora, quanto a terem competência para definir o regime, não me parece de todo em todo admissível.
Voltaremos à questão, caso pretendam retomá-la.
Passamos à alínea i), para a qual existe uma proposta do Partido Socialista.
Actualmente, tal como consta do texto constitucional, a alínea i) começa pela frase "Exercer poder tributário próprio, nos termos da lei, e dispor das receitas fiscais nelas cobradas (…)". O PS propõe que, logo a seguir à palavra "cobradas" se adite a frase "e de outras que devam pertencer-lhe, designadamente em função do lugar da ocorrência do facto gerador da obrigação do imposto", a que se seguirá o resto do texto que já está em vigor.
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Dou, pois, a palavra a um Deputado do Partido Socialista para proceder à apresentação da proposta.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): Sr. Presidente, começo por agradecer-lhe ter-me dado a palavra em primeiro lugar, o que penso decorrer da ordem de apresentação das propostas…
O Sr. Presidente: Não há mais nenhuma proposta, Sr. Deputado.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): Não há mais nenhuma? Então, mais uma razão para tentar…
O Sr. Presidente: Isto é, há uma do Sr. Deputado Jorge Miranda, contrária à do PS, que vou pôr à consideração.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS):   Pensei que me ia ouvir com atenção e que só depois, sem esse espírito apriorístico, poderia ou não introduzir qualquer emenda.
De qualquer maneira, terei todo o gosto em dizer o que nos preocupa como matéria tributária na região e que tem a ver com algumas modificações ocorridas entretanto, não só por causa do conceito restritivo que já está contemplado, quando, nesta alínea i), se diz "dispor das receitas fiscais nelas cobradas". Portanto, há, de facto, uma interpretação técnica muito restritiva do que se pode entender por "receitas fiscais cobradas nas regiões."
Depois de esta alínea ter sido aprovada constitucionalmente, a própria cobrança dos impostos sofreu modificações, como o Sr. Presidente sabe. Hoje em dia, podemos pagar os nossos impostos a nível nacional em qualquer estação dos CTT, em qualquer banco. Portanto, o local de cobrança dos impostos deixou de ser, do ponto de vista técnico e do ponto de vista concreto, um critério para se poder falar da afectação das receitas regionais.
Vamos admitir, por comodidade e dados os preços tentadores que a TAP pratica para os voos para as regiões autónomas, que nos deslocamos a Lisboa com frequência, trazendo connosco o cheque para pagar os impostos. Ora, podemos pagar os impostos numa sucursal de um banco, em Lisboa. Isto só para demonstrar por que é que o local de cobrança já não pode ser o critério característico da fiscalidade como receita para a região. Esta é a primeira questão.
A segunda tem a ver com a questão dos impostos indirectos, muitos dos quais são gerados na região e também pagos no Continente. Portanto, teríamos de conceber uma forma de avaliação da cobrança dos impostos indirectos, nomeadamente os que são gerados na região e que são cobrados à cabeça, como é o caso, por exemplo, do imposto sobre o tabaco, ou sobre certas bebidas alcoólicas, ou sobre os produtos petrolíferos, que, como sabemos, têm uma função de redistribuição das receitas do Estado de uma maneira muito significativa e que, pelo critério do local de cobrança, não chegam à região.
Entendemos que isso poderia ser ultrapassado e terá de ser ultrapassado por esta proposta do Partido Socialista que menciona, exactamente, o lugar de ocorrência do facto gerador do imposto.
Aliás, como o Sr. Presidente sabe, há estudos sobre as estimativas dos impostos indirectos que não chegam à região e que poderiam levar a que fossem atenuados certos aspectos tidos como mais negativos da gestão corrente dos orçamentos das regiões, com proveito para o prestígio das relações entre a República e as regiões autónomas.
É esse, portanto, o fundamento técnico-político desta alteração à alínea i) do artigo 229.º
O Sr. Presidente:   Srs. Deputados, juntamente com esta proposta do PS, ponho à discussão a proposta do PP de aditamento de um artigo novo, 230.º-A, relativo a finanças públicas das regiões autónomas.
Ponho, ainda, à discussão, adoptando-a eu próprio, a proposta do Dr. Jorge Miranda relativa à alínea g) do artigo 229.º ("Exercer poder tributário próprio e dispor das receitas que lhe sejam atribuídas, nos termos da lei de finanças regionais").
Está em discussão a proposta do PP.
No que me diz respeito, guardar-me-ei para apresentar a que adopto do ex-Deputado Jorge Miranda.
O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): Sr. Presidente, o Partido Popular autonomiza num artigo a matéria referente às finanças públicas das regiões autónomas, basicamente, acautelando e prevendo também a situação descrita pelo Sr. Deputado Medeiros Ferreira, ou seja, encontrando fórmulas de compensação sobre as receitas fiscais geradas e não cobradas nas regiões autónomas. Como é óbvio, mantém-se o preceito de que o regime de finanças públicas das regiões autónomas continue a ser fixado por lei da Assembleia da República.
O Sr. Presidente:   Quanto a esta matéria da lei de finanças regionais, ao facto de as relações financeiras serem estabelecidas por meio das finanças regionais, essa ideia é comum ao PP e ao PS que acaba de apresentar uma proposta nessa área, subscrita pelo Sr. Deputado Medeiros Ferreira.
Se não estou em erro, existe, ainda, uma outra proposta no sentido de haver um regime financeiro das regiões autónomas, que creio que consta do projecto do PCP, mas está contida numa proposta de aditamento ao artigo 167.º. Este é um ponto que deixaremos de lado.
Quanto ao fundo da questão, o que temos é uma proposta do PS e uma do PP que convergem no sentido de alargar a constitucionalização das receitas fiscais próprias das regiões autónomas, não só às cobradas mas também, nos termos do PS, a "outras que devam pertencer-lhe, designadamente em função do lugar de ocorrência do facto gerador da obrigação do imposto" e, na redacção do PP, a "compensação sobre as receitas fiscais geradas e não cobradas nas Regiões".
A proposta que eu próprio faço é inversa: é no sentido de "desconstitucionalizar" a ideia de um exclusivo das receitas tributárias das regiões autónomas a favor das mesmas regiões autónomas. Nos termos da proposta do ex-Deputado Jorge Miranda, dir-se-á apenas "dispor das receitas que lhes sejam atribuídas, nos termos da lei de finanças regionais".
Já tive oportunidade de dizer ao Sr. Deputado Medeiros Ferreira por que é que discordo da proposta do PS e agora vou desenvolver os argumentos.
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As razões são simples: esta redacção da Constituição tem 20 anos. Nessa altura, mais do que se justificava, tendo em conta o atraso histórico e - porque não dizê-lo? - o desinteresse histórico da República pelas regiões autónomas, que estas tivessem um privilégio de recuperação do atraso e que fossem excepcionadas, mesmo contribuindo para as despesas gerais da República; portanto, que ficassem com toda a parte do "bolo" fiscal nelas cobrada. Criou-se, assim, uma situação perfeitamente exótica e insólita.
Não conheço Estado algum, nem unitário nem federal, onde uma parte do território fique, à partida, com todas as receitas fiscais que constituem o "bolo" principal das receitas de qualquer Estado, excluindo o crédito.
O que acontece é que, em Portugal, temos esta situação perfeitamente original: as despesas gerais da República são pagas apenas pelo Continente, ou seja, as Forças Armadas, os tribunais, as relações externas, a Assembleia da República, os Srs. Deputados, mesmo os das regiões autónomas, são pagos pelo Orçamento sustentado pelo Continente. Portanto, todas as despesas gerais da República são alimentadas apenas pelo Continente.
Mas há mais: além disso, há os serviços do Estado na região que, obviamente, são pagos pelo Continente - os tribunais, as forças de segurança e todos os demais serviços que ainda são serviços da República e até os serviços fiscais que cobram os impostos para as regiões autónomas são pagos pela República, isto é, pagos pelo Continente.
O Orçamento do Estado só é orçamento do Estado em parte. É orçamento do Estado nas despesas, é orçamento do Continente nas receitas.
Ora bem, gostaria que o Orçamento do Estado fosse orçamento de todo o Estado, de todo o País, e não orçamento que é pago por uma parte e beneficiado por todos.
Acontece, aliás, que, além destas transferências líquidas, o Fundo de Equilíbrio Financeiro das autarquias locais, por exemplo, é pago pelo Orçamento do Estado, isto é, pelos impostos do Continente. Acresce que é paga pelo Estado uma série de serviços, não baratos, nas regiões autónomas, como, por exemplo, a Universidade dos Açores que é paga pelo Continente. Isto para além de uma série de despesas indirectas, como, por exemplo, a compensação dos diferenciais de serviços públicos que são pagos pelo Orçamento do Estado, isto é, são pagos pelo Continente.
Compreendo esta norma constitucional e nem eu próprio me opus a ela, em 1976. Era uma questão de justiça histórica. Agora, a meu ver, estas soluções de privilégio têm um tempo e devem ter uma lógica. Mantê-las, a meu ver, é mau e por isso proponho que não se mantenham. Agravá-las, a meu ver, é piorar o que já está.
Portanto, congelar constitucionalmente não só o direito a ficar com todas as receitas fiscais cobradas nas regiões mas também a uma compensação ou a todas as receitas fiscais, independentemente de onde fossem cobradas, mas só desde que sejam geradas nas regiões autónomas e, a somar a isso tudo, acrescentar ainda mais um direito a transferências orçamentais - coisa que o PP faz e o PS suponho que também -, penso que é algo que, constitucionalmente, não seria avisado.
Admito perfeitamente que, enquanto se mantiver um défice de desenvolvimento das regiões autónomas, se operem transferências substanciais do Orçamento do Estado para as regiões autónomas, ao abrigo da lei de finanças regionais, como, aliás, tem acontecido desde há 20 anos. É uma questão de rattrapage, de recuperação do desenvolvimento em que foram deixadas pelo isolamento e o abandono histórico. Mas vamos congelar constitucionalmente uma situação que queremos que seja transitória? E vamos agravar esse congelamento? Vamos consagrar?... É porque depois isso significa "para sempre"...! Estas normas, uma vez postas no texto, tornam-se difíceis de tirar; é muito mais fácil pô-las do que tirá-las. Vamos consagrar uma situação de privilégio orçamental, fiscal e financeiro? Sinceramente, não contem comigo para isso.
Srs. Deputados, as propostas estão à discussão.
Sr. Deputado Guilherme Silva, tem a palavra.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): Sr. Presidente, não tive o prazer de ouvir integralmente a intervenção de V. Ex.ª, mas a parte que ouvi foi, para mim, elucidativa…
O Sr. Presidente: Não é novo. Já escrevi isto, de modo que nem sequer disse qualquer novidade. Isto está escrito em letra de forma.
O Sr. Guilherme Silva (PSD):   Sem rodeios, devo dizer que é óbvio que a questão financeira é uma questão fundamental e das mais delicadas na autonomia regional. Isto pela simples circunstância de que não é desconhecido que as regiões autónomas não são auto-suficientes do ponto de vista das receitas que geram e dos encargos que têm de suportar, designadamente a nível público, numa lógica de alguma igualdade nacional.
Exactamente para dar resposta a essa realidade é que a Constituição estabeleceu as soluções que V. Ex.ª referiu e que considerou de "natureza transitória e injustas". Direi que são realmente injustas por insuficientes, mas não pelas razões que V. Ex.ª aduziu. São injustas por insuficientes e, portanto, se V. Ex.ª, em substituição das soluções que a Constituição tem agora, vai preconizar-nos outras que, efectivamente, sejam mais realistas tendo em conta as necessidades das regiões autónomas, não contará, obviamente, com a minha oposição, bem pelo contrário.
Mas é necessário que se reflicta um pouco em toda esta questão que vem sendo designada de "custos da insularidade", ou seja, a questão relativa às dotações e previsões de receitas que a nível do Estado devem ser asseguradas e transferidas para as regiões autónomas, porque penso que também aqui há um problema de custos de soberania. Portugal tem a soberania das ilhas que integram as regiões autónomas, que não são apenas territórios mas, sim, territórios com comunidades nacionais, com portugueses, e tem, ou deve ter, em relação a essas comunidades as mesmas obrigações que tem em relação ao restante da comunidade nacional.
Aliás, as observações de V. Ex.ª, Sr. Presidente, são meramente formais. V. Ex.ª ataca todas as soluções que a Constituição hoje tem em matéria de encaminhamento de algumas receitas para as regiões autónomas, dizendo: 
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"Bom, isto é o Orçamento do Estado e só tem para as regiões autónomas uma vertente, que é a vertente positiva, a vertente boa das receitas. Não tem a outra face da moeda, que é a das obrigações, a dos encargos, a das comparticipações, como é exigido em relação ao resto da comunidade nacional". E qual é o problema de, se assim for, se reconhecer, como se reconhece, que as situações específicas das regiões autónomas assim o determinam? Penso que as consequências que estão, a nível financeiro, fixadas na Constituição - e que, digo e repito, são insuficientes - são consequências da própria Constituição, que preconiza o princípio da solidariedade nacional em relação a estas situações. Como tal, não há que estranhar que o Estado custeie, e só custeie de há algum tempo a esta parte, os encargos da cobrança dos impostos e que as regiões arrecadem os impostos aí cobrados. O problema é que essas verbas são, efectiva e reconhecidamente, insuficientes para assegurar às populações das regiões autónomas uma qualidade e uma participação num processo de desenvolvimento nacional tendencialmente idêntico ao do restante território nacional. Daí que se venha discutindo a elaboração de uma lei de finanças regionais que, de uma vez por todas, acabe com este sistema de obrigar as regiões a recorrerem a empréstimos.
É sabido que ao longo dos últimos anos de autonomia, em situações de crise nacional e de conjuntura financeira nacional difícil, as regiões autónomas foram obrigadas a endividar-se com o aval do Estado, porque, segundo este, a República não tinha meios para fazer funcionar de uma forma mais pródiga e mais realista as dotações a fundo perdido transferidas para as regiões. Assim, arrastaram-se as regiões para a contracção de empréstimos com o aval do Estado, com a promessa de que este, admitindo que a conjuntura evoluiria favoravelmente, honraria esse aval sem exigir das regiões a contrapartida do pagamento destes empréstimos. Ora, chegada a hora da verdade, o Estado não honrou o seu aval, pelo que avolumou o montante das dívidas das regiões com juros que hoje ultrapassam o capital inicial e é óbvio que este comportamento, no mínimo, é inconstitucional, porque nada tem de solidário. Assumiu-se esta realidade, preconizando que… Aliás, há um grupo de trabalho que está a trabalhar neste sentido no que respeita à lei das finanças regionais, tendo em vista sanear as situações financeiras do passado e não é, com certeza, com restrições em nome de princípios formais…
O Sr. Presidente:   Sr. Deputado Guilherme Silva, peço que não continue a lavrar num equívoco. Eu não propus qualquer restrição das transferências reais do Estado para as regiões autónomas. Propus, sim, que se "desconstitucionalizasse" o verdadeiro, insólito, original e completamente descabido - em minha opinião - direito de preensão das receitas fiscais totais por parte de uma parcela do território nacional. Foi apenas isso que propus e a verdade é que o senhor está a falar sobre questões que não estão em causa.
Não propus qualquer restrição! Propus que remetêssemos para a lei de finanças regionais o sistema de financiamento das regiões autónomas, razão pela qual os argumentos que está a produzir não se dirigem à minha pessoa.
O Sr. Guilherme Silva (PSD):   Sr. Presidente, nessa circunstância, pergunto a V. Ex.ª se está de acordo, por exemplo, com uma solução que substitua esta e que passe, por exemplo, pela capitação da receita do IRS e do IRC relativamente às regiões autónomas.
Melhor dizendo: já há, como sabe, essa solução para as receitas do IVA, que é um imposto com um sistema de processamento que não permitia a distinção do que era cobrança regional e do que não era cobrança regional. Como tal, estabeleceu-se o princípio da capitação. Há um "bolo" nacional do IVA e, em função da população das regiões, atribui-se a parcela do IVA de acordo com essa base, ou seja, proporcionalmente.
Qual é a sensibilidade de V. Ex.ª para a consagração, em sede constitucional ou não (pode ser na base de uma solução que vem preconizada pelo Prof. Jorge Miranda, que remete para a lei de finanças regionais), de se estabelecer o princípio da capitação em matéria de IRS e de IRC? Uma solução similar àquela…
O Sr. Presidente: Sr. Deputado Guilherme Silva, em sede de lei de finanças regionais, estou disposto a discutir todas as propostas, inclusive essa, com a qual provavelmente estarei de acordo, depois de descontadas as despesas gerais da República, que devem ser de responsabilidade solidária de todos os portugueses, onde quer que residam no território da República.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): O Sr. Presidente está sempre extremamente preocupado com a parte das despesas e sempre com a preocupação de estabelecer aí um reverso da medalha. Peço desculpa pela minha observação, mas considero isso perfeitamente formal. O problema é de conteúdo e de quantitativos!
O Sr. Presidente: Também me parece! Quanto a isso estamos de acordo!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): Se, em função das necessidades das regiões e de acordo com o tal princípio de criar uma ideia aproximada de igualação, for necessário, conveniente ou recomendável que esse contributo, na proporção das despesas, seja dispensado às regiões, não vejo mal nenhum em que isso aconteça. O problema é o de se fazer a avaliação correcta para não se atirarem as regiões para esta situação de recurso sistemático a empréstimos que se vão alongando no tempo, que se vão agravando com juros e que vão, inclusivamente, criando na opinião pública nacional uma ideia errada de delapidação e de má administração das regiões autónomas que não corresponde à realidade. Digo isto porque não era possível, no sistema que foi feito, pensar que as regiões autónomas, sem capacidade de produção de meios próprios de amortização daqueles empréstimos para investimentos públicos, que se sabe à partida que não vão gerar rentabilidade de amortização porque não são projectos da área privada, esses, sim, vocacionados para o lucro… Quando se preconizou esse tipo de solução já se sabia, à partida, que quando fosse altura de pagar não tinha havido a reprodução de rendimentos no hospital para amortizar as dívidas da construção do hospital, ou da escola, etc. Esta é uma realidade que é elementar.
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Portanto, ou há boa-fé nesta relação entre o Estado e as regiões ou não há boa-fé. E eu quero partir do princípio de que, independentemente de quem tem responsabilidades de poder nas regiões autónomas ou na República, há obviamente boa-fé nas relações neste domínio. E é neste sentido que acho que devemos entender e sentir, em sede de revisão constitucional, esta questão.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): Sr. Presidente, queria dizer-lhe, antes de mais, que me habituei a ouvi-lo sempre com extrema atenção, porque, até aqui, as suas propostas eram mais consensuais do que propriamente polémicas. Mas eis que o Sr. Presidente da Comissão se apresenta com uma proposta polémica!
O Sr. Presidente: É para responder à do PS!
O Sr. Medeiros Ferreira (PS):   Para agravar a situação, desenvolve um argumentário que considero infeliz. Ora, quando o Sr. Presidente estava a argumentar, lembrei-me de uma frase de Goethe que tem muita validade nestas circunstâncias e em que ele dizia que nunca se deve argumentar demais, porque há sempre o perigo de um dos nossos argumentos enfraquecer a razão que nos assiste no tema.
Creio que, independentemente de considerar que o Sr. Presidente e brilhante constitucionalista, Vital Moreira, não tem razão nesta matéria… Não tem razão, desde logo, se me permite, quando introduz o conceito de uma norma mental transitória. Nada na Constituição indicava que esta norma fosse transitória, meu Deus! Porque, se assim fosse, estaria, obviamente, nos dispositivos transitórios da Constituição, fosse neste capítulo, fosse no capítulo das disposições transitórias que vinham no fim.
Portanto, não houve aqui qualquer ideia…
O Sr. Guilherme Silva (PSD): Não se esqueça do Governo!
Risos.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS):   Espero que o Sr. Deputado Guilherme Silva não dê tiros nos seus próprios pés!
Dizia que estamos aqui a ver que a situação substantiva não é transitória. Houve um erro de cálculo, é verdade - e, aliás, está aqui um dos protagonistas desse erro -, na génese de autonomia que foi o pressuposto das receitas geradas e cobradas na região. Há um erro de cálculo! O erro de cálculo tem a ver com condições históricas que já estão ultrapassadas e uma delas era a dos créditos da base das Lages e da base das Flores. De acordo com esse conceito, alguns dos autores da autonomia pensaram que o problema da fiscalidade cobrada no arquipélago era adjacente. Mas não! Apesar de ter sido assim considerada, é essencial!
Percebo as questões que colocou do ponto de vista formal, mas do ponto de vista do conteúdo elas não têm qualquer razão de ser. Em primeiro lugar, as regiões autónomas, por serem autónomas e por terem um orçamento, têm contas, o que não acontece nas outras regiões naturais do País. Se fossemos fazer as contas das outras regiões naturais do País, possivelmente com a excepção da Área Metropolitana de Lisboa, da Área Metropolitana do Porto e do Algarve turístico, descobriríamos que todas elas são deficitárias. O que acontece é que, como temos moeda única no todo nacional, não há contas das regiões naturais que agora queremos promover. Mas existem contas públicas, mais ou menos transparentes - agora não me compete pronunciar sobre isso - nas regiões autónomas. E são essas contas que nos dão o défice. É por isso que sabemos que há défice, é por haver contas públicas nas regiões autónomas. Como tal, não acho que as regiões devam ser prejudicadas pelo facto de serem, neste momento e com estas receitas, regiões, do ponto de vista orçamental, com despesas superiores às receitas próprias.
Creio, portanto, que o articulado da alínea i) é o mínimo dos mínimos. Aliás, o seu argumento de que poderíamos passar isto para uma lei de finanças regionais fez-me vir à ideia a imagem de um carro que está a subir a Rua da Imprensa Nacional, que conheço bem e que é muito íngreme, e cujo condutor, antes de saber qual é o ponto de embraiagem, retira o travão de mão...
Portanto, ninguém sabe o que é que vai ser a lei de finanças regionais.
E o que o Sr. Deputado está a propor é que, sem se saber o que é a lei de finanças regionais, se retire o travão de mão, ou seja, que as contas e os fluxos financeiros da região fiquem perfeitamente à mercê das contingências da dura realidade, que é neste momento deficitária.
Mas já agora, deixe-me continuar neste domínio, correndo o risco de não seguir o preceito de Goethe, que é exactamente o que tem a ver com a questão da coesão nacional e da coesão comunitária.
Refiro este aspecto porque fiz a campanha eleitoral e como Deputado da região posso assumir alguma consequência se este dispositivo não for aprovado. Na minha campanha eleitoral na região disse que, assim como a comunidade europeia introduziu o conceito de coesão económica e social, no plano nacional devíamos introduzir um conceito de coesão nacional que levaria, exactamente, à lei de finanças regionais. E um dos critérios que queremos ver aqui completado nesta alínea i) é o de aumentar as receitas próprias da região. E também fazemos um cálculo, que pode ser errado, no sentido de que esta alínea i) abarque muito daquilo que eu disse sobre o local de cobrança, tecnicamente ultrapassado pelas modernas técnicas de pagamento dos impostos, que já se podem fazer a nível nacional, ou até pela dificuldade…
Vou dar-lhe um exemplo em relação aos fundos comunitários: como sabe, os fundos comunitários chegam ao tesouro português e depois há uma enorme dificuldade em fazê-los chegar às regiões autónomas. Aí o cobrador institucional é o Estado, a República, que tem enormes dificuldades em fazer a transferência atempada para as regiões autónomas.
Portanto, presumo que, se a cobrança e as receitas não fossem imediatamente afectadas às regiões autónomas, o gap entre essa cobrança e a sua transferência para a região 
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podia também colocar várias questões de ordem prática ao orçamento e à acção do governo das regiões autónomas.
Sr. Presidente, poderia avançar muito mais, mas gostava só que também tivesse presente alguns dos argumentos que aqui foram avançados.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, considero todos os argumentos, mesmo quando a argumentação é excessiva ou deficitária.
Srs. Deputados, está em discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, vou arriscar dizer que o Sr. Deputado Medeiros Ferreira argumentou demais...
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não foi demais e foi muito bem!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Fica entregue essa "solidariedade regional"...
No entanto, não quero deixar de comentar uma ou duas das afirmações que fez.
A primeira tem que ver com a circunstância de que, embora não havendo nenhum fenómeno semelhante nem distante da regionalização político-administrativa no Continente, o facto é que o cálculo do défice pode fazer-se porque a cobrança de impostos é feita na base das circunscrições administrativas em que se estrutura o Ministério das Finanças, que são ainda circunscrições concelhias e distritais. Portanto, a partir daí é possível apurar qual é a cobrança feita por cada distrito e, mesmo que os distritos não correspondam a ideais regiões, sempre seria possível fazer esse cálculo.
Porém, parece-me que é um pressuposto errado das afirmações que fez confundir as receitas obtidas por transferência do Orçamento do Estado com as receitas tributárias imputadas ou consignadas directamente ao orçamento das regiões. E aí é que o problema se pode colocar.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Eu não confundi, juntei!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - A questão é que se pôs em causa o direito próprio das regiões de reservarem para si toda a cobrança de impostos gerados na região. Para além dessa receita, também há receitas dos orçamentos das regiões obtidas por transferência do Orçamento do Estado. Precisamente porque o tal erro de cálculo pode ser visto nessa perspectiva, pode ser visto também como um erro de cálculo da despesa - mas admito que seja um erro de cálculo da receita -, gera um défice. E isso significa que a única fonte não é a das receitas tributárias propriamente dita; há também as transferências directas do Orçamento do Estado. E terão de haver sempre e terão sempre de compensar, na medida em que as regiões sejam deficitárias, a falta de receitas próprias que as regiões, porventura, tenham.
O que acontece em relação aos demais distritos, que não são regiões, por paralelismo com as observações que fez, é que esses só "beneficiam" de transferências directas do Estado, mesmo sendo deficitários ou sobretudo quando são deficitários.
E não é por acaso que, quando se discute o Orçamento do Estado, como estamos a discutir neste momento, há movimentações dos Deputados eleitos por vários sítios, designadamente a propósito da configuração do PIDDAC, que é onde está o grosso das transferências do Estado para empreendimentos realizados local ou regionalmente. Não é por acaso que há sempre movimentações, horizontais em relação à estrutura partidária ou não seguem necessariamente a lógica partidária, no sentido de aumentar as transferências do PIDDAC para empreendimentos realizados na respectiva região ou distrito, precisamente porque em relação a essas realidades administrativas, dado que elas não gozam de qualquer autonomia, nem administrativa nem financeira, não há receitas próprias e, portanto, o problema do défice conta-se a partir do zero. Começa no zero e só há "receitas" por efeito das transferências directas do Orçamento do Estado.
Isso não significa necessariamente que a solidariedade que o "Continente" - que a República - deve às regiões não pressuponha transferências que satisfaçam as necessidades financeiras das regiões, porque, como é evidente, os órgãos do governo próprio das regiões, ao participarem no exercício da função administrativa em áreas tão vastas como participam, satisfazem necessidades colectivas e, nesse sentido, necessariamente que têm de ter meios financeiros para as satisfazer.
No entanto, há dois tipos de solidariedade: há a solidariedade institucional entre o Estado, propriamente dito, e as regiões autónomas; e há aquilo que é a solidariedade do cidadão, isto é, dos contribuintes em geral para com as diversas entidades públicas e com os diversos níveis de administração.
E a única coisa que, porventura, se pode questionar é que o que se pretende aqui é congelar ou manter a consignação das receitas fiscais geradas nas regiões autónomas para os orçamentos próprios das regiões autónomas, para além das transferências de verbas que são necessárias e que também existem do Estado para as regiões autónomas.
O que digo é que, mesmo que não houvesse alteração do volume financeiro nos orçamentos das regiões nem naquilo que é a participação directa ou indirecta do Estado para esses orçamentos, há uma diferença sensível, apesar de tudo, quanto mais não seja do ponto de vista da lógica e dos princípios, invocando o princípio da solidariedade, que vale nos dois sentidos e não apenas num sentido único com que ele às vezes é apresentado.
É uma questão de saber - e é por isso que a questão poderia eventualmente ser remetida para uma lei de finanças regionais - se mesmo assim não seria preferível, se fosse necessário, aumentar as transferências do Orçamento do Estado para as regiões para compensar o eventual défice, mas não consignar por direito próprio a totalidade das receitas fiscais geradas nas regiões para as regiões, de acordo com a tal lógica da solidariedade, segundo a qual é preciso não esquecer, apesar de tudo, que as despesas geradas por efeito das cobranças de impostos se destinam a satisfazer as necessidades colectivas em geral de todo o território nacional, designadamente aquelas relativamente às 
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quais as regiões autónomas não participam na despesa, não têm atribuições próprias, como sejam as áreas típicas da soberania, da justiça, da segurança interna, da segurança externa, etc.
Portanto, a única questão que porventura está colocada não é necessariamente a de retirar ou de cercear financeiramente as regiões autónomas, mas a de reformular (com certeza que a revisão constitucional não poderá fazer isso e que só no âmbito de uma lei de finanças regionais é que poderá ser feito), no fundo, a forma como são geradas as receitas das regiões autónomas. O que é discutível pode não ser o montante das receitas ou o quantum absoluto das receitas. Isso será, ou não, discutível, em função dos critérios políticos de avaliação da eficiência com que a despesa é realizada e das necessidades e prioridades.
A questão fundamental é que, no que toca às tais regiões "fictícias" do território continental…
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Eu disse naturais!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Quando digo "fictícias", estou a falar do ponto de vista jurídico-administrativo.
No que toca a essas regiões, naturais ou não, o problema que se coloca é fundamentalmente um problema de justiça relativa na repartição dos investimentos que são feitos em todo o território nacional, precisamente porque não tendo elas personalidade jurídica própria, mesmo que meramente administrativa, não têm a possibilidade de ter receitas próprias e de ter, por direito próprio, uma quota parte das transferências do Orçamento do Estado ou uma quota parte das receitas fiscais geradas nas respectivas regiões.
Portanto, é nesse processo de distribuição ou de afectação dos recursos necessariamente escassos, que implica o estabelecimento de prioridades, que as regiões, de certa maneira, não participam ao terem consignada por direito próprio a totalidade das receitas fiscais geradas na respectiva região.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Participam, participam!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Porque elas próprias têm poder político para definir as necessidades colectivas que vão satisfazer e consequentemente para, de alguma maneira, definir o montante da despesa que vão realizar, isto é, o quantum de dinheiro que necessitam. E depois há o problema de apurar o défice e de discutir ou de negociar com os órgãos do Governo da República a maneira de, porventura, cobrir esse défice.
Independentemente do problema do quantum, a questão fundamental é saber se é legítimo, por direito próprio, ficarem consignadas aos órgãos do governo próprio das regiões todas as receitas fiscais lá cobradas. Nos termos em que é proposta a alteração, seria mais do que todas as receitas fiscais lá cobradas, porque atendendo ao critério que é proposto, designadamente ao da ocorrência do facto gerador, presumo que vá aumentar exponencialmente essas receitas. Porque, como sabe, designadamente do ponto de vista da lógica da cobrança do IRC, a sede do sujeito passivo é determinante.
A alteração que foi feita em relação às finanças locais de fazer participar as autarquias locais no que diz respeito à parte da colecta que lhes cabia, nomeadamente por efeito da cobrança de derrames, em função do facto gerador e não em função da sede das empresas determinou uma alteração substancial na distribuição das receitas entre os vários municípios. Implicou, tanto quanto sei pelas notícias de que disponho, uma quebra de dois a três milhões no município do Porto e de quatro a sete milhões no município de Lisboa, em favor dos municípios limítrofes. E bem! Não pus em causa que assim fosse. Mas aí estamos a falar só num proporcional ou numa percentagem da receita tributária gerada, não estamos a falar da totalidade da receita.
Portanto, o problema de princípio que se coloca aqui, não se coloca a esse outro nível, porque obviamente também ninguém propõe que as regiões autónomas não tenham receitas tributárias ou que uma parte das receitas tributárias não possa ser afecta às regiões autónomas. É evidente que deve continuar a ser!
A única discussão é a de saber se, por direito próprio, ela deve ter direito a todas as receitas tributárias e se não é preferível remeter o problema do equilíbrio global das finanças regionais para uma lei própria e, porventura, estabelecer esse equilíbrio por via das transferências do Orçamento do Estado, mais do que por via da transferência directa das receitas tributárias. Até porque, como eu disse, o problema não é só um problema de solidariedade institucional entre o Estado e as regiões, é também um problema de solidariedade entre todos os cidadãos e toda a despesa pública. Neste sentido, é mais justa a repartição por via das transferências directas do que é a repartição por via da consignação das receitas tributárias na totalidade a favor das regiões autónomas.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, obviamente a questão é importante e não sou eu quem vai limitar a discussão, sobretudo tendo contribuído para a tornar mais profunda...
Risos.
Chamo, contudo, a vossa atenção para o facto de não podermos ficar indefinidamente a discutir este problema, sendo certo que estão já inscritos, neste momento, a Sr.ª Deputada Eduarda Azevedo, o Sr. Deputado Guilherme Silva e o Sr. Deputado José Magalhães. Peço, sobretudo àqueles que já intervieram uma vez, que observem algum princípio de auto-contenção, já não em matéria de despesas mas pelo menos em matéria de palavras...
Risos.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso sai barato!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Eduarda Azevedo.
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): Muito obrigado, Sr. Presidente. É a primeira vez que vou intervir sobre esta questão, mas vou também seguir a sugestão e ser parcimoniosa.
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Sem querer propriamente ser uma "memória viva", eu recordava que, relativamente à actual redacção da alínea i), se colocou ao nível dos fiscalistas uma grande polémica quanto a este exercício de poder tributário próprio, procurando saber-se precisamente em que medida é que isto significava soberania total, ou tão simplesmente a velha questão de ser sujeito activo da relação tributária, isto é, no fundo, prosaicamente, de ser credor do imposto. E hoje já é pacífico e penso mesmo que unânime entre os fiscalistas, entre a doutrina fiscal mais conceituada, que a melhor interpretação que se fará desta alínea i) é precisamente no sentido de que as regiões autónomas são indiscutivelmente credoras de receitas tributárias, acrescentando-se, dentro da lógica da unicidade do Estado português, que essas mesmas receitas tributárias serão atribuídas às regiões autónomas, mas não são próprias das regiões autónomas, em termos da tal faculdade que lhes adviria se exercessem o dito poder soberano.
Penso que a solução que hoje se encontra consagrada na alínea i), independentemente de se dizer que ela foi pouco ousada, que hoje devemos ir mais longe, ou, pelo contrário, que ela já foi de algum modo, numa certa justa medida, a mais adequada - porque já vimos aqui nalgumas intervenções de outros Srs. Deputados que este doseamento de equilíbrio é diferente consoante as perspectivas -, afigura-se-nos a nós, PSD, que é uma solução equilibrada e é uma situação que se deveria manter.
Quanto ao problema que o Sr. Deputado Medeiros Ferreira suscitou a propósito da cobrança, o que fez, aliás, de uma forma extremamente arguta e muito actual, embora não possa concordar de modo algum com os exemplos que citou como grande fundamento da sua tese, devo dizer que os impostos específicos, as excise, não são, nem pouco mais ou menos, impostos significativos, muito menos aqueles que apontou, tirando, naturalmente, o caso do tabaco, por razões que não vêm agora aqui ao caso. Nessa situação estarão muito mais o IRS, o IRC ou até o próprio IVA.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): Mas o IVA já está resolvido!
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): Exactamente! De todo o modo, se o problema é esse, ele poderia ser facilmente resolvido com uma substituição tão prosaica como a que passa por retirar a expressão "cobradas" e colocar a expressão "liquidadas". Portanto, é uma questão de colocar a expressão "liquidadas", que é efectivamente a operação que está em causa. Alterava-se assim o texto constitucional, que, eventualmente, até melhoraria no que concerne ao aspecto técnico, e resolvia-se esse problema que colocou e com o qual concordo, porque nada me impede de, vivendo em Lisboa, ir pagar os meus impostos a outro ponto qualquer do País, incluindo as regiões autónomas.
Aparte inaudível na gravação.
Risos.
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD):   Sim, mas aí há a reversão! Não podemos nunca esquecer isso!
De qualquer modo, afigura-se-me que a solução que hoje se encontra consagrada é bastante equilibrada. Por outro lado, parece-me que avançar para uma afectação - que, no fundo, seria uma consignação da totalidade das receitas fiscais às regiões autónomas a coberto do défice do seu orçamento - é, salvo o devido respeito, e é muito pelos Srs. Deputados proponentes e naturalmente também pelos meus colegas que defenderam uma tese semelhante ou que, pelo menos, foram concordantes, uma desculpa de mau pagador, porque para o défice do orçamento das regiões autónomas há outras formas, mecanismos e instrumentos financeiros, não direi tão operacionais, mas até mais vocacionados do que propriamente esta afectação do "bolo" global, dentro de uma lógica de solidariedade que foi aqui, e muito bem, sublinhada. Como o Sr. Presidente disse, e muito bem, as receitas tributárias são indiscutivelmente o "bolo" mais apetecível dentro das receitas públicas e daí falar-se na sua afectação em pleno às regiões autónomas.
Para sintetizar, a nossa posição é a da manutenção do equilíbrio existente com algum apuramento técnico. Na verdade, não vou dizer que a proposta do Prof. Jorge Miranda me cala fundo, mas entendemos que é bastante sugestiva, porque estabeleceria, além do mais, uma certa similitude que existe na prática entre as finanças regionais e as finanças autárquicas, naturalmente do ponto de vista qualitativo. Ou seja, estabelece uma certa similitude entre o desenvolvimento de um fenómeno financeiro infra-estadual - porque o é, tanto num caso como noutro -, remetendo a matéria para as respectivas leis-quadro, actualmente apenas para a das finanças locais, mas, posteriormente, também para a das finanças regionais. Afigura-se-me que a proposta do Prof. Jorge Miranda está, ela própria, equilibrada e é talvez uma via a explorar na discussão que aqui possamos ter ainda.
Muito obrigada.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD):   Sr. Presidente, como terão reparado, não apresento nenhuma proposta de alteração a esta alínea i) do artigo 229.º, simplesmente por pensar que, efectivamente, em sede da lei de finanças regionais se encontrarão as soluções complementares que a Constituição não impede.
De todo o modo, o que me parece um dado óbvio é que ninguém tende a prescindir de direitos que já tenha. E não há dúvida de que a Constituição actual já confere às regiões o direito às receitas cobradas na própria região. E não impede, tal qual a alínea i) actual prevê, que essa receita seja complementada com outras que a lei lhe atribui. Portanto, Sr. Presidente, como é óbvio, não nos peça para prescindirmos dos direitos que já estão consagrados, porque, da nossa parte, não terá obviamente nenhuma adesão ou concordância.
A proposta do Partido Socialista, que o Sr. Deputado Medeiros Ferreira defendeu, tem uma razão de ser decorrente da prática com que nos temos debatido nesta matéria: é porque, inclusivamente, esta ideia de a Constituição conferir as receitas cobradas na região à região traz implicitamente
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um estímulo de desenvolvimento, porque, como toda a gente sabe, quanto mais desenvolvida for a economia regional, maiores serão, em princípio, as receitas fiscais. E, portanto, este princípio tem também este estímulo. Só que o que se vem verificando é que, apesar desse desenvolvimento, há muitas receitas fiscais geradas na região que não são cobradas e não revertem para a região, porque há muitas empresas no continente, que são aquelas que se abalançam às maiores obras públicas e a outros empreendimentos volumosos na região, que têm as suas sedes sociais no continente, os seus domicílios fiscais no continente e, consequentemente, o IRC das suas actividades, incluindo essas que são geradas nesses empreendimentos nas regiões autónomas, são cobrados no continente, não revertendo para a região. Penso, portanto, que, em parte, a proposta do Sr. Deputado Medeiros Ferreira e do Partido Socialista vai no sentido de neutralizar ou de atenuar essa situação.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): Atenuar!
O Sr. Guilherme Silva (PSD):   De atenuar.
Quero-vos dizer que, quando falei há pouco no princípio da capitação, tive presente a solução constitucional actual e apresentei, em sede deste Orçamento, uma proposta que tem este primeiro princípio: as receitas próprias cobradas na região continuarão a ser receita própria da região. Este é um ponto bom desta proposta porque é uma conformação constitucional.
O segundo princípio é o de que será atribuída à região a diferença entre esse montante cobrado por essa via e aquilo que resulte do princípio da capitação e penso que desta forma encontraríamos uma solução, porque, como calcularão, é extremamente difícil andar à busca dessas situações, designadamente nas instituições de crédito e nos bancos, que têm grande carteira de negócios nas regiões autónomas e que têm as suas sedes sociais no continente. Também aí a parte respeitante a essas actividades desenvolvidas nas regiões não reverte minimamente, do ponto vista fiscal, para a região. Estar a ver casuisticamente essas situações é impossível, como calcularão, até porque os resultados dessas entidades são globais, não são sectorizados, e é impossível estar a fazer esse levantamento de forma inteiramente correcta ou justa.
Portanto, a maneira de complementar e de resolver esta questão, do meu ponto de vista, é mantendo na Constituição a redacção que ela hoje tem e, em sede de lei ordinária, que pode ser o Orçamento… Aliás, falei dele porque o grupo de trabalho que tem estado a elaborar ou a trabalhar na elaboração da lei de finanças regionais sugeriu que este Orçamento pudesse acolher já o princípio da capitação em matéria de IRS e IRC, dando um sinal político de boa vontade no estabelecimento de um novo ciclo nas relações financeiras entre o Estado e as regiões e de vontade de sanear financeiramente as regiões. Não se pode partir para um novo ciclo sem criar condições de saneamento financeiro das regiões, porque, a não ser assim, é óbvio que não há boa-fé nem vontade de resolver esta questão.
Do meu ponto de vista, este terá de ser o caminho a seguir e, compreendendo as preocupações positivas e toda a argumentação correcta que o Sr. Deputado Medeiros Ferreira adiantou, prefiro a solução de manter a alínea i) com esta redacção, não deixando de ter o seu apoio e o do seu partido na aprovação desta proposta em sede de Orçamento, vendo, naturalmente a sua consagração final também na lei. É mais rápido, é mais eficiente, é mais limpo!
Risos.
O Sr. Presidente: Sr. Deputado Guilherme Silva, essa proposta de capitação era só relativa à receita e não à despesa?
O Sr. Guilherme Silva (PSD): Naturalmente!
O Sr. Presidente: As despesas gerais da República continuariam, portanto, a cargo do continente!…
O Sr. Guilherme Silva (PSD): Oh, Sr. Presidente, voltamos à questão de há bocado!... Se estamos aqui à procura de receita, vamos procurar despesa também?!
Risos.
O problema é a carência! O problema é a necessidade!
O Sr. Presidente: Estamos absolutamente esclarecidos!
O Sr. Guilherme Silva (PSD):   O problema é a nossa necessidade, porque, senão, não colocávamos essa questão!
O Sr. Deputado Cláudio Monteiro fez alguma crítica ao exemplo feliz dado pelo Sr. Deputado Medeiros Ferreira, no sentido de que as regiões autónomas, nesta matéria, são vítimas de uma consequência da sua autonomia. Ou seja, estas regiões têm autonomia financeira e, portanto, têm orçamento próprio, têm um "deve e haver" nas suas relações com o exterior, designadamente com o Estado. É sempre fácil dizer demagogicamente: "Lá estão os devedores! Lá está o défice! Lá estão os perdulários!". E, como disse e bem o Sr. Deputado Medeiros Ferreira, se houvesse um sistema similar em relação a muitas regiões do País que estivessem instituídas como tal, também estariam aí os perdulários e também estariam aí os devedores, e bem. Por outro lado, poderiam estar erradamente nessa condição se o Estado tivesse de assumir e evitar publicamente que as regiões, neste caso as regiões autónomas, apareçam com esse rótulo, que é negativo.
É preciso que se encare isto de uma vez por todas, porque esta questão tem gerado no País uma ideia negativa em relação às regiões autónomas, que é comprometedora da unidade nacional visto que é uma ideia separatista de cá para lá. E é preciso que assumamos politicamente esta situação, designadamente em sede de revisão constitucional. É uma questão que não podemos ocultar. Esta é uma realidade! Há sempre o desabafo comum de que se gasta muito nos Açores e de que se gasta muito na Madeira porque o sistema está errado.
Ou bem que há um sistema transparente e dentro da solidariedade nacional, e vamos encarar as soluções nesse 
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âmbito, ou então vamos arrastar uma situação que não é saudável para a democracia, que não é saudável para uma sistema inovador saído das autonomias regionais e que revelou ser o caminho certo para a afirmação de Portugal no Atlântico sem quebra da unidade nacional, que só será reforçada e estimulada se tivermos a coragem de encontrar este tipo de soluções.
Sr. Deputado Medeiros Ferreira, fico à espera da solidariedade do seu partido na proposta que vou apresentar no Orçamento do Estado para 1997.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS):   Sr. Presidente, Srs. Deputados, gostaria tão-só de fazer algumas reflexões motivadas mais pelo estilo do debate do que pelas propostas que estão em confronto.
Ao apresentar o projecto de revisão constitucional que apresentámos, e que foi resultado de uma reflexão não descuidada, mas aturada e de bastante diálogo entre todos os que participaram - e muita gente participou, designadamente as regiões autónomas que foram ouvidas cuidadosamente -, tudo o que quisemos evitar foi que, quanto a esta matéria, se travasse aquilo que pudesse ser uma espécie de guerra em torno da perda de receitas. O que desejamos é exactamente o contrário: é a garantia de mais receitas ou, mais exactamente…
O Sr. Guilherme Silva (PSD): Tal como o Sr. Presidente, também quer mais despesa!
O Sr. José Magalhães (PS):   Sr. Deputado, toda a gente verá qual é, exactamente, o alcance desta pergunta e escusa de estar a fazer legendas, embora eu não tenha nenhum inconveniente e o Sr. Presidente certamente também não. Estamos habituados a ser legendados, portanto, não há inconvenientes.
Houve tantas guerras, algumas delas bem desnecessárias: tivemos a guerra das bandeiras, meus senhores! Vamos fazer a guerra da perda de receitas? Nós dizemos: de maneira nenhuma! Não haverá guerra nenhuma da perda de receitas! Absolutamente nenhuma.
Agora, o problema que se suscita, e esta discussão é muito interessante desse ponto de vista, é de que isto também deve ser uma oportunidade para, sem nenhum tabu e sem nenhum limite, designarmos até que ponto é que as soluções que originariamente configurámos funcionaram ou não funcionaram.
De facto, o rasto, nesta matéria, é complexo. Tínhamos um somatório, sem dúvida nenhuma, de originalidades (e temos) e um certo conjunto de expectativas nesta matéria. As revisões constitucionais, aliás, adensaram essas expectativas.
Quando imaginámos o conceito de adaptabilidade do sistema fiscal, quando imaginámos o conceito, aliás sui generis, de poder tributário próprio - expressão que foi configurada com requintes de definição, mas falta deles na conceptualização e depois no enquadramento dogmático - estávamos a procurar carrear contribuições para a resolução de um problema. Esse problema era o legado do passado, era a situação decorrente da inexistência pretérita de autonomias e da brutal desigualdade que gerou as disparidades, que em muitos aspectos ainda hoje sobrevivem.
A verdade é que essas soluções falharam. É um facto! Ou seja, a esperança de que essa posição creditícia não soberana gerasse alguma coisa não se verificou, porque é óbvio que o poder tributário próprio tem uma debilidade congénita: é que o seu exercício acarreta aumento da carga fiscal e o aumento da carga fiscal não é alguma coisa a que os governos recorram com um sorriso nos lábios e com facilidade, porque isso acarreta estrangulamento da economia local, da economia regional.
Portanto, como o poder tributário próprio não pode acarretar um agravamento da não competitividade das economias regionais, aconteceu o que todos sabemos.
"Idem, aspas" em relação à adaptação do sistema tributário nacional feito pelos parlamentos regionais mediante lei-quadro da adaptação. Essa lei-quadro da adaptação revelou-se um verdadeiro objecto esquipático e difícil de fazer. A prova é que nenhum Governo o fez e veremos agora como é que no quadro da lei das finanças regionais conseguimos dar um contributo útil a isso.
Onde é que conquistámos alguma coisa de positivo? Francamente e olhando para trás, creio que haverá um consenso sobre esse aspecto.
Conquistámos alguma coisa de positivo, por um lado, na lubrificação do sistema da atribuição dessas receitas. Ou seja, em vez de se ir para um sistema dispendioso de cobranças regionais, de repartições regionais por cobranças, utiliza-se um sistema que aproveita as infra-estruturas já existentes, as legislaturas da República, as legislaturas de todos nós para garantir um fluxo de cobranças e a atribuição para os efeitos próprios das regiões.
Onde é que conseguimos também alguns resultados? Objectivamente, conseguimos na adaptação do sistema tributário nacional feita pelo Parlamento nacional, pela Assembleia da República, que existe, e bem, em relação a algumas espécies tributárias e que, de resto, existiu sempre por consenso. Esse consenso não foi, aliás, difícil de alcançar, porque todos medimos as diferenças específicas que justificavam as desigualdades tributárias, que no fundo não eram desigualdades mas, sim, formas de reposição de uma igualdade que de outra forma não existiria.
O que é que não conseguimos? Não conseguimos o que só se consegue com o desenvolvimento, ou seja, o aumento das receitas resultantes da prosperidade das regiões, do aumento do investimento nacional e estrangeiro e da intensificação da actividade económica.
O sistema fracassou também num ponto, que a proposta do Partido Socialista bastante transparentemente equaciona, que é o de que os fluxos económicos entre o território continental e as regiões fazem-se em condições que iludem ou que não têm correspondência na malha tributária de incidência e cobrança, de liquidação e cobrança. E isso é um problema que vamos ter de resolver.
Resolva-se esse problema pela forma que propomos, ou resolva-se esse problema no quadro da lei de finanças regionais, ou resolva-se esse problema no quadro de uma lei singular, esse problema existe e tem de ser encarado.
Reparem que a nossa proposta é cuidadosa porque alude a "outras receitas que devam pertencer-lhe, designadamente…" 
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- e este "designadamente" não está aqui por acaso - "… em função do lugar da ocorrência do facto gerador da obrigação de imposto". Portanto, há aqui uma margem para o legislador ordinário ponderar medidas, condições, partições, repartições, formas de cobrança e limites.
Portanto, não é uma proposta nesse sentido que seja desproporcionada e vai ao encontro de uma questão que é importante.
A segunda ordem de considerações é que estamos cientes de que o problema é a penúria de receitas, insisto, e quem examinar o fluxo das receitas ao longo destes anos (aquilo que vamos chamar as receitas cobradas nas regiões, utilizando a expressão constitucional) verá que esses montantes são pequenos, são exíguos. De facto, são. E essa discussão feita com o números à frente… Aliás, tenho muita pena de não ter aqui as séries estatísticas, e não sei ainda se chegarão a tempo, mas farei adicionar essas séries estatísticas, se o Sr. Presidente me permitir, à acta deste debate. A análise da evolução dessas séries estatísticas revela uma constante de penúria, de limitação.
O Sr. Presidente disse uma coisa extraordinariamente importante e que não desligarei de nada do que disse, em homenagem a um princípio que considero de simetria constitucional pura. Disse que não passava pela cabeça dos defensores dessa tese a ideia - e, de resto, rejeitou justa e veementemente o facto de isso num determinado momento não estar a ser tido em conta pelo Sr. Deputado Guilherme Silva - de que tudo o que dizia se fazia sob condição da não restrição das transferências reais, ou seja, não se tratava, no intuito dos proponentes dessa tese, de defender ou de fazer a apologia de uma restrição de transferências reais.
O que, então, nos coloca a questão em termos que podem ser medidos, e que, devo dizer, mediria da forma seguinte: é exagero dizer que as regiões não participam na defesa nacional, por exemplo; participam. Os mancebos das regiões participam, como os outros. Há instalações, há contribuições de diversos tipos. O que não há é uma afectação de parte das receitas cobradas, aí, às missões desse tipo.
Portanto, não vale a pena travar uma guerra em torno de "as regiões não participam, as regiões não fazem, etc." Porquê? Porque ninguém propõe, mesmo nesse cenário, que as regiões se tornassem contribuintes líquidas nessas funções. Não vi essa tese defendida. Aliás, seria um abuso sustentá-la. E, então, tudo se reduziria a uma operação simbólica de tesouraria. Ou seja, as receitas cobradas nas regiões ingressariam nos cofres comuns, mas, por força do princípio de garantir transferências que combatessem as disparidades, o montante equivalente seria devolvido sob forma de contribuição ou transferência do Estado para as regiões, transformando tudo numa operação contabilística.
E pelo meio ficariam interrogações como aquelas que ecoaram aqui (mas receio que ecoassem de maneira um pouco mais confusa e talvez menos rigorosa ainda), como as que não deixariam de ver nisso a criação de um elemento de incerteza, mais um, quanto ao perfil dos montantes a receber, uma vez que se trocaria o que é certo - e num período histórico que talvez ainda não tenha esgotado aquilo que era o retrato de 1975/76 - pelo não certo, ou pelo menos certo, ou por aquilo cuja quantificação teria de fazer-se na base de um critério não fixado constitucionalmente na famosa e desejável lei de finanças locais.
Foi o não querer lançar esse elemento de incerteza que nos levou a apresentar essa proposta. Sendo certo que a operação contabilística que seria consequência da solução contrária seria puramente contabilística e teria, quiçá, o valor de um símbolo, mas um símbolo que se arriscava a trazer o preço de um conjunto de equívocos, dos quais provavelmente não resultaria grande bem para a própria coesão nacional.
É isso que queremos evitar. E por isso, Sr. Presidente, obviamente, mantemos a proposta que apresentámos e gostaríamos de saber se é possível estabelecer-se algum consenso para, sem gerar dúvidas e incertezas, conseguir um resultado constitucionalmente positivo.
Como última observação, gostaria de dizer que estamos, todavia, certos de que o problema aqui é pouco constitucional. É um facto que há limites para as constituições, temos de aceitá-los, embora a nossa profissão seja esta. Há limites para o que as constituições podem fazer e a Constituição não pode decretar ipso facto a prosperidade, nem pode decretar o aumento de receitas que seria desejável. Também, obviamente, não fazemos um accouplement entre a Constituição e o Orçamento que está a ser debatido neste momento.
O Sr. Deputado Guilherme Silva terá maneiras mais subtis de fazer diplomacia reivindicativa. Essa nem é muito subtil, nem é muito diplomática sequer, e tem muito pouco a ver com o debate que estamos a fazer.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD):   Sr. Presidente, foram ditas aqui coisas importantes por vários Srs. Deputados.
Esta matéria é das mais importantes, quer para as próprias regiões autónomas quer para a revisão necessária a fazer no actual texto constitucional naquilo que se refere às relações financeiras entre o Governo da República e as regiões autónomas.
Das várias coisas que aqui foram ditas gostaria de demarcar, pelo lado do PSD, dois tipos de preocupações.
Começo pela proposta do Prof. Jorge Miranda, porque o Sr. Presidente também a lançou para a discussão e houve já alguns comentários sobre isso.
Penso que, no fundo, todos aqueles que intervieram estão de acordo que, do ponto de vista técnico, a proposta do Prof. Jorge Miranda é uma proposta correcta. Talvez se estivéssemos aqui em trabalhos de Assembleia Constituinte, nas actuais circunstâncias, não fosse de desprezar uma solução como esta.
No entanto, numa matéria tão importante na estrutura do nosso Estado democrático como é a realidade das regiões autónomas, o PSD (esta é a primeira questão política que quero aqui deixar com bastante clareza) não concordará nunca que a revisão constitucional possa servir, ainda que simbolicamente, para uma qualquer interpretação que aponte para o sentido de uma menorização dos 
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ganhos democráticos conseguidos, inclusive também em termos de texto constitucional, por parte das regiões autónomas.
E como já ficou aqui bem claro, por várias intervenções, designadamente a dos Srs. Deputados Medeiros Ferreira e Guilherme Silva, parece-me evidente que uma proposta como aquela que é formulada, talvez tecnicamente com alguma correcção, pelo Prof. Jorge Miranda tem, desde logo, este inconveniente político que para o PSD é suficiente para a pôr de lado, com toda a franqueza.
É suficiente para a pôr de lado porque nunca por nunca o PSD aceitará em termos de revisão constitucional, ainda que apenas numa perspectiva de interpretação da literalidade da Constituição, um qualquer recuo relativamente ao aprofundamento das autonomias regionais, que, desde sempre, é uma bandeira do Partido Social-Democrata e nunca deixará de sê-lo.
Portanto, que fique perfeitamente afastada qualquer dúvida, numa perspectiva política, relativamente ao que possa ser a posição do PSD. Este é o primeiro ponto.
O segundo ponto que quero frisar é o de que, no entanto, também me parece - e o debate que tem aqui existido já evoluiu um pouco nesse sentido - que há um aspecto com o qual todos estaremos de acordo e que tem que ver com o facto, já apontado pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro (pelo menos, foi o primeiro que ouvi falar no assunto), de que a obrigação contributiva dos cidadãos nacionais releva de uma lógica de participação nos Estados de direito democrático, numa lógica de solidariedade entre toda a nação. Nesse sentido, em teoria, em abstracto, é sempre errado pensar-se que há um qualquer grupo de cidadãos para o qual esse papel contributivo para a construção do todo nacional é um caminho de uma só via e não um caminho de duas vias.
Assim, com toda a franqueza, parece-me que a proposta do Partido Socialista, sendo, em termos de resultado prático, um aprofundamento, um enriquecimento das finanças regionais, pode conter um lado negativo, que é o de retirar a participação contributiva que, do meu ponto de vista, é um dos aspectos fundamentais da cidadania nacional. A proposta pode retirar este aspecto do papel de solidariedade contributiva que também os cidadãos portugueses residentes em Angra do Heroísmo ou no Machico, necessariamente têm de ter para o com Estado nacional.
Devo dizer que o PSD está aberto a uma alteração do actual texto no sentido do seu enriquecimento e nunca, ainda que apenas literalmente, no sentido do seu "empobrecimento", como o que poderia ser interpretado de uma proposta, embora tecnicamente talvez não incorrecta, como a que é formulada pelo Prof. Jorge Miranda. Portanto, o PSD afastaria essa hipótese. Estaria aberto a uma proposta de alteração do actual texto no sentido de tentar garantir constitucionalmente mais alguns aspectos que reafirmem a necessidade de significativas transferências financeiras de receitas tributárias para as regiões autónomas. Certo é que, atenta a forma como está redigido o texto apresentado pelo Partido Socialista "(…) outras que devam pertencer-lhe, designadamente, em função do lugar de ocorrência do facto gerador da obrigação do imposto (…)", podemos chegar à conclusão, no limite, de que, de facto, isto acaba por ser um caminho de uma só via. Na verdade, "devam pertencer-lhe" sob que prisma?
O Sr. Deputado Guilherme Silva falou aqui, e bem, numa perspectiva, correcta, que é a do princípio da capitação. Mas, atendendo à redacção do texto da proposta, pode ser mais do que isso.
De facto, há aqui alguma indefinição que, do ponto de vista do PSD, terá de ser ponderada, terá de ser um bocadinho "mastigada", terá de ser amadurecida.
Termino, dizendo que o PSD não concorda em fazer uma revolução no actual texto no sentido de, à semelhança do que acontece em relação às finanças autárquicas, remeter tudo para uma legislação que, depois, atribuiria receitas tributárias às regiões, ainda que, tecnicamente, a questão possa ou não ser virtuosa, o que não vale a pena discutir. É, pois, um aspecto que, politicamente, tem uma carga suficiente para o PSD dizer liminarmente que não concorda.
Quanto ao actual texto, que mantém a atribuição de verbas via Orçamento do Estado, ou, como o PSD propõe - e veremos mais adiante a propósito do artigo 231.º -, através de legislação própria sobre as finanças regionais, é evidente que estaremos abertos a uma eventual alteração do actual texto, nesta linha. No entanto, com toda a franqueza - e penso que o Sr. Deputado Medeiros Ferreira percebeu -, tenho alguma dúvida de que esta seja uma formulação correcta, quer dizer, que não permita um grau de indefinição e que, eventualmente, vá por um caminho que dê um resultado indesejável.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, como fui interpelado directamente, posso…?
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Ouvi com muita atenção o Sr. Deputado Marques Guedes e penso que poderia desposar muito do que ele disse, mas há aqui um problema que acho que não tem sido suficientemente tido em conta quando estamos a discutir a alínea i) deste artigo 229.º É que não estamos a falar dos poderes das regiões autónomas, não estamos a falar da questão da redistribuição das receitas fiscais, em termos gerais, entre o todo nacional.
Uma coisa são os poderes das regiões autónomas em termos financeiros e outra são as relações financeiras entre as regiões e a República. São duas coisas diferentes.
Por essa razão, apresentei, ontem, ao Sr. Presidente desta Comissão uma proposta de aditamento ao artigo 231.º, n.º 3, em que se diz que as relações financeiras, essas, sim, bilaterais - e não só tendo em conta os poderes das regiões autónomas, previstos no artigo 229.º -, entre a República e as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira são reguladas através de leis de finanças regionais (no plural) da competência da Assembleia da República, as quais têm natureza de leis orgânicas, exactamente para que não haja um enfraquecimento dos compromissos tomados nessa matéria através de uma lei ordinária.
E até admito que seja justo e equilibrado e correspondendo às preocupações que aqui foram lançadas que, nessa lei de finanças regionais, que trata das relações mútuas entre a República e as regiões autónomas, e no que diz respeito às novas receitas atribuídas às regiões autónomas, 
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haja uma percentagem que tem em conta a solidariedade nacional nos dois sentidos. Acho perfeitamente aceitável.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Mota Amaral, tem a palavra.
O Sr. Mota Amaral (PSD): * Sr. Presidente, a minha intervenção vai ser breve porque, ocorrendo num final de um debate tão rico, pouco já resta a acrescentar.
A propósito de um aparte do Sr. Deputado Medeiros Ferreira acerca do meu silêncio, devo esclarecê-lo de que, neste momento, também tenho de gozar o privilégio de ver os Deputados do Partido Socialista eleitos pelos Açores procurarem tirar "as castanhas do lume", tarefa que me coube durante muitos anos. Agora, é preciso que outros tomem esse protagonismo.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - É o seu conceito de justiça redistributiva.
O Sr. Mota Amaral (PSD): - Exactamente!
Risos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, perante o debate que aqui ocorreu hoje, verifica-se com clareza que a garantia constitucional é uma prerrogativa - segundo alguns, será um privilégio - de 1976 e não pode ser abandonada. As regiões autónomas não estarão nunca em condições de depor este privilégio. Este é que é um privilégio revolucionário, foi uma das conquistas da Revolução esta alínea do artigo 229.º
Quanto à substância, estou de acordo com o que disse o Sr. Presidente. A substância deste preceito está ultrapassada, correspondia a um certo contexto histórico.
O Partido Socialista, na sua proposta, aliás meritória e que merece inegavelmente o apoio do Partido Social-Democrata, procura introduzir alguns correcções, mas o problema de fundo é o de que as receitas próprias, as receitas cobradas, imputadas à região, não são suficientes para, no quadro do final do século XX, fazer funcionar uma sociedade conforme está definida em leis gerais da República aplicadas em todo o País.
Se me perguntam se os Açores são auto-suficientes, respondo que sim, desde que aceitem um nível de vida apreciavelmente inferior àquele que se atribui o nosso país, no seu conjunto. O mesmo se aplicaria à Madeira. Ou seja, há sempre a necessidade de equilibrar os recursos e as expectativas.
Ora, se açoreanos e madeirenses são cidadãos portugueses - e é, claramente, o quadro que a Constituição traça -, então, os recursos têm de ser adaptados às obrigações que o Estado também tem relativamente àqueles territórios, já que não podemos aceitar uma dessintonia, uma falta de coesão no âmbito nacional, do mesmo modo que não a aceitamos no âmbito europeu.
O argumento que o Sr. Deputado Medeiros Ferreira referenciou como tendo sido um dos seus pendões de campanha eleitoral - e foi-o; sou testemunha deste facto…
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): * Com algum resultado!
O Sr. Mota Amaral (PSD): * Sem dúvida!
Como dizia, o argumento do Sr. Deputado Medeiros Ferreira corresponde apenas a uma convergência de bons esprits, a uma doutrina laboriosamente por mim defendida, talvez sem tanto resultado…
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): * Mas não com essa capacidade conceptual, apesar de tudo.
O Sr. Mota Amaral (PSD): * Não excluo essa possibilidade…!
Continuando: o que é que é possível?
A proposta e a argumentação que produz o Sr. Presidente no seu estilo, não apenas brilhante como até provocatório (não sei se devo dizê-lo),…
O Sr. Presidente: * Provocativo.
O Sr. Mota Amaral (PSD): * Está bem, assim direi.
O que diz, então, o Sr. Presidente nessa sua argumentação? Pois bem, diz coisas certíssimas.
Devo dizer-lhe mais: quando reclamamos receitas próprias para as regiões autónomas, fazêmo-lo numa perspectiva de dignidade.
Primeiro, devemos pôr em cima da mesa o que corresponde aos nossos recursos próprios, sobretudo, tendo em conta - porque isso não pode ser ignorado - que essas reclamações autonomistas têm um século e correspondem a cinco séculos de frustrações e de exploração. Estas são palavras pesadas, mas são verdadeiras.
Neste quadro actual, podemos substituir uma garantia constitucional por outra garantia constitucional. Não podemos é desconstitucionalizar as garantias.
Se, porventura, aparece uma proposta, redefinindo o quadro das receitas próprias regionais, apresentando, por exemplo, a sugestão que foi formulada sobre uma capitação das receitas fiscais, e se se lhe introduz um princípio, que, de facto, é de cidadania, de participação de todos nos encargos gerais da Nação, tal teria de ser uma garantia constitucional e não apenas uma remissão pura e simples para uma lei de finanças regionais, mesmo que fosse uma lei de categoria reforçada, como a que propõe o Sr. Deputado Medeiros Ferreira e que consideraremos um pouco mais adiante.
Aliás, a esse respeito, adianto desde já que julgo que esta matéria deveria ser matéria de Estatuto das Regiões Autónomas, porque, então, teremos a garantia de uma participação institucional das regiões e, desde logo, uma prerrogativa de iniciativa reservada às próprias Assembleias Legislativas Regionais. Portanto, Sr. Presidente, não há dúvida quanto a isto.
Descontitucionalizar esta matéria, claramente não é possível, como já foi afirmado pelo PSD e pelo Partido Socialista. Substituir uma garantia por outra, sim, talvez pudesse ser melhor.
A proposta que faz o Partido Socialista é um passo em frente, um pequenino passo em frente. Como tal, não pode deixar de ser saudado por todos nós, evidentemente, sem prejuízo de haver, de vez em quando, um afloramento do "sindicato" - neste caso, parece-me sempre mais o "sindicato" do Continente sobre as regiões autónomas do que o das regiões autónomas em relação ao Continente… Mas,
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enfim, amanhã será ao contrário, nesta salutar emulação que deriva, afinal, da verificação de que há interesses divergentes nalgumas matérias, mas que, lá por isso, não "cai a casa", pelo contrário, poderemos até fundá-la em alicerces mais sólidos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, depois desta discussão já relativamente extensa, quero dizer muito sinteticamente que também não nos parece adequada uma solução que vá no sentido de desconstitucionalizar o direito de as regiões autónomas disporem das receitas fiscais nelas cobradas, e é nesse sentido que nos parece que vai a proposta do Prof. Jorge Miranda.
Compreendemos as razões históricas que conduziram à constitucionalização deste regime, mas não o vemos como necessariamente transitório. Isto é, ele é explicado por razões históricas, mas também por razões geográficas, que se convencionou chamar insularidade, e que permanecem para além da origem histórica que ditou este regime constitucional.
Portanto, não nos parece que se deva ir no sentido de desconstitucionalizar este direito das regiões autónomas, o que teria o sinal de um retrocesso inequívoco. Nesse aspecto, consideramos importante defender a formulação constitucional existente.
Relativamente à proposta do Partido Socialista, considerá-la-emos também. Não temos nenhuma razão para rejeitar liminarmente esta formulação e reservaremos a nossa posição para a solução que a final se encontre, na medida em que o PSD também se mostra disponível para a considerar, não exactamente nestes termos, mas em termos que poderão ser mais ou menos parecidos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dou por encerrada a discussão. Em relação à proposta do Partido Socialista, o PSD e o PCP reservam a sua posição.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, não quero tomar muito tempo, mas apenas fazer uma pequena precisão, pelo que me pareceu de apartes que os Srs. Deputados Medeiros Ferreira e José Magalhães tiveram oportunidade de trocar, embora não tenham voltado a intervir.
Fundamentalmente, para o PSD o problema é que há aqui uma alteração na proposta do PS que nos causa muita dificuldade, que é a substituição no actual texto da expressão "que lhe sejam atribuídas", pela "que devam pertencer-lhe". Do nosso ponto de vista, a tradução prática legislativa do "devam pertencer-lhe" não conseguirá ser aceitável, porque no limite iria obrigar o legislador a criar um mecanismo quase que dogmático de distribuição das receitas fiscais, anulando o princípio constitucional, inultrapassável para nós, da lógica redistributiva da política fiscal, redistributiva dos rendimentos. Se avançamos para conceitos como "que devam pertencer-lhe", estamos a dogmatizar uma grelha qualquer de distribuição das receitas. Portanto, o problema está aí.
O PSD estará aberto ao enriquecimento do actual texto, na linha do que dizia o Sr. Deputado Mota Amaral, no sentido de manter a expressão "outras que lhe sejam atribuídas" e, eventualmente - isso sim -, acrescentar um inciso na Constituição, dar um avanço no actual acqui constitucional, no sentido de tentar, desde já, ainda que não taxativamente, mas exemplificativamente, constitucionalizar um dos mecanismos a que a atribuição de receitas fiscais deve atender, que pode ser este da ocorrência do facto gerador da obrigação de imposto, embora tecnicamente seja preciso ver se isso é factível ou não, visto que já aqui foi salientada, por vários Srs. Deputados com conhecimentos em termos de direito fiscal, a dificuldade que aqui pode surgir.
Apenas quero clarificar, Sr. Presidente, que para o PSD é preciso manter no actual texto o conceito de "lhe sejam atribuídas", porque senão isso iria obrigar a uma dificuldade tremenda e, no limite, iria pôr em causa o princípio da redistribuição das receitas fiscais em termos de riqueza, até em prejuízo das próprias regiões autónomas. Porque, de hoje para amanhã, a aplicação do princípio de capitação necessária a nível nacional iria impedir uma política de redistribuição da riqueza que permita dar abaixo da capitação às zonas ricas para dar acima da capitação às zonas que precisam de desenvolvimento.
Portanto, esta é a dificuldade em que podemos cair se tentarmos colocar aqui um conceito como "devam pertencer-lhe". Estou apenas a transmitir uma reflexão, a dificuldade que sentimos.
O que estaremos abertos - isso sim - é a ir ao texto constitucional e onde se fala em "outras que lhe sejam atribuídas" tentar densificar aqui qualquer coisa. Tentar encontrar um conceito que traduza e cristalize em termos constitucionais um avanço que irá imperativamente vincular o legislador ordinário que irá regular as relações financeiras para ter de contemplar um princípio como este.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Estamos abertos a isso! O "devam" tem a ver com esta questão semântica de uma vontade de cativar as receitas.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar adiante.
Temos a proposta do Sr. Deputado Guilherme Silva para alínea j) do artigo 229.º, que dá às regiões autónomas o direito de definir o "regime de criação, extinção e modificação territorial das autarquias locais", em excepção à reserva de competência legislativa actual da Assembleia da República.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, como se sabe, a actual alínea j) dá apenas às regiões o poder de "criar e extinguir autarquias locais, bem como modificar a respectiva área, nos termos da lei".
Há aqui um condicionamento ditado pela redacção actual que gostaríamos de ver ultrapassado. Pensamos que os órgãos legislativos regionais, os órgãos do governo próprio da região têm um conhecimento mais próximo da realidade insular, que há hoje problemas de ordenamento 
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territorial que podem obrigar a uma revisão das divisões autárquicas hoje fixadas e que os órgãos que melhor estarão colocados para fazer esse reordenamento serão as assembleias legislativas regionais.
Não há aqui, do meu ponto de vista, uma grande alteração em relação à redacção actual. Há, efectivamente, uma flexibilização no sentido de as assembleias legislativas regionais estarem menos limitadas por uma eventual lei da República que constitua um espartilho nas suas definições e nas suas limitações a exercícios e formulações no âmbito da divisão territorial autárquica regional, que desta forma são ultrapassadas e naturalmente com benefício para a comunidade regional e para a redefinição das autarquias a nível regional.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, está em discussão a proposta.
Como ninguém se inscreve, faço-o eu para dizer que me oponho à proposta.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - É pouco, Sr. Presidente! É pouco por um lado, mas é demais por outro.
O Sr. Presidente: - Penso que a proposta é perfeitamente ilógica. Se há alguma coisa que deve ser da competência exclusiva da República essa é a definição das entidades territoriais. Portanto, isso dispensa-me de qualquer outra argumentação nesta área.
De resto, para especificidades, as regiões sempre podem propor à Assembleia da República que as faça.
Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, também penso que esta proposta, de certa maneira, iria introduzir algumas distorções na própria autonomia do poder autárquico regional, porque assim ficaria talvez mais subordinado a um poder político demasiado próximo e a sua independência em relação aos poderes regionais mais comprometida.
É um argumento de substância, não é um argumento formal nem doutrinário. Penso que o facto de ser a Assembleia da República a definir o quadro geral, independentemente das adaptações que se possam fazer, permite às autarquias uma maior autonomia em relação aos poderes regionais, que penso que é de salientar e acentuar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, o PSD também entende que a actual competência de definição do regime de criação, extinção e modificação territorial das autarquias é não só reserva da Assembleia da República, como reserva absoluta da Assembleia da República. Consta, de resto, da alínea n) do artigo 167.º e, tanto quanto me ocorre, penso que nenhum dos projectos de revisão constitucional fez alguma proposta de alteração dessa mesma alínea.
A competência que actualmente cabe às regiões autónomas é a da criação, extinção ou modificação da respectiva área e parece-nos que é a competência adequada.
Não vemos que haja razões que justifiquem a necessidade de definição quiçá de um regime de criação distinto daquele que prevalece para o todo nacional. E, ao mesmo tempo, vemos, seguramente, inconvenientes em que não haja um regime perfeitamente unívoco para todas as autarquias nacionais em matéria do seu regime legal de criação e de extinção.
Portanto, nesse sentido, parece-nos que a manutenção do actual texto da alínea j) é a solução mais adequada.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de registar também a nossa oposição a esta proposta. Não vemos, de facto, que deva existir um regime geral relativo à criação e extinção de autarquias locais que não seja único para o todo território nacional e que não seja da competência reservada da Assembleia da República.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta não se mostra viável.
Passamos à alínea r).
Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de lembrar que ficou por discutir a questão da alínea z), do artigo 168.º
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, voltamos à proposta do Sr. Deputado Guilherme Silva para acrescentar na alínea c) do artigo 229.º, na chamada "competência legislativa de desenvolvimento das regiões autónomas", uma referência à alínea z) do n.º 1 do artigo 168.º, quanto à definição dos bens de domínio público regional.
Como agora o seu autor está presente, é altura de a discutir.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, como se sabe, esta matéria é na sua densificação básica da competência da Assembleia da República.
Acontece, porém, que em determinadas circunstâncias nos temos deparado com alguns problemas, designadamente no que concerne à ocupação do domínio público por empreendimentos de vária natureza, como por exemplo a hoteleira, ficando muitos desses projectos dependentes de soluções nacionais e de entidades exclusivamente nacionais, com todo o prejuízo que daí decorre em termos de celeridade e de desconhecimento. Muitas vezes, nem sequer é o problema do tempo, mas, sim, o das soluções, que em grande parte dos casos são adoptadas por ignorância das especificidades regionais na definição dos bens do domínio público.
Parece-nos, portanto, que, ficando aqui estabelecida a possibilidade de haver algum desenvolvimento e adaptação por parte dos órgãos regionais neste domínio, poderíamos - sem, obviamente, ofender os princípios fundamentais da lei, sobretudo tendo em conta o meio de desenvolvimento de que se trata - superar sem nenhum prejuízo essas questões que se têm colocado na prática, complementando e conciliando os interesses regionais, por
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um lado, e o respeito e a observância dos princípios gerais, por outro. Obviamente, se esses diplomas regionais de desenvolvimento não respeitassem a lei desenvolvida e os princípios que nela estão inseridos, isso seria passível de apreciação em sede do Tribunal Constitucional, pelo que não há o perigo de deixar aqui uma solução que não tenha o controlo institucional que a própria Constituição hoje já prevê. Para além disso, esta solução apresenta ainda a vantagem de ser uma benfeitoria que introduziríamos e que, na prática, tornaria mais eficiente a administração regional, quando esta tem de intervir nas áreas do domínio público regional e nas suas relações com entidades privadas.
Penso que é esta razão acumulada de várias situações ao longo dos anos que determina e inspira esta proposta que, como digo, é perfeitamente conciliadora dos interesses regionais, por um lado, e dos princípios da ordem jurídica nacional, por outro.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Guilherme Silva, se me permite, há aí dois equívocos!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Diga, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: * Vou apenas referir-me a eles a título de esclarecimento.
Em primeiro lugar, essa não é matéria de lei de bases, pelo que analisá-la em sede de decreto de desenvolvimento não tem sentido. O que a Constituição diz no artigo 168.º é que o regime de domínio público, pertença ele ao Estado, às regiões autónomas ou às autarquias locais, é de competência da lei da República. Todo o regime!
E o problema que pôs não foi um problema de lei mas, sim, de autonomia administrativa, isto é, o problema de saber quem é que pode ter competência para os actos administrativos que têm a ver com o domínio público, nomeadamente os actos de concessão de utilização do domínio público, etc. Portanto, esse é um problema de lei e não um problema de Constituição.
O que o Sr. Deputado aqui propõe não é isso; o que o Sr. Deputado propõe é que a competência para definir o regime dos bens do domínio público nas regiões autónomas caiba não à Assembleia da República mas às Assembleias Legislativas Regionais. Suponho que haja um duplo equívoco, porque não se trata tanto de benfeitoria, mas de outro sufixo ou prefixo!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): * O Sr. Presidente tem alguma razão na sua observação.
O que acontece é que a experiência nos diz que, nestas matérias, não podemos, desde logo, querer as soluções mais avançadas que a sua observação implica. Vamos tentar, desta feita, uma solução mais gradualista e na próxima revisão vamos dar conta desse sistema. Se ele não tiver resultado, naturalmente, já teremos o apport que V. Ex.ª trouxe agora, pelo que mais facilmente se irá mais longe.
O Sr. Presidente: * Não, Sr. Deputado! Aquilo que V. Ex.ª propõe é uma solução completamente à margem daquilo que quer. Aquilo que quer não é respondido por aquilo que pede! Aquilo que pede é para outra coisa!
Srs. Deputados, a proposta está em discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Infelizmente, não posso satisfazer aquela pretensão permanente do Sr. Deputado Medeiros Ferreira, procurando que eu fale em nome do partido nesta matéria para ele falar depois. Como tal, vou falar aqui a título pessoal.
Risos.
De modo que ainda não é desta feita que pode, a seguir a mim, usar da palavra.
Há aqui um problema suscitado por esta questão e que deve ser cuidadosamente ponderado. Na verdade, compreendo estas dificuldades de quem está longe das coisas estabelecer regras que, às vezes, não condizem bem com a realidade. Isso é um problema geral de todos os sistemas, mesmo dos mais pequenos. Mesmo numa freguesia pode tomar-se uma decisão que no lugar de tal, não sei onde, não está bem ajustada às coisas. Por isso é que os antigos falavam da equidade como meio de temperar a interpretação das leis gerais e abstractas. Há, portanto, essa dificuldade que é inerente a tudo.
No entanto, o domínio público faz parte do território do Estado. Desde logo, o domínio público marítimo. Quem fixa o domínio público marítimo diz até onde vai esse elemento essencial do território do Estado. É, portanto, um momento de soberania. Mais: o domínio público, mesmo o domínio público hídrico, por exemplo, e outras formas de domínio público, têm uma protecção própria. Se nós hoje dispomos de acesso ao Tejo, nós, os cidadãos comuns, devemo-lo, no fundo, ao Direito Romano, que lá longe, em Roma, estabelecia como é que era o leito do mar, até quantos metros ia, etc. Dizia ainda o Direito Romano que era na preia-mar da maré de águas vivas que se definia o leito do mar e que a partir daí ainda havia uma faixa a dizer sempre que era domínio público. Isso vem de longe, é antigo, e se ainda hoje dispomos de acesso a essas coisas é porque houve alguém lá muito longe, em Roma, que definiu critérios que tornaram fácil a esta geração manter o acesso a bens que são essenciais à vida em comunidade. De modo que retirar a definição do regime dos bens do domínio público, a definição dos bens e o seu regime, da competência da Assembleia da República é um passo… Compreendo as razões invocadas, mas esse é um passo delicado que mexe com a estrutura do próprio Estado.
Portanto, em nome pessoal, nesta matéria, digo que esta proposta é assaz ousada no domínio da correcta distribuição de poderes entre a República e uma região autónoma.
Muito obrigado.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Algo do que eu poderia eventualmente dizer já foi dito, quer pelo Sr. Presidente
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quer pelo Sr. Deputado Barbosa de Melo, mas admito, evidentemente, que há qualquer coisa para além daquilo que é o domínio público como manifestação da própria soberania do Estado e relativamente ao qual não faria sentido outra coisa que não fosse a reserva de competência dos órgãos de soberania sobre a definição do seu regime. No entanto, mesmo admitindo que há especificidades - e, seguramente, a Madeira tem especificidades geográficas que podem, eventualmente, ditar algumas soluções pontuais em relação a alguns aspectos do regime do domínio público, o que admito como perfeitamente legítimo -, tal não significa necessariamente que essas especificidades tenham de ser, pelo menos nos termos actuais da Constituição, reguladas por via do desenvolvimento de leis da República.
Reparem que o problema é o seguinte: das duas uma, ou a competência aqui em causa é a de legislar sobre o domínio público, e então não estaríamos a falar no âmbito da alínea c) mas, sim, no âmbito da alínea a), porventura com a nova formulação que lhe foi dada, ou então, e agora no âmbito da alínea c), esta competência é apenas de desenvolvimento. E disse o Sr. Presidente, e bem, que o artigo 168.º não estabelece que a reserva de competência da Assembleia seja para as bases gerais do regime do domínio público. Estabelece, sim, uma reserva de competência para a definição e regime do domínio público, ou seja, uma reserva de competência integral quanto ao regime da matéria e não apenas para as respectivas bases.
Por isso, percebi com alguma dificuldade qual poderia ser o âmbito da competência das Assembleias Legislativas Regionais, dado que não poderiam desenvolver bases gerais, porque todo o regime teria de ser fixado pela Assembleia da República. Aliás, hoje em dia, a Constituição impõe que seja assim, porque nos termos do artigo 84.º, n.º 2, diz-se que a lei define quais os bens que integram o domínio público do Estado, o domínio público das regiões autónomas e o domínio público das autarquias locais, bem como o seu regime, condições de utilização e limites. Tal significa que a própria Constituição admite que, por um lado, a lei tem de delimitar o âmbito do domínio público que pertence a cada uma das entidades territoriais - Estado, regiões autónomas e autarquias locais -, e que ela própria fixa o regime, ainda que eventualmente diferenciado, desses bens.
Isto significa que as especificidades de que fala e que eu reconheço existirem - e que, em relação a certas parcelas do domínio público, levam a que possa fazer sentido a existência de um regime diferenciado - têm de ser fixadas por lei, a qual define, por um lado, o âmbito do domínio público de cada um dos entes territoriais e fixa, por outro, o respectivo regime e as condições de utilização e limite, o que leva a que essas especificidades sejam tidas em conta na legislação que, sobre a matéria, vier a ser produzida.
Actualmente, nos termos da Constituição, por remissão do artigo 84.º, n.º 2, para o 168.º, alínea z), esta matéria é reserva de competência da Assembleia da República, eventualmente delegável ou autorizável para o Governo, mas sempre de todo o regime e não apenas das bases gerais. Daí não ter objecto a proposta de atribuir competência aos órgãos de governo próprio das regiões para desenvolver uma matéria que não é tratada pela Assembleia apenas nas suas bases gerais mas, sim, no seu todo.
Para além da discussão teórica, também há o aspecto prático de o nosso legislador, infelizmente, desde 1989 nunca ter estabelecido o regime do domínio público, pelo que ainda hoje continuamos sem ter um regime do domínio público. Só temos aspectos parcelares deste regime regulados em diplomas específicos, nomeadamente no caso dos bens, dos resíduos minerais, etc., em que há legislação específica. Mas ainda hoje a lei de que fala o artigo 84.º, n.º 2, não existe e não há, assim, um regime global do domínio público. É por isso que ainda hoje continuamos a utilizar as normas sobre cadastro como normas orientadoras da interpretação do regime do domínio público, o que é curioso porque aquilo que é instrumental acaba por se transformar naquilo que é substancial, dado que é praticamente a única coisa que existe sobre a matéria, pelo menos do ponto de vista do regime geral. De resto, apenas há, nalguns casos, normas especiais ou regimes parcelares de determinados bens do domínio público.
Portanto, mesmo que fizesse sentido, em algumas matérias, consagrar especificidades relativamente ao domínio público das regiões autónomas… E, porventura, até fará, talvez não naquelas especificidades em que esteja implicada a soberania, como as de delimitação das águas territoriais ou das camadas aéreas, mas porventura noutras que estão relacionadas com as condições de utilização do domínio público marítimo ou com o regime de gestão de alguns bens do domínio público e - porque não? - do próprio domínio privado disponível ou indisponível. De todo o modo, o que é facto é que mesmo que faça sentido haver algumas especificidades - e faz -, também faz sentido que essa matéria seja, nos termos da Constituição, tratada globalmente e que seja ela própria a consagrar as especificidades (porventura com a possibilidade de regulamentação administrativa que existirá sempre), concedendo obviamente aos órgãos do governo das regiões os poderes de gestão inerentes à titularidade que a própria lei lhe reconhecer. Aliás, é inegável que os poderes de gestão têm de estar atribuídos aos órgãos de governo da região, na medida em que a lei reconheça um determinado âmbito para o domínio público regional.
Quanto aos problemas de gestão, julgo que, tal como está apresentada a proposta, eles não se colocam. Quanto aos problemas legislativos, julgo que a proposta não tem objecto, visto que não há nada a desenvolver nos termos do artigo 168.º, alínea z), por remissão do artigo 84.º, n.º 2. Para além disto, nos termos actuais da Constituição, esta matéria, em princípio, tem de ser tratada globalmente, ainda que ela própria deva contemplar as especificidades relativas às circunstâncias geográficas e sócio-económicas das regiões autónomas. E acredito que a Madeira nesta matéria, até pela exiguidade do seu espaço ocupável ou habitável, seja necessariamente uma das situações a ter em conta.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
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O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Sr. Presidente, compreendo a argumentação do Sr. Deputado Cláudio Monteiro. Em termos conceituais e de rigor constitucional, é óbvio que, não sendo esta uma lei de bases, toda a crítica que lhe foi feita tem sentido.
De todo o modo, deixei aqui consignadas na minha última intervenção as preocupações que inspiram esta solução, pelo que o que queria aqui deixar complementado era o seguinte: uma ideia ou outra que possa ser a mais adequada, não no desenvolvimento mas na adaptação ou na implementação, não obstante a competência da Assembleia, se ficar também constitucionalmente consagrada - solução que admito variar para outra forma que não a do desenvolvimento mas a da regulamentação ou da adaptação - é também importante para o próprio legislador nacional que, sabendo embora que este regime é uma competência exclusiva da Assembleia, também passa a saber que a Constituição prevê a adaptação, ou a regulamentação, ou o desenvolvimento, ou outra forma que se tenha por mais adequada no domínio dos conceitos em termos regionais. É importante para o tal respeito pelas especificidades, pela tal margem que penso ser possível encontrar entre o respeito pelas competências constitucionais, os princípios que a própria legislação nacional insira e as soluções desenvolvidas, ou adaptadas, ou regulamentadas, que dêem resposta às questões concretas que levantei.
Portanto, peço-vos uma reflexão sobre estas questões, partindo de uma posição não radical de rejeição mas de uma melhoria de redacção, uma melhoria de soluções que vão ao encontro das minhas preocupações.
O Sr. Presidente: Sr. Deputado José Magalhães, tem a palavra.
O Sr. José Magalhães (PS):   Sr. Presidente, quando elaborámos o artigo 84.º da Constituição - e isso aconteceu só na segunda revisão constitucional em que o Dr. Rui Machete teve um papel especialmente importante enquanto, pela minha parte, procurei contribuir para burilar alguma das soluções, até porque era proponente originário de uma solução menos ambiciosa do que esta, que ficou consagrada definitivamente -, houve a preocupação, por um lado, de fazer um elenco dos bens que tipicamente pertencem ao domínio público. Aliás, basta a leitura do artigo 84.º, n.º 1, para se tornar evidente quão inadequada seria a solução proposta pelo Sr. Deputado Guilherme Silva, mas isso já está abundantemente demonstrado.
Gostaria só de chamar a atenção para o segundo aspecto que consagrámos no n.º 2.
Por um lado - e aqui não tenho exactamente a mesma opinião que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro -, consagrámos que é obrigatório que se defina por lei o regime das diversas componentes e dimensões do domínio público. Mas, na nossa intenção, não houve - e creio que a letra da Constituição não implica isso - a ideia de fazer uma lei única, digamos, a "super-lei", a "mega-lei" do domínio público. É normal que haja uma pluralidade de regulamentações, embora se saiba - e esse é o ponto comum - que todas elas têm de emergir do Parlamento, matéria esta em que a Constituição é clara e razoável.
No entanto, a Constituição não impõe um regime. Foi também por isso que se distinguiu entre os bens que integram o chamado domínio público do Estado, o domínio público das regiões autónomas, qua tale qualificado, o que não é pouco importante, e o domínio público das autarquias locais.
Isso aponta para diferenciações e adaptações de regime, além de que não esqueçamos que estamos a raciocinar num quadro em que estamos a reconfigurar o poder legislativo regional e em que não podemos esquecer as competências regulamentares regionais que, aliás, vamos ampliar.
Agora, uma coisa é certa: uniformidade de critérios e o impedimento de situações que não só poderiam originar colisões de regime como poderiam gerar colisões quanto à qualificação concreta que é a segunda dimensão que aqui está, uma vez que a Constituição comete ao Parlamento o poder de definir a própria composição, o que pode dar origem a conflitos. Já nem falo noutros conflitos que andam para aí, como aqueles que, numa determinada campanha eleitoral, nos levaram a ver um alto hierarca local, em relação a um bem do património público, clamar pela necessidade de desocupação urgente, apontando o edifício em causa. Isto não se passou no território dos Açores.
Risos.
Portanto, os conflitos poderiam ser potenciados e muito fortes e não devemos estimulá-los, Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, proponho que nos fixemos no teor das propostas…
O Sr. Guilherme Silva (PSD):   Sr. Presidente, apenas queria fazer um comentário à intervenção do Sr. Deputado José Magalhães.
Espero que esta proposta tenha, ao menos, o mérito de alertar para…
O Sr. José Magalhães (PS): Já teve!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): … aquilo que o Sr. Deputado José Magalhães referiu, e bem, que é a possibilidade constitucional de se criar um regime específico para o domínio público regional.
O Sr. Presidente: Aliás, o Sr. Deputado Guilherme Silva pode ter a iniciativa de apresentar uma proposta nessa matéria à Assembleia da República.
O Sr. José Magalhães (PS): Mas essa é uma conquista de 1989, Sr. Deputado!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - É, sim senhor!
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, vamos passar à alínea o), relativamente à qual existe uma proposta do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho que é a seguinte: "Aprovar as grandes opções de desenvolvimento regional e o orçamento regional e participar na elaboração das grandes opções de desenvolvimento".
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Penso que esta proposta tem a ver com outras, em matéria de planeamento, que o Deputado apresentou relativamente a artigos precedentes. Se essas vierem a ser alteradas, então, seria conveniente voltarmos a esta matéria para "afinar" o léxico constitucional, de acordo com o que vier a ser consagrado em artigos precedentes, em matéria de planeamento.
Deixo esta nota, porque penso que não teria vantagem discutirmos isto separadamente.
Vamos passar à alínea q), para a qual existe uma proposta do Sr. Deputado Guilherme Silva, de eliminação da expressão "o controlo regional dos meios de pagamento em circulação" do texto actual que é o seguinte: "Participar na definição e execução das políticas fiscal, monetária, financeira e cambial, de modo a assegurar o controlo regional dos meios de pagamento em circulação e o financiamento dos investimentos necessários ao seu desenvolvimento económico-social".
Sr. Deputado Guilherme Silva, tem a palavra.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): Penso que, apesar de constar na Constituição, esta é uma realidade mesmo ultrapassada, aliás, nunca executada, dadas as competências próprias de outros órgãos, designadamente do Banco de Portugal.
O Sr. Mota Amaral (PSD): Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Faça favor.
O Sr. Mota Amaral (PSD): - Para além do Sr. Deputado Guilherme Silva, também o PSD propõe a alteração dessa alínea q).
O Sr. Presidente: Eu próprio disse isso, Sr. Deputado Mota Amaral. Agradeço-lhe a ajuda. Em todo o caso, facto é que, relativamente à alínea o), só apresentei a proposta do Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD):   Acontece com frequência que as regiões autónomas nem sempre são ouvidas, embora já aqui tenhamos falado em alguns órgãos sectoriais de âmbito nacional em que as regiões têm assento e também vão dando o seu contributo, como é o caso, designadamente, do Conselho Nacional do Plano e outros em relação a estes sectores.
No entanto, é igualmente verdade que, com frequência, as regiões se debatem com o problema do financiamento de investimentos, designadamente dos que envolvem comparticipação comunitária, relativamente aos quais, em sede orçamental, não se asseguram os montantes necessários ao co-financiamento nacional, pelas razões que há pouco já debatemos quando tratámos do poder tributário, das relações financeiras e das questões financeiras, que ficaram suficientemente tratadas, abordadas, reveladas e confirmadas.
Portanto, penso que é razoável e compreensível que a participação nestas políticas vise também encontrar as soluções que assegurem esses investimentos e os meios financeiros para os mesmos que são indispensáveis à recuperação do atraso em que se encontravam as regiões autónomas quando foram instituídas as autonomias regionais - e a Constituição reconhece que assim era - e que, com grande esforço, vem sendo paulatinamente recuperado, mas que ainda marca uma distância relativamente ao nível geral nacional e maior ainda em relação ao nível dos países mais avançados da União Europeia.
Portanto, é esta preocupação que está exarada nesta proposta de alteração à alínea q) do artigo 229.º
O Sr. Presidente:   Sr. Deputado Guilherme Silva, na verdade, tudo o que disse está na Constituição. O que o Sr. Deputado não justificou foi a ablação que propõe e nisso consiste apenas a sua proposta.
O Sr. Deputado propõe a ablação da expressão "o controlo regional dos meios de pagamento em circulação".
O Sr. Guilherme Silva (PSD):   Sr. Presidente, o Sr. Deputado Mota Amaral estará melhor colocado para se pronunciar sobre isto, mas penso que esta é uma realidade que nunca funcionou.
Penso que nunca os órgãos do governo próprio das regiões tiveram o controlo deste sector que tem cabido a outras instituições, designadamente ao Banco de Portugal. Nem sei mesmo, com as soluções que hoje se articulam com a União Europeia no sector monetário e financeiro, se esta norma tem sentido e alcance práticos.
O Sr. Presidente:   Agora está justificada a proposta: a caducidade da norma.
Sr. Deputado Mota Amaral, faça favor.
O Sr. Mota Amaral (PSD):   Efectivamente, nunca houve execução orçamental para esse preceito, mas também devo dizer que não é a nós que compete propor que ele seja alterado.
Assim, o melhor é ficar o preceito e tudo o resto que o Sr. Deputado argumentou consta do texto constitucional actual.
O Sr. Presidente: O Sr. Deputado Mota Amaral quer preservar mesmo os "galhos secos"!
Risos.
O Sr. Mota Amaral (PSD): Bom, gostaria de propor deixá-los cair, mas num contexto negocial. Não assim, sem mais nem menos.
O Sr. Presidente: Se o problema é esse, nem eu dou um tostão por eles.
Risos.
Srs. Deputados, mais alguém quer pronunciar-se sobre esta proposta?
Claramente, não; não encontra qualquer eco.
O Sr. Mota Amaral (PSD): Portanto, vai ficar como está.
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O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Desta vez, na parte em que subsiste um poder autonómico, fico satisfeito com a rejeição também do Sr. Presidente.
O Sr. Presidente:   Não foi rejeição nenhuma. Sou partidário de "podar os galhos secos". Devo dizer que não me faria a mínima espécie cortar este "galho seco", mas não dou um "tostão furado" por tal…
Srs. Deputados, vamos passar à alínea r), relativamente à qual o Sr. Deputado Guilherme Silva apresenta uma proposta de alteração que não é cortar um "galho seco", é acrescentar uma "bomba". A proposta é, pois, no sentido de acrescentar uma co-governação do domínio público em águas territoriais, na zona económica exclusiva e em fundos marinhos contíguos.
Assim, nesta alínea r), onde se diz "participar na definição das políticas", o Sr. Deputado propõe que passe a constar "participar na definição e execução das políticas", estabelecendo aquilo a que chamarei uma "co-governação" do domínio público marítimo peninsular.
Sr. Deputado, tem a palavra.
O Sr. Guilherme Silva (PSD):   O que acontece muitas vezes é que as regiões participam em determinados órgãos nacionais que se ocupam destas matérias, emitem as suas opiniões, fica teoricamente definida determinada orientação, mas, depois, as entidades que detêm a execução das políticas desviam-se desses princípios e, consequentemente, digamos, a participação que constitucionalmente é atribuída às regiões autónomas é defraudada por uma prática e uma execução que é contrária ao que tinha ficado definido e orientado.
Portanto, esta ideia de introduzir uma participação também na execução é, no fundo, uma preocupação de garantia do primeiro princípio: o de que a participação não é meramente formal, não é uma presença meramente simbólica em homenagem às exigências constitucionais, mas tem uma tradução na sua efectividade prática.
A este propósito, lembro questões que se têm levantado neste domínio.
Ainda recentemente, surgiu um problema, que é delicado e relativamente ao qual não tem havido a cautela necessária da parte do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que é o das Ilhas Selvagens.
O problema das Ilhas Selvagens tem a ver com o domínio público marítimo e com as águas territoriais, mas só por apelo insistente dos órgãos do governo próprio é que foi possível admitir um representante da região nos órgãos do Ministério dos Negócios Estrangeiros que estão a negociar e a estudar a adesão de Portugal à Convenção do Mar.
Esta é uma questão concreta que tem a ver com a execução de políticas nestas áreas. Portanto, não é uma questão teórica, antes tem resultados e significado práticos.
O Sr. Presidente:   Seguramente, esta não é teórica, Sr. Deputado.
A proposta está em discussão.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): Só gostava de dizer que, quando fui Ministro dos Negócios Estrangeiros, pude enviar para as Selvagens um marinheiro que foi equipar as ilhas com alguns artefactos, mas não sei qual foi o futuro da execução.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - O marinheiro ainda lá está…!
Risos.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Aquilo que referi é o vosso contributo para a política externa, ou seja, os recursos humanos!
O Sr. Presidente:   Srs. Deputados, peço algum princípio de eficácia na discussão!
Mais algum Sr. Deputado quer pronunciar-se sobre esta proposta?
Aparte inaudível na gravação.
E eu só deméritos! É uma vantagem da nossa discussão e da nossa pluralidade!
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, tomando a voz do "sindicato continental", título que me foi imputado - não estou a inovar na definição -, parece-me, de facto, que esta é matéria de soberania e é matéria relativamente à qual há clara reserva dos órgãos da República, não se devendo estabelecer mais do que o direito de participação que já está previsto na Constituição.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente:   Srs. Deputados, o silêncio e alguns apartes de "Muito bem" a que eu me associo significam que a proposta não tem acolhimento, pelo que passamos à alínea t). Para esta, existe uma proposta do PSD que é convergente, naquela que me parece ser a sua parte útil, com a proposta do PS para alínea u), com a proposta do PCP para a alínea v) e ainda com a proposta do Sr. Deputado Guilherme Silva para a alínea s), se não estou em erro. Como tal, proponho que discutamos em conjunto estas propostas que pretendem criar um direito de participação no processo de construção da União Europeia. Com esta ou outra redacção, todas as propostas que enunciei têm um sentido comum e estão postas à discussão em conjunto.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): Não sei se o Sr. Presidente enumerou várias propostas que versam esta matéria.
O Sr. Presidente:   Sim, Sr. Deputado, falei da proposta do PCP para a alínea v). Não o discriminei!
Sr. Deputado Marques Guedes, tem a palavra.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, seguindo a introdução que V. Ex.ª fez, diria que está adquirido o princípio e que valeria a pena discutirmos a sua colocação.
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O Sr. Presidente: - A sua inserção e redacção!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Nesse sentido, explicitava apenas que o PSD opta por não utilizar a alínea final, que, enfim, é uma alínea residual, como é evidente, por nos parecer que a participação no processo de construção da União Europeia não deve ficar nessa alínea residual. A única razão que levou o PSD a optar por colocar esta matéria na alínea t) foi exactamente a de ser esta a alínea que se refere em termos materiais a poderes que têm que ver com a colaboração com entidades estrangeiras ou com outro tipo de organizações, como sejam as organizações internacionais. Portanto, parece-nos que é mais correcto colocar à cabeça da alínea t) a participação no processo de construção europeia, não o remetendo para uma alínea residual que tem que ver com a pronúncia sobre questões que, necessariamente no contexto global desta listagem de alíneas, serão matérias que têm menor importância. E o processo de construção europeia não nos parece que deva caber aí.
Nós, de facto, propúnhamos que esta matéria ficasse na alínea, seja a alínea t) ou não, que diga respeito aos poderes das regiões autónomas e ao seu relacionamento com organizações de entidades estrangeiras.
O Sr. Presidente:   Sr. Deputado, como compreenderá, não se trata aqui de uma simples questão de inserção, já que há, obviamente, propostas de alcance diferente. Em primeiro lugar, há uma proposta que pretende consagrar o direito de participação das regiões na construção europeia, havendo duas que consagram o direito de participar na definição da política nacional relativa à União Europeia. A primeira orientação corresponde à proposta do PSD e a segunda às propostas do PS e do PCP.
Estão à discussão as duas propostas com este entendimento diverso - não se trata, portanto, da mesma coisa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS):   O Sr. Presidente tirou-me as palavras da boca, visto que eu ia exactamente referir que uma coisa é, como faz o PSD, estabelecer a cooperação das regiões autónomas a nível da cooperação inter-regional na arquitectura geral regional da União Europeia ou até de outras entidades regionais internacionais e coisa diversa é aquela que o PS propõe, permitindo às regiões que se pronunciem por sua iniciativa ou sob consulta dos órgãos de soberania sobre as questões da competência destes que lhes digam respeito, designadamente as relativas à participação no processo de integração europeia. Como se vê, de acordo com esta proposta o âmbito da participação das regiões autónomas é muito mais vasto em todas as políticas, já que não se trata apenas do âmbito da política regional. Ou seja, não se encara aqui apenas a participação das regiões autónomas no Comité das Regiões, como, de certa maneira, se poderia deduzir do inciso que a proposta do PSD, quando a introduz na alínea t), sugere, reduzindo a participação destas regiões, de certa maneira, à cooperação inter-regional. Aqui, não! Aqui são todas as políticas que possam de alguma maneira, em termos da construção europeia, afectar as regiões autónomas que lhes dão o direito de participação.
Aliás, isto tem uma história que, creio, é bastante interessante e que, se me permitem e se tiverem paciência, realçarei, porque, na minha opinião, esta viragem da concepção da autonomia regional deu-se aquando da adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia. Contrariamente ao que aconteceu com as ilhas Faroé, na Dinamarca, ou com as ilhas Canárias, em Espanha, as regiões autónomas dos Açores e da Madeira não pretenderam estatutos diferenciados no tratado de adesão de Portugal às comunidades europeias. E creio que este simples facto é suficientemente claro da intenção de unidade nacional nesse desafio e nessa entrada, até porque, apesar de tudo, não se sabia exactamente até que ponto é que as consequências deste acto poderiam afectar as regiões autónomas. As regiões autónomas correram o risco de, em conjunto com o todo nacional, enfrentar esse desafio da participação de Portugal nas comunidades europeias, como eram designadas na altura.
E creio que, de facto, temos de consagrar uma participação das regiões autónomas na política geral da União Europeia e não só na sua política regional, até porque penso que no futuro haverá uma distinção interna à própria arquitectura europeia sobre o conceito de regiões. O Comité das Regiões é um amontoado de natureza diferenciada, de autarquias, regiões administrativas e regiões autónomas e penso que limitar a participação das regiões autónomas a esse domínio inter-regional parece-me escasso.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos, do PP.
O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): Sr. Presidente, por uma razão de economia, não sei se não deveríamos abordar também a alteração que o Partido Popular propõe para o artigo 231.º, n.º 2, relativamente à construção da União Europeia.
O Sr. Presidente: Tem toda a razão! O projecto do PP propõe a alteração do n.º 2 do artigo 231.º, que também versa sobre esta matéria.
O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP):   Embora admita que, porventura, a proposta do PS vá mais longe, o Partido Popular faz aqui a introdução da matéria da União Europeia no dever de audição que penso que discutiremos a seguir e que levantará outras questões.
De qualquer maneira, não queria deixar de sublinhar esta alteração proposta pelo Partido Popular.
O Sr. Presidente:   Fica registado, Sr. Deputado. De qualquer modo, tem toda a razão! Também versa sobre esta matéria a proposta de aditamento de um n.º 2 ao artigo 231.º, constante do projecto do PP, cujo enquadramento em termos de alcance normativo é semelhante ao do PS e do PCP, o que significa que também coloca esta questão de forma distinta da proposta do PSD.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
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O Sr. António Filipe (PCP):   Sr. Presidente, quero apenas salientar algumas diferenças, não propriamente de conteúdo, porque isso já foi referido, mas de sistematização que nos são propostas.
Quer o PS, quer o PSD, optam por aproveitar alíneas já existentes no artigo 229.º, no caso do PSD, a alínea t), no caso do PS, a alínea u), para acrescentar uma referência à participação no processo de construção da União Europeia. Parece-me que esta opção é um pouco forçada, isto é, que talvez valesse a pena autonomizar, dar uma maior dignidade constitucional a este direito de participação das regiões autónomas no processo de construção europeia. Creio que a proposta do PP vai um pouco nesse sentido e a nós parecer-nos-ia possível e adequado, precisamente neste artigo 229.º, dado que trata efectivamente dos poderes das regiões autónomas, criar uma alínea com essa referência. Como tal, é exactamente isso que propomos, que seja criada uma alínea v), atribuindo às regiões autónomas o direito de se pronunciarem sobre as questões que lhes digam respeito, relativas à participação de Portugal nas comunidades europeias.
Relativamente àquilo que nos é proposto pelo PSD, creio que esta formulação de participar no processo de construção da União Europeia pode ser tudo e pode não ser nada, porque, efectivamente, não se diz em que é que consiste essa participação e poder-se-á dizer que, mesmo que cá não estivesse, participação sempre haveria alguma, pelo que valerá a pena concretizar um pouco mais em que é que consiste este direito.
Relativamente à proposta formulada pelo Partido Socialista incluída na alínea u), que contempla já um direito de pronúncia, parece, de facto, que resulta um tanto desvalorizado este direito de participação, na medida em que se considera que este direito se insere num direito de pronúncia já existente e se explicita depois, designadamente no que é relativo à participação no processo de construção da União Europeia, deixando de alguma forma implícito que, mesmo que não se dissesse nada, poder-se-ia entender que haveria algum direito de pronúncia. Creio que nesta matéria seria adequado, dado até o estado que é conhecido do processo de integração europeia, consagrar uma nova alínea neste artigo relativa a essa matéria e essa é a razão fundamental de apresentarmos esta proposta.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral.
O Sr. Mota Amaral (PSD):   Sr. Presidente, da discussão que decorreu e da análise dos projectos, verifica-se que todos estamos de acordo em que é preciso fazer incluir neste articulado referente às regiões autónomas princípios claros sobre as questões da construção do processo da União Europeia. A diferença está no modo de os colocar no articulado e no conteúdo que se dá a esta participação regional.
O CDS-PP apresenta o problema inserido no direito de audição às regiões que o artigo 231.º, n.º 2, estabelece. Os outros partidos, os outros projectos, apresentam soluções diferentes. Uns falam em participar, outros falam apenas em pronunciar-se, o que não é exactamente a mesma coisa. Também a esse respeito estou certo de que o Partido Socialista admitirá um aprofundamento da sua reflexão, no sentido de enriquecer esta participação.
No entanto, quero fazer um aparte para lembrar que essa opção europeia das regiões autónomas é, de facto, uma decisão histórica. No caso dos outros, corresponde a uma verdadeira revolução copernicana, porque os Açores viveram sempre, ao longo de 500 anos, de costas viradas para a Europa e muito mais viradas, isso, sim, para o Novo Mundo. Mas a nossa opção foi a de participar nas comunidades europeias com um estatuto especial. Depois de aturado estudo, no qual me ajudou um amigo meu, o infelizmente malogrado António Patrício Gouveia, destacado do Ministério dos Negócios Estrangeiros para colaborar connosco, definimos, com a ajuda já referida, esta opção, e muito bem. Não quisemos fazer a opção das Ilhas Faroé, que quiseram ficar fora da Comunidade Europeia, ou da Gronelândia, que veio a sair da Comunidade Europeia já depois de ter entrado juntamente com a Dinamarca. Não! Nós queremos participar, mas queremos fazê-lo num estatuto especial, que é isso que temos estado progressivamente a conquistar.
Ou seja, relativamente à questão de fundo aqui apresentada, acho que valia a pena elaborarmos uma alínea, no âmbito destes poderes da região, que fosse mais além de uma fórmula genérica de participação no processo da União Europeia que, como muito bem diz o Sr. Deputado António Filipe, "pode ser tudo e pode ser nada".
De resto, já temos algumas pistas. Podemos até ir buscar outras sugestões à construção do texto constitucional para, depois, elaborarmos um texto consensualizável que enriqueça essa participação.
Já vimos que, tal como está na Constituição, as regiões autónomas podem participar nos tratados e acordos, podem participar na definição de políticas respeitantes às águas territoriais, etc., podem participar na definição e execução das políticas fiscal, monetária, financeira e cambial. Neste último caso, pelos vistos, sem que haja "dor" para a soberania, haveria, sim, se a participação fosse na execução das políticas sobre o domínio público marítimo e as águas territoriais.
O Sr. José Magalhães (PS): * Aí também participam.
O Sr. Mota Amaral (PSD): * Mas não na execução. Aí é que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro considerou que seria posta em perigo…
O Sr. José Magalhães (PS): * Não desvalorizemos as regiões autónomas.
O Sr. Mota Amaral (PSD): * Portanto, acho que, com esse diverso conteúdo, poderia urdir-se um texto que fosse suficientemente rico para valer a pena introduzir de novo na Constituição e, ao mesmo tempo, responder em plenitude à grandeza das questões que todo o processo europeu envolve.
Não podemos remeter apenas para um "pronunciar-se" sobre a iniciativa, tal como está na última alínea do n.º 1
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deste artigo 229.º Esta matéria é de tal maneira importante para Portugal, portanto, para todas as suas parcelas e, obviamente, também para as regiões autónomas, que, como tem sido dito várias vezes, deve ser densificada num sentido de a tornar exequível e enriquecedora para o conjunto do Estado português.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Medeiros Ferreira, faça favor.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): * Sr. Deputado Mota Amaral, se se encontrar essa fórmula consensual que acabou de propor, pergunto-lhe se tem algum problema em que passe a constar na última alínea do artigo 229.º.
O Sr. Mota Amaral (PSD): * Não.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, primeiro, é óbvio que todas as propostas significam um ganho.
Actualmente, não existe qualauer referência à participação das regiões autónomas nesta matéria e passaria a haver. Portanto, é um ganho.
Em segundo lugar, a proposta do PSD é especial em relação às outras, já que as outras implicam direito de participação na definição nacional da política em relação à União Europeia, enquanto o PSD consagra um direito directo de participar no processo da construção europeia. Mais do que isso, coloca-o na mesma alínea em que está contida a ideia de estabelecer cooperação com outras entidades regionais estrangeiras, de participar nas organizações que tenham por objecto fundamentar o diálogo de cooperação inter-regional. Isto é, seria dado às regiões autónomas, inequivocamente - aqui não há equivoco algum -, um direito "a se" de participarem como tal, à margem da República, nas instituições, na construção da União Europeia.
Portanto, claramente, esta proposta do PSD deve ser refraseada e recolocada nesta alínea. É que, com a terminologia actual, parece-me mal avisada, susceptível de criar mais uma frente de equívocos e de conflitos entre a República e as regiões autónomas, que de modo algum se afigura ser salutar nesta fase.
Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, essas suas preocupações não têm razão de ser, na medida em que, já hoje, o artigo 229.º prevê essa participação, não especificamente em relação à União Europeia mas relativamente à participação em negociações, tratados e acordos internacionais, e, depois, há essa intervenção autónoma. Designadamente, esta cooperação inter-regional, "a se", não é ao lado, nem em co-participação com órgãos nacionais; apenas está subordinada às orientações definidas pelos órgãos de soberania…
O Sr. Presidente: * O Sr. Deputado entendeu-me, seguramente.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Não é uma novidade. Portanto, salvo o devido respeito, V. Ex.ª tem um receio excessivo nessa matéria.
Quero subscrever inteiramente a intervenção do Sr. Deputado Mota Amaral e referir que este aditamento deverá ser feito com a redacção que seja a síntese das propostas que estão sobre a mesa, mas sempre com contornos que não a deixem, digamos, "andar para trás" relativamente ao que já está efectivamente adquirido. Essa é uma questão fundamental.
Quanto à importância da relação que as regiões autónomas têm com a União Europeia, basta lembrar - voltando aos aspectos financeiros - que anos há em que as comparticipações europeias são maiores do que as do Orçamento do Estado em relação às regiões autónomas, o que dá bem a noção da importância que devem ter a presença e uma intervenção efectiva dos órgãos regionais nesta matéria.
Tanto quanto percebi, o Sr. Presidente tinha posto à discussão um conjunto de alíneas, designadamente…
O Sr. Presidente: * Todas as que têm a ver com esta matéria. Só as que têm a ver com esta matéria.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Muito bem.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, está em discussão.
Creio que é tempo de apurarmos qualquer conclusão. Por mais importantes que sejam as regiões autónomas, temos de avançar.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Mas justifica-se esta nossa reflexão aprofundada, ampla e enriquecedora?
O Sr. Presidente: * Sem dúvida.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): * A proposta que o Sr. Deputado Mota Amaral fez parece-me de encarar.
O Sr. Presidente: * A saber?
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): * A saber que se poderia tentar elencar uma nova redacção…
O Sr. Presidente: * Numa alínea autónoma?
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): * Sim, numa alínea autónoma,…
O Sr. Presidente: - Com base em?
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): * … com base nas propostas do PS e do PSD, presumo eu. O Sr. Deputado Mota Amaral dirá.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Para obtermos uma garantia de equilíbrio, podíamos pedir ao Sr. Deputado Mota Amaral que redigisse essa alínea.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, registo, pois, abertura, quanto a este aditamento. Aliás, mal seria que assim não fosse, havendo propostas todas convergentes, só que, claramente, uma "vai até Coimbra" e outra "vai até Bruxelas"…
Página 1722
Sr. Deputado José Magalhães, faça favor.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, creio que tudo indica que, ao contrário do que aconteceu na revisão constitucional de 1992, em que uma proposta do Partido Socialista no sentido de se consagrar um módico de intervenção das regiões autónomas no processo de construção europeia, não obteve, infelizmente, consagração…
O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Não era bem a mesma coisa…!
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Deputado, basta ir consultar as respectivas actas. Era exactamente essa a finalidade.
Como dizia, essa proposta do Partido Socialista não obteve consagração enquanto, neste caso, tudo indica que sim.
No entanto, Sr. Presidente, talvez precisemos de algumas horas para apurar uma redacção, já que, desse ponto de vista, a do PSD constitui uma base de trabalho difícil, porque coloca a participação na construção da União Europeia, ou o acto de opinar sobre essa matéria, na dependência de orientações definidas pelos órgãos de soberania com competência em matéria de política externa, o que é uma solução boa para a cooperação inter-regional, mas não é uma solução boa quando se trata de opinar sobre questões que lhes dizem respeito. Não é? Creio que isto é evidente.
O que não faz sentido é uma actuação subordinada numa área onde não há razão alguma para essa subordinação. O eixo de intervenção é que é diferente, porque se situa num momento preparatório da decisão, portanto, temos grande liberdade para opinar. Seria quase absurdo que as regiões autónomas opinassem sobre matérias da construção europeia, que lhes dizem respeito, de acordo com as instruções dos órgãos de soberania. Não faz sentido, pura e simplesmente. Esse é um defeito congénito.
Pela nossa parte, talvez precisemos de meia dúzia de horas. Vamos todos "levedar" as redacções. A nossa, enfim, era uma razoável base de trabalho, mas esta discussão tem de ter alguma projecção pelo que, na próxima semana, teremos ocasião de trazer uma redacção, adquirido que está o consenso de inserir isso numa alínea autónoma e daí garantir, por um lado, que há uma intervenção nas questões que lhes dizem respeito, por outro lado, que é uma intervenção também em tempo útil e face a informações que lhes devem ser prestadas.
Creio que estas três componentes - informação bastante, tempo útil e intervenção nas questões que lhes dizem respeito - são razoáveis para uma intervenção reforçada que é muito importante nesta fase e neste ciclo histórico.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado António Filipe, tem a palavra.
O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Presidente, depois de tudo o que foi dito, creio que as opiniões convergem praticamente na proposta do PCP, na medida em que é uma alínea autónoma, é a última alínea, e tem presente, de facto, as várias componentes que os Srs. Deputados referiram. Portanto, creio que é uma base de trabalho quase acabada, naturalmente sujeita a aperfeiçoamentos posteriores.
O Sr. José Magalhães (PS): * Falta-lhe a dimensão "informação" e a dimensão "tempo útil".
O Sr. António Filipe (PCP): * Sim, mas isso pode perfeitamente ser acrescentado.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado António Filipe, creio que tem toda a razão.
Vamos passar adiante, à proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, serei muito rápido, apenas pretendo dar resposta a um comentário feito à margem pelo Sr. Deputado Mota Amaral e que não dei em tempo oportuno, para não quebrar o ritmo do debate.
É que não é por acaso que a alínea q) distingue a participação e lhe associa também a execução, contrariamente ao que acontece nas alíneas s) e t). Em matéria de política fiscal monetária, não estamos no âmbito restrito da soberania reservada à República, porque não se trata nem de relações externas, nem de defesa externa, nem de segurança interna, nem de justiça. Portanto, saindo fora desse âmbito, já faz sentido que as regiões autónomas não só participem na definição da política como também na execução.
Agora, no âmbito que é reservado à soberania é que, cuidadosamente, o legislador constituinte apenas falou em participação na definição da política e não lhe associou a execução.
É só esta a resposta ao comentário que o Sr. Deputado fez um pouco à margem.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos passar à proposta do Sr. Deputado Guilherme Silva, bastante pródigo nestas alterações ao artigo 229.º, de aditamento de duas novas alíneas s) e t) ao artigo 229.º.
Ponho-as à discussão em conjunto.
Em primeiro lugar, temos a alínea s): "Legislar em matéria de estatuto dos titulares de órgãos do governo próprio dos Estados Regionais, desenvolvendo e concretizando os princípios definidos na Constituição da República e na respectiva Constituição Regional;".
Quanto à proposta de uma nova alínea t), é a seguinte: "Introduzir alterações específicas na área da educação, com respeito pelo sistema nacional de ensino;"
Sr. Deputado Guilherme Silva, tem a palavra.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Sr. Presidente, se V. Ex.ª não se opuser, parecer-me-ia bem que discutíssemos separadamente porque a matéria das alíneas propostas é completamente distinta.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, o pedido está deferido. Vamos discutir as alíneas separadamente. Comecemos pela alínea s).
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O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Esta nova alínea s), agora proposta, articula-se com a disposição do actual artigo 233.º, n.º 5, o qual estabelece que o estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas é definido nos respectivos estatutos político-administrativos.
VV. Ex.as sabem que há alguma discussão doutrinária acerca do estatuto dos titulares de determinados órgãos políticos, designadamente quanto a saber se o mesmo abrange ou não o chamado "estatuto remuneratório". Esta matéria tem sido objecto de alguma controvérsia, designadamente no âmbito do Tribunal Constitucional, e tem trazido algumas dificuldades às regiões autónomas.
Penso que, pela sua relevância e importância, está em causa a dignidade dos membros dos órgãos de governo próprio, uma vez que é o seu estatuto que também está em questão. Assim, creio que deveríamos encontrar uma solução, em sede de revisão constitucional, que ponha termo a algumas dessas controvérsias e dúvidas.
Não tenho presente o que diz exactamente o Estatuto Político-Administrativo dos Açores, mas, quanto ao da Madeira, creio que se encontrou uma solução que tem uma norma similar, pela qual se estabeleceu que os órgãos de governo próprio adaptariam o estatuto dos titulares dos órgãos de soberania, no cumprimento deste n.º 5 do artigo 233.º da Constituição.
Acontece que o Tribunal Constitucional considerou essa norma inconstitucional por entender que o n.º 5 do artigo 233.º obrigava à definição in integro, no estatuto político-administrativo, do estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio, não sendo possível, portanto, remeter para a lei essa adaptação, designadamente no que diz respeito a diplomas regionais.
Ora, também aqui há uma questão que me parece delicada, porque, do meu ponto de vista, não faz grande sentido, do meu ponto de vista, que a Assembleia Legislativa Regional não possa definir, por exemplo, o estatuto dos seus deputados, dos seus titulares. É uma questão que me parece que está mal. É evidente que também compreendo que haja princípios gerais que têm de ser tidos em conta, designadamente os modelos do estatuto em relação aos órgãos de soberania, mas não me parece que, constitucionalmente, se possa levar isto a ponto tão limitado e tão isento.
Portanto, não posso abordar esta alínea s) do artigo 229.º sem abordar também a alteração que se propõe ao n.º 5 do artigo 233.º, pelo que, se o Sr. Presidente me permitir, começarei exactamente por aí. Em relação a este número, onde se diz hoje que "o estatuto dos titulares dos órgãos do governo próprio das Regiões Autónomas é definido no respectivos estatutos político-administrativos", passar-se-ia a dizer que "os princípios a que deve obedecer o estatuto dos titulares do governo próprio dos Estados regionais ou das Regiões Autónomas são definidos nos respectivos estatutos". Aí não se definia exaustiva e pormenorizadamente o estatuto dos titulares do governo próprio mas, sim, princípios, cabendo, depois, à Assembleia da República, ao aprovar o estatuto político-administrativo, fixar esses princípios que deviam inspirar a regulamentação e o recorte dos estatutos dos titulares de governo próprio. Depois, de harmonia com a redacção que proponho para a alínea s), seriam os órgãos de governo próprio, seria a Assembleia Legislativa Regional que definiria esse estatuto dos órgãos de governo próprio, desenvolvendo e concretizando os princípios definidos na Constituição e no Estatuto.
Portanto, havia aqui uma hierarquia totalmente respeitada e, ao mesmo tempo, aquilo que me parece de elementar dignidade que era conferir à Assembleia Legislativa Regional, repito, com este espartilho decorrente da Constituição, do estatuto, da lei aprovada pela Assembleia da República, a definição, em última análise, do seu Estatuto já sem termos de entrar na discussão sobre se esta exigência constitucional envolve ou não o estatuto remuneratório e outros aspectos laterais do estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio.
E esta, pensamos nós, era uma fórmula que afastava as dúvidas e as questões de inconstitucionalidade que se têm levantado quando as Regiões têm pretendido legislar ou têm legislado sobre esta matéria; não se dava um "cheque em branco", digamos assim, às Assembleias Legislativas Regionais para poderem criar estatutos diferenciados ou excessivamente diferenciados de um modelo básico que está definido ou que se definiria em relação aos outros órgãos designados naqueles órgãos de soberania.
Assim, em sede do estatuto político-administrativo e, portanto, com a intervenção da Assembleia da República definiam-se os princípios que iriam inspirar o estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio e depois, em diploma da Assembleia Legislativa Regional, se dava a formulação final e completa desse mesmo estatuto.
É basicamente isto que aqui se propõe articuladamente entre a alteração ao n.º 5 do artigo 233.º e esta alínea s) do artigo 229.º É neste sentido que faço um apelo aos vários grupos parlamentares e Deputados sem, obviamente, estar aqui a fazer uma exigência de que tudo o que aqui está fique, até porque há questões que não têm de ficar por razões já de discussão dos artigos antecedentes, como seja a designação "Estados regionais"... Mas eu fazia, realmente, um apelo no sentido de encontrarmos uma fórmula que encontre uma conciliação das questões e dos princípios que estão em causa nesta legislação e nesta solução.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Guilherme Silva, um esclarecimento: mas, então, a questão dos estatutos dos titulares não é uma matéria eminente de todo e qualquer estatuto de organismo territorial?
O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Não percebi a sua pergunta, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: * O estatuto dos titulares dos órgãos não é matéria eminente de qualquer estatuto de uma colectividade territorial?
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O Sr. Guilherme Silva (PSD): * É, só pode ser!
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Barbosa de Melo, faça favor.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Presidente, muito obrigado.
Também eu queria fazer um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Guilherme Silva.
Compreendo as razões, em geral, que ele aduz, mas além de isto bulir com alguma coisa de essencial - e ninguém tem medo que o Estado caia por termos essas cautelas, temos o dever de as fazer, a nossa geração tem o dever de preservar estas coisas que não fomos nós que fizemos, somos apenas passageiros e muito transitórios de uma estrutura que nos transcende de trás para a frente.
Mas eu gostava de saber isto para poder pensar bem porquê esta proposta.
Quais são os problemas práticos, efectivamente postos aí, na prática jurídica, na prática autonómica, que o Estatuto não resolve e que esta fórmula iria resolver? Que dificuldades é que sentem nessa matéria?
O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Sr. Deputado, a questão é esta: qual era o quadro constitucional e legal existente?
O quadro constitucional era o que a Constituição dizia no artigo 233.º, n.º 5, ou seja, que o estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio seria definido no estatuto político-administrativo da região. Entendeu-se não entrar nessa pormenorização, talvez esta fórmula constitucional não tenha sido a mais avisada, entendeu-se não entrar nessa pormenorização de definição dos estatutos dos titulares dos órgãos de governo próprio ou de uns estatutos político-administrativos e referiu-se que, por legislação regional (o Estatuto diz isso), proceder-se-á à adaptação do estatuto dos titulares dos órgãos de soberania, designadamente no caso dos Deputados dos Estatutos dos Deputados à Assembleia da República, proceder-se-ia à adaptação desse estatuto às assembleias legislativas regionais.
Só que esta solução veio a ser considerada inconstitucional.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Mas a minha pergunta é esta: e porque é que os órgãos regionais não apresentaram uma proposta de lei, nomeadamente a Assembleia Legislativa, à Assembleia da República para isso ser objecto de uma alteração ao Estatuto em inconformidade?
O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Parece que mesmo essa solução era inconstitucional...
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Porquê?
O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Porque o entendimento do Tribunal Constitucional era o de que o Estatuto Político-Administrativo devia, ele, acolher e consagrar toda a definição do estatuto em homenagem ao artigo 233.º...
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Mas fazia-se uma apostilha ao Estatuto que ainda faz parte do Estatuto.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Não pode ser. Das duas uma: ou era uma alteração ao Estatuto e estava respeitado, de harmonia com o que o Tribunal Constitucional entendeu, o n.º 5, ou, se era uma simples lei, o n.º 5 não estava...
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Mas fazia-se uma alteração ao Estatuto.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Cláudio Monteiro, tem a palavra.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - É apenas um pedido de esclarecimento. É porque tenho aqui o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores e, tanto quanto me é dado perceber, as únicas duas remissões são exclusivamente para o estatuto remuneratório.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra, Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): * O problema que se põe é que o próprio Tribunal Constitucional entende que o próprio estatuto remuneratório integrará esta ideia de estatuto que se define aqui.
O Sr. Presidente: * E o Sr. Deputado achou que era ilegítima aquela remissão?!...
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Parece-me a mim, pelo que vejo, que era só isso que estava em causa. Aliás, o Estatuto até vai bastante fundo no desenvolvimento, até estabelece o regime de previdência dos deputados à Assembleia Legislativa Regional. Portanto, parece-me que cobre, no essencial, o estatuto dos titulares dos cargos políticos, quer deputados, quer membros do Governo.
As únicas duas remissões que encontro aqui é nos artigos 31.º e 54.º...
O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Não me estou a referir ao Estatuto da Madeira.
O Sr. Mota Amaral (PSD): * Nunca foram considerados inconstitucionais.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não foram? Essas duas que remetem para adaptação o regime remuneratório.
O Sr. Mota Amaral (PSD): * Nunca foram consideradas inconstitucionais.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Em relação à Madeira foram.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, o alcance é claro. Srs. Deputados, quero a definição de posições se for possível.
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Sr. Deputado António Filipe, faça favor
O Sr. António Filipe (PCP): * Parece-nos que esta matéria do estatuto dos titulares dos órgãos próprios de governo das Regiões é típica matéria de estatuto político-administrativo das Regiões. Portanto, entendemos que a solução que consta da Constituição, actualmente, é correcta. Não subsiste problema algum relativamente ao Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, que remete para regulamentação aspectos meramente regulamentares e que todo o essencial do estatuto dos titulares dos órgãos de governo da Região estão devidamente tratados no Estatuto Político-Administrativo da Região.
Mas já a situação que se possa na Madeira é outra e é, de facto, uma situação lamentável que é dada a solução que foi vertida no Estatuto Político-Administrativo e que, com razão, foi considerada como inconstitucional provocou uma situação que faz com que, na prática, relativamente à Madeira existe um estatuto indefinido que, por exemplo, leva a que não existam na prática situações de incompatibilidade, por exemplo, como existem para os deputados da Assembleia da República, para os membros do Governo da República.
É uma situação anómala e que é urgente ser corrigida, mas terá de o ser, naturalmente, em sede de estatuto político-administrativo.
Não se trataria de alterar, tratar-se-ia de regular uma matéria que, infelizmente, não está regulada.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, continua a discussão.
Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): * As razões aduzidas e o debate travado explicam sem mais que não estejamos disponíveis para alterar, neste sentido tão lábil, o texto constitucional cuja vigência acarretou conflitos interpretativos decorrentes de um curso muito singular existente numa Região Autónoma, de resto, felizmente só numa, em condições que, espero, venham a ser morigeradas brevemente.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra, Sr. Deputado Guilherme Silva, pela terceira vez.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Tanto quanto sei, nos Açores há um diploma regional que define o estatuto dos deputados à Assembleia Regional...
O que acontece é que na Madeira um diploma semelhar, embora elaborado e aprovado noutra altura, foi considerado inconstitucional nos termos que referi.
O Sr. Presidente: * E bem, Sr. Deputado, a meu ver bem. Portanto, deve ser integrado no estatuto.
Sr. Deputado Marques Guedes, faça favor.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, eu não queria prolongar o debate, mas queria deixar em aberto porque há uma questão que penso que está a ficar clara e alguns Srs. Deputados não estão a querer equacioná-la e que é a seguinte: a realidade é que acontece que na Região Autónoma dos Açores foi aprovada um diploma regional que procedeu à adaptação do estatuto remuneratório. Esse diploma regional, como não foi submetido pelo Ministro da República ao Tribunal Constitucional, está em vigor há uma série de anos.
Na Madeira, quando os órgãos do governo próprio tentaram legislar, mutatis mutandis, usando o mesmo tipo de competência, o assunto foi remetido pelo Ministro da República ao Tribunal Constitucional e "patinou"...
Risos.
Portanto, no mínimo há uma situação de inequidade e acho que obviamente não podemos fechar os olhos a isto. Se calhar não temos, neste momento, condições e não queria alongar a discussão, mas acho que vale a pena tomarmos consciência disto e reflectirmos para ver qual é a forma de obviar a esta situação caricata de haver duas regiões autónomas que aparentemente, nos termos da Constituição, estão sujeitas a um regime perfeitamente idêntico e depois na prática não acontecer assim.
O Sr. José Magalhães (PS): * É a chamada "patinadela" com força obrigatória geral.
Risos.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, ainda não está consagrada a igualdade nem a inconstitucionalidade.
Srs. Deputados, quem quer pronunciar-se sobre a matéria?
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, nada de novo aconteceu na sequência desta interrogação. Aliás, o PSD nacional não sentiu necessidade de se interrogar nesse sentido até há dois minutos...
Mas agora que está lançada a interrogação espero que encontrem uma resposta e que a tragam em termos que sejam operativos.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Guilherme Silva, tem a palavra pela quarta vez.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): * A questão é simples: bastará ou não à coerência e à harmonia constitucionais que se consagre aqui, até por razões práticas - porque, obviamente, há alterações em termos secundários, que não são compagináveis em princípio…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Guilherme Silva, permita-me uma pergunta um pouco provocativa: o Estatuto Político-Administrativo da Madeira tem no regime eleitoral matéria que lá não devia de estar. No entanto, o Sr. Deputado quer retirar do estatuto regional aquilo que lá deve estar.
Não considera que isto é um bocado…
O Sr. Guilherme Silva (PSD): Desculpe, Sr. Presidente, mas penso que a comparação não tem razão de ser,
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porque o problema é este: relativamente a esta área, há razões de eventual alteração com maior frequência e o estatuto quer-se algo de estabilizado.
Parece-me perfeitamente razoável e correcto, do ponto de vista da harmonia e da coerência constitucionais de que falava há pouco, que se atenue esta norma do n.º 5 do artigo 233.º, em termos de exigir que o Estatuto consagre os princípios fundamentais e que se permita à Assembleia Regional definir depois em diploma regional, sempre em conformidade constitucional e estatutária, essa lei que, ao fim e ao cabo, como se acabou aqui de dizer, está a vigorar para os Açores sem mal para ninguém, sem que a unidade nacional seja atentada, sem que alguém se tenha lembrado de que a Constituição estava, porventura, a ser gravemente ofendida. Esta é que é a questão.
O Sr. Presidente:   Srs. Deputados, no estado actual, a proposta não tem acolhimento. Se vier a ser "recarregada", obviamente que será considerada.
Para introduzir outra proposta à mesma linha t) do artigo 229.º - "introduzir alterações específicas na área da educação" -, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD):   Sr. Presidente, tem sido uma questão controvertida saber se o sistema de educação nas regiões autónomas, designadamente na Madeira, deve ser completamente fiel àquilo que está estabelecido em termos nacionais.
É propósito e preocupação das autoridades regionais (e estou a falar nisto porque resulta de uma prática que se tem observado) que não há conveniência nem necessidade em deixar de observar o sistema nacional de ensino nas regiões autónomas, mas que há, na sua história e na sua cultura, realidades regionais e vertentes sociológicas que devem ser transmitidas em termos de ensino às novas gerações e que não estão aí contempladas. E o sistema de ensino nacional não colmata essa lacuna de forma suficientemente relevante para completar o quadro das preocupações legítimas da região.
Por outro lado, em relação às regras estabelecidas no sistema de ensino nacional, há a necessidade de adaptações que, por vezes, vão contrariar ou ofender leis básicas da República.
Portanto, esta é uma disposição flexibilizadora, mas que, obviamente, salvaguarda todos os aspectos: um, da especificidade e, outro, da subordinação ao respeito pelo sistema nacional de ensino.
O Sr. Presidente:   Srs. Deputados, a proposta está em discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS):   Sr. Presidente, ouvimos com muita atenção as observações feitas, mas a proposta que os Srs. Deputados do PSD, Guilherme Silva e outros, apresentam introduz dois espaços de ambiguidade em busca de uma flexibilidade que já é possível.
A flexibilidade é uma coisa e a dissolução daquilo que são regras comuns e básicas do sistema de ensino - e que importa que o sejam em todo o sistema de ensino, dando-lhe assim a sua componente republicana e laica nacional, que é inevitável e desejável - é inconveniente e susceptível de induzir grandes equívocos e alguns desvios indesejáveis.
Ou seja, em síntese, tudo aquilo que é respeitável pode ser conseguido; tudo aquilo que o Sr. Deputado permite inclui coisas que não são excessivamente respeitadas.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): Quais, por exemplo?
O Sr. José Magalhães (PS):   O problema é que o conceito de alterações específicas é, sobretudo em acoplagem como o faz e com a liberdade que é consagrada… Porque repare: é uma alínea autónoma - liberdade de introduzir - que se acopla e soma às alíneas a), b) e c). Portanto, é um aliud de um mais em relação a esses poderes (a não ser que não o seja, mas não é isso que incorre da proposta).
Isto significa a possibilidade de reduzir a um fio ténue e verdadeiramente sem capacidade condutora aquilo a que se chama, por simpatia, "sistema nacional de ensino", conceito que seria útil ter menos indeterminado, e dá carta branca para um campo de imaginação cujos limites não são fixados.
É este o problema, Sr. Deputado.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): Que receios excessivos, Sr. Deputado José Magalhães!...
O Sr. José Magalhães (PS): Não há receio algum. É uma questão de rigor.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, cada vez vejo mais virtualidade na base de trabalho que ontem nos propôs para as alíneas a) e b) deste artigo 229.º Penso que a questão que estamos a discutir está resolvida, por força da proposta que é feita pelo Sr. Presidente.
Penso que posso dizer, desde já, que o Partido Socialista é o único que concorda com esta proposta, porque apresentou já um artigo 230.º - que vai ser obviamente estudado dentro da base de trabalho que o Sr. Presidente nos colocou -, onde enuncia as matérias de reserva exclusiva de competência dos órgãos legislativos nacionais que estão no artigo 167.º, no qual também estão as bases gerais do sistema de ensino.
Portanto, é evidente que se a única coisa que fica reservada à Assembleia da República são as bases gerais, no conteúdo útil da proposta do próprio Partido Socialista (que consubstanciaremos através da base de trabalho que nos foi proposta pelo Sr. Presidente desta Comissão), sempre será competência legislativa das regiões, respeitando as bases gerais do sistema de ensino, legislar sobre matérias que possam ter que ver com o interesse específico da região, com algumas especificidades próprias.
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Com toda a franqueza, Sr. Presidente, penso que esta discussão será seguramente resolvida através da solução que for encontrada, por todos em conjunto, de acordo com a proposta que nos fez ontem.
O Sr. Presidente:   Srs. Deputados, é claro que esta questão pode ser metida na plataforma que meti, mas é também claro que não aprovarei nenhuma configuração dessa plataforma que inclua esta possibilidade.
Há um limite para a unidade da República que tem a ver com a unidade do sistema de ensino. Não pode haver dois sistemas de ensino da República.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): V. Ex.ª considera que a proposta do PS não respeita esse limite?
O Sr. Presidente:   Claramente que não.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP):   Sr. Presidente, é inequívoco que já é matéria da reserva absoluta da Assembleia da República a definição da lei de bases do sistema educativo - nos termos constitucionais, diz-se lei de bases do sistema de ensino.
Acontece que não é apenas esse o único diploma básico do sistema educativo que implica, por sua natureza, a aplicação a todo o território nacional incluindo as regiões autónomas. Estou a lembrar-me, por exemplo, do regime de acesso ao ensino superior. Não estou a ver que possa ser definido um regime para os cidadãos do Continente e um outro regime…
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - V. Ex.ª está com receios que não têm razão de ser.
O Sr. António Filipe (PCP):   Há um regime para esses cidadãos para os exames ad hoc, como há para os cidadãos de Macau, que está definido no diploma legal que define o regime geral de acesso ao ensino superior.
Efectivamente, não vejo que os cidadãos das regiões autónomas tenham necessidades educativas especiais que justifiquem um ensino especial.
Creio que o sistema de ensino deve ser único, no sentido em que existe um enquadramento jurídico que deve ser respeitado em todo o território nacional.
Evidentemente que mal andaria o nosso sistema educativo se as especificidades do meio onde esse ensino é ministrado não fossem consideradas nas aulas. É evidente que a forma como é ministrado o ensino a uma criança ou a um jovem, um estudante em geral, da Área Metropolitana de Lisboa não pode ser a mesma da utilizada numa região isolada numa escola que tem dois ou três alunos... É completamente diferente e tem de ser. Mal andaria o sistema educativo se não fosse.
No entanto, isso não implica que deva haver um ordenamento jurídico diverso para as várias regiões do País. E esta proposta permite alterações específicas na área da educação, visto que o que aqui se diz nem sequer aponta para uma adaptabilidade das especificidades regionais, mas para a introdução de alterações na área da educação.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): Com respeito ao sistema de ensino.
O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Deputado, não basta respeitar o sistema de ensino. Coisa que, aliás, não sei o que seja.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não sabe?
O Sr. António Filipe (PCP): Na forma como está apresentado, não sei o que seja.
O Sr. Presidente: Sr. Deputado Guilherme Silva, tenho-lhe dado a palavra sempre, pelo que peço que poupe os apartes.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): Sr. Presidente, os apartes são um instituto parlamentar.
O Sr. Presidente: Claro que são. É óbvio! Estava a dizer que os poupe e não que os evite.
O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, para abreviar razões, direi que esta proposta apontaria para a possibilidade da existência de vários sistemas educativos, o que se afigura manifestamente indesejável.
O Sr. Presidente:   Srs. Deputados, penso que estamos todos de acordo, incluindo o próprio proponente, que a proposta, tal como se apresenta, não se mostra viável.
É óbvio que, a meu ver, a questão pode ser retomada após a alínea a), b) e c), isto é, a propósito do poder legislativo regional. Desde já lhe garanto que não colaborarei, em nenhuma circunstância, em dar-lhe guarida nas alíneas a), b) e c).
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD):   Sr. Presidente, esta discussão está a levantar uma questão que me está a preocupar, a trazer alguns receios...!
Parece-me que o artigo 230.º proposto pelo Partido Socialista foi apresentado com reserva mental…
O Sr. José Magalhães (PS): Se o Sr. Deputado ler o artigo, não encontra lá nada do que disse que lá estava!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): … com o pressuposto de que não seria acolhido. E quando se desenha aqui uma inclinação de acolhimento, sinto cada vez mais…
O Sr. José Magalhães (PS): Leia o artigo, Sr. Deputado! Onde é que encontra essa matéria no artigo?
O Sr. Guilherme Silva (PSD):   … os Srs. Deputados do Partido Socialista incomodados com essa possibilidade.
Espero que retomem a apresentação inicial e que não vão mutilar de tal maneira o artigo 230.º que ele deixe de ter qualquer razão de ser.
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O Sr. Presidente:   Sr. Deputado Guilherme Silva, hoje esta questão está contemplada na alínea c), que pressupõe que as leis de base em matéria reservada só podem ser objecto de desenvolvimento pelas regiões autónomas em certos casos, onde não se conta esse caso da lei de bases do sistema de ensino.
Portanto, enquanto a alínea c) não for mexida, as regiões autónomas não têm competência legislativa em matéria de ensino. Este é o status quo constitucional.
O que digo é que, por minha parte, não haverá qualquer cooperação para alterar o status quo institucional nessa matéria.
Em todo o caso, não sendo viável a proposta, é óbvio que ela pode ser sempre retomada a propósito da alínea c), da alínea b) ou da alínea a).
O Sr. Guilherme Silva (PSD): Espero bem que sim!
O Sr. Presidente:   Srs. Deputados, para o artigo 229.º temos ainda as propostas do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, de um novo n.º 3, do PCP, de um novo n.º 5, e do Sr. Deputado Arménio Santos, que propõe igualmente um novo n.º 5.
Acontece, porém, que a proposta do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho já foi abordada a propósito de outra alínea, tendo ficado acordada a participação de representantes das regiões autónomas nos trabalhos das comissões da Assembleia da República quando se trata de discutir iniciativas legislativas regionais. Penso que esse é o conteúdo útil que a proposta do novo n.º 3 do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho poderia ambicionar adquirir e, visto que ele não se encontra presente, proponho que consideremos prejudicada esta proposta, tendo em conta o que já foi adquirido nessa matéria. Recordo que este adquirido foi o direito de uma representação (que não ficou esclarecida) das regiões autónomas, das Assembleias Legislativas Regionais, nos trabalhos das comissões parlamentares da Assembleia da República que tenham por objecto a discussão de iniciativas legislativas regionais.
Quanto à proposta do PCP para o n.º 5, relativa à iniciativa legislativa popular, figura paralela à da iniciativa legislativa popular junto da Assembleia da República, ela foi discutida a propósito da Assembleia da República e não se mostrou viável. O PCP quer insistir nela a propósito das Assembleias Legislativas Regionais?
O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Presidente, naturalmente, não vamos repetir a discussão desta proposta. Na verdade, consideramos que teria sido importante consagrar esta norma, quer para a Assembleia da República quer para as Assembleias Legislativas Regionais, e é esse o sentido da nossa proposta.
O Sr. Presidente: * Considera-a prejudicada e, como tal, não quer insistir?
O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Presidente, nós, naturalmente, insistimos, mas a insistência é paralela, isto é, creio que não é necessário estar a travar nova discussão, na medida em que a proposta tem um sentido idêntico. A menos que algum dos partidos queira alterar a sua posição relativamente às Assembleias Legislativas Regionais, não vale a pena repetir a discussão.
O Sr. Presidente: * Quanto à proposta do Sr. Deputado Arménio Santos, ela é relativa ao referendo regional e será discutida em conjunto com as demais propostas sobre o referendo regional. Creio que com isto se conclui o artigo 229.º
Srs. Deputados, ainda a propósito do artigo 229.º, a propósito da alínea i), sobre a célebre questão das receitas das regiões autónomas, tendo sido vencido na minha proposta, não quero deixar de cooperar com uma sugestão de redacção para o que, suponho, era uma iniciativa de convergência do PS e do PSD na matéria. Neste sentido, vou distribuir esta minha sugestão pessoal, que, obviamente, julgarão livremente, mas não como proposta minha, uma vez que a minha era a do Sr. Prof. Jorge Miranda. De todo o modo, com todo o gosto farei chegar aos quatro partidos uma proposta de redacção.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, sobre a mesma matéria gostava de informar que fiz chegar à Mesa uma informação quantificada e sucinta sobre a evolução das cobranças de receitas a que aludimos e que revelam o seu montante, aliás exíguo. Creio que essa evolução suscita um debate que não é para ter apenas nesta sede, mas creio que esses dados são muito interessantes e deviam ser anexados à acta desta discussão e distribuídos aos…
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - É preciso é que o seu partido tenha presente essa exiguidade na discussão do próximo Orçamento!
O Sr. José Magalhães (PS): - O montante do IVA é interessantíssimo de analisar!
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, esta informação sobre as receitas fiscais das regiões autónomas, compilando dados coligidos pela Direcção dos Serviços de Planeamento Estatístico do Ministério das Finanças por solicitação do Sr. Deputado José Magalhães, vai ser, para todos os efeitos, junta à acta e, desde já, distribuída aos demais Deputados desta Comissão.
Passando ao artigo 230.º, constatamos que ocorre a feliz coincidência de todos os partidos, excepto o PCP, proporem a sua eliminação. Esta proposta está aparentemente acolhida. Não com o meu voto, mas está!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Mas vamos entrar nisto?
O Sr. Presidente: * Sim, sim!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Pensei que íamos acabar a União.
O Sr. Presidente: * Recordo que estou a falar do artigo 230.º, Srs. Deputados, em relação ao qual há propostas coincidentes do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, do Partido Socialista, do PSD, do Sr. Deputado Guilherme Silva e do Sr. Deputado António Trindade. Só o PCP se limita a alterar as alíneas b) e c)
Havendo convergência e partindo do princípio de que os partidos não abdicam dessas propostas, suponho que ela deve ser dada por adquirida.
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Apesar de tudo, gostaria de perguntar ao Partido Socialista se mantém a proposta de eliminação das alíneas b) e c), mesmo que a matéria delas constante não venha a fazer parte da reserva legislativa da República.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, eliminámos estas normas, mas não eliminámos a Constituição, designadamente na parte em que ela tem determinações que garantem a realização feliz destes objectivos, sendo quase inconcebível que alguém procurasse invocar esta norma para rescrever a Constituição na parte em que ela estabelece um território que, sendo nacional, é de circulação livre para todos os nacionais e que, sendo nacional, não é compatível com restrições ou privilégios em função da naturalidade.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): * É pena que só agora o Partido Socialista tenha lido a Constituição!...
O Sr. José Magalhães (PS): * No Minho, como em Lisboa, ou em Ponta Delgada!
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, por enquanto ainda não perdi o siso e, portanto, quero esclarecer que quando me referi às alíneas b) e c), queria referir-me às alíneas a) e b). Como tal, dizer que o artigo 230.º pode ser eliminado porque é inútil não é verdade! Constitucionalmente, não é verdade! Assim sendo, as alíneas a) e b), tal como estão hoje, dizem coisas que deixam de ser ditas se forem eliminadas. Não digo o mesmo em relação à alínea c), uma vez que, tratando-se de matéria de liberdade de profissão, é óbvio, por natureza, que estaria vedada às regiões autónomas, mas o mesmo não acontece em relação às alíneas a) e b).
É certo que em relação à alínea a) o Partido Socialista salvaguarda a questão, já que essa matéria entraria no novo artigo 230.º como reserva legislativa da República, mas isso não está previsto para a alínea b) e por isso é que fiz a pergunta ao Partido Socialista. E, como me prezo de não ter perdido ainda o siso, mantenho a pergunta feita.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, procuraremos "assisadamente" ponderar na resposta e dá-la-emos, obviamente, para todos os efeitos.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Por acaso, se a prática pudesse ser útil nesta matéria, seria interessante, porque em matéria de direito de trabalhadores, tanto quanto a conheço, a legislação laboral regional é mais avançada do que a nacional. Tenha-se presente que foi a Assembleia Legislativa Regional da Madeira que apresentou um diploma relativo à alteração do número de horas de trabalho semanal que o Partido Socialista teve dificuldade em acolher.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não é verdade, Sr. Deputado António Filipe?
O Sr. António Filipe (PCP): * Peço desculpa, mas não ouvi o que o senhor disse!
O Sr. Presidente: - Eu tinha dado a palavra ao Deputado António Filipe!…
O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Presidente, estou insatisfeito com esta discussão, porque, segundo a regra de funcionamento de qualquer reunião, sendo o PCP o único partido, segundo V. Ex.ª disse, e bem, que não apresentou uma proposta de eliminação deste artigo,…
O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Mas vai apresentar!
O Sr. António Filipe (PCP): * … compete a quem propõe demonstrar a bondade da proposta. Ora, tirando alguns comentários da parte do Partido Socialista, não houve da parte dos proponentes qualquer fundamentação para a eliminação deste artigo.
Creio que ele, efectivamente, não é inútil! Isto é, não só não foi considerado inútil introduzi-lo na Constituição como ele não foi considerado inútil até agora. Assim sendo, não compreendo por que é que em 1996 passaria a sê-lo. Efectivamente, o Sr. Presidente já referiu alguns aspectos do sentido útil que este artigo continua a ter, pelo menos nalgumas das suas disposições. Isso parece-nos verdade e por isso não propusemos a sua eliminação.
De todo o modo, creio que compete a quem propõe demonstrar a bondade da proposta.
O Sr. Presidente: * Têm a palavra, por esta ordem, o Sr. Deputado Guilherme Silva e o Sr. Deputado Mota Amaral.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): * Sr. Presidente, penso que a eliminação desta proposta não necessitaria de qualquer justificação específica, porque ela está de per se justificada.
Em primeiro lugar, gostava de me reportar a esta disposição, o artigo 230.º, que diz: "É vedada às regiões autónomas: (…)" o que está descrito nas alíneas a), b) e c), perguntando se, a contrario, estas faculdades não são vedadas a mais nenhuma entidade, ou seja, às autarquias, ao Governo da República e por aí adiante. Gostava de saber se constitucionalmente é apenas às regiões autónomas que está vedado este tipo de procedimentos que as alíneas a), b) e c) do artigo 230.º prevêem. Se não é - e isso está constitucionalmente estabelecido, com dúvidas em relação à alínea a), como há pouco referiu o Sr. Presidente, mas sem nenhum equívoco em relação às alíneas b) e c) -, porquê, então, para além do que já está estabelecido na paz geral da Constituição, nos direitos fundamentais, nas garantias, etc., vir acintosamente impor ou repisar esta ideia relativamente às regiões autónomas?
Parece-me que esta é uma suspeição relativamente à qual infelizmente só agora o Partido Socialista acordou, porquanto em revisões anteriores tem mantido ferozmente a defesa desta disposição, algo que as actas que o Sr. Deputado José Magalhães tão frequentemente cita confirmam com toda a crueza. De todo o modo, creio que num ambiente de unidade nacional que pretende ultrapassar contenciosos com as autonomias regionais, esta é uma benfeitoria indiscutível. Aliás, esse sentido e esse espírito estão confirmados pelo conjunto de proponentes que finalmente
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acordam para esta eliminação e parece-me que essa conjugação acumulada dos proponentes neste sentido fala por si.
Para além disto, penso que a pedagogia que se tem feito à volta das autonomias começa a dar os seus frutos, designadamente em sede de revisão constitucional, nem sempre com a extensão e a intensidade de que gostaríamos, mas com algum reflexo. Este, pelo menos, é um desses casos.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral.
O Sr. Mota Amaral (PSD): * Sr. Presidente, este preceito foi sempre visto pela opinião pública das regiões autónomas como sendo um sinal de desconfiança que a Constituição tinha introduzido acerca do funcionamento em termos genuínos, democráticos e nacionais das instituições autonómicas regionais. E por isso é que foi sempre considerado uma disposição agressiva e desrespeitosa. Foi por isso que, ao longo destas duas décadas, se insistiu permanentemente na sua eliminação e esta questão, que começou por ser parcial, é, hoje em dia, unânime nas regiões autónomas.
Portanto, os partidos representativos da grande maioria da opinião pública dos Açores e da Madeira convergem nesta eliminação. E, com toda a franqueza, o ponto de partida é também a noção da inutilidade desses preceitos.
Sabendo nós como a prática constitucional reduziu - em termos preocupantes, que agora nos obrigam a tomar medidas de libertação - os poderes legislativos regionais, qual é a viabilidade de haver leis com o conteúdo que aqui se procura vedar?
É tão absurdo que não tem razão alguma de ser. Recordo-me, e o Sr. Presidente também, da génese deste preceito, mas com toda a franqueza, passados 20 anos, não tem qualquer utilidade ou razão de ser. É óptimo que se tenha conseguido essa convergência de pontos de vista no sentido da sua eliminação.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, este artigo da Constituição da República Portuguesa não é insólito, nem exótico, nem uma invenção nossa. É uma cópia de um artigo da Constituição da República Italiana, que não tem 20, mas 50 anos. E não foi tido nem como síntese nem como suspeita, nem pela Sicília, nem pelo Vale de Aosta, nem pelas outras regiões especiais italianas, que não são menos que as regiões da República Portuguesa.
O artigo 120.º diz textualmente (leio-o a partir de uma tradução francesa) que as regiões não podem adoptar disposições que impeçam, de qualquer maneira que seja, a livre circulação de pessoas e bens entre as regiões e o território nacional; também não podem limitar os cidadãos no direito de exercer, numa parte qualquer do território nacional, a sua profissão, emprego ou trabalho.
Portanto, retirando a questão dos direitos dos trabalhadores, as duas alíneas são cópias integrais. Aliás, fui eu que as copiei. Esta foi uma proposta feita por mim na Assembleia Constituinte. Sei perfeitamente o que cá está.
Em primeiro lugar, o argumento "Aqui-del-rei! que isto não tem paralelo", deve ser reduzido à sua verdade histórica. Isto é uma cópia da Constituição da República Italiana e não tem 20, mas 50 anos. E, até agora, em Itália, nunca ninguém considerou que isto era um acinte contra o que quer que fosse. Há susceptibilidades e cada um tem as que quer. Não vou pôr em causa o pluralismo de susceptibilidades. Portanto, os Srs. Deputados da Madeira e dos Açores têm o direito às susceptibilidades que entendam por bem dever ter.
Em segundo lugar, tirando a questão relativa à liberdade de profissão, a norma não é inútil! Qualquer conhecedor da jurisprudência do Tribunal Constitucional sabe que esta norma tem sido utilizada várias vezes e para impedir não benfeitorias de alguma legislação regional.
Em terceiro lugar, pessoalmente, não tenho qualquer fixação nesta fórmula constitucional, desde que isto se obtenha por outro modo, através do artigo 230.º que o PS propõe. Não sou eu que digo "mantenha-se o artigo 230.º" e, se calhar, nem o PCP faz grande questão disso.
Dito isto, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, reflectimos cuidadosamente sobre esta matéria, designadamente sobre as razões da transformação deste artigo numa espécie de "pomo da discórdia", no qual muitos viam aquilo que ele não continha e outros viam aquilo que ele continha por refractar coisas que a Constituição já continha e sempre tem de conter, ainda que tivesse dimensões de explicitação com essa originalidade mitigada que resulta da explicação histórica que acaba de ser dada e que corresponde óbvia e integralmente - é dita pela boca do autor - à verdade constitucional.
Também é verdade que nesses conflitos muitas vezes se centraram coisas que tinham pouco a ver com a Constituição e foram projectadas outras paixões. E creio que é muito bom pôr uma pedra nesse assunto, independentemente, agora, do ajuste de contas e da verdade histórica que cada um rezará como entender, tentando fazer um ponto de partida que permita eliminar algumas crispações. E que o faça de maneira cabal.
Em relação à questão que o Sr. Presidente suscitou, e que é uma questão relevante, creio que hoje em dia utilizando o horizonte de 20 anos essa reflexão resulta já clara, mas com um horizonte que remonta à fundação da República Italiana a coisa ainda é mais clara, porquanto regem hoje, em todo o território da União Europeia, regras inarredáveis que ditam a liberdade de circulação. E regem muito cuidadosamente tudo, como ainda agora vimos a propósito do exemplo do gado bovino e da infeliz doença da encefalopatia espongiforme bovina. Vimos como essas regras podem conduzir, aliás, a restrições impostas ou à garantia por outra forma da liberdade de circulação. Mas tudo isso afirma regras que, hoje em dia, não passa pela cabeça de ninguém pôr em causa...!
Portanto, esse ponto de discórdia já não há, não deve haver. Aliás, o artigo 230.º que propusemos dá um complemento explícito bastante justo para quaisquer dúvidas que alguém possa vir a ter.
Não creio que nessa matéria, Sr. Presidente, havendo que adoptar naturalmente soluções equânimes, devamos prescindir da oportunidade para eliminar este ponto de discórdia, tomando as medidas necessárias para assegurar princípios que hoje em dia, além de constitucionais, são comunitários. Muito mal andaríamos se 
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alguma dúvida se suscitasse na União Europeia sobre se a revisão constitucional portuguesa ia introduzir uma fractura nessa matéria. Não vai, seguramente! No entanto, teremos de ver na redacção do artigo 230.º tudo o que for apropriado para que nenhuma dúvida fique sobre essa matéria.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, penso que está tudo dito. No entanto, quanto a estes desenvolvimentos que o Sr. Deputado José Magalhães acaba de referir em relação à União Europeia, não queria deixar de dizer que me parece que o artigo como está deve ser eliminado, apesar de na sua génese ter tido toda a sua razão de ser.
Todos assistimos a uma fase inicial de autonomia regional, em que nem toda a gente tinha a verdadeira liberdade de circulação. Isso tem de ser dito, mas está ultrapassado e ainda bem que está, por vários motivos.
Também não vale a pena escamotear todas as questões que se colocaram na génese deste artigo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Arlindo Oliveira.
O Sr. Arlindo Oliveira (PS): - Sr. Presidente, é-me difícil concordar com V. Ex.ª, na medida em que não sou jurista.
Penso que as alíneas a) e b), apesar de também as queremos banir, são um reforço e uma cautela que pode muito bem continuar.
No entanto, a verdade é que a alínea c) diz "reservar…" - penso que isto é um lapso - "… o exercício de qualquer profissão ou o acesso (…)". Quer dizer, então, um engenheiro civil ou um médico do Continente que quisesse ir para a Madeira poderia ser vedado a exercer a sua profissão na Madeira?
Li este artigo agora e, como referi, não sou jurista, mas parece-me que, até ao momento, se o Governo Regional da Madeira quisesse impedir o exercício de qualquer profissão na Madeira, poderia fazê-lo, porque aqui diz "a qualquer cargo público aos naturais ou residentes na região".
Não sei se tenho razão ou não…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, posso mostrar-lhe um acórdão do Tribunal Constitucional sobre essa matéria.
O Sr. Arlindo Oliveira (PS): - Chamo a atenção para isso.
Isto leva-me a concluir que podemos retirar o artigo 230.º, porque, se houvesse de facto a suspeição, o governo regional já teria exercido este poder e, se calhar, com agrado em relação a determinadas pessoas...
O Sr. Presidente: - Isso, felizmente, está ultrapassado.
Sr. Deputado Guilherme Silva, ainda quer falar sobre esta matéria? Aqui não há que labutar contra ninguém. Esta matéria está adquirida.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Está certo, Sr. Presidente, mas deixe-me acrescentar qualquer coisa.
V. Ex.ª assumiu a "paternidade" desta…
O Sr. Presidente: - "Paternidade", não! Isto veio da Assembleia Constituinte!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sim, mas assumiu a iniciativa, a génese…
O Sr. Presidente: - Sim, a iniciativa foi minha.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Compreende-se que o "pai", quando se tem de despedir de um filho, sinta as coisas com a profundidade que V. Ex.ª sente.
O Sr. Presidente: - Não é verdade, Sr. Deputado Guilherme Silva. Tenho colaborado na alteração de várias normas de que fui consultor na Assembleia Constituinte.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Também nos confessou que a "mãe" foi a Constituição Italiana.
Risos.
No entanto, quero dizer-lhe também que na Constituição Espanhola, por exemplo, que V. Ex.ª conhece melhor do que eu com certeza, existe uma disposição - não me lembro agora exactamente qual, mas lembro-me de a ter consultado quando estudei algumas questões para revisões anteriores - que utiliza uma linguagem nos princípios semelhares a estes, mas fá-lo de uma forma global, em relação a todas as entidades e instituições e não em relação apenas às comunidades autónomas. Portanto, aí não há o acinte que nesta norma, colocada aqui especificamente para as regiões autónomas, se pode imputar.
Se esta norma estivesse noutro ponto sistemático da Constituição em termos globais, como princípio…
No fundo, V. Ex.ª está com dúvidas em relação à alínea a). Penso que, neste momento, o receio que tem de que fique de fora alguma coisa se resume à alínea a). No entanto, a vir a consagrar-se uma solução para o artigo 229.º próxima dos termos que V. Ex.ª preconizou, com a referência aos princípios fundamentais das leis da República, ou à ordem jurídica nacional, ou uma coisa semelhar, também isso fica assegurado, porque um dos princípios fundamentais do direito de trabalho é o de que não se pode restringir os direitos legalmente reconhecidos aos trabalhadores. É um princípio adquirido que está resolvido também aí.
Portanto, V. Ex.ª pode ser um pouco mais livre na sua anuência a que se retire esta disposição, porque mesmo em relação à alínea a) há solução e V. Ex.ª já pressentiu bem que ela já existe.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, penso que há convergência no sentido da eliminação do artigo 230.º.
Já discutimos as propostas do PSD e do CDS-PP para o artigo 230.º a propósito do artigo 229.º, pelo que parece que não há vantagem em avançar para a especialidade sem aprofundar, numa segunda reflexão de cada um dos Deputados e em especial dos partidos, aquela plataforma de discussão que sugeri.
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A proposta do PS para o artigo 230.º, sobre a reserva de competência legislativa da República, tem por fonte essencial o artigo 149.º da Constituição Espanhola. E a proposta do Prof. Jorge Miranda, para um pacote mínimo de competência reservada das regiões autónomas, tem por fonte o artigo 117.º da Constituição Italiana.
Portanto, para avançarem na plataforma de discussão que sugeri - elaborar um pacote de reserva mínima das regiões autónomas e o pacote de reserva exclusiva da República -, podem utilizar essas duas fontes, na vossa reflexão individual, com algum proveito.
Quanto à proposta do CDS-PP para as finanças públicas das regiões autónomas, penso que também não vale a pena avançar na especialidade. Importa apurar a questão para alínea i) do artigo 229.º e depois, eventualmente, então, desenvolvê-la.
A proposta do CDS-PP é, aliás, correspondente à proposta dos Srs. Deputados do PS, António Trindade e outros, de um artigo 230.º-A: "recurso das regiões autónomas".
Srs. Deputados, continuaremos os nossos trabalhos amanhã, às 10 horas.
Está encerrada a reunião.
Eram 19 horas e 10 minutos.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL