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Quinta-feira, 5 de Dezembro de 1996 II Série - RC - Número 62

VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

IV REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

Reunião de 4 de Dezembro de 1996

S U M Á R I O


A reunião teve início às 10 horas e 30 minutos.
Procedeu-se à audição dos autores de petições que integram propostas ou sugestões de revisão constitucional: Sr. Juiz Conselheiro Chichorro Rodrigues, Srs. Professores e Juízes de Direito Fernanda Isabel Pereira e Helder Roque (Conselho Superior da Magistratura); e Drs. Manuel José Lopes da Silva e Miguel Reis Cunha (Associação Portuguesa de Espectadores de Televisão).
Durante o debate usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente (Vital Moreira), os Srs. Deputados Luís Marques Guedes (PSD), José Magalhães (PS), Luís Sá (PCP), Ferreira Ramos (CDS-PP) e António Reis (PS).
Procedeu-se à discussão dos artigos 252.º e 254.º constantes dos diversos projectos de revisão constitucional.
Durante o debate usaram da palavra, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Cláudio Monteiro (PS), Luís Marques Guedes (PSD), Luís Sá (PCP), António Reis (PS) e Miguel Macedo (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 13 horas e 45 minutos.

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O Sr. Presidente (Vital Moreira): * Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 10 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados, temos connosco uma representação do Conselho Superior da Magistratura, composta pelo Sr. Juiz Conselheiro Chichorro Rodrigues e pelos Srs. Professores e Juízes de Direito Fernanda Isabel Pereira e Helder Roque.
O esquema da nossa audição será semelhante ao das reuniões anteriores. Os nossos visitantes usarão da palavra para apresentar os seus pontos de vista, seguir-se-ão os pedidos de esclarecimento, as perguntas ou os comentários que os Srs. Deputados entendam útil fazer e, depois, terminaremos com uma apreciação final por parte dos nossos visitantes.
Quero agradecer aos nossos convidados a sua vinda aqui e endereçar-lhe os nossos cumprimentos, meus e da Comissão.
Tem a palavra o Sr. Juiz Conselheiro Chichorro Rodrigues para apresentar os pontos de vista do Conselho Superior da Magistratura.

O Sr. Juiz Conselheiro Chichorro Rodrigues (Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura): * Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero agradecer aos representantes do povo português incumbidos pela Assembleia da República de proceder ao estudo e revisão da Constituição por nos terem recebido, na medida em que reconhecem a legitimidade que temos para nos pronunciarmos sobre aqueles assuntos que tocam não propriamente aos juízes mas ao exercício da sua função e às garantias que a Constituição deve assegurar.
Sobre este ponto, gostaríamos de abordar vários aspectos ou, para não demorar muito, de sumariar quais são as posições finais do estudo que fizemos, no sentido de talvez de fornecer elementos para se encontrar uma solução que seja mais harmónica, consensual e adequada às realidades do nosso país.
Para o estudo deste assunto constituímos uma comissão no âmbito do Conselho, que se reuniu várias vezes e chegou a uma posição de consenso do Conselho.
O primeiro aspecto de que falámos e que deveria ser abordado pelos partidos é o problema da instituição do recurso de amparo. O Conselho, estudando o assunto numa reunião de trabalho, chegou à conclusão de que, por um lado, é conveniente que haja cuidado na criação deste tipo de recurso para o Tribunal Constitucional, já que há actualmente na Constituição e na prática deste Tribunal instrumentos que possibilitam, de alguma maneira, satisfazer aquilo que o recurso de amparo procura colmatar; por outro lado, a criação de um recurso de amparo talvez seja um pouco irrealista, na medida em que vem agravar substancialmente o trabalho do Tribunal Constitucional, originando que a sua capacidade se mostre insuficiente para responder àquilo que lhe é solicitado; e, por outro lado ainda, vem também criar uma situação de secundarização do poder judicial existente.
Estas são, a meu ver, as três situações que levam a que o Conselho peça aos Srs. Deputados para ponderarem seriamente se será ou não de criar este tipo de recursos de amparo. Nós chegámos à conclusão de que as vantagens que, porventura, existam não superam os inconvenientes, até de natureza prática.
Um segundo ponto que abordámos, e que está previsto no programa dos partidos no que se refere à revisão constitucional, foi o problema dos tribunais militares. O Conselho entende que será mais correcto e talvez mais realista extinguir os tribunais militares, por várias razões, a primeira das quais é porque não há, salvo casos excepcionais de guerra e talvez casos ligados à situação de militares portuguesas fora de Portugal, como é hoje o caso, por exemplo, da Bósnia, justificação para que os crimes essencialmente militares sejam julgados por militares, porque parece-me que qualquer magistrado não tem dificuldade em encontrar os valores que subjazem aos interesses desses crimes essencialmente militares. Acabámos por concluir que se justificava plenamente a extinção dos tribunais militares e, por consequência, que as respectivas decisões coubessem aos tribunais comuns.
Desculpem estar a dizer isto resumidamente, mas penso que assim talvez seja mais fácil de perceber.
Outro aspecto que abordámos no estudo, também de uma forma mais ou menos sumária, foi o problema do acesso aos tribunais de segunda instância, que vem tratado no actual artigo 217.º da Constituição da República. Em nossa opinião, é de manter a situação actual, principalmente porque um juiz de segunda instância continua a ser um juiz que julga matéria de facto e de direito. E se, hoje em dia, já se acusam os juízes de primeira instância - a meu ver, talvez um pouco precipitadamente - de serem jovens de mais, mais se acusariam os juízes desembargadores. E a experiência - falo por mim, porque sempre fui juiz de comarca, portanto, fiz serviço pelo País - acaba por nos fornecer muitos dados úteis para a decisão em segunda instância, e mal se compreenderia que tivessem acesso à segunda instância indivíduos altamente qualificados tecnicamente, mas que, no entanto, estivessem divorciados da realidade da vida.
E quando falo assim - desculpem-me esta simplicidade, que resulta de um juiz que foi juiz de comarca toda a vida - é porque noto que muitas vezes as críticas que se fazem aos juízes resultam, a meu ver validamente, do divórcio que existe da realidade da vida e dos homens. Muitas vezes, com o respeito que merecem todos os artigos e toda a investigação científica do Direito, os códigos têm essa perspectiva.
Por consequência, quanto ao acesso directo, o Conselho entende que não deve ser alterado, deve ser mantido, realmente, como uma forma de encontrar… Não está em causa o mérito, porque os juízes são promovidos por mérito e, por consequência, a própria competência técnica também não está em causa. Quando falo de experiência, não estou a falar só de juízes experimentados sem qualidades técnicas.
No acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, tanto quanto nos dizem as diversas propostas, fala-se de prestação de provas públicas. Na nossa perspectiva, depois de ponderadas as diversas situações e tendo em conta a experiência resultante do exercício da nossa função, entendemos que esta prestação de provas públicas… Não podemos também deixar de pensar que a experiência de judicatura é um elemento precioso, mas não decisivo, já que o mérito deve de ser o primeiro, mas é um dos elementos que integra o mérito e não pode ser, de forma alguma, afastado, porque não queremos cair numa situação de tirar à universidade, aos investigadores e à doutrina o campo que eles têm, independentemente de no Supremo se formarem técnicos e de ter técnicos à altura.

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De qualquer maneira, na nossa perspectiva - mais uma vez o digo -, se, por acaso, houvesse uma situação de igualação dos juízes que pretendem ter acesso ao Supremo meramente em termos de provas públicas, não podíamos esquecer que o currículo dos juízes teria de ser um dos elementos a ser avaliado publicamente, uma vez que a generalidade dos juízes, normalmente, com pequenas excepções - posso afirmá-lo com conhecimento de causa, porque, se bem que toda a minha vida tenha sido magistrado e, por consequência, tenha estado de um determinado lado, hoje em dia estou do outro lado a observar o que se passa em Portugal acerca da magistratura - são indivíduos dedicados à função, são indivíduos que perdem muito tempo, que têm muito trabalho e esse trabalho impede-os muitas vezes de fazer investigação científica, e até nem é desejável que o façam nas suas decisões, já que, na minha óptica, muitas vezes, as pessoas a quem se dirige, afinal, a actividade dos juízes estão pouco interessadas nos trabalhos doutrinais que eles façam nas suas decisões. Mas, quando digo isto, não estou a dizer, de forma alguma, que o juiz não seja estudioso, mas muitas vezes esse trabalho que o juiz acaba por fazer impede-o, pelo seu volume, de ter a visão que um técnico que se dedica à investigação tem.
Nessa altura, para haver uma situação igualitária, parece-me que até se impunha que fosse fornecido ao juiz um tempo para preparar a prova pública exigida pelo concurso para juiz do Supremo Tribunal de Justiça.
Finalmente, há um problema, que actualmente tem muita acuidade, que é o da incompatibilidade dos juízes. A Constituição da República limita a incompatibilidade dos juízes a duas situações: permite que eles sejam docentes e que procedam a investigação de natureza jurídica, desde que não sejam remunerados.
Em tempos, a Assembleia da República, através da Lei n.º 2/90, tentou, de alguma maneira, limitar a actividade do juiz a determinadas situações que não pudessem ter implicações secundárias no prestígio da justiça, no bom nome dos juízes, inclusivamente na seu próprio oferecer de face, porque isso, enfim, pode dar origem a críticas, em relação às quais, de alguma maneira, devemos manter incólumes a magistratura. Isto teve como consequência que o Tribunal Constitucional veio julgar inconstitucional determinada norma, e, hoje em dia, o Conselho viu-se obrigado a aceitar essa actividade.
Posso citar um caso prático que se passou, e por isso é que eu disse que tem actualidade. Como sabem, há magistrados que, hoje em dia, ocupam lugares de alguma maneira relevantes no futebol e têm sido objecto de críticas, principalmente dos colegas, enfim, pela imagem que acabam por traduzir em relação aos juízes.
Quando tomei posse, em 1995, no Conselho Superior da Magistratura, na primeira sessão do plenário, havia um juiz que requeria a colocação numa das associações de futebol, da qual não sei o nome e, para ser verdadeiro, nem tive a preocupação de o saber, e lembro-me de que - porque, enfim, vinha de uma geração já um pouco antiga de uma associação académica que não existe (e sou hoje anti-Académica tal como fui na altura da Académica...), por consequência, acho que o desporto tem uma função que é capaz de não ser a do futebol actual, desculpem o meu trocadilho neste aspecto - me chocava ver que os juízes podiam estar naquelas situações e, em certa medida, ia opor-me a que fosse autorizado esse juiz a ir para essa situação. Nessa altura foi-me respondido pelo plenário que havia um Acórdão do Tribunal Constitucional que dizia que não nos podíamos opor, porque era um direito do cidadão. E eu, perante a realidade, achei que era avisado não prosseguir na minha insistência e, por consequência, esse indivíduo foi para essa instituição.
Em relação ao que se passou agora, a situação foi a mesma: houve realmente um magistrado que ocupava uma função-chave, salvo erro, num dos organismos do futebol, que deu margem a uma certa reacção em cadeia dos próprios juízes quanto à sua mediatização na Televisão e a posições que tomou, em que havia uma certa zona cinzenta ou, pior do que isso, uma zona quase negra em determinadas afirmações que fez, o que levou o Conselho a tomar uma atitude investigatória, no sentido de saber o que é que se passava acerca de determinadas condutas, estando a decorrer um processo para apurar o que é que se passa, e, possivelmente, poderá dar origem a um processo disciplinar.
Tudo isto que tenho estado a dizer é para sensibilizar os Srs. Deputados de que sinto que o Conselho não pode, com os instrumentos legais que tem actualmente, obstar a que os juízes ocupem determinadas posições, que, na minha óptica e na óptica do Conselho, de alguma maneira, não merecem dignidade. No fundo, o que se passa é o seguinte: não sei se são os juízes que, quando vão ocupar essas posições, as branqueiam ou se são eles que se sujam e, com eles, a restante magistratura.
Nesse sentido, é opinião do Conselho que se deveria formular uma norma constitucional atribuindo ao poder legislativo a possibilidade de, em determinadas circunstâncias, poder obstar a que os juízes ocupem determinados lugares. Evidentemente que não seria uma coisa pontual, não seria uma coisa simplesmente genérica, mas salvaguardava, porque… Em relação a esta situação agora houve da parte dos próprios magistrados juízes uma certa reacção perguntando ao Conselho por que é que não actuava.
Não sei se algum dos meus colegas terá mais alguma coisa a dizer, mas, genericamente, a nossa posição é mais ou menos esta.

O Sr. Presidente: * Sr. Dr. Juiz Helder Roque, quer acrescentar alguma consideração ou querem guardar-se para responder a eventuais observações que sejam feitas?

O Sr. Dr. Juiz Helder Roque (Membro do Conselho Superior da Magistratura): * Sr. Presidente, penso que o Sr. Conselheiro se referiu exemplarmente em termos gerais às posições e às preocupações que temos.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, ouvimos a exposição do Sr. Juiz Conselheiro Chichorro Rodrigues estabelecendo as posições do Conselho Superior da Magistratura quanto a cinco pontos: recurso de amparo, tribunais militares, acesso às Relações, acesso ao Supremo Tribunal de Justiça e incompatibilidades dos juízes, tudo temas que tivemos já ocasião de abordar numa primeira volta da discussão dos projectos de revisão constitucional.
Darei, de seguida, a palavra aos Srs. Deputados que queiram fazer alguma observação, pedir esclarecimentos ou estabelecer posições, apelando apenas para o seguinte: lamentavelmente não dispomos de todo o tempo, temos, inclusivamente, outra audiência marcada já a seguir, portanto, peço algum sentido de economia, sobretudo no sentido de não repetirmos discussões que já aqui tivemos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, agradeço ao Sr. Juiz Conselheiro a exposição sucinta e bastante objectiva que nos fez e devo dizer-lhe, com toda a sinceridade, que, genericamente, em relação a estes cinco pontos o Partido Social-Democrata apenas se afasta da posição que expressou no que diz respeito aos tribunais militares.
De facto, no que respeita aos tribunais militares, o PSD entende que, sem pôr em causa aquilo que o Sr. Juiz Conselheiro disse, há ainda um caminho grande a percorrer em termos de alteração do Código de Justiça Militar e das regras que têm a ver com a própria orgânica de funcionamento dos tribunais militares. Estou a pensar, nomeadamente, na relação actualmente existente entre juízes togados e juízes militares; estou a pensar nas próprias regras que têm a ver com a eventual definição, com contornos mais realistas, daquilo que é a carreira do juiz militar em termos de Forças Armadas; e estou a pensar também, em termos do próprio Código de Justiça Militar, na tipificação mais clara da distinção entre o que são crimes essencialmente militares e o que são crimes que devem ser entendidos como comuns e, nesse plano, deixados para julgamento aos tribunais comuns.
O PSD, de facto, entende - e isso decorre do seu projecto - que não deve ser ainda nesta revisão constitucional que se deve acabar com uma instituição que, apesar de tudo, tem quase 400 anos de existência em Portugal. Achamos que há ainda um caminho a fazer na revisão da legislação sobre os tribunais militares e, depois dessa reforma, eventualmente, poder-se-á vir a justificar num tempo diferente um salto para a sua extinção, mas, para já, entendemos que não.
Quanto às outras questões, genericamente as posições do PSD são bastante consonantes com aquilo que entendi serem as preocupações fundamentais que o Sr. Juiz Conselheiro nos expressou em nome do Conselho Superior da Magistratura.
Quero apenas colocar duas questões, para precisar dois aspectos que, enfim, são mais delicados e que são úteis para uma melhor percepção da parte do PSD do ponto de vista do Conselho Superior da Magistratura.
O primeiro tem a ver com a questão do recurso de amparo, como lhe chamou. De facto, também o PSD, embora tendo no seu projecto de revisão constitucional um artigo chamando-lhe recurso constitucional - penso que é este o termo utilizado pelo projecto do PSD -, na abordagem que já fizemos do problema aqui, na Comissão Eventual, teve ocasião de expressar as suas fundadas dúvidas e também algumas reservas quanto à bondade em definitivo de aproveitar esta revisão constitucional para se avançar para uma medida deste tipo.
Se bem percebi - e é esta explicitação que peço ao Sr. Juiz Conselheiro -, o Sr. Juiz Conselheiro entende que actualmente a generalidade das situações que potencialmente podem ser cobertas por um instituto deste tipo já o são e que os efeitos perversos da instituição de um recurso deste tipo poderiam sopesar mais do que as vantagens daí decorrentes.
A questão que quero colocar ao Sr. Juiz Conselheiro é se está a pensar exactamente em termos de efeitos perversos para a estrutura judiciária existente ou se é no plano dos direitos dos cidadãos, isto é, se são os cidadãos que ficam mais prejudicados. Porque o Sr. Juiz Conselheiro não abordou aí um problema que é o que a nós, PSD, nos motiva bastante na aproximação que fazemos a este instituto do recurso de amparo. Trata-se do problema da celeridade da justiça e dos eventuais efeitos perversos que este recurso pode ter sobre essa mesma celeridade e, como tal, do prejuízo que daí poderá advertir para os próprios direitos dos cidadãos.
O segundo aspecto tem a ver com esta sua última referência ao problema da incompatibilidade dos juízes, que peço ao Sr. Juiz Conselheiro para clarificar. Se bem depreendi das suas palavras, aquilo para que o Conselho Superior da Magistratura se inclina - e, se é isso, devo dizer que o PSD tem uma posição parecida - é que, eventualmente, se possa aproveitar esta revisão constitucional para inscrever na esfera de competências do Conselho Superior da Magistratura, de uma forma mais ou menos clara, no texto constitucional, a faculdade de poder, em determinados casos, regular situações de incompatibilidade dos juízes, afastando, portanto, a interpretação hoje vigente de que o Conselho está inibido de invadir esses terrenos, por estar a invadir terrenos de direitos fundamentais dos cidadãos, que os juízes também são.
Peço-lhes, portanto, que clarifiquem se, de facto, estão a apontar para uma alteração no sentido de inscrever uma norma que coloque claramente na esfera de competências do Conselho Superior da Magistratura a possibilidade de ingerência - passe a expressão - ou de interferência também no domínio das compatibilidades e incompatibilidades dos Srs. Juízes no exercício das suas funções.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, também gostaria de agradecer, em nome do Partido Socialista, as contribuições trazidas e este momento de diálogo institucional.
Não creio que do nosso debate na Comissão de Revisão Constitucional, na primeira leitura, tenha resultado o que quer que seja de especialmente surpreendente face aos projectos de revisão constitucional já pendentes e agradecemos a releitura que deles nos foi trazida.
Creio que os cinco pontos são relevantes, todavia o nosso debate propiciou, suponho eu, melhores notícias ou boas notícias, se quisermos até, em alguns outros domínios que se prendem com os tribunais, designadamente alguns que têm a ver com o reforço dos direitos, liberdades e garantias.
Portanto, haverá, tudo indica, significativas benfeitorias em relação a vários mecanismos, desde logo, os respeitantes ao acesso ao Direito e à simplificação e desbloqueamento do habeas corpus; a criação de novos mecanismos céleres para ver decididas determinadas questões, designadamente relacionadas com direitos, liberdades e garantias; algum reforço do direito de acção popular; uma melhoria das garantias do processo criminal; e, simultaneamente, supressão de entraves ao julgamento rápido e célere, que são problemas que nos apoquentam a todos, obviamente. Portanto, nessa área e em áreas conexas estão, obviamente, indiciados bons resultados.
Das quatro questões que nos trouxeram menciono uma e gostaria de fazer uma pergunta sobre outra.

O Sr. Presidente: * Das cinco, Sr. Deputado!

O Sr. José Magalhães (PS): * Das cinco questões trazidas menciono uma e gostaria de fazer uma pergunta sobre outra.

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Quanto ao momento de provas públicas que o Partido Socialista propôs no quadro desta revisão constitucional e no seu projecto - a proposta é conhecida há meses -, não há ideia de afastamento do actual sistema curricular, trata-se de permitir ao legislador ordinário a introdução, em condições a ver e tendo em conta as características específicas da magistratura, de um momento de prestação de provas públicas. Portanto, não se trata de suprimir o actual sistema, de alterá-lo de "cabo a rabo"; trata-se de, num quadro a determinar, permitir essa intervenção em condições que o legislador ordinário deve, neste cenário, ponderar, com garantias, naturalmente, que têm em conta a natureza das pessoas, cuja avaliação por esta forma pode ser aperfeiçoada, e não substituída, não invertida. Não se trata sequer de apreciar publicamente o currículo; a avaliação curricular continuará a ser nesta lógica a determinante e a relevante.
Gerou-se sobre esta matéria alguma interpretação, não do conteúdo real da proposta mas de uma leitura da proposta, que não tem assento, digamos, nem material, nem literal, nem de ânimos, nem de intenção.
Ponderaremos qual é o resultado e teremos, obviamente, também em conta as vossas preocupações.
Gostaria que pudessem, em relação a esta pergunta, precisar um pouco mais as condições em que imaginariam uma norma constitucional que autorizasse o legislador ordinário a proibir o exercício de actividades não judiciais a magistrados.
O debate foi muito interessante, porque, obviamente, foi convergente em relação àquele que nos trazem, até quanto à ideia de se fazer uma norma.
O Sr. Presidente teve ocasião de introduzir no debate propostas do Professor Jorge Miranda, que iam precisamente nesse sentido. Seria interessante que pudéssemos trocar impressões mais aprofundadas sobre este aspecto, porque é, de facto, um aspecto que, infelizmente, veio a revelar-se mais importante do que julgávamos quando o processo de revisão constitucional foi desencadeado.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero saudar a importante presença nesta Comissão, o que se insere, aliás, numa prática que julgamos extraordinariamente importante, que é o facto de a Comissão ter vindo a beneficiar de um encontro regular e bastante largo com diferentes entidades. É claro que, neste momento, estamos perante uma entidade particularmente qualificada e numa matéria particularmente importante para o Estado democrático.
Tive oportunidade de verificar - creio que, de resto, em relação a grande parte das questões isso era conhecido - uma coincidência de pontos de vista bastante ampla com as posições, por um lado, que o PCP defende no seu projecto e, por outro lado, com as posições que veio a manifestar no curso do debate.
A questão que, neste momento, julgo particularmente importante, para além do problema do acesso aos tribunais de segunda instância, é a delimitação exacta das incompatibilidades dos juízes, em relação à qual julgo ter havido um consenso no sentido de essa regulamentação ou, melhor, de a autorização constitucional nesse sentido ser extraordinariamente importante, devendo, no entanto, ter contornos cuidadosamente delimitados.
Há matérias, como, por exemplo, limitações à actividade partidária, que, creio, são inteiramente pacíficas. Neste momento, impressiona-nos a todos, naturalmente, aquilo que se passou e passa no domínio do futebol. Creio, no entanto, que é uma daquelas matérias que tem de ser cuidadosamente trabalhada sob pena de se ir para além do que é necessário e conveniente. Nesse sentido, gostaríamos muito de poder contar, não só aqui mas, eventualmente, depois, se for o caso, com a contribuição do diálogo com os Srs. Magistrados.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): * Sr. Presidente, muito brevemente, quero agradecer o contributo dado aqui hoje pelos Srs. Magistrados e afirmar que o Partido Popular está sensibilizado para as questões levantadas. Em audiência concedida, tivemos ocasião de trocar impressões e, por uma questão de rapidez, não nos interessa estar aqui a repetir os argumentos que, na altura, esgrimimos, embora, à semelhança daquilo que já foi referido e com excepção da questão dos tribunais militares, em relação a todas as outras questões levantadas, a posição do Partido Popular seja de compreensão pelas questões levantadas pelo Conselho Superior da Magistratura.

O Sr. Presidente: * Sr. Conselheiro, cabe-lhe agora responder às questões postas pelo PSD, pelo PS e pelo PCP, que passo a resumir.
O PSD pede clarificação da posição do Conselho quanto à questão do recurso de amparo e quanto à questão das incompatibilidades, nomeadamente, em relação a esta última, quanto a saber quem é competente para a definição dessas incompatibilidades - se o legislador, se o Conselho Superior da Magistratura.
O Partido Socialista aborda também a questão das incompatibilidades, assim como o PCP.
A preocupação justifica-se, pois, tratando-se do estatuto de independência e da imagem de isenção dos juízes, importa que a autorização constitucional que venha a ser estabelecida o seja com o máximo de garantias de que o legislador não fica habilitado a ir além daquilo que se justifique aí. Portanto, o contributo que o Conselho possa dar será considerado bem-vindo por esta Comissão.
Sr. Conselheiro, tem a palavra.

O Sr. Juiz Conselheiro Chichorro Rodrigues (Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura): * Sr. Presidente, para já, posso dizer a todos que enviaremos, por escrito, à Comissão, as conclusões a que chegámos. Hoje, elas estão aqui tão-só sumariadas e trabalhadas, mas, dentro de poucos dias, terão as conclusões concretas. Por consequência, vou tentar traduzir por palavras mais ou menos aquilo que aqui está, mas peço, desde já, desculpa por qualquer lapso que tenha no meu pensamento.
Quanto às incompatibilidades, a ideia mantém-se esta: tornava-se, a nosso ver, indicado que da Constituição constasse uma norma que possibilitasse ao Executivo, através de legislação, definir, sem prejuízo… E, já agora, aproveito para me dirigir ao Sr. Deputado do PCP, dizendo que não preside a esta ideia do Conselho o limitar os direitos normais de um cidadão, mas teria de ter a amplitude, suponhamos, para impedir que um indivíduo fosse Presidente da Federação Portuguesa de Futebol e não impedir que fosse Presidente

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da Federação de Râguebi. Quer dizer, compreendo que definir os contornos desta situação é um pouco delicado, mas a verdade é que, tenho de reconhecê-lo, sou Vice-Presidente da Assembleia Geral da Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra, o vosso Presidente é Presidente da Assembleia Geral dos Antigos Estudantes de Coimbra e, com certeza, não está em causa… Inclusivamente, quando fui para o Conselho não fui pedir a demissão de Vice-Presidente da Assembleia Geral, é naturalíssimo, porque ninguém me vai chamar. Mas se for presidir a uma Comissão de Árbitros ou, inclusivamente, nomear árbitros - e ainda há dois ou três dias foi ventilado aí pela Liga Portuguesa de Futebol que vinham pedir ao Conselho para nomear juízes para lá... -, com o devido respeito, parece-me que a justiça de um penalty é um pouco diferente da existência de justiça ou da justiça em si mesma!... Há valores que a sociedade tem de respeitar e posso ter muito respeito pelo futebol, principalmente até porque os portugueses encontram aí motivos de distracção - a generalidade deles e também sou um deles -, de qualquer das maneiras, esse será um aspecto cultural relevante, mas com uma relevância também relativa.
Por consequência, a ideia é mais ou menos esta: ia possibilitar-se ao Conselho, através de instrumentos constitucionais que atribuíssem esta capacidade, porque, de outra maneira, o Conselho até nem é obrigado a, basta que lhe seja comunicado, o que é um pouco delicado.
Quanto ao problema do recurso de amparo, direi que se põe o problema da praticabilidade, para além de, como o Sr. Deputado referiu, isto bulir - e, a meu ver, bule (não só a meu ver, mas também do Conselho) - com a própria estrutura judiciária. Quer dizer, há toda uma estrutura que vai ser abalada. E estou convencido - não sei se erradamente porque o mal é, depois de experimentarmos, cairmos num erro e, nesse aspecto, temos, salvo erro, em Espanha, uma experiência da criação deste recurso, que não é muito válida, na medida em que, em Espanha, a maior parte das decisões tomadas pelo Tribunal Constitucional com base num recurso desta natureza é desta natureza… Isto é extremamente "veloso" e eles estão com problemas de praticabilidade destas decisões.
Não sei se esta decisão vem tornar mais rápidas as decisões dos tribunais. Parece-me que haverá outros instrumentos, até na lei processual, que, neste caso, também teria de ser alterada. Por consequência, como V. Ex.ª levantou a questão quanto ao problema da estrutura, eu e os meus colegas clarificaremos mais esse assunto nas conclusões que enviaremos por escrito. Mas a ideia é a de que abala com a própria estrutura.
Quanto ao problema do acesso, referido pelo Sr. Deputado do Partido Socialista, parece-me, salvo erro, que V. Ex.ª nem concorda nem discorda da nossa impressão; V. Ex.ª o que entende é que, em dado momento, era conveniente que houvesse um acto público da parte dos juízes, ou, por outra, das pessoas que se propõem, entre elas os juízes, ao acesso ao Supremo, ou seja, uma prova pública. Tudo depende de que prova pública é essa, quer dizer, da natureza da prova pública. Nós, juízes, até compreendemos que haja uma certa publicidade, porque não queremos que de alguma maneira o Supremo seja constituído por juízes sem competência e sem o mérito, que deve, afinal de contas, revestir o cargo de juiz do Supremo. O juiz do Supremo não pode ser um mero juiz; é um indivíduo que tem de mostrar não só capacidade de investigação, como capacidade de decisão, em termos de procurar caminhos mais justos e definir a jurisprudência.
Porém, como a experiência profissional de um juiz o obriga a cobrir um leque amplo de conhecimentos jurídicos nos diversos ramos do Direito, essa prova pública tem de ser muito cuidadosa, para não cairmos… Como tenho muito respeito pela ciência jurídica, sempre tive, e pela doutrina, parto do princípio de que a investigação será sempre aquilo que nos caracteriza como homens, é uma ponta para evoluirmos, tem-no sido e continuará a ser. É isso que nos define mais do que o resto. Esta é a minha ideia.
No entanto, devemos ter em conta que a investigação e a ciência jurídica, muitas vezes, na procura de melhores caminhos, acabam por pisar aquilo que o homem é, no momento em que o é. É que a justiça, na minha óptica - e parece-me que não é só na minha mas também na de alguns outros -, tem de atender sempre a um homem real. E, muitas vezes, há o risco… Com o respeito, como digo e volto a dizer, que tenho à ciência jurídica, e é muito grande, pois tive grandes mestres de Direito, de que guardo muita saudade e de entre os quais me estou a lembrar de Manuel Andrade, a verdade é que nunca quereria que Manuel Andrade fosse meu juiz. Se há pessoa que admiro, em termos de inteligência, de compreensão e de amizade e como homem, é Manuel Andrade, e, no entanto, ele era capaz de ser um juiz que não correspondia às necessidades de uma judicatura.
Não sei se isto, de alguma maneira, responde àquilo que o Sr. Deputado perguntou.
Quanto aos tribunais militares, já expus a nossa opinião a esse respeito.
Relativamente à questão das incompatibilidades, parece-me que já referi a nossa posição ao responder ao Sr. Deputado do Partido Socialista.

O Sr. Presidente: * Sr.ª Dr.ª Fernanda Isabel Pereira, creio que quer acrescentar algumas notas. Tem a palavra.

A Sr.ª Dr.ª Juíza Fernanda Isabel Pereira (Membro do Conselho Superior da Magistratura): * Se me fosse permitido, acrescentaria aqui alguns aspectos.
Em relação à problemática das incompatibilidades, gostaria de deixar presente que, já em 1993, havia uma preocupação muito séria da parte do Conselho Superior da Magistratura relativamente à intervenção dos juízes em determinadas áreas.
E, se me permitissem, lia-lhes aqui uma deliberação, que traduz precisamente o que, em 1993, o Conselho pensava. Então, foi deliberado, por unanimidade, que "os magistrados judiciais não podem exercer ou continuar no exercício de quaisquer cargos ou funções relacionados com o futebol profissional, sem prévia autorização do Conselho, a ser solicitada até ao próximo dia 30 de Setembro".
Ora bem, já em 1993, o Conselho se debatia com este problema e tentou obviar, de alguma forma, a que houvesse situações que pudessem estar fora do controlo e que fossem menos dignas para a magistratura judicial.
Mas todos sabemos que, depois, também surgiu um acórdão do Tribunal Constitucional e que esse acórdão inviabilizou, e bem, esta tomada de posição por parte do Conselho e uma proposta legislativa que surgiu e que, no fundo, vinha um pouco neste sentido, de atribuir competência ao Conselho Superior da Magistratura para, casuisticamente, apreciar as situações.

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Desenvolvendo um pouco o que o Sr. Conselheiro Vice-Presidente disse, penso que o que o Conselho pode sugerir - e irá eventualmente sugerir no texto escrito que irá apresentar - é que seja formulada uma norma constitucional que, em termos de reserva de lei, atribua a possibilidade de se estabelecer na lei ordinária, em termos suficientemente amplos, um regime de incompatibilidades, no qual, depois, a lei ordinária dê uma palavra ao Conselho Superior da Magistratura para poder exercer controlo e actuar e para não ficar, de certa forma, num canto, só podendo agir disciplinarmente - e há situações que não raiam a violação do estatuto dos juízes, mas que merecem alguma prevenção. Portanto, no campo das incompatibilidades, a sugestão iria nesse sentido.
Em relação aos tribunais militares, eles são, hoje, tribunais obrigatórios. E, com muito respeito pelo que o Sr. Deputado disse, penso que, ao menos, seria de equacionar a possibilidade de se prescindir dessa categoria constitucional de tribunais obrigatórios e eles passarem, pelo menos, a facultativos.
Relativamente ao recurso de amparo, essa vertente do cidadão é uma vertente muito importante. E o que se verifica é que, hoje em dia, a jurisprudência do Tribunal Constitucional caminha no sentido de cada vez dar maior protecção ao cidadão e admitir recursos - e há exemplos disso, que citaremos - que, no fundo, se reconduzem a verdadeiras situações de amparo.
Por outro lado, não podemos esquecer o papel do Sr. Provedor de Justiça. O Sr. Provedor de Justiça pode, através do recurso de petição, actuar junto do Tribunal Constitucional, a pedido dos cidadãos. E, aí, os cidadãos têm como que um acesso directo - passe um pouco a falta de rigor - ao Tribunal Constitucional, sendo certo que o Sr. Provedor de Justiça faz a filtragem dos pedidos que lhe são apresentados e das questões lhe são formuladas. Aí, o cidadão estará salvaguardado, em termos reais.
Por outro lado, a morosidade da justiça vai ser altamente agravada, porque temos de pensar que todos os processos-crime contendem com direitos, liberdades e garantias e que há muitos processos cíveis que contendem com direitos, liberdades e garantias. Vamos pensar, pura e simplesmente, nas acções de despejo. O que acontece é que os processos vão parar e aquilo que hoje se faz é uma fiscalização da constitucionalidade a final - e nós temos uma fiscalização difusa concreta, que funciona.
Portanto, há sempre duas partes: a parte que quer que o processo ande e a parte que quer que o processo não ande. E, se em alguns aspectos, se justifica, de facto, o recurso ao Tribunal Constitucional, em muitos outros, não. O Sr. Conselheiro referiu o aspecto de Espanha. Não estou muito informada nessa matéria, mas a notícia que tenho é a de que, em Espanha, estão a pretender criar mecanismos, quase de controlo, no sentido de refrear um pouco o recurso de amparo. Na Alemanha, ao que sei, 70% ou 80% dos casos dirão respeito a recursos de amparo.
Em relação ao acesso à segunda instância, ao Tribunal da Relação, concordo - e é evidente que teria de concordar em absoluto - com o que o Sr. Conselheiro Vice-Presidente disse e permitia-me, se me fosse possível, introduzir aqui algumas notas práticas da vida e de como se ascende à Relação. Nós temos - e é assim que é o nosso modelo, é assim que está estruturado e é com ele que temos de lidar e penso que não podemos fugir dele, nem andar com muitas misturas - um modelo que passa por uma selecção e formação de juízes, através de um Centro de Estudos Judiciários (CEJ), de onde saem os juízes para a primeira instância. Este modelo passa pela noção de carreira até à segunda instância - aliás, isso vem na Constituição Anotada do Sr. Professor Vital Moreira -, porque é o regime da civil law. Portanto, inerente a esse modelo dos países de civil law, onde estamos integrados, está, de facto, a noção de carreira. A noção de cargo vem-nos dos países da common law. Mas não podemos dar-nos ao luxo, penso, de ter um CEJ para formar juízes de direito apenas para a primeira instância e de, depois, para a segunda instância, esses juízes, que passam mais de 20 anos a julgar matéria de facto e matéria de direito, serem afastados - porque alguns serão necessariamente afastados para entrar outros - da Relação, que é um tribunal de instância que vai apreciar matéria de registo de prova. E o registo de prova tem de se alargar também ao processo penal. Por que não alargar o registo de prova ao processo penal? Os juízes ficam defendidos com o registo de prova, não há que ter medo. Portanto, o registo de prova existe em processo civil; vamos é avançar com ele para o processo penal.
Além disso, gostaria de introduzir aqui um outro aspecto, que é este: actualmente, o estatuto dos juízes, desde 1994, já só permite que ascendam à Relação juízes classificados de mérito. E, muitas vezes, para o exterior não passa a actuação do Conselho - possivelmente, até por culpa do Conselho. Mas o que é certo é que, fazendo uma leitura da estatística das classificações atribuídas nestes dois últimos anos, verificamos que só há 20% de "Muito Bom", há 40% de "Bom", 40% de "Bom com Distinção", alguns de "Suficiente" - não sei quantos teremos com a classificação "Suficiente", não sei, talvez 10 a 15 juízes - e alguns de "Medíocre".
Ora, temos este quadro: as inspecções funcionam; os juízes são inspeccionados com muita frequência. O Prof. Boaventura Sousa Santos diz, no seu trabalho, que a magistratura judicial é a mais inspeccionada de todas as actividades do Estado, o que não significa que seja a mais célere, mas é fiscalizada e inspeccionada. E, neste momento, a ascensão à Relação, a promoção, faz-se por esta ordem: entram dois juízes classificados de "Muito Bom" e entra um juiz classificado de "Bom com Distinção". Portanto, o mérito está garantido.
Este efeito não se sente ainda, é evidente. Porquê? Porque só, desde 1994, assim é e, só desde 1994, a Relação está a levar esta nova composição. Anteriormente, ascendiam à Relação os juízes classificados de "Bom".
Por outro lado, fiz referência ao aspecto da civil law e da common law, porque, realmente, nós não temos um modelo estruturado na ideia de cargo, mas na ideia de carreira. E a noção de carreira acaba no Supremo e, aí, o Supremo, sim, um tribunal com características perfeitamente diferentes, já está aberto a pessoas estranhas à magistratura.
Em relação ao Supremo - e perdoem-me, mas encadearia também esta questão -, diria o seguinte: quem olhar para as graduações feitas, pelo menos, nos dois últimos anos, verá que houve, de facto, graduações por mérito. E basta comparar - aliás, já disse isto - a lista de antiguidade dos juízes e a graduação que é feita, para ver que há uma alteração substancial. Até no Ministério Público, na graduação que fazemos dos Srs. Procuradores-Gerais Adjuntos que concorrem para o Supremo, o Conselho, ao graduar, altera também essa ordem, o que significa que atende, fundamentalmente e exclusivamente, ao mérito.

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Agora, não percebi bem o que o Sr. Deputado José Magalhães disse relativamente àquilo que estava perspectivado. O que percebi foi que seria de manter o concurso curricular, mas não excluir as provas públicas.

O Sr. José Magalhães (PS): * Dá-me licença que explique, Sr. Presidente?

A Sr.ª Dr.ª Juíza Fernanda Isabel Pereira (Membro do Conselho Superior da Magistratura): * É que não percebi, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: * Faça favor, Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, Sr.ª Dr.ª Juíza Fernanda Isabel Pereira, limitei-me a citar a proposta que apresentamos e que não implica uma alteração se não de um aspecto do texto constitucional. Ou seja, a norma actual - vou lê-la, pura e simplesmente - reza o seguinte: "O acesso ao Supremo Tribunal de Justiça faz-se por concurso curricular aberto aos magistrados judiciais (…)". A nossa alteração consiste nisto: "O acesso ao Supremo Tribunal de Justiça faz-se por concurso curricular, podendo igualmente incluir a prestação de provas públicas, (…)". E o resto do texto é exactamente idêntico ao que está em vigor. Ou seja, não se altera a actual estrutura básica do acesso e o actual sistema, que é, intactamente, concurso curricular,…

A Sr.ª Dr.ª Juíza Fernanda Isabel Pereira (Membro do Conselho Superior da Magistratura): * Mas acrescenta-se-lhe um mais!

O Sr. José Magalhães (PS): * … no qual haveria que inventar um momento de prestação de provas públicas, com o valor, a ponderação e a adequação à natureza das pessoas que as prestam e do sistema que continua a ser estruturalmente curricular.
É este o teor literal e rigoroso e, aliás, o espírito da proposta, que, como está a ver, não contraria minimamente a tendência que desenha.

A Sr.ª Dr.ª Juíza Fernanda Isabel Pereira (Membro do Conselho Superior da Magistratura): * Não, mas introduz um mais e, aí, então, terei de ir pegar nas palavras do Sr. Conselheiro. Como o Conselho e eu consideramos as provas públicas desnecessárias, face à forma como é feita a graduação de todos os candidatos, que não é uma graduação por antiguidade, nem na Relação, nem no Supremo, e face à forma como, neste momento, é feita a graduação dos concorrentes, pergunto, em relação às provas públicas: que tipo de provas públicas? Perante quem? Será que os melhores se vão sujeitar às provas públicas? Será que o País tem condições para, depois, conceder aos candidatos às provas públicas o tempo necessário para se prepararem e para prestarem as tais ditas provas públicas? É que a realidade é esta!...

O Sr. Presidente: * Sr. Dr. Juiz Hélder Roque, quer acrescentar alguma coisa?

O Sr. Dr. Juiz Hélder Roque (Membro do Conselho Superior da Magistratura): * Sr Presidente, penso que, em termos genéricos, foram avançadas pelo Sr. Conselheiro e pela minha colega as coordenadas essenciais.
Não invadindo outro tipo de coordenadas, nomeadamente o Sr. Deputado José Magalhães, há pouco, levantou aquela questão fulcral quanto às garantias, à celeridade do processo e à permissão constitucional de que possa haver uma norma habilitante do legislador ordinário, que, a nível penal, possa ultrapassar a complicada questão que são, neste momento, os adiamentos.
Gostaria, pois, de deixar aqui este alerta, que sei que é sentido pela Comissão, relativamente aos adiamentos nas audiências de processo criminal, porque esse é, de facto, o grande problema de quem julga, o grande problema das pessoas e dos cidadãos.
Mas como esse aspecto sairia da ordem que foi apresentada pelo Sr. Conselheiro, limitava-me a introduzir, em matéria de incompatibilidades, uma referência. Evidentemente que a magistratura é uma carreira, é também uma profissão para ser exercida por pessoas normais, só que é uma profissão diferente. Essa profissão diferente exige que se tenha alguns recatos e que haja, da parte dos titulares, algum esvaziamento, alguma capitis deminutio, que resulta naturalmente do simples exercício. Por isso, estou consciente de que é difícil uma formulação constitucional.
O Estatuto dos Magistrados Judiciais tem uma formulação ordinária, que, às vezes, até chego a julgar de duvidosa constitucionalidade. Se houvesse uma "apropriação" constitucional - melhorada, obviamente - do que é hoje o texto da lei ordinária, a nível do estatuto, nomeadamente considerando-se a hipótese da docência, que hoje também está a suscitar algumas reservas - e essas reservas parece que são razoáveis - quanto à possibilidade de os magistrados, mesmo não remuneradamente, exercerem a docência, isto é, se esta formulação que está na lei ordinária fosse, de algum modo, aproveitada e melhorada, em termos da lei fundamental, ressalvando-se também a possibilidade de o Conselho vir a ter uma última palavra naquelas hipóteses mais limites, e sem prejuízo da formulação de algum aditamento que nos proporíamos fazer…
Deixo aqui apenas, e singelamente, esta minha nota.

A Sr.ª Dr.ª Juíza Fernanda Isabel Pereira (Membro do Conselho Superior da Magistratura): * Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: * Faça favor.

A Sr.ª Dr.ª Juíza Fernanda Isabel Pereira (Membro do Conselho Superior da Magistratura): * Sr. Presidente, é só para dizer que, realmente, não pensámos na nossa Casa e não falámos na composição do Conselho.
Por isso, muito brevemente, quero só dizer que o Conselho entende que a actual composição é equilibrada, inclusivamente em relação à designação pelo Sr. Presidente da República de duas personalidades, uma das quais um juiz, porque isso dá, de certa forma, continuidade àquela paridade que o legislador quis estabelecer entre os juízes eleitos e as personalidades estranhas à magistratura.
Portanto, o Conselho entende que a sua actual composição seria de manter, porque ela, por um lado, corta os tais problemas de corporativismo e, por outro, tem permitido uma gestão tão boa quanto possível, dentro de um órgão colegial, que é o quadro que temos, relativamente aos juízes.

O Sr. Presidente: * Sr. Conselheiro Chichorro Rodrigues, Srs. Drs. Fernanda Isabel Pereira e Hélder Roque,

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obrigado pela vossa presença. As vossas palavras serão seguramente tidas em conta. Ficamos a aguardar o estudo, por escrito, que nos prometeram. Seria obviamente descabido um compromisso quanto a resultados, mas não será descabida, seguramente, a ideia de que as vossas palavras serão consideradas quanto ao respectivo mérito.
Obrigado por tudo e até uma próxima oportunidade.

Pausa.

Srs. Deputados, vamos proceder agora à audição da Associação Portuguesa de Espectadores de Televisão (APET), para o que temos connosco o Sr. Prof. Dr. Manuel José Lopes da Silva, que é o Presidente da Direcção e Professor de Ciências da Comunicação na Universidade Nova de Lisboa, e o Sr. Dr. Miguel Reis Cunha, Membro da Direcção, advogado e Presidente do Gabinete Jurídico desta Associação.
O esquema para esta audiência vai ser semelhante ao das anteriores: os nossos visitantes usarão da palavra para apresentar o tema e os seus pontos de vista sobre a questão que nos querem trazer, depois os membros da Comissão poderão fazer perguntas, pedir esclarecimentos e anunciar posições e, no final, os nossos visitantes usarão da palavra para uma intervenção final, se o desejarem.
Tem a palavra o Sr. Prof. Dr. Manuel José Lopes da Silva.

O Sr. Prof. Dr. Manuel José Lopes da Silva (Presidente da Associação Portuguesa de Espectadores de Televisão): * Muito obrigado, Sr. Presidente e Srs. Deputados, por nos receberem.
Pedimos para ser recebidos por VV. Ex.as porque supomos que é um hábito saudável em democracia que as associações sejam ouvidas pelo poder político - de resto, temos contactos frequentes com as nossas congéneres de outros países, concretamente com a de Espanha, com a de França e com a de Inglaterra, e sabemos que essas associações são frequentemente escutadas pelos órgãos do poder político -, muito concretamente nos tempos que correm, porque, realmente, há profundas alterações que se estão a dar no campo do audiovisual. Portanto, é natural que essas associações sejam escutadas sistematicamente pelo poder político. Consideramos, realmente, que é um bom hábito democrático que, de facto, este diálogo se estabeleça.
Antes de entrarmos propriamente no tema que nos traz aqui, gostaria apenas, de uma forma muito resumida, de lhes dar uma ideia do que é a APET, porque, depois deixar-vos-ei este folheto com todas as informações. A APET é uma pessoa colectiva, sem fins lucrativos, independente de qualquer orientação político-religiosa, que tem como objectivo a defesa da dignidade da pessoa humana, a melhoria da qualidade televisiva e a defesa dos legítimos interesses dos telespectadores.
Gostaria também de recordar que não é a primeira vez que somos recebidos por uma comissão parlamentar, pois, há cerca de 10 anos, justamente quando se estava a preparar o quadro jurídico para a abertura da televisão à iniciativa privada, uma vez que, nessa altura, havia apenas televisão pública, estivemos aqui e fomos recebidos pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Lembro-me perfeitamente - não sei se algum dos Srs. Deputados que aqui estão esteve presente nessa altura -, e nunca mais esquecerei, a conversa que tivemos no anfiteatro da Assembleia, pois foi lá que fomos recebidos. Tive, realmente, a grande emoção de estar a ser ouvido por uma Comissão Parlamentar no próprio anfiteatro da Assembleia.

O Sr. Presidente: * Sr. Professor, o facto de os recebermos nesta sala modesta não quer dizer que tenha havido degradação…

Risos.

O Sr. Prof. Dr. Manuel José Lopes da Silva: * Não, não! Não havia microfones, por isso não era tão prático! Era mais formal, mas menos prático! De facto, estamos melhor aqui!
De qualquer maneira, o que se passa, neste momento, é que estamos num período extremamente crítico, porque realmente há a ideia de uma reforma, de uma revisão, do quadro jurídico da televisão e, simultaneamente, fala-se também no repensar do serviço público, por isso vimos aqui justamente deixar algumas ideias ou, melhor, algumas expectativas ou talvez até algumas preocupações da nossa Associação.
No que se refere propriamente à Constituição, que, neste momento, é o objecto dos vossos cuidados e dos vossos trabalhos, entendemos que, do ponto de vista dos destinatários, deve manter-se a posição da Constituição. A Constituição diz que o Estado deve assumir a responsabilidade de instituir um serviço público de televisão e nós achamos que ele deve continuar a assumir essa responsabilidade. Portanto, neste aspecto, pensamos que, de facto, não deve haver modificação. Com isto não queremos dizer que o articulado deve ficar como está, mas a ideia essencial, a da responsabilidade do Estado por um serviço público de televisão, achamos que deve manter-se.
Depois, no que diz respeito ao que existe na Constituição relativamente à Alta Autoridade para a Comunicação Social, nós próprios temos a nossa própria experiência e, justamente por isso, vamos deixar aqui um documento que representa a posição da APET em relação ao…

O Sr. Presidente: * Sr. Professor, esse documento já me foi enviado anteriormente, na qualidade de Presidente da Comissão, e eu já o fiz distribuir pelos partidos. Portanto, neste momento, pode considerar que ele é do conhecimento dos partidos.

O Sr. Prof. Dr. Manuel José Lopes da Silva: * Portanto, já têm conhecimento deste documento?

O Sr. Presidente: - Exactamente!

O Sr. Prof. Dr. Manuel José Lopes da Silva: * Óptimo.

O Sr. Presidente: * Pode, portanto, laborar na base desse documento, porque ele já está distribuído.

O Sr. Prof. Dr. Manuel José Lopes da Silva: * Então, passarei depois a palavra ao Sr. Dr. Miguel Reis Cunha para desenvolver o documento.
De facto, consideramos que a Alta Autoridade para a Comunicação Social deve continuar a existir, até com poderes reforçados, como já é do vosso conhecimento através da nossa proposta.

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Há 10 anos, quando estivemos aqui a falar com os vossos Colegas de então, não sabíamos bem o que é que ia acontecer com a abertura da televisão aos privados. Claro que tínhamos perfeita consciência de que íamos introduzir um novo modelo do audiovisual, que, naturalmente, tinha a ver com um modelo democrático de televisão que existia, concretamente, nos Estados Unidos da América, que era um modelo concorrencial, onde havia uma base de tipo comercial, mas onde também havia outra - e essa era a diferença em relação ao modelo americano -, que era a ideia de um serviço público, que, no nosso ponto de vista, devia ser um serviço de referência relativamente aos outros. Deve existir um serviço público, mas um serviço com uma qualidade tal que permita que os outros canais possam ser comparados com essa referência.
Como sabem, este modelo necessita de regulação, que é, por um lado, uma regulação de carácter jurídico, com órgãos de regulação jurídicos, e, por outro, uma regulação a que chamamos social. Porque, de facto, é claro que é muito desagradável - e isso passou-se nos Estados Unidos da América - os canais de televisão funcionarem para cumprir a lei ou para não cumprir a lei. Isto é muito desagradável! E o Sr. Professor conhece essas questões, com certeza, muito melhor do que eu. Os operadores nos Estados Unidos da América resolveram posicionar-se relativamente à regulação que o Estado lhes estava a impor, como quem diz: "O Estado quer regular-nos, mas nós já somos pessoas idóneas não precisamos da regulação do Estado, regulamo-nos a nós próprios". É o conceito do Self Writting Process, que eu estava convencido de que ia funcionar também entre nós. Estava absolutamente convencido disso!
Como os senhores sabem, de facto, posso dizer neste momento que os operadores de televisão recusaram-se claramente a auto-regularem-se, concretamente a adoptarem um pacto de conduta entre si, de carácter ético-jurídico, evidentemente, à semelhança do que se passou nos Estados Unidos da América, mas não só, porque, por exemplo, em Inglaterra passou-se rigorosamente o mesmo. Eu tenho o Código de Conduta inglês, que foi combinado com os operadores, como V. Ex.ª, aliás, deve recordar-se, e com as associações de espectadores, que são respeitadas em todos os países, porque representam, de facto, ao fim e ao cabo, os interesses dos principais interessados que são os destinatários. As associações de utentes representam os principais interessados, os que são atingidos por uma bomba - a televisão.
E na Inglaterra, muito concretamente, como deve saber, foi criado um organismo que, envolvendo órgãos de investigação, operadores, rádio, televisão e associações de espectadores, estabeleceu o seu código de ética, um pacto de conduta, muito bonito. É um pacto social entre os operadores, a própria sociedade e o poder político.
Ora, este instrumento em que temos andado a pensar durante todos estes anos - inclusivamente, temos pressionado os operadores a fazê-lo - realmente ainda não se concretizou em Portugal.
O anterior executivo promoveu umas reuniões sobre a violência na televisão com várias instituições, onde estivemos representados, tendo-se estabelecido nesse momento um curto diálogo com os operadores, e pareceu-nos, a certa altura, ou, pelo menos, pareceu-me a mim, que os operadores estavam motivados para um pacto de conduta, mas esse foi um instante fugitivo, um instante fugaz que desapareceu rapidamente.
Neste momento, como sabem, a situação é extremamente grave, porque não só, aparentemente, não pensam em autoconter-se como até acho que os operadores, alguns deles, pelo menos, se têm francamente excedido, isto é, têm manifestado uma arrogância extraordinária no seu comportamento. Penso que, neste momento, há realmente da parte dos operadores de televisão motivos para levar a sociedade a estar muito preocupada com a evolução dos acontecimentos.
Não quero aproveitar a oportunidade para estar a denunciar este ou aquele acto, deste ou daquele operador, não quero fazer isso, mas VV. Ex.as sabem perfeitamente que têm sido cometidos abusos de toda a ordem, de toda a natureza. E não estou a pensar no aspecto alienante e massificante da programação, que nos preocupa muito, porque até mesmo em termos jurídicos, rigorosamente jurídicos, de cumprimento das leis, tem havido abusos, como sabem.
É, portanto, este tipo de preocupações que gostaria de lhes manifestar.
Relativamente à lei da televisão, presumo que, a seguir a uma revisão da Constituição, será também objecto de uma revisão ou de uma eventual reconsideração. Em relação a isso, queremos dizer que a lei da televisão é muito boa, oxalá ela fosse cumprida. Do nosso ponto de vista, a lei da televisão deve ser reforçada e não alterada. Suponho que V. Ex.ª, Sr. Presidente, terá sido um dos constituintes de 1989, não sei se foi ou não,…

O Sr. Presidente: * Não!

O Sr. Prof. Dr. Manuel José Lopes da Silva: * … mas, com certeza, estarão aqui alguns Srs. Deputados que terão participado na revisão de 1989. Não sei se algum dos Srs. Deputados terá participado na elaboração da Constituição e, depois, na elaboração da lei da televisão.
Devo dizer que se trata de uma boa lei, que mostra que os constituintes estavam muito preocupados com os destinatários, porque defende os seus interesses. Basta ler as finalidades da lei da televisão e vê-se que, realmente, aponta para uma televisão que promove as pessoas, promove os cidadãos, e que é o contrário da televisão massificante e alienante que temos em casa todos os dias.
Portanto, quero pedir a todos os Srs. Deputados que me estão a ouvir que, realmente, se lembrem dos destinatários. Nós estamos aqui e assumimo-nos como representantes dos destinatários. Se, de facto, os interesses dos operadores são compreensíveis - e nós não somos contra os interesses do mercado, não temos quaisquer razões teóricas para ser contra o mercado, é um tipo de organização económica como outra qualquer -, também acho que devem estar sujeitos a regras, o que, até ao momento, não têm existido, e, se os operadores de televisão estão com problemas, a culpa não é dos destinatários, que têm até sido vítimas dos seus desmandos.
Devo dizer-lhes que considero escandalosa a política de cachets que, por exemplo, nos últimos anos, se praticou. Quer dizer: num país como o nosso - e não quero fazer demagogia, não sou demagogo, a minha Associação tem outras preocupações -, com tantas dificuldades, com tantas carências em todos os domínios, pagarem-se os cachets como os que se têm pago é uma coisa que é perfeitamente inadmissível, para mais sem a contrapartida de uma boa qualidade da programação.

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Portanto, resumindo: se os operadores estão com dificuldades, o problema é deles.
Além disso, há outro aspecto para o qual gostaria de chamar a vossa atenção: é que, de facto, quando os operadores apresentam os seus problemas e falam nas suas dificuldades é preciso pensar que eles também tomaram as suas precauções e todos eles têm ligações multinacionais. Portanto, do ponto de vista da nossa Associação, eles não representam exclusivamente operadores nacionais que, "coitadinhos", aplicaram uma política que foi um pouco imprudente e agora estão com dificuldades económicas...! Não! Eles representam cá, de facto, poderosos interesses multinacionais!
Portanto seria, pelo menos para mim, muito difícil de justificar que, neste momento, em Portugal, o nosso poder político legítimo, de que VV. Ex.as são uma parte, tivesse a preocupação de proteger os operadores de televisão, porque eles estão com dificuldades económicas, sobretudo à custa dos interesses dos destinatários.
Julgo que já ultrapassei mais do que o meu tempo. Peço-vos muita desculpa por isso.
Não sei se o Sr. Dr. Miguel Reis Cunha quer acrescentar alguma coisa...

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Dr. Miguel Reis Cunha.

O Sr. Dr. Miguel Reis Cunha (Membro da Associação Portuguesa de Espectadores de Televisão): * Sr. Presidente, antes de mais, quero agradecer também a possibilidade que nos deram de expormos a nossa opinião e saudar todos os Srs. Deputados aqui presentes.
A proposta que apresentámos tem como base três fundamentos: o primeiro é a experiência que tivemos no terreno com a Alta Autoridade para a Comunicação Social, em que não só apresentámos várias queixas mas também tivemos reuniões com o seu Presidente e até mesmo com outros membros, onde, de facto, fomos detectando algumas lacunas, alguns problemas; o segundo é o facto de termos feito um estudo, penso que no ano passado, onde fizemos uma análise das principais deliberações da Alta Autoridade para a Comunicação Social e, a partir daí, tirámos algumas conclusões; e o terceiro é uma componente mais técnica, uma vez que pedimos a colaboração a dois Assistentes da Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa, na área do Direito Constitucional, o Dr. Paulo Autério e o Dr. Jorge Bacelar Gouveia, que são consultores do nosso gabinete jurídico, em relação à proposta apresentada.
No que se refere à Constituição, a nossa proposta reduz-se basicamente à questão da composição. Há, depois, uma série de outros assuntos na proposta, que achamos bastante relevantes, mas que têm mais a ver com a futura lei orgânica. No entanto, apresentámos na mesma proposta aspectos relacionadas com a lei orgânica, embora, enfim, sejam aspectos mais de pormenor…

O Sr. Presidente: * Sr. Doutor, se me permite, não apenas porque alguns dos aspectos da vossa proposta têm a ver também com a Constituição, por exemplo, se a Alta Autoridade para a Comunicação Social houver a ter atribuições sancionatórias, que é algo que apoio com toda a força, seria conveniente ter uma habilitação constitucional para o efeito, que, neste momento, não existe. Estou a pensar na última das vossas propostas, que tem a ver exactamente com as competências propostas para a Alta Autoridade.

O Sr. Dr. Miguel Reis Cunha: * Sim! Depois, também de acordo com estas propostas de alteração da lei orgânica, as correspondentes alterações terão de feitas na Constituição, para que elas possam ter cabimento.
Em relação à composição da Alta Autoridade para a Comunicação Social, a nossa ideia é, sobretudo, a de alargar a sua representatividade. Quer dizer: consideramos que, neste momento, a Alta Autoridade não representa, nem de longe, nem de perto, a sociedade civil. Se olharmos para o esquema habitual utilizado na comunicação, emissor e receptor, vemos que, de facto, os receptores, neste caso os utilizadores, não estão minimamente representados.
Em relação às propostas apresentadas pelos vários partidos, uma vez que já fomos contactados por alguns partidos, também consideramos que, enfim, embora sejam apenas propostas, poderiam ser enriquecidas pela presença de outras entidades, que, por sua vez, iriam enriquecer a Alta Autoridade para a Comunicação Social e dar-lhe mais legitimidade, porque, nesse caso, o prestígio da Alta Autoridade ou da futura entidade, porque poderá não ter esse nome, estaria mais assegurado.
Por outro lado, também a ideia da divisão em secções, que tem muito a ver, por exemplo, com o que já acontece com o Conselho Económico e Social, seria muito vantajosa, porque, por exemplo, na televisão, na rádio e na imprensa escrita existem especificidades próprias, havendo até legislação própria em relação a muitas coisas.
Portanto, seria muito vantajoso haver uma especialização dentro da futura entidade que pudesse, com especial atenção, dedicar-se mais aos assuntos relacionados com a televisão ou com a rádio.
Por fim, existe uma pequena alteração que fizemos em relação à proposta que vos foi distribuída: é que, além do pedido que fizemos em relação à Comissão de Revisão da Constituição, também fizemos pedidos de audiência a todos os grupos parlamentares. Já fomos recebidos pelo PSD e pelo PS e aguardamos ser recebidos pelo Partido Comunista e pelo Partido Popular.
Em concreto, no encontro que tivemos com o Grupo Parlamentar do Partido Socialista foi-nos feita uma sugestão, sobre a qual reflectimos e que achámos que poderia ter cabimento, que tem a ver com o facto de os membros eleitos pela Assembleia da República deverem ter formação jurídica.
Devo dizer que esta proposta nos foi feita por estes Assistentes da Faculdade de Direito de Lisboa, mas a minha formação jurídica também me diz que certos assuntos mais polémicos podem perfeitamente ser resolvidos com base em conceitos jurídicos, porque uma das coisas que verificámos em relação à Alta Autoridade para a Comunicação Social foi que muitas vezes ela não tomava posição porque dizia que determinados assuntos eram subjectivos. Então, como eram subjectivos, como poderia haver vários entendimentos, muitas vezes acabava por não dar provimento às queixas. Mas o que é certo é que há assuntos que, do ponto de vista jurídico, têm mesmo uma forma de ser resolvidos, embora o próprio Direito da comunicação ainda esteja um pouco a consolidar-se.
Daí esta nossa proposta de a Assembleia da República eleger membros com formação jurídica, porque isso, à primeira vista, poderia contornar alguma subjectividade que pode existir em relação a determinados assuntos mais polémicos.

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No entanto, como nos foi chamada a atenção pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista e também porque, depois, fizemos uma reflexão mais profunda sobre este assunto, esta proposta que hoje trazemos mantém-se em tudo igual, com uma única diferença: é que em relação aos membros a eleger pela Assembleia da República retiramos a palavra juristas, por esta razão que acabei de explicar.

O Sr. Prof. Dr. Manuel José Lopes da Silva: * Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: * Faça favor, Sr. Professor.

O Sr. Prof. Dr. Manuel José Lopes da Silva: * Sr. Presidente, este elemento de subjectividade que existe na apreciação do funcionamento da televisão poderia ser ultrapassado se se redigisse um código de conduta em que justamente houvesse diálogo entre os operadores e os destinatários, porque, por exemplo, estou a lembrar-me que o código de conduta inglês é muito preciso nessas coisas, é muito concreto, entra com critérios que já não são exclusivamente jurídicos. Por exemplo, em relação à questão do bom gosto, que é uma coisa que preocupa tanto os ingleses, e a mim também, há critérios para bom gosto. Quer dizer: mediante um diálogo entre os operadores e os destinatários será possível chegar a critérios mais próximos da realidade e, portanto, ajudando a uma melhor apreciação da programação.

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, acabámos de ouvir a posição da APET. Presumo que todos conhecem o documento escrito que nos foi enviado e que fiz distribuir aqui há uns tempos, mas, para o caso de não o terem disponível, podemos fotocopiá-lo imediatamente.
Têm a palavra os Srs. Deputados que queiram pedir algum esclarecimento, tomar alguma posição ou fazer alguma pergunta, mas peço-lhes que observem um princípio de economia e que não se esqueçam de que estamos numa Comissão de Revisão Constitucional e que, portanto, em princípio, nos devemos centrar nas questões que têm a ver com a Constituição.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): * Sr. Presidente, quero saudar a presença da Associação Portuguesa de Espectadores de Televisão, particularmente o seu Presidente, o Sr. Professor Lopes da Silva, meu ilustre colega da Universidade Nova, e dizer-lhe, como já tive ocasião de o fazer ao seu colega de direcção na audiência que o Partido Socialista concedeu à APET, que partilhamos, na generalidade, as vossas preocupações, particularmente em relação ao actual quadro televisivo, mas também em relação ao funcionamento da entidade reguladora, que é a Alta Autoridade para a Comunicação Social.
Em sede de revisão constitucional não creio que se justifiquem grandes alterações em relação à generalidade dos artigos, como, aliás, foi reconhecido, a menos, evidentemente, que houvesse aqui uma maioria que quisesse pôr em causa algo de fundamental no actual ordenamento constitucional, como é a existência de um serviço público de televisão a cargo do Estado. Mas não é assim. Creio que esta revisão constitucional não vai tocar, evidentemente, na existência de um serviço público de televisão.
Em relação à entidade reguladora, particularmente à Alta Autoridade para a Comunicação Social, há sobre a mesa uma série de propostas para rever o seu estatuto constitucional, não apenas uma alteração formal de designação de nome, sobre a qual praticamente todos estão de acordo, mas também uma alteração de fundo pelo facto de o órgão, até agora, ter provado mal, se se entender que a alteração da designação do nome justifica também como uma forma simbólica de mudar o próprio estatuto e as próprias competências e composição do órgão.
A nossa proposta relativamente à composição é, nesse aspecto, bastante diferente da que nos apresentaram. Entendemos que será mais eficaz um órgão com uma composição mais reduzida, embora, provavelmente, com um reforço de meios técnicos e humanos ao seu dispor, do que propriamente um órgão com 21 membros, como aquele que aqui nos propõem, dividido em várias secções.
Entendemos que a redução do número de membros permite até uma maior visibilidade física do órgão, e um órgão desta natureza convém que seja conhecido e que os seus membros sejam conhecidos. Na impossibilidade de irmos para um órgão unipessoal, como é a Provedoria de Justiça, pelo menos um órgão com os sete membros, por exemplo, que é o que aqui propomos, permitia, apesar de tudo, uma maior visibilidade física.
Por outro lado, entendemos que se devem reforçar as garantias de independência desses membros, o que não tem acontecido com a composição que foi fixada constitucionalmente na revisão de 1989 e, sobretudo, depois, com a lei orgânica que regulou essa composição.
Entendemos ainda que, relativamente às competências - e aí estamos basicamente de acordo com algumas sugestões da vossa proposta -, devemos, em sede constitucional, abrir a possibilidade do seu reforço, e é nesse sentido que, em relação ao artigo 37.º, entendemos que as infracções cometidas no exercício dos direitos, no âmbito da liberdade de expressão e informação, ficam submetidas aos princípios gerais de Direito Criminal ou do ilícito de mera ordenação social, possibilitando, neste último aspecto, a intervenção da entidade pública independente, nos termos da lei.
Portanto, se esta nossa proposta for aprovada, temos a possibilidade de, em sede de lei ordinária, reforçar amplamente as competências sancionatórias e a matéria contra-ordenacional da Alta Autoridade para a Comunicação Social.
Relativamente, pois, às outras questões que aqui nos suscitaram, nomeadamente sobre o actual quadro televisivo e as infracções à lei, somos os primeiros a lamentar que, mesmo com o actual quadro legislativo, haja tantas infracções à lei.
Por um lado, é preciso levar as entidades responsáveis a intervir e, para isso, é útil que exista uma entidade reguladora com mais poderes, uma vez que o Governo, muitas vezes, não tem coragem para intervir nesta matéria, pelo que uma entidade independente, como a entidade reguladora, terá mais possibilidade de o fazer.
Por outro lado, será também necessário adaptar a lei de televisão particularmente às novas condições que estamos a viver, em face da experiência entretanto obtida com a concorrência entre os canais privados e os canais públicos.
Em síntese, era esta a posição que, de novo, vos queríamos transmitir.

O Sr. Presidente: * Obrigado, Sr. Deputado António Reis.

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Alguém mais quer pronunciar-se ou pedir algum esclarecimento?

Pausa.

Sr. Professor, Sr. Doutor, querem fazer algum comentário?

O Sr. Dr. Miguel Reis Cunha: * De facto, a nossa ideia em relação à composição da entidade reguladora também tem a ver, sobretudo, com a futura apreciação de queixas por parte dessa entidade.
O que se verifica é que, no âmbito da Alta Autoridade, em relação a muitas queixas que foram apreciadas, mesmo que houvesse mais poderes, isto é, mesmo na hipótese de a Alta Autoridade já ter o tal poder sancionatório, na prática, ficaríamos na mesma, porque as pessoas em causa - e isto também tem muito a ver com a forma como os membros foram eleitos -, no caso de assuntos mais polémicos, diziam, pura e simplesmente, "Não temos a certeza e, portanto, a queixa é improcedente" ou, então, "Isso não é da nossa competência". E, muitas vezes, até poderia ser da sua competência! Temos, por exemplo, o caso de um membro da Alta Autoridade que, sistematicamente, em relação à fiscalização da actividade televisiva, que considerávamos que se enquadrava perfeitamente no âmbito da competência da Alta Autoridade, dizia: "Eu, pura e simplesmente, não me pronuncio, porque considero que a Alta Autoridade não é competente". Ou seja, este membro fazia uma interpretação restritiva das competências da Alta Autoridade.
Portanto, o nosso medo é o de que, mesmo com o reforço dos poderes da Alta Autoridade, como os seus membros não traduzem várias sensibilidades que existem na sociedade civil, na prática, poderão continuar a apresentar-se queixas que continuem a ser improcedentes, porque, como há a tal subjectividade e como há poucos membros, é mais difícil chegar a consensos e, então, não se toma posição.
Por isso é que eu digo que, de acordo com a nossa proposta, apesar de o número de membros ser, de facto, quase assustador - 21 membros -, estão representadas as várias sensibilidades, desde logo, inclusivamente, os próprios operadores de comunicação, e também a vertente económica, uma vez que os interesses económicos estarão aqui representados, os próprios jornalistas, os interesses dos jornalistas, os representantes dos destinatários, quer através de associações de telespectadores, isto é, de associações de consumidores de âmbito específico, quer, no caso de não existirem essas associações, como sucede com a rádio e a imprensa escrita, as associações de consumidores genéricas.
Tudo isso dá muito mais garantias e não tanto em relação às competências, porque, essas, presume-se que serão alargadas, mas em relação ao conteúdo das deliberações.
É só nesse sentido que apresentamos esta proposta, embora, a nosso ver, o que interessa é que os objectivos sejam alcançados. Quanto à forma, enfim…

O Sr. Prof. Dr. Manuel José Lopes da Silva: * Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: * Faça favor, Sr. Professor.

O Sr. Prof. Dr. Manuel José Lopes da Silva: * Sr. Presidente, é só para reforçar esta ideia de que, de facto, os pontos de vista dos utentes da televisão deveriam estar mais bem representados, porque, realmente, significam um aspecto complementar da questão que é o aspecto, digamos, da ética e até da psicologia da comunicação, eventualmente, porque há questões que têm a ver com a psicologia da comunicação. E penso que isso, de facto, era, inclusivamente, uma prova do sentido democrático das pessoas que vão votar a Constituição, ao passarem uma pequenina parte do poder para os próprios utentes da comunicação.
Muito obrigado.

O Sr. Presidente: * Sr. Deputado António Reis, ainda quer usar da palavra?

O Sr. António Reis (PS): * É só para precisar o sentido da nossa proposta, porque, para nós, a questão da composição não é tanto uma questão de quantidade, é mais uma questão de qualidade. E a qualidade neste sentido: por um lado, independência e, por outro, competência especializada nas questões da comunicação social. Isto para além de que os membros designados para um órgão como este não vão para lá representar interesses corporativos, porque, como é evidente, não se trata de uma câmara corporativa para a comunicação social. Os membros podem ser designados originariamente pelos jornalistas, pelos representantes das empresas titulares de comunicação social, eventualmente pelas associações de consumidores de televisão, mas não estarão lá como representantes desses interesses específicos, têm de cumprir a missão constitucional que lhes é atribuída simplesmente pela Constituição e pela lei.
Por outro lado, quero também completar o que disse há pouco, no sentido do alargamento das competências da Alta Autoridade ou do futuro "Conselho para a Comunicação Social", como preferimos designá-lo no nosso projecto de revisão constitucional, dizendo que propomos concretamente que este conselho vele também pelo cumprimento das obrigações legais e contratuais das estações de rádio e televisão, tendo, para o efeito, poderes de regulação nos termos da lei. Ou seja, isto aumenta bastante a capacidade de intervenção deste órgão regulador no que diz respeito à fiscalização concreta de toda a actividade radiofónica e televisiva, o que me parece extremamente importante porque, como vemos, é aí que se situa a maior parte dos problemas que nos preocupam actualmente e também porque o desejável pacto de conduta entre os operadores de televisão não só está provado que é extremamente difícil de concretizar entre nós como, eventualmente, uma vez concretizado, provavelmente não dispensará, infelizmente - temos de ser realistas -, a existência de uma hetero-regulação para além da auto-regulação.

O Sr. Prof. Dr. Manuel José Lopes da Silva: * Sr. Presidente, se me permite, acrescentava um pouquinho mais.
Evidentemente, cada um tem a representatividade que tem e eu represento os meus associados mas sinto que não os represento só a eles. Era este aspecto que gostaria de frisar: quer dizer, nós representamos interesses dos destinatários e somos uma voz em defesa desses interesses. Por isso, é que entendo que, de facto, esses interesses dos utentes têm uma expressão através da nossa voz e que acho que essa voz deveria estar representada num órgão, não com um interesse corporativo, porque não temos quaisquer

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interesses corporativos, rigorosamente nenhuns, mas representando o ponto de vista do destinatário que, ao fim e ao cabo, é o principal interessado em todo o processo da comunicação de televisão. É o principal!

O Sr. Presidente: * Sr. Professor, o problema é saber se uma autoridade independente deve ter natureza representativa. Essa é uma questão polémica, assaz discutida, que, certamente, não vamos aqui, neste momento, resolver.
Sr. Professor e Sr. Doutor, obrigado pela vossa presença e pelo documento que, entretanto, nos tinham enviado. As vossas opiniões, obviamente, serão tidas em conta nas decisões dos membros da Comissão e dos respectivos partidos em matéria de revisão constitucional.
Em nome da Comissão, quero agradecer as vossas presença e colaboração nos nossos trabalhos e na revisão constitucional. Não tenho dúvidas de que, em alguma medida, ela contribuirá para melhorar o texto da Constituição nesta matéria.
Muito obrigado.

Pausa.

Srs. Deputados, resta-nos meia hora de tempo útil, pelo que devemos aproveitá-lo.
Ontem, tínhamos ficado…

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, permite-me só uma questão burocrática, antes de entrarmos no trabalho?

O Sr. Presidente: * Diga, Sr. Deputado.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, quero solicitar os seus bons ofícios para saber, junto dos serviços, se é possível receber as actas em disquete, em vez de as receber em papel, com poupança para a Assembleia e facilidade para os interessados.
Não sei se isso é possível…

O Sr. Presidente: * Vou informar-me sobre esse ponto, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, ontem, ficámos no artigo 252.º e vimos as propostas relativas à composição e designação da câmara municipal, com a exposição das posições de cada um dos projectos que não receberam acolhimento.
Vamos passar a uma proposta de aditamento de um n.º 4, apresentada pelo PSD, segundo a qual "A lei fixa o número máximo de mandatos sucessivos do presidente da câmara".
Srs. Deputados, está à discussão a proposta do PSD para aditamento de um novo número ao artigo 252.º, que, no projecto do PSD, é um novo n.º 4, segundo o qual, repito, "A lei fixa o número máximo de mandatos sucessivos do presidente da câmara".
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, esta proposta decorre também de uma posição do Partido Social-Democrata sobre esta matéria já com um curso longo de tempo - não é de agora - e, no fundo, estriba-se no princípio geral que o PSD defende, para além do princípio geral de renovação que decorre do artigo 121.º da Constituição, que já foi aqui discutido e relativamente ao qual se prevê, por um lado, a impossibilidade do exercício vitalício de cargos e, por outro, o princípio da renovação entendido como a necessidade de refrescamento da legitimidade para o exercício de determinados cargos, que é o que tem a ver com o termo "renovação" e com a possibilidade de exercício sucessivo de mais do que um mandato.
Portanto, independentemente de funcionar o princípio da renovação para a legitimidade no exercício de um determinado cargo, pode e deve também equacionar-se o problema da possibilidade de exercício sucessivo de determinado tipo de cargos. E, quanto a esta matéria, a Constituição da República, como todos sabemos, apenas coloca numa disposição o que concerne ao exercício do cargo de Presidente da República, relativamente ao qual, desde o início, se estabeleceu um limite ao exercício sucessivo de mandatos.
O PSD entende que a razão de ser, de fundo, desta disposição constitucional deve também estender-se aos presidentes de câmara, fundamentalmente pela existência de um pano de fundo comum e que tem a ver com a circunstância de ambos serem, na prática, cargos electivos personalizados, um claramente personalizado, até porque é um cargo uninominal, que é o do Presidente da República, e o outro, não sendo totalmente personalizado, uma vez que a câmara municipal é um órgão colegial, do que não há dúvida, apesar de tudo, é de que a Constituição dispõe claramente que o presidente da câmara é sempre e necessariamente o cabeça de lista, da lista para a qual existe o tal sufrágio para a câmara municipal, havendo, portanto, nesse sentido, uma personalização do voto e do sufrágio na eleição da câmara municipal.
Fundamentalmente por essa circunstância, que nos parece politicamente coincidente com o princípio que preside à limitação de mandatos por parte do Presidente da República, entende o PSD que relativamente ao cargo de presidente da câmara deve também haver a fixação de um limite ao exercício sucessivo de mandatos.
A proposta do PSD não vai ao ponto de quantificar, na própria Constituição, o número de mandatos, à semelhança, por exemplo, do que a Constituição faz para o Presidente da República, remetendo essa matéria para a lei, até pela circunstância de que, em face da situação existente em Portugal nos 20 anos de poder local democrático, há uma série de situações que decorrem historicamente das eleições sucessivas já ocorridas para este tipo de cargos, pelo que se tornará necessário, do nosso ponto de vista, que o legislador ordinário vá ao ponto de estipular ou estabelecer regras próprias para as situações que vêm de trás.
Portanto, por essa especificidade também, entende o PSD não o fazer nos termos exactamente similares àquele que se verifica na Constituição para o Presidente da República mas, sim, remeter para a lei.
Sinteticamente, Sr. Presidente, são estes os fundamentos para a apresentação desta proposta.

O Sr. Presidente: * Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Luís Sá, que a pediu, quero deixar duas notas.
Em primeiro lugar, o projecto do Professor Jorge Miranda, no artigo 121.º, previa uma norma genérica, segundo a qual a lei devia estabelecer limites à renovação sucessiva no exercício dos cargos dos titulares de cargos políticos em geral.

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Em segundo lugar, estabelecendo o PSD esta proposta só para o presidente da câmara, pergunto se isso não se aplica, por identidade de razão, ao presidente da junta de freguesia.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Ou ao Primeiro-Ministro?!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O Primeiro-Ministro não é um cargo electivo.
Sr. Presidente, o assunto foi ponderado e é ponderado pelo próprio PSD. Digamos que, se houver receptividade da parte desta Comissão para a constitucionalização de um princípio como este, o PSD está aberto a ponderar também a questão dos presidentes de junta, que, na prática e no fundo, como o Sr. Presidente disse, também acabam, embora de uma forma constitucionalmente diferente, por ser cargos electivos com uma personalização evidente quanto à escolha dos eleitores.
Portanto, estamos abertos a ponderar isso. E não o fizemos neste projecto apenas por duas razões: por um lado, porque, inequivocamente, quem é detentor de poderes e de competências muito concretas no plano do poder local são os presidentes de câmara e o que está aqui em causa, obviamente, por detrás desta lógica do princípio da renovação, entendido nesta vertente do exercício sucessivo de mandatos, tem a ver com problemas como a personalização excessiva, o caciquismo, o caudilhismo, o que, pela realidade das circunstâncias e das competências de cada um dos cargos, está perfeitamente mitigado no caso dos presidentes de junta; por outro lado, porque…

O Sr. Presidente: * O Sr. Deputado não conhece o mundo rural! Está a falar nas juntas urbanas!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Os poderes são muito diferentes, Sr. Presidente! Pelo menos, concederá…

O Sr. Presidente: * Não estou a falar de presidentes…

O Sr. Luís Sá (PCP): - Está a falar do impacto mediático das figuras políticas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não! Pelo menos concederá que, no plano das competências de um órgão e de outro, o órgão "câmara" e o órgão "junta", vai uma diferença colossal, actualmente, no nosso sistema.
Essa é a primeira ordem de razões.
A segunda ordem de razões tem a ver com uma preocupação de formular a questão para ela poder ser equacionada e depois, com o gradualismo que for entendido, tentar introduzi-la no nosso sistema constitucional.
Mas, desde já, respondendo directamente à questão do Sr. Presidente, se for esse o entendimento e a opção tida por mais conveniente, o PSD, obviamente, não lhe fecha a porta e fica aberto a ponderar essa extensão.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Creio que a posição do PSD é, de todo em todo, incoerente e a incoerência não reside apenas na questão dos presidentes de junta de freguesia ou, eventualmente, de outras figuras.
O Sr. Deputado Luís Marques Guedes, em resposta a um aparte, afirmou que o Primeiro-Ministro não é eleito. Então, eu também diria que o presidente da câmara, do ponto de vista jurídico-constitucional, não é propriamente um órgão, é um primus inter pares e foi a evolução da vida, designadamente a legislação ordinária e a evolução do próprio sistema político, problemas que, inclusive, aqui debatemos ontem, que levaram a uma determinada evolução.
Mas o Primeiro-Ministro, por exemplo, em matéria de caudilhismo e figuras semelhantes, pode, efectivamente, ser uma ameaça muito especial, porque ele não é formalmente eleito mas são muitos os autores que têm chamado às democracias parlamentares, aos sistemas mistos de pendor parlamentar, monarquias electivas de Primeiro-Ministro ou repúblicas electivas de Primeiro-Ministro ou repúblicas de Primeiro-Ministro, exactamente porque há uma tendência cada vez maior para apagar a figura dos candidatos a deputados e avultar as figuras dos candidatos a primeiros-ministros. Aliás, não é, de resto, ocasional que os dois maiores partidos tenham feito as campanhas eleitorais em torno da figura do candidato a Primeiro-Ministro e não propriamente de qualquer outra figura.
A limitação do mandato do Presidente da República tem uma razão muito particular: ele é o vértice do Estado; ele é o órgão de soberania que, em princípio, não tem meios para ser inspeccionado e, portanto, em relação ao qual se poderiam colocar particulares perigos na eternização do cargo. Mas os perigos na eternização do cargo, digo já, existem sempre. Creio que o princípio da renovação deve ser efectivamente assegurado e que os partidos, designadamente, deveriam ter a sensatez de procurar reunir as condições no sentido de proceder a uma renovação, o que - adianto também - nem sempre foi feito livremente e por iniciativa própria de cada partido.
Agora, os perigos que o Sr. Deputado aponta, a meu ver, são, apesar de tudo, bastante restritos. Por exemplo, falámos da figura da delegação tácita de poderes no presidente da câmara mas a câmara municipal pode retirá-los, há fiscalização da própria assembleia municipal e há, muito em particular em municípios com maioria de partidos da oposição, um verdadeiro massacre de inquéritos, inspecções e sindicâncias, que são praticamente constantes. Há duas inspecções diferentes em cada mandato e, muitas vezes, fazem-se várias inspecções, designadamente em alguns municípios.
Portanto, creio que a renovação se deve efectivamente verificar, que os partidos devem verificá-la e devem preocupar-se com ela, mas não vejo razões para introduzir, a propósito do presidente da câmara, uma limitação que não é introduzida, por exemplo, a propósito de outras figuras, como o Primeiro-Ministro ou outros titulares de cargos políticos ou administrativos.
Creio que esta preocupação tem sobretudo a ver com algumas frustrações clássicas do PSD em matéria eleitoral, mais propriamente do que com considerações de Estado, permitam-me a franqueza de apreciação. Não me parece que, do ponto de vista estritamente jurídico-constitucional, esta proposta tenha o mínimo de coerência.

O Sr. Presidente: * Para formular uma pergunta, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
Sr. Deputado, se é para outra intervenção…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, Sr. Presidente. É só uma pergunta muito rápida.

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Pela intervenção do Sr. Deputado Luís Sá, fiquei exactamente sem perceber se o Partido Comunista será favorável a esta questão se se incluir também aqui, nesta lógica de limitação de mandatos sucessivos, o Primeiro-Ministro ou se apenas citou o Primeiro-Ministro por um complexo, por um recalcamento qualquer em relação ao chefe do governo.

Risos.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Não, Sr. Deputado! Não sou favorável a incluir o Primeiro-Ministro, o que quis foi demonstrar que a posição do PSD não tem qualquer coerência - foi isto que quis sublinhar! -, porque não é extensiva à generalidade dos titulares de cargos políticos ou de cargos públicos, como deveria ser para ser lógica. E, de resto, chamei a atenção para o facto de que o presidente da câmara é infinitamente mais fiscalizado e inspeccionado. Há pouco não referi o visto prévio do Tribunal de Contas e podia ainda falar de outras inspecções.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Essa é boa! Mais do que o Primeiro-Ministro?!

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sem dúvida alguma!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não há ninguém mais fiscalizado do que o Primeiro-Ministro! Tem dois órgãos de soberania a fiscalizá-lo permanentemente. Dois!

O Sr. Presidente: * Três!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exacto! Mais o Tribunal! Ninguém é mais fiscalizado do que o Primeiro-Ministro!

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado, não tem duas inspecções por mandato…

Protestos do Deputado do PSD Luís Marques Guedes.

Sr. Deputado, não tem, por exemplo, duas inspecções por mandato a fazerem várias acções de inspecção, inquérito e sindicância. Seguramente, não tem!

O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, o esclarecimento está pedido e a resposta está dada.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): * Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta matéria, sinto-me sempre dividido entre o meu apego ao princípio republicano da limitação de mandatos de todos os titulares de órgãos políticos e uma prática instituída no terreno ao longo destes 20 anos que, globalmente, não se tem mostrado negativa e onde existe toda uma outra série de contrapesos para evitar os vícios que se pretendem eliminar com uma limitação como a que esta proposta configura.
Mas há uma coisa de que não tenho dúvidas nenhumas: é que não se podem abrir excepções ou não se pode estabelecer aqui, em sede de revisão constitucional, uma limitação para um certo tipo de órgão, para um certo tipo de titular de cargo político a nível do poder local e não estabelecer idêntico princípio de limitação de mandato para outros titulares. E não é só a questão do Primeiro-Ministro! Os presidentes das juntas regionais, por exemplo, também seriam abrangidos, do ponto de vista do PSD?

O Sr. Luís Sá (PCP): - Dos governos regionais?!

O Sr. António Reis (PS): * Os presidentes dos governos regionais e das juntas regionais também seriam abrangidos, do ponto de vista do PSD, por uma limitação deste tipo?
Esta é uma questão que também gostaríamos de ver respondida e sem a qual não podemos encarar com o mínimo de seriedade, digamos assim, uma proposta deste tipo.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, partilho de algumas das preocupações que já foram suscitadas, porque, embora tenha algumas simpatias pelo princípio da proibição de renovação sucessiva de mandatos, numa lógica de limitação temporal máxima de mandatos sucessivos, relativamente aos presidentes de câmara, entendo que a questão, de facto, a ser equacionada, deveria ser equacionada numa perspectiva mais ampla dos titulares dos cargos políticos em geral.
Mas, particularmente no que se refere a esta proposta e sem prejuízo das considerações que já foram feitas, entendo que há aqui um outro risco que é preciso salientar e que resulta da circunstância de se remeter, pura e simplesmente, para a lei a definição do número de mandatos sucessivos que constituem o limite proposto, sem que, simultaneamente, haja uma garantia no texto constitucional, designadamente quanto à duração do respectivo mandato. Isto é, o próprio mandato não é fixado constitucionalmente, o que, aliás, tem permitido ao legislador alterar…

O Sr. Miguel Macedo (PSD): * Alterou uma vez!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Alterou uma vez! Mas isso tem permitido ao legislador alterá-lo sem que tal implique a revisão da Constituição.
Não digo que a solução passará, necessariamente, por constitucionalizar a duração do mandato mas, numa lógica de remeter um limite como este que é proposto para a lei ordinária, sem que, simultaneamente, esteja fixado e estabilizado o termo do mandato, julgo que isso comporta alguma margem de risco, designadamente na liberdade que confere ao legislador ordinário para, de certa forma, esvaziar, por assim dizer, quer reduzindo excessivamente o mandato, quer aumentando excessivamente o mandato. Por essa razão, julgo que não se pode ponderar uma limitação do termo do mandato, sobretudo tratando-se de um órgão electivo, sem que se pondere simultaneamente o problema do limite do respectivo mandato. O risco que julgo que se corre, remetendo ambos para a lei, é o de permitir que o legislador ordinário, de alguma maneira, frustre o princípio que se pretende estabelecer - porque julgo que o limite é estabelecido com uma certa lógica, não na perspectiva de reduzir excessivamente ou de prolongar excessivamente, na medida em que isso pode significar uma redução de mandatos para dois anos ou uma elevação do

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número de anos para sete e isso altera substancialmente os dados da questão, porque não é a mesma coisa poder cumprir três mandatos sucessivos de sete anos ou cumprir três mandatos sucessivos de dois anos.
Julgo que há esse risco, que é o que resulta de se conferirem sucessivas autorizações constitucionais que, de alguma maneira, podem frustrar o próprio estatuto constitucional dos órgãos em causa, na medida em que não oferece as garantias suficientes; para além do problema, já discutido e já suficientemente debatido, de a questão dever merecer um tratamento genérico, porventura com o estabelecimento de um princípio genérico de limitação de renovação sucessiva de cargos políticos em geral, e não apenas ou não exclusivamente as autarquias locais e abrangendo, como é evidente, os órgãos de soberania - porque não?

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): Sr. Presidente, queria começar, nesta matéria, por dizer que não tenho uma posição completamente rígida em relação à solução que há-de, na Constituição, definir esta questão. Devo dizer que há situações que me parecem totalmente perversas na prática, neste momento já. Há outras que não podem ser classificadas dessa forma. Contudo, parece-me evidente que não pode, como alguns dos Srs. Deputados aqui disseram, considerar-se esta proposta do PSD como uma proposta que excepciona os Presidentes de Câmara para efeitos da limitação dos mandatos, porque o que é verdade é que, tirando o aparte sugerido pelo Sr. Presidente da Comissão, que tem em conta o que apontava para o caso dos Presidentes de Junta, o que é verdade é que todas as outras situações não são idênticas às do Presidente de Câmara. Ora, quando o Sr. Deputado Luís Sá diz que, em relação ao Presidente da Câmara, não devia haver esta limitação constitucional de mandatos, porque o Presidente da Câmara, afinal, se trata de um primus inter pares do colectivo que é a Câmara Municipal que é eleita, obviamente, se, num plano formal, posso…

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado, permita-me. Não foi isso que disse. Disse que, se se atendesse apenas ao estatuto formal, então diria que o Presidente da Câmara é apenas um…

O Sr. Miguel Macedo (PSD): Era justamente isso que eu ia dizer: é que, no plano formal, é evidente que assim é.

O Sr. Luís Sá (PCP): - No plano material, é óbvio que não é.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): No plano material e até no plano legal, não é assim.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Do ponto de vista material, o Primeiro-Ministro e o Presidente do Governo Regional da Madeira são eleitos directamente. Na prática, é assim.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): Nos Açores, também.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Na prática, é assim, Sr. Deputado!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Nos Açores, já não é.

Vozes não audíveis na gravação.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, deixem falar o orador!

O Sr. Miguel Macedo (PSD): É óbvio que nos últimos anos se acentuou o pendor para a individualização e para a personalização das campanhas que têm em vista a eleição de uma Assembleia da República, centrando-as no Governo e sobretudo na figura do Primeiro-Ministro. O mesmo se diga para os Governos Regionais - não tenho dúvidas disso. Mas, quer no plano formal, quer no plano material, as coisas não são exactamente idênticas. O que quero dizer nesta minha intervenção é que não se pode considerar esta proposta do PSD como uma excepção em relação aos Presidentes de Câmara, porque só seria excepção se a situação fosse idêntica e não é - não é idêntica! De facto, o Presidente de Câmara tem hoje um conjunto de poderes legais que lhe estão atribuídos por norma, que constitui um acervo de acréscimo de poderes que se foi acentuando ao longo dos anos, que lhe foi emprestando cada vez mais protagonismo, cada vez mais predominância no sistema do governo autárquico e hoje, quer no plano formal, quer no plano legal, quer no plano material, quando já não existia neste plano anteriormente, de facto, o Presidente da Câmara aparece individualizado perante as populações como sendo o rosto, e muitas vezes quase o exclusivo rosto, do governo local.
Portanto, nesta matéria, julgo que temos de regressar à discussão, nos termos em que ela deve ser colocada e que foram - embora depois até tenha sido enjeitada - os termos em que a colocou o Sr. Deputado António Reis; ou seja, estamos aqui, ou não, perante a necessidade de consagrar na Constituição o princípio republicano da limitação de determinado tipo de mandatos. Essa é que é a questão verdadeira que está aqui colocada pelo PSD.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, a proposta do PSD não tem manifestamente acolhimento por parte dos restantes partidos.
Quanto ao artigo 253.º existe uma proposta de aditamento do n.º 2 do PSD que julgo ser consequencial da proposta de eliminação das Regiões e que, portanto, está prejudicada. Em todo o caso, se isso assim não fosse, esta matéria já foi ontem discutida a propósito de norma semelhante que o PSD adiantou, acerca das associações de freguesias, que não teve o apoio do PCP e do PS.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): Julgo que foi ao contrário, Sr. Presidente.
Ficámos de discutir no 253.º a questão das freguesias.

O Sr. Presidente: Se o PSD quiser insistir, faça favor.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): Não, Sr. Presidente. Eu só estava a repor a verdade histórica!

O Sr. Presidente: Creio que interpretei bem a situação. Vamos passar ao artigo 254.º

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O Sr. Calvão da Silva (PSD): E se não houver Regiões!?

Vozes não audíveis na gravação.

O Sr. Luís Sá (PCP): Sr. Deputado, se não houver Regiões, o poder político tem a responsabilidade de fazer outra lei e outro referendo.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado Luís Sá, não lhe dei a palavra!
A propósito do artigo 254.º, recordo que, aquando da discussão do artigo 240.º, remetemos para aqui a questão dos chamados impostos autárquicos, cuja consagração o PS propunha expressamente no artigo 240.º. Uma observação do Sr. Deputado Luís Sá, nessa altura, fez tornar claro que uma norma geral no artigo 240.º não era a boa solução, dado que isso abrangeria todas as autarquias, incluindo as freguesias, para as quais, se calhar, não se queria criar a afectação de impostos próprios. Nesse sentido, relativamente ao artigo 254.º, para evitar a utilização da expressão "impostos autárquicos", de que o PSD parece não gostar muito, proporia que a fórmula do PS, para a qual haveria acordo quanto ao fundo, passasse a dizer o seguinte: "Os municípios dispõem de receitas tributárias próprias nos termos da lei". Essas receitas tributárias próprias seriam os chamados impostos municipais, como é óbvio. Isto substituiria o actual texto, no sentido da discussão que tivemos no artigo 240.º. Suponho que isto traduz o apuramento da discussão nessa altura tida. Os Srs. Deputados dirão se sim ou não e se está de acordo com a ideia que ficou do artigo 240.º
Quanto à ideia dos poderes tributários, esses sim, poderiam ficar no 240.º, já que isso era uma remissão para a lei. Seria, então, a proposta do PSD: "As autarquias locais disporão de poderes tributários, nos casos e nos termos previstos na lei". Dividiríamos assim pelos dois artigos as duas propostas: a do PSD, sobre os poderes tributários, ficaria uma norma geral no artigo 240.º - "As autarquias locais disporão de poderes tributários, nos casos e nos termos da lei"; quanto aos impostos autárquicos, atribuiríamos separadamente: aqui, aos municípios e nas Regiões, se fosse caso disso. Portanto, proporia, quanto aos impostos autárquicos, que se dissesse: "Os municípios dispõem de receitas tributárias próprias, nos termos da lei".
Srs. Deputados, está à consideração esta sugestão. Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, essa sua proposta seria, naturalmente, acompanhada da remoção da palavra "directos" na epígrafe?

O Sr. Presidente: Pois. Não, diria mesmo receitas tributárias próprias. Alterar-se-ia a epígrafe.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Poderia ser participação nas receitas dos impostos. Não há razão para...

O Sr. Presidente: É igual. Na verdade, trata-se de dar guarida aos chamados impostos municipais, portanto, àqueles que a lei hoje lhes atribui.

Vozes não audíveis na gravação.

Não faço questão da epígrafe.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, a opinião do PSD é de receptividade, como decorreu já - como o Sr. Presidente recordou e bem - da discussão tida aquando do artigo 240.º. De qualquer maneira, face a esta proposta concreta de texto, o PSD, reafirmando a sua receptividade, vai reflectir sobre o texto em concreto. Mas reafirma, desde já, a sua receptividade.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado Luís Sá, tem a palavra.

O Sr. Luís Sá (PCP): Sr. Presidente, o grupo parlamentar do PCP manifesta abertura, tendo em conta que a fórmula proposta tanto abrange as situações de receitas estaduais que revertem integralmente para os municípios como abrange a situação de impostos autárquicos. Naturalmente que caberá ao legislador e à doutrina encontrarem a melhor solução.

O Sr. Presidente: A minha fórmula pretende apenas verbalizar aquilo que me pareceu ser o resultado da discussão que tivemos a propósito do artigo 240.º...
Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): Sr. Presidente, estamos de acordo.

O Sr. Presidente: Então, salvo afinamento de redacção, fica acolhida, em princípio, a substituição do texto do artigo 254.º e o acolhimento no artigo 240.º da norma do PSD no que respeita aos poderes tributários próprios.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): Posso fazer uma pergunta em relação à proposta que o Sr. Presidente avançou?

O Sr. Presidente: Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): Sr. Presidente, tenho dúvidas sobre se os termos da proposta, embora obviamente depois tenha de ser apurada, podem ser aqueles que foram enunciados; ou seja, não sei se se pode dizer "receitas tributárias próprias", no caso do artigo 254.º, porque me parece que essa expressão pode ser equívoca, uma vez que o que se está aqui a abranger no 254.º é o direito que as autarquias locais têm em participarem em determinado tipo de impostos directos, resultantes do poder tributário que está atribuído ao Estado.

O Sr. Presidente: Isso não está em causa.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): Mas não é a mesma coisa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: Não, é exactamente isso que se quer dizer.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): Sr. Presidente, a Constituição, neste momento, diz "Os municípios participam por direito próprio", o que não é exactamente a mesma coisa que dizer "receitas tributárias próprias".

O Sr. Presidente: No meu entender, quer dizer exactamente a mesma coisa. Só que, em vez de dizer "participar",

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que é a ideia que hoje aí está, o que se pretende - e isso resulta da discussão anterior - é dar guarida aos impostos municipais, hoje assim designados pela lei, que são, neste momento, o imposto autárquico, propriamente dito, a contribuição autárquica, a sisa, o imposto de circulação automóvel. Neste momento, são chamados impostos municipais, isto é, são impostos criados pelo Estado, é óbvio, mas cuja cobrança é directamente para os respectivos municípios. Portanto, a fórmula é suficientemente ampla para abranger estes chamados impostos municipais ou uma forma de participar num "bolo" de impostos directos do Estado. Sobre isso, não há dúvidas. Quanto aos poderes tributários, isso deixámos lá atrás, no artigo 240.º

O Sr. Miguel Macedo (PSD): Sr. Presidente, mas a questão é justamente a articulação do 240.º com o 254.º.

O Sr. Presidente: O Sr. Deputado Miguel Macedo não participou nessa discussão e, portanto, temo que estejamos aqui a repetir discussões que tivemos anteriormente.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): Mas, em termos alternativos, não podia ser a redacção, por exemplo, "participam por direito próprio nas receitas tributárias, nos termos da lei"?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Era mais claro!

O Sr. Presidente: Penso que é menos claro.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): Sr. Presidente, penso que não é inocente a formulação que está no artigo 254.º do texto actual da Constituição.

O Sr. Presidente: Não é inocente, mas o que se pretendeu foi exactamente alterar. A ideia que se pretendeu foi a de dar guarida a impostos directamente afectos nos municípios.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): Sr. Presidente, vou reler as actas da discussão do artigo 240.º

O Sr. Presidente: Fica sob reserva, é óbvio. Todas as convergências que fazemos, ficam sob reserva de melhor pensar. Fica, então, aqui sob reserva do PSD.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Não, só na fracção.

O Sr. Presidente: Exacto.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, se me permite, para focar melhor: o que o Sr. Presidente, no fundo, está a dizer - e penso que é essa a nuance - é que, por um lado, devemos, para além de cristalizar a participação nas receitas, cristalizar também a ideia da disposição de receitas próprias.

O Sr. Presidente: Uma fórmula que abranja essa alteração.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Exactamente. No fundo, há aqui como que uma dualidade de situações: dispõem de receitas próprias naquilo que tem que ver com impostos em que, sendo criados nacionalmente, a receita é autárquica, necessariamente - portanto, é uma disposição de receita própria; e, por outro lado, também há, e não se quer retirar isso do texto constitucional, uma participação nas receitas dos impostos nacionais.

O Sr. Presidente: Exacto, através do FEF ou de outra maneira.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Portanto, há aqui uma dualidade.

O Sr. Presidente: A minha fórmula é para abranger essas duas coisas.
Srs. Deputados, pelas Regiões Administrativas, passamos e ficamos aqui. Na próxima reunião, que é amanhã à tarde, entraremos no artigo 263.º, apreciando as propostas de eliminação desse capítulo apresentadas pelo PSD.
Srs. Deputados, está encerrada a reunião.

Eram 13 horas e 45 minutos.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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