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Terça-feira, 17 de Dezembro de 1996 II Série - RC - Número 65
VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)
IV REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
Reunião de 16 de Dezembro de 1996
S U M Á R I O
O Sr. Presidente (Vital Moreira) deu início à reunião às 15 horas e 30 minutos.
Procedeu-se à discussão das propostas de alteração relativas aos artigos 279.º, 280.º, 281.º, 283.º, 285.º, 288.º, 289.º, 291.º, 293.º, 296.º, 297.º, constantes dos diversos projectos de revisão constitucional.
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente
(Vital Moreira), que também interveio na qualidade de Deputado do PS, os Srs. Deputados Maria Carrilho (PS), Luís Marques Guedes (PSD), António Filipe (PCP), Barbosa de Melo e Maria Eduarda Azevedo (PSD), José Magalhães (PS), Ferreira Ramos (CDS-PP), Cláudio Monteiro (PS) e João Amaral (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 19 horas e 25 minutos.
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O Sr. Presidente (Vital Moreira): Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 15 horas e 30 minutos
Já vos dei conta de que amanhã, às 15 horas e 15 minutos, haverá uma audiência com a Associação Portuguesa de Marketing Directo, em que se discutirá o artigo 35.º da Constituição.
Pausa.
Srs. Deputados, como ficaram adiadas as questões relativas à Administração Pública e às Forças Armadas, tínhamos começado a analisar o capítulo da fiscalização da constitucionalidade, no caso, os artigos 277.º e 278.º, e, assim sendo, propunha que prosseguíssemos nesta matéria até terminarmos o capítulo, voltando, depois, atrás, para analisarmos aquelas questões.
Esta proposta não teve oposição, mas está à vossa consideração para o caso de haver fundada oposição.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - E é previsível que a discussão dessa parte da Constituição demore muito?
O Sr. Presidente: Suponho que não, Sr. Deputado. Se o PSD aceitar as propostas justas, a discussão faz-se em meia hora!
Risos.
Lembro que o artigo 278.º já tinha sido discutido e que as propostas de eliminação do PSD tiveram a oposição do PCP e do PS e que as propostas do PS para estender a fiscalização preventiva aos regimentos e às leis da revisão constitucional tiveram a objecção do PSD. Como tal, as propostas de alteração do artigo 278.º não foram acolhidas.
Vamos, então, passar ao artigo 279.º, sobre os efeitos da decisão do Tribunal em fiscalização preventiva da constitucionalidade.
As propostas do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho e outros do PSD são puramente consequenciais e encontram-se, portanto, prejudicadas. Também as propostas do Sr. Deputado Guilherme Silva e outros do PSD são puramente consequenciais em matéria da linguagem e em matéria das regiões autónomas, pelo que também estão prejudicadas.
Restam-nos, portanto, as propostas do PS e do Sr. Deputado Cláudio Monteiro e outros Deputados do PS, que são convergentes na pretensão de eliminar a possibilidade de confirmação de decretos julgados inconstitucionais. Não estando cá nenhum Deputado do PS com conhecimento desta matéria, e uma vez que a proposta é minha, defendo-a eu.
Risos.
Como sabem, este sistema de fiscalização preventiva da constitucionalidade vem do segundo Pacto MFA/Partidos, de Janeiro de 1976. Nessa altura, o órgão competente para a fiscalização preventiva era o Conselho da Revolução e, dada a natureza política desse órgão, entendeu-se que as suas decisões, mesmo em matéria de constitucionalidade, não deviam ter força absoluta intransponível.
Ora, em 1982, com a criação do Tribunal Constitucional, penso que este sistema deixou de ser coerente, porque os sistemas de fiscalização preventiva que conheço a cargo de tribunais constitucionais ou de órgãos jurisdicionais, pura e simplesmente, são definitivos, como convém a toda a decisão de um tribunal. Aliás, o paradigma da fiscalização preventiva é o caso francês, onde o expurgo da norma julgada inconstitucional é feita pelo próprio Conselho Constitucional, nem sequer voltando ao Parlamento para esse efeito. Como tal, o Presidente da República promulga os decretos parlamentares já sem as normas julgadas inconstitucionais pelo Conselho Constitucional, sem que elas passem, sequer, pela Assembleia, pelo Parlamento, para o expurgo. O expurgo é automático em função da decisão do Conselho Constitucional. No caso espanhol também não há nenhuma possibilidade de confirmação parlamentar nos casos em que há decretos julgados inconstitucionais através de fiscalização preventiva.
Mas a verdade é que, apesar da origem desta norma em Portugal, ela nunca foi depurada desta solução esdrúxula que é específica do nosso ordenamento jurídico e, assim sendo, o que o PS e o Sr. Deputado Cláudio Monteiro propõem é que se acabe com este sistema. Isto é, as decisões do Tribunal Constitucional em fiscalização preventiva devem valer por si mesmas, como decisões constitucionais, e impor-se ao órgão legislativo, como convém num Estado de direito democrático-constitucional.
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): Sr. Presidente, se bem entendi esta exposição, a introdução desta norma tem a ver com uma circunstância histórica de transição.
O Sr. Presidente: Não tão transitória porque, para já, durou 20 anos!
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): Sim, mas refiro-me a uma circunstância de transição naquele momento.
O Sr. Presidente: Claramente! Esta é uma norma do segundo Pacto MFA/Partidos. De resto, em 20 anos nunca houve nenhuma tentativa de confirmação, o que prova que o Parlamento entendeu, apesar de tudo, não dever contestar as decisões do Tribunal Constitucional nesta matéria. Aliás, se o tentasse fazer, seria ineficaz, porque uma coisa é certa, e isso a doutrina não discute: é que mesmo que a Assembleia confirmasse o decreto, o Tribunal Constitucional, em fiscalização sucessiva, podia sempre declará-lo inconstitucional. É este o estado da situação actual.
Srs. Deputados, estão à discussão as propostas de alteração ao artigo 279.º, no caso da do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, apenas para o n.º 2, e, no caso da do PS, para os n.os 2 e 4.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, embora as propostas pareçam versar sobre a mesma matéria, relativamente ao n.º 4 tenho algumas dúvidas de interpretação, por causa do inciso que refere o seguinte: "se estiver nas condições do artigo 277º". Este inciso refere-se à reciprocidade?
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O Sr. Presidente: Não, Sr. Deputado. Aplica-se, em geral, a todas as regras do n.º 2 do 277.º, isto é, aos casos em que um tratado, apesar de inconstitucional orgânica ou formalmente, não deixa de ser aplicável em Portugal.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, o que se passa é que o artigo 277.º refere-se a tratados já ratificados e este n.º 4 do 279.º estabelece que um tal tratado só poderá ser ratificado se estiver em determinada condição.
O Sr. Presidente: Sr. Deputado, é preciso aplicar as regras com as necessárias adaptações. De facto, nesse caso, essa condição não se aplica. Isto está relacionado com a reciprocidade se se tratar de inconstitucionalidade orgânica ou formal e se não violar uma regra fundamental, ou seja, trata-se, no fundo, das restantes regras que constam do artigo 277.º. Talvez fosse de acrescentar "com as necessárias adaptações". Tem razão nesse ponto!
Srs. Deputados, com este esclarecimento, estão à discussão os dois pontos, já que eles visam o mesmo.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente e Srs. Deputados, em relação a estas propostas, devo dizer que a sua fundamentação para a proposta de alteração ao n.º 2 é de tal modo convincente que torna incompreensível a proposta de alteração ao n.º 4. Isto é, justifica-se que, havendo a declaração de inconstitucionalidade de uma norma por parte do Tribunal Constitucional em fiscalização preventiva, não faça muito sentido permitir-se que, ainda que por maioria qualificada, essa inconstitucionalidade seja ultrapassada. Com o sistema até hoje vigente, embora a constitucionalidade se mantivesse, permitia-se que uma maioria qualificada pudesse passar por cima da declaração de inconstitucionalidade e, portanto, parece razoável que essa possibilidade seja retirada e que, havendo um julgamento de inconstitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional, ele seja respeitado e a norma seja expurgada, porque, caso não o seja, o diploma não será promulgado ou assinado.
Mas isso também parece válido para os casos do n.º 4, isto é, não vemos razão para que, tratando-se de tratado internacional e havendo um juízo de inconstitucionalidade pronunciado pelo Tribunal Constitucional, a Assembleia da República não deva conformar-se com essa decisão. Parece-nos, portanto, que para a proposta ser efectivamente coerente deveria referir-se de igual modo aos casos do n.º 2 e aos casos do n.º 4.
O Sr. Presidente: Sr. Deputado, salvo o devido respeito, creio que não é assim. A verdade é que a Constituição admite que mesmo os tratados inconstitucionais vinculem Portugal a nível interno e externo, caso essas inconstitucionalidades sejam orgânicas ou formais - nunca podem ser inconstitucionalidade materiais - e não sejam graves, isto é, caso não violem uma disposição essencial da Constituição. Como tal, não se entende que tal deixe de ser assim só porque houve submissão à fiscalização preventiva e o Tribunal detectou uma dessas inconstitucionalidades, e apenas uma dessas inconstitucionalidades. Neste caso, o tratado seria ou não eficaz conforme fosse ou não submetido a fiscalização preventiva e, assim sendo, a nossa ideia foi a de possibilitar a salvaguarda de um tratado internacional.
Aliás, isto não está apenas relacionado connosco, mas, sim, com outras partes e, em última análise, com a boa fé internacional. No entanto, apenas se admite que seja ultrapassada essa inconstitucionalidade se, de facto, o tratado estiver nas condições previstas no n.º 2 do artigo 277.º, isto é, se a inconstitucionalidade for só orgânica ou formal e se essa inconstitucionalidade orgânica ou formal não puser em causa nenhum princípio essencial da nossa ordem jurídica nessa matéria. Este mecanismo seria preocupante se não houvesse a necessidade de aprovação parlamentar ou de promulgação presidencial, o que não será o caso, já que nós impomos aqui a aprovação parlamentar, pelo menos a posteriori, salvaguardando, portanto, os princípios essenciais da nossa ordem constitucional em matéria procedimental e em matéria de tratados, que são a aprovação parlamentar e a ratificação presidencial.
Logo, não estando em causa inconstitucionalidades materiais, não estando em causa nenhum princípio essencial da nossa Constituição em matéria procedimental e admitindo-se que, se o tratado não tiver sido submetido a fiscalização preventiva e estando já publicado, ele possa ter valor apesar dessa pequena inconstitucionalidade, por que é que não se há-de admitir essa solução no caso de haver fiscalização preventiva? Parece-nos que talvez fosse excessivo eliminar essa possibilidade tratando-se, não de uma simples norma interna - porque aí, tratando-se de uma inconstitucionalidade orgânica ou formal, o órgão legislativo refará o processo normativo sem problemas -, mas, sim, de uma norma internacional. Digo isto porque, no caso destas normas, isto não é tão simples assim, visto que se põem em causa mecanismos de formação internacional, convenções internacionais, encontros internacionais, trocas bilaterais, e leva-se à repetição de um processo em que o princípio da boa fé deve ser salvaguardado até onde não ponha em causa princípios essenciais da nossa ordem constitucional.
Salvo o devido respeito, penso que a norma que propomos para o n.º 4 tem justificação.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, parece-me ser lógico que, se o Tribunal Constitucional se pronunciar pela inconstitucionalidade de uma norma nos casos ressalvados pelo artigo 277.º , n.º 2… Eu creio que o artigo 277.º não lhes seria aplicável, mesmo dispensando a confirmação, daí que esta figura pouco adiante para a lógica do sistema que se procura instituir eliminando o n.º 2.
O Sr. Presidente: Pelo que expliquei, não é essa a minha opinião! Na verdade, este sistema salva tratados.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, diria que o PSD não encara com simpatia esta alteração. Desde logo, por uma questão que não foi aqui suscitada e que é a perspectiva com que o PSD encara este mecanismo que resulta da parte final do artigo 2.º.
Para o PSD, independentemente de outras considerações de natureza histórica como as que aqui foram trazidas, esta
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parte final do n.º 2 enquadra-se como que numa lógica de interpretação originária, no sentido de interpretação autêntica da Constituição. Assim, de algum modo, também serve como um contrapeso de moderação para as decisões jurisdicionais, neste caso, do próprio Tribunal Constitucional. É evidente que podemos todos, no plano das hipóteses, visualizar uma série de situações-tipo, situações de exemplo em que possam estar em causa questões inultrapassáveis, de inconstitucionalidade inultrapassável. Mas aí, como o Sr. Presidente disse, e bem, a própria história, o tal exemplo histórico, também nos demonstra à saciedade que, em 20 anos de vigência do texto constitucional, a Assembleia da República nunca sentiu a necessidade política de, numa lógica de interpretação autêntica, confirmar de forma dissonante à da interpretação do Tribunal Constitucional uma qualquer norma ou um qualquer dispositivo normativo incluído num texto legal.
Portanto, é nestes termos que o PSD encara esta questão: entendemos que este mecanismo é adequado e não tem suscitado problemas de utilização incorrecta ou minimamente perversa. Para além disso, entendemo-lo fundamentalmente como um instrumento de salvaguarda, numa lógica de interpretação autêntica. De facto, a maioria de dois terços é a maioria da revisão constitucional e é nessa lógica que pensamos que é útil haver aqui um mecanismo que permita que essa mesma maioria de revisão constitucional possa interpretar autenticamente, se caso for disso, infirmando uma decisão contrária da parte do Tribunal Constitucional.
Neste sentido, a prevalecer este mecanismo da fiscalização preventiva, o PSD vê como vantajosa a manutenção deste dispositivo.
Quanto ao n.º 4, partilhamos um pouco das mesmas dúvidas de utilidade, embora neste caso entendamos a bondade dos argumentos que foram expendidos pelo Sr. Presidente em nome do Partido Socialista, o proponente desta alteração. No entanto, não ficamos totalmente convencidos de que seja, de facto, necessária esta alteração, porque não vemos até que ponto é que a redacção do n.º 4, tal qual está, não preenche já este objectivo de permitir a confirmação por parte da Assembleia da República de normas constantes de tratados, ainda que elas possam ser postas em crise por uma apreciação do Tribunal Constitucional.
O problema, do nosso ponto de vista… Na verdade, eu tinha pedido aquele esclarecimento ao Sr. Presidente porque, na nossa opinião, este artigo coloca-se na perspectiva dos efeitos da decisão em sede de fiscalização preventiva. Ora, ao falarmos de fiscalização preventiva, estamos a falar de normas de um tratado ainda não ratificado - é neste sentido que vai o actual texto da Constituição, quando refere que, se o Tribunal Constitucional se pronunciar, este tratado só poderá ser ratificado se a Assembleia da República o vier a aprovar.
Portanto, não vejo que haja necessidade desta alteração ou, então, talvez por deficiência minha, não consegui perceber exactamente a vantagem prática desta alteração da redacção, sendo certo que concordo com o princípio que o Sr. Presidente defendeu, dizendo que faz sentido a manutenção desta possibilidade de confirmação por parte da maioria de dois terços, a chamada "maioria de revisão", dos Deputados da Assembleia da República.
Genericamente, é esta a posição do PSD.
O Sr. Presidente: O PP quer pronunciar-se sobre esta matéria?
Pausa.
Ainda como autor da proposta, e em nome do Partido Socialista, queria deixar duas notas.
Desde logo, lamentamos que o PSD não esteja disponível para aprimorar a Constituição e eliminar esta entorse flagrante ao princípio da constitucionalidade e, portanto, o conservadorismo do PSD nesta matéria não deixa de ser surpreendente.
Em primeiro lugar, a maioria que aqui está prevista não é uma maioria de revisão constitucional e, portanto, não há aqui nenhuma possibilidade de fazer essa leitura.
Em segundo lugar, a eventual superação da declaração preventiva de inconstitucionalidade por uma maioria destas não torna a norma constitucional. Ela continua a ser constitucional e o Tribunal continua em fiscalização sucessiva a poder declará-la inconstitucional.
Portanto, além de ser uma entorse no princípio da constitucionalidade, esta norma é ineficaz e é, portanto, um desnecessário descrédito ao Tribunal Constitucional e uma sobreposição do princípio da oportunidade política ao princípio da constitucionalidade, ainda por cima de forma ineficaz, já que, a posteriori, o Tribunal Constitucional pode sempre fazer prevalecer a sua autoridade como juiz sobre o juízo de oportunidade política da maioria, mesmo que seja de dois terços.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Sr. Presidente, se me permite, tinha algum gosto…
O Sr. Presidente: - Tem esse gosto e esse direito, Sr. Deputado!
Faça favor.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - … em contrapor a judiciosa interpretação que V. Ex.ª fez.
O que está consagrado no artigo vigente é que as decisões do Tribunal Constitucional não fazem caso julgado relativamente à Assembleia da República nesta matéria, pelo que a Constituição não traduz nenhuma entorse que viole o princípio do caso julgado. O que se refere aqui é que não há caso julgado e que é a Assembleia da República quem tem a última palavra, mas por uma maioria expressiva.
Por outro lado, o facto de o Tribunal ter essa possibilidade de, a seguir, fazer as coisas de outra maneira não é nenhuma surpresa. De qualquer maneira, o Tribunal também pode mudar, já que as decisões judiciais, as opiniões dos tribunais, felizmente, vão variando ao longo do tempo. Se não fosse assim, o pobre do Código de Napoleão já não tinha quem o aplicasse! No entanto, as coisas vão mudando… O sistema que está em vigor, dá-me impressão, foi sabiamente mantido quando se extinguiu o Conselho da Revolução, já que mantém uma função de limite também ao poder jurisdicional.
Nos pontos em que a Assembleia da República não pode fazer a reversão das decisões judiciais, muito bem, há caso julgado! Onde não há, há uma opinião fundada do Tribunal que a Assembleia também, por suas razões, pode ultrapassar,
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ultrapassar, desde que o faça através de uma maioria especialmente qualificada. O que os juizes dizem tem muita autoridade, mas não é nenhuma revelação de uma verdade eterna e imutável, sobretudo!
O Sr. Presidente: Sr. Deputado Barbosa de Melo, não falei em entorse ao princípio do caso julgado, mas, sim, em entorse ao princípio da constitucionalidade. Disse-o porque a prevalência do princípio da oportunidade política sobre o princípio da constitucionalidade é um entorse e é uma excepção. Aliás, esta solução é esdrúxula em termos de direito comparado, como sabe tão bem como eu!
Seja como for, fica como está!
Quanto ao artigo 280.º, não há propostas de alteração para o n.º 1. Relativamente ao n.º 2, alínea b), há uma proposta apresentada pelo Sr. Deputado Guilherme Silva e outros Deputados do PSD, mas que é puramente consequencial das propostas relativas às regiões autónomas e, portanto, está prejudicada. O Partido Socialista apresentou ainda uma proposta de aditamento de uma nova alínea e) ao n.º 2, e essa não está prejudicada.
A proposta do Partido Socialista prevê que cabe igualmente recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento em desconformidade com normas de direito internacional ou emanadas de órgãos da União Europeia, cabendo à lei estabelecer o objecto e efeito desses recursos.
Chamo a vossa atenção apenas para o seguinte: salvo no inciso que estabelece "ou emanados de órgãos da União Europeia", esta proposta é apenas de constitucionalização de uma norma que já consta da Lei do Tribunal Constitucional, quer no seu sentido quer na sua formulação. Esta proposta do PS tem dois objectivos: em primeiro lugar, o de constitucionalizar algo que hoje apenas está previsto na lei e, em segundo lugar, o de acrescentar o inciso "ou emanadas de órgãos da União Europeia" aos casos citados de desaplicação de normas de direito interno por desconformidade com normas de direito internacional, já que estas não são normas de direito internacional no sentido estrito da palavra.
Srs. Deputados, a proposta do PS está à discussão.
Pausa.
Srs. Deputados, aguardo considerações, dúvidas ou tomadas de posição. Aliás, não têm de tomar posição, podem reservá-la.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Sr. Presidente, se me permite, queria fazer um pedido de esclarecimento. Estas normas de direito internacional abrangem todo o direito internacional pactício? Um acordo administrativo, que é também criador de normas de direito internacional, goza desta suprema hierarquia que aqui se pretende dar o direito internacional?
Compreendo o texto como está proposto em relação às normas previstas no n.º 1 do artigo 8.º da Constituição, porque essas correspondem àquele núcleo essencial da própria civilização jurídica, digamos assim. Percebo que os princípios gerais de direito internacional comum, consuetudinários ou revelados em tratados, etc., tenham uma prevalência sobre as normas de direito interno. No entanto, um acordo administrativo, a ser feito pela autoridade competente, cria normas vinculativas para o Estado português na ordem internacional e dizer-se que esse acordo, só pelo facto de ter sido praticado na relação externa do Estado, tem uma prevalência assim tão determinante sobre as todas as normas jurídicas internas parece-me um pouco excessivo!?
O Sr. Presidente: Sr. Deputado Barbosa de Melo, não pretendemos resolver esse problema…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Mas está cá dito, parece que querem!
O Sr. Presidente: … em relação ao qual a posição do Sr. Deputado Barbosa de Melo é conhecida. De resto, a sua posição não é coincidente com a da maioria da doutrina, que afirma um princípio…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Ainda bem que há quem pense de forma diferente!
O Sr. Presidente: … geral de prevalência de todo o direito internacional sobre as normas de direito interno. Nós não pretendemos resolver esse problema; pretendemos, sim, deixá-lo livre para a jurisprudência e para a doutrina. Nesse sentido, a medida em que o direito internacional ou o direito da União Europeia prevalece sobre o direito interno será aferida pelo Tribunal Constitucional, de acordo com a doutrina.
A única coisa que prevemos é que, havendo tribunais que desaplicam com esse fundamento, haja recurso para o Tribunal, para que este decida se há sequer fundamento para a desaplicação, isto é, se tem cabimento a própria ideia de desaplicação.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Mas essa matéria, a da desaplicação, não é constitucionalizável. O Tribunal Constitucional deve ser chamado quando houver altura para a invalidação de normas. A desaplicação faz parte da dinâmica da ordem jurídica.
O Sr. Presidente: Então, não deve haver um juízo supremo e uniformador do Tribunal Constitucional nessas decisões?
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Não estamos a falar de um universo fechado, Sr. Presidente. Isto é um sistema aberto!
O Sr. Presidente: Mas já está na Lei do Tribunal Constitucional! Pensa que está mal na Lei do Tribunal Constitucional?
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Sim, está mal! Andaram para lá a "fazer obras", em nome desse fechamento dos horizontes da juridicidade!
O Sr. Presidente: Sr. Deputado Barbosa de Melo, o que acontecia antes desta norma do Tribunal Constitucional era o seguinte: um tribunal ordinário desaplicava uma norma de direito interno por violar uma norma de direito
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internacional e havia, e continua a haver, recurso para o Tribunal Constitucional por motivo de inconstitucionalidade. O Tribunal Constitucional, nessa matéria, dividiu-se quanto a duas questões: primeira, a de saber se essas decisões eram recorríveis para o Tribunal Constitucional; segunda, a de saber que decisão é que haveria de aplicar-se a essas questões, já que, havendo na doutrina uma divisão quanto à prevalência ou não do direito internacional sobre o direito interno e quanto à dimensão dessa prevalência - essa divisão doutrinal também existia no Tribunal e suponho que continua a existir. Mas o Tribunal dividiu-se também quanto à primeira questão, que era, desde logo, a de saber se essas decisões dos tribunais comuns eram recorríveis para o Tribunal Constitucional.
Criou-se, então, uma situação (a meu ver, altamente prejudicial para a previsibilidade e estabilidade da ordem jurídica) em que uma secção do Tribunal admitia os recursos, entendendo que se tratavam de desaplicações por inconstitucionalidade indirecta, razão pela qual as aceitava, e outra secção entendia que não havia norma alguma que desse ao Tribunal Constitucional competência para conhecer desses recursos, já que, não estando essas questões directamente relacionadas com a constitucionalidade, não estava nenhuma norma constitucional em causa naquele conflito entre uma norma de direito internacional e a norma de direito interno, pelo que não haveria sequer recurso, que, portanto, era rejeitado. O Sr. Deputado conhece tão bem quanto eu esta questão, uma vez que interveio a título de jurisconsulto nela e eu intervim a título de juiz.
Enfim, como digo, esta norma da Lei do Tribunal Constitucional solucionou o primeiro problema.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Solucionou?! Arranjou uma solução, o que é diferente!
O Sr. Presidente: - Não, não! Solucionou o primeiro problema. A partir daí, a partir desta norma da Lei do Tribunal Constitucional, a primeira questão passou a estar solucionada, isto é, agora sabe-se que essas decisões têm recurso para o Tribunal Constitucional. Não por serem questões de inconstitucionalidade - essa questão esta norma não resolve -, mas porque se entendeu que essas questões, por afinidade ou por carecerem de um juízo, pelo menos, jurisprudencialmente uniformizador, deviam ter acesso ao Tribunal Constitucional.
Mas não resolveu a segunda questão, ou seja, a que procura saber se o direito internacional é sempre e em todas as circunstâncias prevalecente e quais os resultados dessa prevalência, se ela existir. Aí, o Tribunal continua dividido, embora neste momento, como sabe, haja mecanismos de uniformização das decisões e, portanto, o Tribunal conhece sempre dessas decisões, mas mantém-se livre, de acordo com a doutrina, porque não há nenhuma norma constitucional a decidir essa questão, visto que o artigo 8.º não o define. Nesse aspecto, o Sr. Deputado Barbosa de Melo como jurisconsulto continua a ter toda a liberdade de defender…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - E muito bem! É uma bela liberdade!
O Sr. Presidente: - Ela não está a ser posta em causa Sr. Deputado. Esta norma que propomos não pretende pôr em causa essa liberdade, não pretende dizer que, a partir de agora, o direito internacional e o direito da União Europeia é sempre, em quaisquer circunstâncias, prevalecente sobre o direito interno da República e que o resultado é sempre a desaplicação, pelo menos com eficácia ex nunc! Não é o que se pretende e, por isso, mantém-se livre. Apenas se prevê que sempre que um tribunal se recusa a aplicar uma norma de direito interno invocando que ela é contrária a uma convenção internacional ou a uma norma da União Europeia, essa decisão tem recurso para o Tribunal Constitucional.
Quanto ao fundo da decisão, nada está decidido na Lei do Tribunal Constitucional, nem é o que a norma apresentada pelo PS pretende. O que se pretende é manter a mesma liberdade que já existe: o artigo 8.º da Constituição não decide e nós não vamos fazê-lo directamente nesta norma. Apenas pretendemos transferir a norma da Lei do Tribunal Constitucional que decidiu a primeira questão, isto é, a de saber se essas decisões, quando ocorram, são recorríveis para o Tribunal Constitucional, e estender essa possibilidade não apenas às desaplicações por invocação do direito internacional convencional ou comum mas também por invocação do direito europeu, que, como sabe, começam a aparecer.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Mas quanto ao direito europeu não tenho dúvidas. Falo a título pessoal, mas penso que isto está correcto!
O Sr. Presidente: - A haver uma solução para a primeira, devia haver para a segunda!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Não, Sr. Presidente. Devia haver para segunda e não para a primeira!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta do PS é global e, portanto, está à discussão nestes termos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, há um aspecto que não foi ainda aqui citado e, confesso, é aquele que me causa mais dificuldades ou, pelo menos, do meu ponto de vista, cria alguma necessidade de uma redacção diferente. Refiro-me à parte em que se repete, grosso modo, o que consta da Lei do Tribunal Constitucional…
O Sr. Presidente: - Sim, no artigo 70.º dessa lei.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exacto, Sr. Presidente. É evidente que essa é a parte em relação à qual tenho alguma simpatia; penso que é simpática esta inclusão e não vejo grande dificuldade nela.
Já quanto à referência que se faz às norma emanadas de órgãos da União Europeia, queria chamar a atenção para o seguinte: como o Sr. Presidente sabe, há muitas normas emanadas de órgãos da União Europeia que só são de aplicação na ordem jurídica portuguesa após transposição e, portanto, não basta esta caracterização simples ou simplista, se quiser. Ou seja, ao usar-se apenas a expressão "ou emanadas de órgãos da União Europeia", está a tornar-se incorrecto o objecto desta alteração porque, de facto, não é qualquer norma emanada de órgãos da União Europeia,
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como daqui decorreria, que pode caber neste tipo de situações. Dito de outra forma, esta norma apenas poderá ter efeitos para o chamado direito europeu de aplicação directa e não para outro, e, no entanto, ambos são aqui referidos ao utilizar-se a expressão "ou emanadas de órgãos da União Europeia", porque sabemos que a legislação europeia abarca um conjunto de situações que são qualificadas de forma diversa face à sua aplicabilidade directa ou indirecta nas ordens jurídicas internas.
Para mim, a dificuldade resulta exactamente deste acrescento à Lei do Tribunal Constitucional, acrescento que, do meu ponto de vista, torna a alínea incorrecta, porque não pode ser assim, de facto. A Dr.ª Eduarda Azevedo está-me a fazer sinal de que também tem a mesma opinião e, eventualmente, ela poderá clarificar este ponto ainda melhor do que eu.
Em todo o caso, penso que o Sr. Presidente já percebeu a dúvida colocada. De facto, não se pode utilizar a expressão "ou emanadas de órgãos da União Europeia" tout court, porque tal torna incorrecto o preceito em causa.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, percebo perfeitamente a sua questão, mas não posso concordar consigo, porque esta norma não pretende resolver esse problema! Esta norma não pretende resolver em que medida, como, com que autoridade é que o direito internacional ou o direito da União Europeia prevalece sobre o direito interno, apenas pretende resolver um problema processual que é o seguinte: sempre que um tribunal, bem ou mal, com fundamento ou sem ele, recusar a aplicação da norma de direito interno invocando como fundamento que ela é desconforme com uma norma de direito internacional, com uma norma de direito europeu, essa decisão é recorrível para o Tribunal Constitucional. Portanto, argumentar que as directivas, por exemplo, nem sempre são vinculantes… Isso é óbvio! Todos nós, os que estamos minimamente familiarizados com o direito europeu, sabemos que assim é.
Todavia, repito, não é esse o problema que queremos aqui resolver. O problema que carece de resolução é o de admitir um recurso de uma decisão judicial que, bem ou mal, haja recusado a aplicação de uma norma de direito interno. Imagine que um tribunal, contrariando essa boa doutrina que, aliás, não é discutível, recusa a aplicação de uma norma de direito interno com base numa directiva que…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Que não está transposta!
O Sr. Presidente: - … não está transposta, que não seja de aplicação directa. O que nós queremos é que essa decisão seja recorrível, exactamente para que o Tribunal Constitucional possa dizer: "Caro Sr. Tribunal, independentemente de saber qual é a eficácia do direito da União Europeia sobre o direito interno, nesse caso claramente não tinha razão nenhuma para desaplicar a norma!" Portanto, vale para o direito europeu o que já vale hoje, segundo a Lei do Tribunal Constitucional, para o direito internacional. Um tribunal pode desaplicar uma norma de direito interno invocando uma norma de direito internacional, que até pode já não estar em vigor por ter caducado.
Portanto, o que nós queremos é que, independentemente de se apurar se, no caso concreto, a norma externa - utilizo norma externa para dizer norma do direito internacional ou norma da União Europeia - vincula o Estado português, se se aplica na nossa ordem jurídica e se prevalece ou não sobre a ordem interna, sempre que um tribunal se recusar a aplicar uma norma de direito interno com fundamento nisso, bem ou mal, essa decisão poderá ser recorrível para o Tribunal Constitucional.
Fazemo-lo justamente para permitir que o Tribunal Constitucional, quanto mais não seja, diga quais são os casos em que não há norma internacional vinculante, ou, havendo-a, que ela, apesar de tudo, não deve prevalecer se, porventura, o Tribunal acolher a doutrina que o jurisconsulto Barbosa de Melo defende matéria de direito internacional.
Por exemplo, eu também entendo que nem em todos os casos uma norma de direito internacional prevalece sobre o direito interno e, porventura, uma norma de um simples acordo administrativo não há-de prevalecer sempre sobre a norma da Assembleia da República. Mas a Constituição não diz em que casos é que é assim, essa matéria está aberta à doutrina com a liberdade que ela tem mantido até agora e, portanto, está aberta também à jurisprudência. Assim sendo, apenas queremos que haja a possibilidade de um tribunal qualquer recorrer para outro, cuja capacidade de uniformização se explica apenas pela autoridade do seu juízo, mesmo que não tenha capacidade de fazer assentos nessa matéria. De qualquer modo, o Tribunal Constitucional, pela autoridade do seu juízo, servirá de instância de interpretação na área do direito internacional e na área do direito interno.
Como sabem, a grande polémica que se criou na primeira fase do Tribunal Constitucional foi a propósito de saber se um decreto-lei que alterava os juros das dívidas tituladas por letras era ou não contrário à lei uniforme sobre as letras e se, sendo contrário, a norma de direito internacional prevalecia, situação que deu lugar às mais desencontradas decisões dos tribunais comuns. Ora, se essa questão tivesse surgido já depois da revisão da Lei do Tribunal Constitucional, uma coisa é certa, todas essas decisões teriam ido para o Tribunal Constitucional e teriam tido uma decisão porventura uniforme: boa ou má, mas pelo menos uniforme!
No entanto, o que aconteceu foi que se gerou a maior confusão na nossa ordem jurídica, com tribunais a julgar que a norma já não estava em vigor porque tinha caducado ou, então, dizendo que, mesmo que ainda estivesse em vigor, não prevalecia sobre o decreto-lei que a tinha alterado em desconformidade com ela. Alguns consideraram mesmo que essa era uma questão de constitucionalidade; outros consideraram que não era uma questão de constitucionalidade; uns admitindo recurso para o Tribunal Constitucional, outros não admitindo. E, no Tribunal Constitucional, uns (uma secção) considerando que o recurso era admissível, outros, noutra secção, julgando que não era admissível. Na secção que julgava o recurso admissível, uns juizes pensando que a questão era de constitucionalidade e outros que não era de constitucionalidade. E, por fim, dentro dos que entendiam que a questão não era de constitucionalidade, uns pensando que a norma devia prevalecer e outros que a norma não devia prevalecer. Mas o juízo que acabou por dominar na secção que conhecia do recurso era o de que era uma questão de constitucionalidade.
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Quanto à segunda questão, entendeu-se que a norma de direito internacional já não existia, já tinha caducado, já tinha deixado vincular o Estado português por caducidade.
Não vamos agora discutir a bondade da decisão. O que interessa é saber que esta norma só pretende resolver o primeiro caso, a questão processual, isto é, a que procura saber se esse tipo de decisões dos tribunais comuns devem ser recorríveis para o Tribunal Constitucional.
Quanto à questão de fundo, que procura saber se a norma de direito internacional, se a norma externa invocada é ou não vinculante, se deve ou não prevalecer sobre a norma interna e quais as consequências dessa prevalência, essa não é minimamente tocada nesta nossa proposta. Mantém-se a plena liberdade doutrinária e jurisprudencial para decidir esta questão.
A única vantagem que nós vemos nesta norma é a de permitir que uma instância unificante, pelo menos pela sua autoridade judicial, possa, a meu ver, corrigir alguns disparates que estão a ser feitos por aí, na nossa jurisprudência comum nesta matéria. Já houve um juiz que recusou a aplicação de uma norma de direito interno com base numa directiva que não só não era transposta como não era self executed. Portanto, se essas decisões não forem recorríveis para o Tribunal Constitucional, nós corremos um risco numa área muito sensível, sendo certo que a tendência é para se alargar. Isto é, a possibilidade de haver conflitos entre normas de direito interno e normas de direito europeu tende, naturalmente, a alargar-se, pelo que é provável que aumente a probabilidade de termos decisões bastante diversas e erráticas, dependendo dos tribunais, quanto a saber se a norma é vinculante, se prevalece ou não sobre o direito interno e quais os efeitos dessa prevalência. Creio que assim ficou esclarecida a nossa intenção.
Resta apenas dizer que não fazemos nenhuma questão nesta norma. Ela está prevista na Lei do Tribunal Constitucional e, se bem que não pretenda regular o direito europeu - o que, a meu ver, já é mau -, a verdade é que só pretende regular as relações do direito interno com o direito internacional comum ou convencional. De todo o modo, repito, não fazemos dela qualquer questão, apenas julgamos que a sua aceitação seria uma melhoria em termos da estabilidade da ordem jurídica.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, peço desculpa por ter chegado tarde, mas penso que já apanhei, pela síntese que acabou de fazer, o ponto da situação.
Antes de entrar na discussão, permitia-me discordar da referência que aqui é feita a "órgãos da União Europeia", uma vez que não se trata de órgãos - muito menos agora, na sequência do Tratado da União - mas de instituições. Nesse sentido, não é de somenos este apuro técnico e correcto.
Por outro lado, se me permite, penso que falou como Presidente…
O Sr. Presidente: - Como Deputado!
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Então, se foi como Deputado, mais uma razão para me sentir legitimada para colocar uma dúvida e pedir um esclarecimento.
O Sr. Presidente: - Tê-la-ia na mesma!
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Muito obrigada.
Dados os casos que o Sr. Presidente (nesta altura, falou como Deputado) formulou, afigura-se-me que talvez estejamos a esquecer a importância da jurisprudência do Tribunal do Luxemburgo, concretamente a acção por incumprimento e o caso do reenvio prejudicial, e a circunstância de os tribunais de 1.ª instância nacionais - que, como sabemos, constituem os tribunais de 1ª instância para as questões europeias - verem nuns casos, quando já se tratar da última instância, se houver dúvidas quanto à interpretação da norma e não só, suscitar o dito reenvio prejudicial e quando não, a partir do momento em que não haja mais a possibilidade de interposição de recurso, suscitá-lo também obrigatoriamente, e sempre há cautela que assim seja.
Portanto, afigura-se-me que, da forma como o Sr. Presidente referiu, podemos ver-nos confrontados com uma situação concreta de discrepância de decisões. Imaginemos que, perante um incumprimento, seja colocada a questão perante o Tribunal do Luxemburgo através de uma acção por incumprimento e, ao mesmo tempo, suscitada essa questão junto do Tribunal Constitucional. Nada impede que ambos os tribunais venham a resolver a mesma questão de maneira diferente.
Como se resolve, então, esse problema?
O Sr. Presidente: - Esse problema já existe hoje, Sr.ª Deputada, independentemente de haver ou não esse recurso. Não pretendemos resolver esse problema, que é totalmente alheio e paralelo ao problema que está levantado. O reenvio mantém-se para todos os tribunais, inclusive para o Tribunal Constitucional. A possibilidade de suscitar a interpretação de Direito Comunitário perante o Tribunal da União Europeia mantém-se mesmo para o Tribunal Constitucional. Portanto, não nos afecta minimamente essa questão nem nenhuma das questões que colocou.
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, penso que pode afectar, por uma razão muito simples: é que o Tribunal do Luxemburgo pode decidir sobre o caso concreto de uma forma diferente do Tribunal Constitucional, independentemente do Tribunal Constitucional suscitar ou não o reenvio prejudicial, porque ele só o suscitará se tiver fundadas dúvidas. E suponhamos que não tem: nada impede que o Tribunal do Luxemburgo decida de maneira diferente do Tribunal Constitucional.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, isso já acontece hoje. Não acrescenta nem diminui nada disso. Portanto, é totalmente irrelevante.
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Se me permite, Sr. Presidente, não vejo irrelevância. Gostaria de ponderar melhor e de ser melhor esclarecida ou, pelo menos, convencida quanto à irrelevância. Não vejo em que medida é que essa hipótese pode ser tão sui generis ou tão esdrúxula, como o Sr. Presidente gosta de dizer,…
O Sr. Presidente: - Não disse isso!
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A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - … relativamente a esse caso. Sinceramente, não estou a ver como.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, antes demais, retomo o ponto em que a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo deixou a questão.
Realmente, o Tribunal Constitucional é obrigado a fazer o reenvio segundo o artigo 167.º do Tratado, visto que ele é o último órgão jurisdicional. Portanto, ele não tem a faculdade, mas o dever de fazer o reenvio, no caso de…
O Sr. Presidente: - De ter dúvidas!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - … querer saber qual é o sentido da norma comunitária. O que reforça as considerações que a Sr.ª Deputada fez.
No entanto, tenho a seguinte dúvida: V. Ex.ª pretende, no fundo, monopolizar na "cabeça" do Tribunal Constitucional a representação externa da ordem jurídica portuguesa. Ou seja, em todos os casos em que surjam problemas de compatibilidade ou conformidade de normas de direito interno com normas de direito internacional é ao Tribunal Constitucional, e só a ele, que em última instância compete decidir.
O Sr. Presidente: - Não é verdade!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Não é isso que pretende?
O Sr. Presidente: - Não. Aliás, o regime actual não é esse, Sr. Deputado. O regime actual dá ao Tribunal Constitucional direito não de decidir a questão - saber se o direito interno é ou não conforme o direito internacional -, mas apenas de decidir dois aspectos: primeiro, se a norma do direito internacional existe e vincula a ordem jurídica interna; segundo, se, no caso concreto, ela deve prevalecer sobre a norma em causa. Quanto à questão de saber se há ou não conformidade, quem decide é o tribunal comum da causa.
O Tribunal apenas decide os parâmetros, isto é, que parâmetros é que importa aceitar.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - De qualquer maneira, o Tribunal decide da eficácia normativa dessa norma externa no interior.
O Sr. Presidente: - Certo, é para permitir isso!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Fica, então, na mão do Tribunal fazê-lo. Sendo assim, tenho dúvidas que esta competência deva ser centralizada; penso que deveria haver "regionalização" nos tribunais. Os vários tribunais deviam ter liberdade de razão, porque às vezes os mais pequenos julgam melhor do que os maiores. Portanto, não vejo muita vantagem nisso.
No entanto, gostaria que me explicasse o seguinte: como tinha dúvidas se a proposta do PS condizia rigorosamente com o que estava na Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, fui ver ao seu exemplar da Constituição (que fez o favor de me emprestar) e não condiz. Na Lei Orgânica do Tribunal Constitucional fala-se em normas legislativas e VV. Ex.as, aqui, alargam para qualquer norma.
O Sr. Presidente: - Certo! Alargámos.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Se uma norma de postura da minha terra natal - aliás, a mais importante do mundo, mas tão pequenina e tão serrana - dispuser contra qualquer coisa que está aí algures, perdida num tratado, escondido nas bibliotecas de Lisboa, recorre-se ao Tribunal Constitucional para ver se a "normazinha" está conforme, se devia andar assim ou assado, se isto está correcto ou não.
O Sr. Presidente: - Não é verdade!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Penso que a proposta do PS generaliza larguissimamente o âmbito de aplicação deste mecanismo.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Barbosa de Melo tem razão quanto a esse ponto - é verdade que generalizamos -, mas não tem razão quanto ao segundo, porque generalizamos por maioria de razão.
O que está em causa, sempre, nestes percursos nunca é a norma do direito interno, mas apenas saber se, naquele caso de conflito entre uma norma de direito interno e uma norma de direito internacional, a norma de direito internacional existe e deve prevalecer. Quanto a saber se, no caso concreto, a norma de direito interno viola ou não a norma externa, o Tribunal Constitucional não se pronuncia. Portanto, a tal postura nunca é apreciada.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Pode suscitar o conflito entre uma norma de postura e uma norma de um tratado ou, agora, no caso do direito privado. No entanto, no caso do direito comunitário derivado, a hipótese que ponho não é tão abstrusa como isso.
O Sr. Presidente: - Não é nada abstrusa!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - O direito comunitário derivado tem variadíssimas formas, que não são só os regulamentos ou as directivas. Depois do Tratado de Maastricht, existem decisões mais ou menos genéricas de órgãos comunitários; há lá um emaranhado de normas que podem desembarcar, sem mais, na ordem jurídica portuguesa e entrar em conflito com as normas mais comezinhas, mais próximas, mais terráqueas possível. Um juiz qualquer não pode decidir isto? Porque é que há-de ser o Tribunal Constitucional?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não pretendemos fazer com que seja o Tribunal Constitucional a decidir essa questão concreta de saber se há ou não desconformidade; isto é, se naquele caso concreto a norma da postura da assembleia municipal de X é ou não contraditória com a norma do tratado A.
Pretendemos apenas que seja o Tribunal Constitucional a ter uma última palavra a dizer sobre se aquela norma de direito internacional existe e vincula efectivamente a ordem jurídica interna; que o Tribunal Constitucional tenha
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uma espécie de monopólio de dizer que direito internacional nos vincula, salvaguardadas as competências do Tribunal da União Europeia, porque, como é óbvio, o Tribunal Constitucional não se pode prevalecer quanto a ele. Deixamos também isso em aberto: ninguém até agora o resolveu e também não pretendemos fazê-lo.
Todavia, na medida em que isso depende dos tribunas internos, o que pretendemos é que não seja cada tribunal - como o de Freixo de Espada à Cinta ou o de Aljezur ou um qualquer tribunal militar - a decidir separadamente, e cada um por si, que direito externo é que vincula e prevalece sobre a nossa ordem jurídica. É uma pura proposta racionalizadora, processual e nada mais.
Nesse aspecto, o Sr. Deputado Barbosa de Melo tem razão: é uma espécie de princípio de monopólio do Tribunal Constitucional para dizer que direito internacional é que existe e prevalece, mas não para julgar as questões concretas de desconformidade.
Imagine que o Tribunal de Aljezur se recusa a aplicar uma postura municipal, porque ela é contrária a uma norma de um determinado tratado. Segundo a nossa proposta, essa decisão tem recurso para o Tribunal Constitucional. O que é que o Tribunal Constitucional vai dizer? Conhecer se a postura é contrária ao tratado? Não! Vai apenas dizer que, naquele caso, a norma internacional realmente existe e prevalece sobre as posturas municipais. Depois, o tribunal da causa decidirá a questão, tendo em conta exactamente esta decisão.
Tem a palavra o Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, o esclarecimento que deu continua a suscitar-me imensas dúvidas, porque esse é o papel do Tribunal do Luxemburgo.
O Tribunal do Luxemburgo é que vai verificar se houve ou não desrespeito pela directiva, pelo regulamento, pelas decisões (que são, no fundo, os três mais importantes actos legislativos comunitários). E até é aí que radica a força da jurisprudência do Luxemburgo, em termos da sua uniformidade.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, continuo a dizer que está a insistir numa questão errada, que falha o alvo! O Tribunal Constitucional, nesse aspecto, está perante o Tribunal do Luxemburgo como qualquer outro tribunal português. As pessoas recorreram para o Tribunal do Luxemburgo no caso do direito europeu; no caso do direito internacional, esse problema, como sabe, nem se coloca.
Não pretendemos solucionar essa questão, que também continuará livre de acordo com o direito europeu. Só queremos resolver a questão processual, na parte que concerne ao direito interno e não ao direito judicial europeu.
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, então, vamos imaginar a situação de uma questão que é colocada ao nível da 1ª instância e que vai em recurso até ao Supremo. O Supremo, porque é a última instância de recurso, é obrigado, no caso de ter alguma dúvida, a suscitar o reenvio prejudicial. De lá virá uma posição definitiva…
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, se fosse aprovada a nossa proposta, o último recurso era o Tribunal Constitucional e não o Supremo Tribunal de Justiça. Seria essa a única diferença acrescentada.
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Pessoalmente, penso que deveria ser o Supremo Tribunal de Justiça. É uma posição.
O Sr. Presidente: - Portanto, a diferença é quanto à solução e não quanto à questão que estava a colocar. Ou seja, não altera rigorosamente nada, não aquenta nem arrefenta.
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Tem a ver com o posicionamento relativo dos tribunais, mas enfim…
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, penso que a dinâmica deste debate veio centrar a questão, no fundo, no seguinte: aparentemente, o PSD não tem grandes dúvidas que, ressalvando esta questão das normas emanadas da União Europeia, todos estaremos de acordo com a benfeitoria que advém de uma norma deste tipo. Ou seja, relativamente às normas de direito internacional, de facto, como o Sr. Presidente diz, isto pode trazer claramente um esclarecimento processual que dará mais consistência e certeza à ordem jurídica.
Já quanto às normas emanadas da União Europeia, penso que o Sr. Presidente, no fundo, acaba por concordar com as objecções adiantadas, no sentido de que não acrescenta grande coisa. Digamos que apenas interporá mais uma instância - a saber, o Tribunal Constitucional - antes da decisão definitiva do Tribunal do Luxemburgo.
Nesse sentido, pergunto, para efeitos de utilidade deste debate, se não podemos reconduzir esta sugestão à parte genérica do "fundamento em desconformidade com normas de direito internacional", nomeadamente as previstas no n.º 1 do artigo 8.º. Porque, quanto às normas emanadas da União Europeia, existe de facto essa instância própria para a qual aquela que venha a ser, em termos de ordem jurídica nacional, a última instância, seja ela o Supremo ou o Tribunal Constitucional, terá sempre a necessidade eventual de recorrer para uma decisão definitiva.
Por isso, talvez haja aqui o efeito perverso para que a Dr.ª Eduarda Azevedo chamou atenção, que é, no fundo, o de se estar a intercalar aqui também o Tribunal Constitucional, sem que com isso ele possa decidir em última instância, em instância final, definitiva, e, aparentemente, sem uma vantagem decisiva. Poderá haver, de facto, vantagem…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, há claramente uma vantagem, a de evitar muitos recursos, porque o facto de o Tribunal Constitucional ser uma instância última em Portugal, com o conhecimento e a autoridade que tem, evitará muitas discrepâncias das decisões dos outros tribunais, o que, portanto, poupará, a meu ver, 80% dos recursos previsíveis para o Tribunal do Luxemburgo. Era só essa a vantagem.
No entanto, tem razão ao dizer que, havendo possibilidade de recurso externo, estamos apenas a intercalar mais uma instância. Tem razão quanto a esse ponto, mas
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não tem razão ao pensar que isso retira a virtualidade da proposta.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, não foi isso que eu disse! O que afirmei é que, parecendo que há um denominador comum quanto à benfeitoria processual, quanto à primeira parte, e havendo dúvidas quanto à segunda, podíamos tentar encontrar uma norma genérica que se ficasse apenas pela desconformidade com as normas de direito internacional e evitasse este aspecto de intercalar mais uma instância.
Isto porque, como o Sr. Presidente sabe, em termos do artigo 8.º, existe um tratamento diferenciado claro entre as normas genéricas de direito internacional, entre o chamado direito internacional geral ou comum, e as normas emanadas de organizações internacionais de que Portugal faça parte com efeito vinculativo. Aí, por força dos próprios tratados dessas organizações, já há regras próprias que regem e regulam este tipo de situações e, portanto, penso que poderíamos ficar por uma norma genérica sobre a primeira parte, relativa ao direito internacional.
O Sr. Presidente: - Sim, pela minha parte, penso que já se ganhava alguma coisa. Obviamente, terei de considerar essa hipótese juntamente com os autores da proposta, mas penso que já haverá algum ganho mesmo sem tratar aqui a questão da União Europeia, embora mantenha que a vantagem era importante.
Fica também suspensa a questão de saber se esta figura se deve aplicar à desaplicação de qualquer norma ou apenas às normas legislativas, mas penso que, por maioria de razão, se deveria levantar em todas as questões.
Assim sendo, fica registada a oposição do PSD à inclusão neste preceito das normas emanadas de instituições europeias e, no restante, a proposta fica à consideração. Por fim, fica de reserva a questão que procura saber se isto se deve aplicar aos casos de desaplicação de qualquer norma ou apenas de normas legislativas, como propõe o Sr. Deputado Barbosa de Melo, com a minha oposição.
O PCP quer pronunciar-se sobre esta matéria?
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, seguimos atentamente o debate e reservaremos a nossa posição em relação ao texto que ficar no final.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, as restantes propostas relativas ao artigo 280.º, mais concretamente aos n.os 6 e 7 - a primeira do Sr. Deputado Cláudio Monteiro e outros Deputados do PS e a segunda do Sr. Deputado Arménio Santos e outros Deputados do PSD -, têm a ver com o célebre recurso de amparo, que, creio, já está morto e sepultado. Acontece o mesmo com as propostas de artigo 280.º-A, apresentadas pelo PSD e pelo Sr. Deputado Pedro Passos Coelho e outros do PSD, já foram discutidas em conjunto com as outras propostas relativas ao recurso de amparo e, portanto, devem dar-se também como prejudicadas.
Srs. Deputados, vamos passar à discussão das propostas relativas ao artigo 281.º.
Para este artigo há uma proposta apresentada por Os Verdes, para a alínea f) do n.º 2. Alguém quer adoptar a proposta de Os Verdes, que pretende substituir a expressão "Um décimo dos Deputados da Assembleia da República" pela expressão "Os Deputados da Assembleia da República"? Ou seja, a ser aprovada, esta proposta leva a que um qualquer Deputado possa requerer a fiscalização abstracta de qualquer norma.
Pausa.
A proposta foi apresentada, está mencionada, ninguém a adopta para efeitos de discussão e, portanto, é considerada como sem viabilidade.
Vamos passar à alínea g), para a qual existem propostas do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho e outros do PSD, do PS, do PSD e do Sr. Deputado António Trindade e outra do PS.
A proposta do PSD parece que se dedica apenas a alterações literárias, substituindo minúsculas por maiúsculas. Se não for assim, digam-me, mas não me pareceu que houvesse qualquer alteração substancial. Como tal, a questão das letras veremos depois, no final.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se me permite, há uma questão mais do que literária, que é a relativa ao Ministro das Regiões Autónomas!
O Sr. Presidente: - Sim, mas essa é decorrente das outras e, por isso, não se discute aqui!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Nesse caso, tirando essa, as demais são apenas alterações literárias.
O Sr. António Filipe (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, partindo do princípio de que estamos a falar do artigo 281.º, nós também temos propostas para a alínea f)!
O Sr. Presidente: - Há propostas do PCP, é verdade!
O Sr. António Filipe (PCP): - Por outro lado, há uma proposta de alteração à referida alínea f), do Sr. Deputado Guilherme Silva e outros do PSD, e uma outra do Sr. Deputado do PCP João Corregedor da Fonseca, mas creio que são de aditamento.
O Sr. Presidente: - Essas, de facto, são de aditamento e os aditamentos serão tratados na altura própria.
Tem, no entanto, razão quanto à proposta do PCP para a alínea f), que sugere a seguinte expressão "Os grupos parlamentares ou um décimo dos Deputados da Assembleia da República". Para apresentar a proposta, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, esta nossa proposta tem como inovação a atribuição aos grupos parlamentares do poder de suscitar a fiscalização abstracta da constitucionalidade e da legalidade das leis. E apresentamo-la porque, efectivamente, há propostas de vários partidos, inclusivamente do PCP, que vão no sentido de alargar esta possibilidade a cidadãos eleitores. No caso da nossa proposta, sugerimos um número
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não inferior a 10 000, mas noutras propostas, designadamente na do PS, creio, prevê-se alargar esta faculdade a um número de cidadãos não inferior a 5 000.
Ora, parece-nos que assim sendo, havendo uma perspectiva de alargamento desta possibilidade, não faz muito sentido tal faculdade não ser atribuída também a um grupo parlamentar. Isto é, a nosso ver, não faz muito sentido que se permita que 5 000 eleitores abaixo assinados solicitem a fiscalização abstracta da constitucionalidade de uma norma e que tal faculdade não seja permitida a um grupo parlamentar, que pressupõe não apenas a constituição como partido político e a obtenção de 5 000 assinaturas para esse efeito, mas também uma representação parlamentar efectiva que representa seguramente, no mínimo, várias dezenas de milhares de cidadãos. Não percebemos, portanto, que não se permita que um grupo parlamentar o possa fazer, porque nos parece que ficaria aqui um contra-senso dentro do próprio sistema.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, essa proposta a que se refere ainda não está adquirida, pelo que penso que deve defender o mérito da sua proposta independentemente do mérito da outra.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, o mérito é este: é que se nós próprios, no projecto de revisão constitucional que apresentamos, entendemos que esta faculdade deve ser alargada a cidadãos em número razoável, por maioria de razão pensamos que, propondo isso, não faz sentido que não proponhamos que os grupos parlamentares o possam fazer!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta do PCP, que pretende dar aos grupos parlamentares, independentemente da sua dimensão, o poder de suscitar a fiscalização abstracta de qualquer norma, está à discussão.
Pausa.
Não creio que esta proposta tenha deixado interditos os demais membros da Comissão!
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, como V. Ex.ª bem sublinhou, tudo vai depender daquilo que seja adquirido, ou seja, se for adquirida uma figura como a acção popular em matéria constitucional, talvez adquira reforçada justificação uma flexibilização do regime actual que circunscreve a um mínimo de representação parlamentar o direito de accionar o Tribunal Constitucional. Se não vier a ser, e infelizmente não tenho indicações de que venha a ser, a questão poderá ser configurada noutros termos. De qualquer modo, há aqui um linkage, não sei se obrigatoriamente virtuoso, mas há uma articulação entre a lógica sistémica que na proposta do Partido Socialista sofre significativa alteração e em função dessa alteração da lógica sistémica teremos de agir.
Pela nossa parte, é um facto que não propusemos a alteração do sistema actual nesse ponto; propusemos vários alargamentos mas não esse. A flutuação da representação político-partidária no Parlamento, sabemos também, conduziu a uma alteração das consequências da aplicação deste dispositivo e, portanto, a uma redução da possibilidade de efectivação prática deste mecanismo de acção parlamentar ou da acção de parlamentares junto do Tribunal Constitucional. Também estamos cientes disso.
Em suma, Sr. Presidente, vamos ponderar em função do resultados das demarches que nós próprios desencadeamos.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães considera que um grupo parlamentar com menos de 23 Deputados, mesmo que tenha 20, não deve poder suscitar a questão da inconstitucionalidade?
O Sr. José Magalhães (PS): - Não, Sr. Presidente, não me vinculei nessa matéria, não tenho nenhum juízo fixo nessa matéria.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados está à discussão esta proposta do PCP.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, queria fazer uma sugestão concreta.
Efectivamente, na minha intervenção, fiz uma ligação entre esta proposta e o sistema geral que for adoptado, que, aliás, o Sr. Deputado José Magalhães retomou, tendo reservado inclusivamente a posição do Partido Socialista ao conjunto que resultar da discussão.
Daí que queira dizer que, pela minha parte, não tenho qualquer objecção a que esta proposta seja considerada numa discussão global sobre o sistema que for adquirido e, portanto, não faço questão alguma que a questão seja já resolvida relativamente a esta alínea. Não tenho objecção, antes pelo contrário, a que se possa voltar a esta questão no contexto da discussão das alíneas g) ou h).
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de facto, para avançarmos um pouco na discussão, adiantava desde já a posição do PSD.
O PSD encara esta proposta do PCP no mesmo plano das propostas para a alínea h), tanto do Partido Comunista como do Partido Socialista. De facto, há uma razão para que haja na Constituição da República uma disposição do tipo da actual alínea f), que é obviamente restritiva, não só para permitir uma certa operacionalidade no funcionamento do Tribunal Constitucional como também para evitar um perversa politização dos mecanismos de recurso para a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral do Tribunal Constitucional. Nesse sentido, procura impedir-se uma banalização da intervenção do Tribunal Constitucional.
Para nós, não faz sentido recorrer-se à figura dos grupos parlamentares quando, no fundo, de uma forma clara e linear, o que se pretende é baixar drasticamente esta norma quantitativa restritiva que existe na Constituição, como também não faz sentido nenhum colocar-se uma fasquia de 5 000 ou de 10 000 cidadãos para poderem recorrer para o Tribunal Constitucional, tendo em vista a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral. Desde logo porque os cidadãos, sejam 5 000, 10 000 ou 50 000, sempre o poderão fazer através do mecanismo expresso ligado ao Provedor de Justiça e, se assim não for, fá-lo-ão através das regras normais. O que está aqui em
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causa é a declaração com força obrigatória geral, que, obviamente, não é uma intervenção qualquer, não é a intervenção normal do Tribunal Constitucional. Esta declaração é uma excepção à lógica da força obrigatória geral através dos mecanismos normais de decisões cumulativas do Tribunal Constitucional, é um recurso directo à declaração com força obrigatória geral e, por isso, o legislador e a Constituição da República estabeleceram aqui normas restritivas a este acesso directo e excepcional a este tipo de intervenção do Tribunal.
E o ponto de vista do PSD é o de que não há razão absolutamente nenhuma para, de formas um pouco destorcidas, utilizando a figura do grupo parlamentar, e, por outro lado - digo-o sem intuitos pejorativos, mas não vejo outra maneira de o dizer -, com alguns intuitos populistas, permitir o requerimento directo de grupos de cidadãos quando isso já pode decorrer claramente de algumas das figuras que estão aqui colocadas.
Portanto, tanto esta como as propostas, embora com quantitativos diferentes, para a alínea h) não colhem a receptividade da parte do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, sistematizando a questão, as propostas que propõem a ampliação do poder de acesso ao Tribunal Constitucional são as seguintes: a de Os Verdes, no sentido de alargar esse poder a qualquer Deputado;…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É quase igual à do PCP!
O Sr. Presidente: - Apesar de tudo, há uma diferença bastante significativa.
Srs. Deputados, como estava a dizer, as propostas de ampliação do poder de acesso ao Tribunal Constitucional são as seguintes: proposta de Os verdes, no sentido de alargar a qualquer Deputado; proposta do PCP, no sentido de alargar a qualquer grupo parlamentar; proposta de Os Verdes, do PS e do PCP, no sentido de alargar esse poder a um grupo de cidadãos - a chamada "acção popular de inconstitucionalidade" -; propostas dos Deputados Guilherme Silva e outros do PSD e do Deputado do PCP João Corregedor da Fonseca, no sentido de alargar à Ordem dos Advogados; proposta do Prof. Jorge Miranda, no sentido de alargar a associações dos direitos cívicos quando esteja em causa a violação destes mesmos interesses ou direitos, ou seja, os defendidos por essas associações.
Todas estas propostas estão à discussão, já que adopto, também para discussão, a proposta do Prof. Jorge Miranda. Para além dos aspectos que já foram tidos em conta, peço que os Srs. Deputados considerem, agora, todas estas propostas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, só não está em discussão, portanto, uma parte da proposta do PS para a alínea g).
O Sr. Presidente: - Sim, essa é diferente: não é ampliação subjectiva mas objectiva.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, sem perder tempo, gostaria de dizer que relativamente a todas as propostas que pede, agora, para nos pronunciarmos, reconduzo a posição do PSD ao que acabei de dizer relativamente à alínea f). Ou seja, todas estas propostas de alargamento nos chocam.
Vejamos: no caso dos grupos parlamentares e dos Deputados, do nosso ponto de vista existe um certo artifício, que há pouco explicitei, e todas as outras são ultrapassáveis pela previsão constitucional já existente na alínea d), do recurso ao Provedor de Justiça. Portanto, todos os cidadãos, individualmente, em associações ou em grupos de listas, podem sempre socorrer-se desse meio, razão pela qual entendemos que o Provedor de Justiça figura neste n.º 2 do artigo 281.º.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em termos de decisão, esta posição do PSD, obviamente, inviabiliza qualquer das propostas.
Em todo o caso, Srs. Deputados, as propostas estão à discussão, ao menos para apresentação de posições.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a proposta do PS não tem a rigidez conceptual e filosófica que preside à proposta que o Sr. Deputado Marques Guedes agora enunciou. Somos, em princípio, abertos, além de propormos uma abertura, mas uma abertura, repare-se, sem facilidade.
É preciso ter nesta matéria um prudente realismo e, ao mesmo tempo, uma visão não apocalíptica do que é o exercício dos direitos de iniciativa por parte dos cidadãos. Deve, quanto à iniciativa de acção constitucional nesta matéria, situar-se o patamar num nível que seja suficientemente exigente - o nível a que o colocámos parece-nos, nesta matéria, suficientemente exigente - e, simultaneamente, essa porta aberta dispensou-nos, no caso da nossa proposta, de configurar uma ampliação imoderada dos direitos de iniciativa por parte de entidades com funções de representação. Foi essa a lógica que presidiu à nossa proposta.
Não temos, no entanto, uma posição de fechamento em relação à consideração de novas modalidades de iniciativa e de direito de acção, pelo que consideraremos com simpatia as possibilidades de alargamento.
Num outro período histórico, em que a aplicação da norma do artigo 281.º n.º 2, alínea f), dava a mais protagonistas políticos possibilidades de intervenção junto do Tribunal Constitucional, creio que o uso que foi feito dessa possibilidade, por impulso directo ou na sequência de iniciativas e de petições dos próprios cidadãos, foi consideravelmente moderado. Os partidos que nessa época, nesse ciclo político, limitados depois pela vida eleitoral, exerceram o seu direito de accionar o Tribunal Constitucional, fizeram-no com uma considerável moderação.
Portanto, não estamos obcecados por uma espécie de medo de um efeito de enxurrada neste domínio. Até porque, como sabemos, quando um partido político, um grupo parlamentar ou um grupo de Deputados assumem a responsabilidade de tomar uma iniciativa perante o Tribunal Constitucional de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral de uma determinada norma, estão a fazê-lo assumido uma responsabilidade política considerável e, portanto, normalmente há uma perspectivação e uma ponderação cuidadosa dessa responsabilidade.
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Não temos medo da enxurrada e estamos disponíveis para considerar os alargamentos que o Sr. Presidente enunciou. Não temos uma atitude de "não", à partida, em relação a essas propostas. Talvez o alargamento proposto pelo Partido de Os Verdes seja, todavia, excessivo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a maior parte dos projectos, inclusive o do Sr. Deputado Guilherme Silva e outros do PSD, propõem algum alargamento do poder de acesso subjectivo ao Tribunal Constitucional para efeitos de fiscalização abstracta da constitucionalidade e da legalidade - desde Os Verdes, que propõem que o acesso a esse poder seja concedido a cada Deputado, até ao Prof. Jorge Miranda, que propõe a sua extensão às associações de direitos cívicos nas matéria atinentes ao seu próprio programa de acção.
Contra esta visão ampliativa, em maior ou menor medida, choca-se a visão de "não tocar", por parte do PSD, e de manter a visão restrita que a Constituição actualmente tem, que reserva esse poder a titulares de cargos públicos. E contra isso nada há a fazer, salvo convencimento ulterior do PSD.
Em minha opinião, alguns dos alargamentos propostos são claramente insensatos, nomeadamente o de Os Verdes, e que a acção popular careceria sempre de especiais cuidados e de especial exigência. No entanto, propostas como a de alargar à Ordem dos Advogados - aliás, não seria uma solução inédita, visto que é a solução da Constituição brasileira -, ou às associações de direitos cívicos na área da sua própria actividade, a meu ver, seriam de todo em todo justificadas.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, posso fazer uma pergunta?
O Sr. Presidente: - Faça, Sr. Deputado.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, vai perdoar-me que a faça pedindo-lhe um auxílio como perito que é nesta matéria.
O Sr. Presidente: - Somos todos peritos!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, há exemplos de uma acção popular, não uma class action, mas um quidis ex populam(da parte de uns tantos), que possa demandar no Tribunal Constitucional a apreciação da constitucionalidade de alguma decisão ou norma?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, ainda bem que comecei por gozar a qualificação de perito porque, senão, não se justificaria a resposta que lhe vou dar. Sinceramente, não sei, não conheço todo o direito comparado nesta área. Mas comecei por dizer que penso que sempre seria uma hipótese a considerar a matéria de acção popular.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - É muito diferente a iniciativa pertencer à Ordem dos Advogados ou a uns 5000 ou 10 000 cidadãos!
O Sr. Presidente: - Também me parece, Sr. Deputado. Por isso mesmo é que é questionável a posição do PSD de pôr no mesmo "saco" todas as propostas. Portanto, penso que as devia encarar com alguma diferença,…
O Sr. José Magalhães (PS): - Destrinça!
O Sr. Presidente: - … com alguma destrinça e diferenciação.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Se vamos por aí, por que não a Ordem dos Médicos, por que não…?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, estamos a tratar de matéria de fiscalização da constitucionalidade!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Desculpem, a minha conclusão final é a de que não se deve alterar esta norma, que tudo o que está previsto, está muito bem!
O Sr. Presidente: - Já percebemos, Sr. Deputado. De resto, em geral, a Constituição está bem!
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Presidente e Srs. Deputados, na medida em que me referi apenas à fundamentação da proposta do PCP para a alínea f), que se referia à possibilidade dos grupos parlamentares poderem suscitar a fiscalização abstracta da constitucionalidade, gostaria de acrescentar que o PCP é favorável a um alargamento desta possibilidade, mas não num sentido tão lacto, como propõem Os Verdes ou o Prof. Jorge Miranda, na medida em que, embora vejamos com simpatia que as associações de defesa de determinados interesses pudessem aceder a esta possibilidade, pensamos que deveriam ser exigidos requisitos mínimos e tal só será possível, designadamente, a através da exigência de um número mínimo de assinaturas.
Queria ainda dizer que também rodeávamos esta possibilidade de algumas cautelas, pelo facto de propormos um mínimo de 10 000 assinaturas para suscitar esta fiscalização, para que não pudesse haver uma banalização…
O Sr. Presidente: - No que eram mais prudentes do que o próprio Partido Socialista.
O Sr. António Filipe (PCP): - Exacto, neste caso éramos. E, portanto, dizia, para evitar que houvesse uma banalização desta figura e desta possibilidade.
Queria, pois, deixar registado que a nossa posição vai no sentido de algum alargamento da capacidade para suscitar a fiscalização abstracta da inconstitucionalidade.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, gostaria apenas de clarificar, para que não fiquem dúvidas, que o texto constitucional, tal como está, parece-nos equilibrado. Não vemos que haja aqui qualquer tipo de lacuna.
No fundo, a nossa posição é a de que todas as situações que são adiantadas são já, obviamente, resolvidas quotidianamente, ou têm potencialidade para isso, através
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dos mecanismos que o actual texto constitucional prevê. E é evidente que a maior parte das posições esvaziariam, em muito até, o conteúdo útil da competência do Provedor de Justiça nesta matéria.
Por exemplo, no caso concreto do Bastonário da Ordem dos Advogados, não é equacionável, para nós, uma situação em que a Ordem dos Advogados enquanto tal pretendesse ver fiscalizada a constitucionalidade de uma determinada norma e não o conseguisse imediatamente, quer através do Procurador-Geral da República, quer através do Provedor de Justiça, quer através do Primeiro-Ministro, quer através de um 1/10 dos Deputados à Assembleia da República. É evidente que, apesar de não terem de ser todos do mesmo partido, sempre encontrarão eco total.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Deputado, essa é uma suposição sua!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Pois é, é uma suposição minha, Sr. Deputado, e é a opinião que o PSD tem sobre essa matéria. A suposição de que é necessário começar aqui a acrescentar grupos de cidadãos ou de interesses causa-nos alguma estranheza, porque nos parece que a norma já contém tudo.
Por último, gostava de assinalar que, em particular nestas propostas quantificativas da acção popular de fiscalização da constitucionalidade, nem sequer entendemos a lógica de se colocar aqui "cidadãos eleitores", porque tal expressão deixa de fora, por exemplo, as associações de estudantes que, se forem compostas por estudantes com idade inferior a 18 anos, ficariam de fora deste tipo de mecanismo, o que, obviamente, nem sequer terá sido equacionado.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado entende que se devam dar direitos políticos desta natureza a "não cidadãos"?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, não se trata de um direito político mas de um direito à justiça! É por isso que existe o Provedor de Justiça e todos os mecanismos que aqui estão previstos.
Sr. Presidente, é nesse sentido que (e digo-o sem intuitos pejorativos mas com o conteúdo político que tem) entendo que há um certo populismo em algumas destas propostas: pretendem dar resposta a determinadas lógicas deixando outras de fora.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, penso que há uma outra lógica, a de apenas facilitar a não subsistência de normas inconstitucionais.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, gostaria de perceber qual é a lógica do PSD porque, tanto quanto percebo, isso é uma espécie de incursão numa alegada incoerência dos proponentes da solução de alargamento, que não iriam, dentro da lógica do Sr. Deputado Marques Guedes, suficientemente longe.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, não! Dentro do universo que já está coberto, com estas propostas os senhores estariam a individualizar alguns grupos sem razão visível para isso, porque não há lacunas, e por isso não preenchem lacuna alguma!
As vossas propostas não vêm tapar nenhuma lacuna actualmente existente porque, do nosso ponto de vista, não há lacunas e, portanto, servem apenas para explicitar situações concretas sem uma coerência, sem uma razão, sem um argumento forte.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Marques Guedes…
O Sr. José Magalhães (PS): * Posso replicar, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: * Pode, mas, já agora, faço uma observação: o problema não é o de preencher lacunas mas, sim, o de saber se uma "torneira" que debita apenas "pouca água" deve ou não ser alargada para debitar mais! É só esse o problema, ou seja, o de saber se devemos ou não abrir as faculdades de…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * De "esvaziar o tanque", isso sim!
Risos.
O Sr. José Magalhães (PS): * E, se me permite Sr. Presidente, de alterar o sistema, porque há aqui uma alteração sistémica. Não nos equivoquemos quanto ao uso das palavras: é evidente que se confiro aos cidadãos… Os cidadãos hoje podem exercer livremente um direito de petição perante o Provedor de Justiça, como, aliás, perante o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República, o Primeiro-Ministro, o Procurador-Geral da República e os próprios Deputados. Ora, se os cidadãos podem fazer uma petição, e, aliás, fazem-no correntemente, a verdade é que os decisores somos nós, o decisor é o Sr. Presidente da República, o decisor é o Sr. Provedor de Justiça, que pode acolher ou enjeitar a petição.
Quando nós propomos que haja um direito de autodeterminação e de acesso directo dos cidadãos organizados em grupo - aliás, com um patamar de exigência bastante significativo -, estamos a introduzir uma nova figura, ou seja, não estamos a apresentar um direito de petição, estamos a instituir, a conferir legitimidade a esses cidadãos para agir directamente. É uma figura diferente. Ao conferir-se isso à Ordem dos Advogados não se está a conferir à Ordem dos Advogados um direito de petição mas, sim, legitimidade para accionar o Tribunal Constitucional. É uma figura diferente, é uma figura distinta, não é um mero direito de petição. E, portanto, além de um alargar da "torneira", há a substituição de um sistema de mediação para o abrir ou fechar do dito cujo instrumento por um direito de acesso directo.
No entanto, filosoficamente, o PSD tem manifestamente uma posição arredia a esse direito e tem, diria mesmo, um certo empenhamento e uma certa viciação no filtro. Deseja um filtro institucional e não abdica dele! Como tal, faço votos para que abdique ou, ao menos, para que moderadamente corrija essa obsessão pelo filtro institucional, tendo mais confiança na iniciativa cívica e na iniciativa institucional dos outros.
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O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, penso que as posições estão definidas e o resultado das propostas está à vista.
Vamos passar à alínea g), que é de natureza diferente, porque não se trata de uma ampliação subjectiva, mas, sim, se vejo bem, de uma ampliação objectiva. As propostas do PS e do Sr. Deputado António Trindade e outra Deputada do PS, que, tirando as que já estão prejudicadas, são aquelas que contêm uma alteração de fundo, pretendem acrescentar uma referência às normas constantes de diploma regional, ou seja, procuram dar às entidades referidas na alínea g) - o Ministro da República para as regiões autónomas, as assembleias legislativas regionais, os presidentes das respectivas, os presidentes dos governos regionais ou um décimo dos deputados à respectiva assembleia legislativa regional - o poder de pedir a fiscalização da constitucionalidade quando o pedido da declaração se fundar em violação dos direitos das regiões autónomas ou tiver por objecto norma constante de diploma regional. É este o aditamento, é esta a expressão que está em causa.
Daria a palavra aos proponentes, mas, como não se encontram aqui, adopto-a eu para efeitos de discussão.
Pausa.
Peço desculpa, mas esqueci-me que o PS é um dos partidos proponentes. Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente e Srs. Deputados, creio que o sistema configurado pelo artigo 281.º, n.º 2, alínea g), é um sistema em si mesmo meritório, já que está todo ele virado para uma espécie de direito de autodefesa das regiões autónomas através de protagonistas e entidades com forte relevância representativa. Contudo, a unidimensionalidade desse direito de defesa da legalidade, tantos anos passados e tanta experiência adquirida em matéria de autonomias regionais, merece uma ampliação. Isto porque, na verdade, não se trata só de um movimento dirigido… Ou seja, o instituto tem mérito na defesa da ordem jurídico-constitucional, mas esse deve ser um mérito em 360.º, por assim dizer, ou seja, em todas as direcções, em todos os azimutes, tanto em relação a desvios anti-estatuto ou anti-enquadramento constitucional de direitos das regiões autónomas como em relação a desvios ou a dúvidas de conformidade com o enquadramento jurídico-constitucional do próprio direito gerado pelos órgãos autonómicos, neste caso, as normas constantes de diplomas regionais de qualquer natureza.
Se o fizermos, ou seja, se dermos uma bi-dimensionalidade, ou, se quisermos, uma valia em todas as direcções a esse sistema de controlo, teremos configurado um sistema perfeito de controlo da constitucionalidade e de instituição de mecanismos de garantia de accionamento do órgão competente para a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade. Obviamente, a gestão desse sistema ficará dependente do juízo, da concepção, da vontade política dos protagonistas do sistema, razão pela qual, nessa matéria, propomos que esse protagonismo seja ampliado e reforçado, mas, obviamente, não impomos - isso seria aberrante - um critério para o exercício desse direito.
É, portanto, uma ampliação que nos parece contribuir para a perfeição sistémica e que nós, muito francamente, gostaríamos que pudesse vir a ter provimento.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, o projecto de revisão constitucional apresentado pelo Sr. Deputado António Trindade e outra Deputadas do PS contém uma outra alteração que, creio, está deslocada. Digo-o porque na parte final do texto que propõe para a alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º acrescenta a fiscalização da omissão de medidas legislativas, ou seja, a declaração de inconstitucionalidade por omissão, figura que se repete logo a seguir, na proposta do mesmo Deputado para o artigo 283.º, sede na qual será discutida. Aqui discutiremos apenas a ampliação objectiva da fiscalização da constitucionalidade por parte das entidades referidas na alínea g) em relação às normas constantes de diplomas regionais.
Na verdade, se bem percebo, o que acontece é que hoje as normas regionais, ou seja, as normas constantes de decreto legislativo regional ou de decreto regulamentar regional, só podem ver suscitada a sua inconstitucionalidade a título abstracto pelas entidades contidas nas alíneas a), b), c), d), e) e f),…
O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!
O Sr. Presidente: - … mas não pelas entidades referidas na alínea g). Ou seja, um décimo de Deputados da Assembleia da República pode pedir a inconstitucionalidade de uma norma ou diploma regional e um décimo dos deputados da assembleia legislativa regional não o pode fazer. Srs. Deputados, é esta a questão!
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, não se trata apenas disso, e é por não ser só isso que o PSD tem muitas reservas quanto a este acrescento. O que se passa actualmente é que o pedido de declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral está, na parte respeitante à iniciativa por um décimo de deputados da respectiva assembleia legislativa regional, condicionado a situações de especial gravidade, ou seja, quando o pedido de declaração se funde em violação dos direitos das regiões autónomas ou quando se funde em violação do estatuto da região, que é uma lei especial que regula a própria ordem jurídica específica da região autónoma. E, portanto, a lógica do actual texto constitucional é a de permitir a iniciativa de um décimo dos deputados da assembleias legislativas regionais em situações consideradas de especial gravidade para a região.
Este acrescento deita por terra essa lógica, porque deixa de ser necessário estar perante uma situação de gravidade para a região e basta que seja uma norma qualquer de um diploma regional.
O Sr. Presidente: * Não, Sr. Deputado. Basta que esteja em causa qualquer inconstitucionalidade!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Não, basta que esteja em causa - e é essa a razão das reservas do PSD - uma qualquer lógica de discussão ou debate ou de opinião controvertida em termos político-partidários na região.
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O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, não é isso!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * É isso, com certeza!
O Sr. Presidente: * Hoje, os deputados regionais só podem pedir a fiscalização do Tribunal Constitucional quando a inconstitucionalidade consistir em violação dos direitos das regiões. O que o PS propõe é que esse pedido passe a ser possível quando esteja em causa qualquer inconstitucionalidade.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Qualquer diploma regional!
O Sr. Presidente: * E o Sr. Deputado opõe-se a isso?!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Não, Sr. Presidente. O problema é que essa fiscalização pode ser pedida quando estiver em causa qualquer diploma regional e não qualquer inconstitucionalidade, porque a inconstitucionalidade não está declarada, já que se trata de um pedido de verificação, como é evidente!
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, há um claro equívoco e não vale a pena continuarmos a discutir se não nos esclarecermos sobre qual é o alcance da proposta.
Hoje, as entidades que estão mencionadas na alínea g) (o Ministro da República, as assembleias legislativas regionais, os presidentes das assembleias legislativas regionais, os presidentes dos governos regionais ou um décimo dos deputados da assembleia legislativa regional - podem pedir a inconstitucionalidade de qualquer norma, incluindo as de diplomas regionais, quando estiver em causa a violação de normas constitucionais que consagrem direitos das regiões, mas já não podem pedir a declaração de inconstitucionalidade quando seja outra a inconstitucionalidade, quando essas normas de diplomas regionais violem outras normas da Constituição que não apenas aquelas que garantem os direitos das regiões. Isto quer dizer que as normas regionais estão imunes a serem questionadas por essas entidades, inclusive pelos próprios deputados regionais, quando a inconstitucionalidade eventual suscitada não seja aquela que hoje aí está mencionada. Portanto, há inconstitucionalidades que não podem ser suscitadas.
O que o PS propõe é que as normas de diplomas regionais possam ser questionadas perante o Tribunal Constitucional por essas entidades que aqui estão mencionadas sempre que haja uma inconstitucionalidade e não apenas quando estiver em causa a violação dos direitos das regiões. Propõe o PS que essas entidades possam pedir a verificação da constitucionalidade dessas normas quando estiver em causa, por exemplo, a violação dos direitos dos cidadãos, quando estiver em causa a violação dos direitos das autarquias ou quando estiver em causa a violação da separação da reserva da competência legislativa da assembleia legislativa regional. O que hoje acontece de bizarro é que um décimo dos deputados da assembleia legislativa regional não pode pedir a fiscalização abstracta, a posteriori, da inconstitucionalidade de um decreto do governo regional que viole, por exemplo, a competência reservada da assembleia legislativa regional, porque isso não consta hoje da faculdade constitucional.
Gostaríamos, portanto, de saber se o Sr. Deputado pensa que esta solução é correcta.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, não concordo minimamente com a interpretação que faz. O conteúdo útil da proposta que temos sobre a mesa é o de permitir que um décimo dos deputados das assembleias legislativas regionais passe a poder requerer a declaração de inconstitucionalidade constante de diploma regional. Isso actualmente não acontece…
O Sr. Presidente: * Já acontece, Sr. Deputado! Hoje, quando estejam em causa direitos das regiões, isso já acontece. Não é esse o objecto, o Sr. Deputado está a ler erradamente!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, não estou a ler erradamente mas, sim, rigorosamente o que cá está!
O Sr. Presidente: * Tenho de desistir, definitivamente!…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Exactamente!
O que disse e mantenho é que, actualmente, o pedido de declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral por parte de um décimo dos deputados é restrito a situações que se fundem em causas de especial gravidade e a proposta do PS vem acabar com essa lógica e permitir que esse pedido tenha por objecto qualquer norma constante de diploma regional.
Para nós, o problema é colocar-se este mecanismo neste plano, ou seja, em pé de total igualdade relativamente à Assembleia da República, onde também vigora a mesma lógica: um décimo dos Deputados pode, relativamente a qualquer norma legislativa ou outra, suscitar a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral por parte do Tribunal. Temos grandes reservas quanto a isto, nomeadamente pela ampliação que, face ao estádio em que estamos depois da primeira leitura, vamos fazer da capacidade das competências legislativas próprias das regiões. Ou seja, ao alargarmos significativamente a capacidade legislativa regional, com este inciso proposto pelo Partido Socialista, vamos permitir que, face ao que se passa agora, num enormíssimo número de situações passe a ser possível um décimo dos deputados das assembleias legislativas regionais requererem ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral.
Ora, a conjugação deste inciso com o alargamento dos poderes legislativos dos órgãos das regiões suscita-nos reservas, nomeadamente pela politização que pode resultar da utilização de uma competência alargada como esta, a de um décimo dos deputados das assembleias legislativas regionais (que, como sabemos, são cerca de 5 deputados, grosso modo, em qualquer uma das duas regiões). Portanto, são estas as reservas que expressamos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, francamente estou um pouco perplexo, porque creio que toda esta
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intervenção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes se funda num erro sobre os pressupostos: nem a norma constitucional quer dizer o que o Sr. Deputado julga que quer dizer nem as propostas que apresentamos têm o alcance que o Sr. Deputado julga que elas têm.
É uma discussão um pouco difícil de fazer sem uma aclaração de pressupostos. Ainda por cima, como o Sr. Deputado articula este inciso com as consequências das soluções que estamos a ponderar em matéria de ampliação da autonomia legislativa das regiões autónomas - tal poderia ser correcto, mas creio que o faz num sentido incorrecto -, a clarificação é duplamente necessária.
Primeiro, em relação ao último aspecto que focou, eu faria a aclaração no sentido exactamente oposto. Ou seja, ao ampliarmos a margem de autonomia legislativa das regiões autónomas, vamos eliminar a necessidade de accionar os mecanismos de fiscalização de constitucionalidade ou, sobretudo, vamos eliminar os resultados que têm vindo a gerar-se na sequência do accionamento. Isto é, vamos claramente alterar e flexibilizar as balizas constitucionais para permitir que matérias que hoje são inconstitucionais ou, pelo menos, merecedoras de uma sólida dúvida de constitucionalidade, que o Tribunal Constitucional tem vindo a converter em certeza, passem a não poder ser objecto de uma dúvida de constitucionalidade. Há um conjunto de diplomas regionais que poderão vir a ser aprovados e entrar em vigor na ordem jurídica sem que sobre eles penda a mácula, a suspeição e, menos ainda, um juízo de certificação da inconstitucionalidade.
Com esse mecanismo estamos, em relação a possibilidades de accionamento por parte das entidades previstas nas alíneas a) a g), a diminuir a razão para a sua intervenção. Portanto, da nossa ampliação não vai resultar um apocalipse. Pelo contrário, tudo indica que vai resultar um descongestionamento, uma desdramatização e uma desnecessidade de intervenção do Tribunal Constitucional.
Mas - segunda componente do raciocínio - se ampliamos as possibilidades de intervenção constitucional das regiões autónomas e as possibilidades de legiferação nesse domínio, é óbvio que o juízo de censura, de crítica e de desarticulação ou de inviabilização que o Tribunal Constitucional tem vindo a emitir deixa de ter de ser emitido, seja accionado por quem tiver que ser accionado (o Ministro da República, o Presidente da República, Deputados, ou quem quer seja).
O Sr. Presidente: Quando está em causa a inconstitucionalidade orgânica!
O Sr. José Magalhães (PS): Exacto, Sr. Presidente.
Portanto, nessa matéria não vejo que haja razão para preocupação e para se fazer uma associação pérfida de cautela reforçada contra esta nossa ampliação.
No que diz respeito à ampliação, a verdade é que o actual sistema é incompleto, falta-lhe uma dimensão; aliás, é um sistema que conduz a resultados distorcidos. O sistema está pensado para permitir às entidades elencadas na alínea g) defenderem as regiões autónomas contra agressões por parte de leis da República - diplomas oriundos da República que violem os direitos das regiões autónomas - e também alguns diplomas regionais que os violem. Mas é um caso, verdadeiramente, de autoviolação, em que a prática não tem revelado uma particular frequência dessa invocação em relação a diplomas regionais.
O que é que falta aqui? Manifestamente, pode haver legislação que viole a Constituição não por violar direitos constitucionais das regiões autónomas mas por violar outros aspectos cruciais da ordem jurídico-constitucional!
Um diploma que proclame um sistema de auto-administração de justiça numa região autónoma, qualquer que ela seja, viola qualificadamente normas constitucionais. Foi essa a razão, por exemplo, que levou o Sr. Presidente Barbosa de Melo, na legislatura passada, a não aceitar admitir uma proposta regional da Madeira que ia nesse sentido. E, então, há-de ser inatacável junto do Tribunal Constitucional se, eventualmente, em vez de ser feito sob forma de proposta, fosse feito sob forma de legislação regional?…
O Sr. Presidente: Os Deputados devem fazer uma petição ao Provedor de Justiça.
O Sr. José Magalhães (PS): Nesse caso, há que remeter os deputados da assembleia legislativa regional aos Deputados da República, ou ao Provedor de Justiça, ou ao Procurador-Geral da República, ou ao Presidente da República ou ao Presidente da Assembleia da República? Francamente, não faz sentido!
Portanto, há aí um fenómeno de incompletude. Ou seja, este mecanismo não deve ser visto apenas como uma forma de autodefesa das regiões perante a actividade legiferante da República - que é um pouco a perspectiva dominante que presidiu à elaboração do preceito -, mas também como uma norma que permite uma autodefesa contra quaisquer violações da ordem jurídico-constitucional que sejam relevantes para as regiões: contra diplomas da República e contra diplomas das regiões.
E o exemplo dado pelo Sr. Presidente é bastante interessante em termos de exercício por parte dos deputados da assembleia legislativa regional de um direito de autodefesa em relação a uma invasão da sua competência, eventualmente decorrente da produção de diplomas pelo governo regional.
Se um diploma do governo regional - que, como se sabe, não dispõe de competência legislativa -, invadindo a competência do parlamento regional, entra na ordem jurídica, no jornal oficial da região, então, por que não autorizar ou permitir aos deputados regionais, que contra isso se tenham manifestado ou se queiram manifestar,…
O Sr. Presidente: Sr. Deputado José Magalhães, não são só os deputados regionais, também o próprio presidente da assembleia regional.
O Sr. José Magalhães (PS): Claro, todas as entidades referidas na alínea g), Sr. Presidente. Tenho referido estas entidades, mas obviamente tudo o que disse se aplica ao elenco da alínea g), que é aquele que integralmente respeitamos com esta ampliação de objecto.
Portanto, não há razão nenhuma para que isso não aconteça. É uma lacuna distorcedora da verdadeira bitola da apreciação. Há aqui "dois olhos": um está virado para a legislação da República, o outro está virado para a própria ordem jurídica regional em gestação. Não vale a pena levar a metáfora até ao fim, mas sabem bem quais são os
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defeitos de visão que podem gerar-se quando só há um órgão a funcionar e quando o dito, ainda por cima, tem alguns problemas, desde o estigmatismo até à cegueira pura…
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, continua em discussão esta proposta do PS, que é também a do Sr. Deputado António Trindade e outros do PS, para a alínea g), no sentido de alargar as possibilidades de fiscalização abstracta da constitucionalidade da legislação regional, habilitando a suscitá-la os ministros da República, as assembleias legislativas regionais, os presidentes das assembleias legislativas regionais, os presidentes dos governos regionais ou um décimo dos deputados à respectiva assembleia legislativa regional.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Felipe.
O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, a nossa perspectiva é favorável a esta alteração proposta. Norteamo-nos por um espírito de garantir o mais possível a existência de constitucionalidades e de reforçar essa possibilidade.
Nesse sentido, parece-nos que esta proposta é positiva e merece o nosso acolhimento.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, a proposta fica em aberto: tem o acolhimento do PCP e as reservas do PSD. Não sendo acolhida também não é definitivamente rejeitada.
Srs. Deputados, temos ainda uma proposta de alteração ao n.º 3 do artigo 281.º, apresentada pelo PCP, que vai no sentido de admitir a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral quando o Tribunal Constitucional tenha julgado inconstitucional uma norma em três casos concretos ou - acrescenta o PCP - num caso concreto quando o Tribunal funcione em plenário.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Felipe.
O Sr. António Filipe (PCP): Sr. Presidente, expressou bem o sentido da proposta, embora o texto escrito não seja tão claro, na medida em que há aqui uma vírgula infeliz.
O Sr. Presidente: Fiz uma leitura clarificadora da proposta do PCP.
O Sr. António Filipe (PCP): Exactamente! Portanto, pode haver dificuldade em compreender vendo apenas o texto escrito que se propõe.
De facto, a nossa ideia é a de que, se nalgum caso o Tribunal Constitucional tiver já julgado, em pleno, inconstitucional uma determinada norma, não fará grande sentido esperar pelos três casos concretos para que seja declarada a inconstitucionalidade com força obrigatória geral. Parece-nos que é uma triplicação absolutamente desnecessária, na medida em que haja uma decisão do pleno num determinado sentido.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, a hipótese de o Tribunal Constitucional julgar questões de fiscalização concreta em pleno existe, na realidade, desde a última revisão da Lei do Tribunal Constitucional, quando o presidente assim o determina em casos de conflito de jurisprudência entre secções ou quando isso seja de temer. Não sei quais são os exactos termos da lei do processo constitucional. Isto não me leva a dar o apoio à proposta do PCP.
Já agora, adianto que penso que a fiscalização concreta, mesmo quando feita em pleno uma vez, é sempre concreta. E a ideia da Constituição exigir três casos é para permitir que o Tribunal tenha várias facetas do mesmo caso e não seja levado a declarar a inconstitucionalidade em abstracto, erga omnes, de uma norma, quando ajuizou inconstitucional apenas num caso concreto e nas circunstâncias do caso. Portanto, a ideia de exigir pelo menos três casos concretos é para permitir ao Tribunal ter várias facetas concretas para decidir. O facto de o Tribunal decidir que uma norma num caso concreto não deve ser desaplicada e de o fazer em pleno, a meu ver, não altera as coisas. A questão não é a de a decisão ser tomada pelas secções ou em pleno, mas a de ser uma questão concreta apenas.
A meu ver, as razões que levaram a esta solução constitucional não deveriam dar acolhimento à proposta do PCP. Perdoem-me ter, desde logo, tomado posição quanto a esta matéria, mas como tinha feito uma interpretação clarificadora da proposta do PCP considerei que estava habilitado nesse sentido.
Srs. Deputado está em discussão, com toda a liberdade e independentemente da minha posição pessoal.
Pausa.
Srs. Deputados, não posso interpretar o vosso silêncio, seja no sentido da aprovação ou revogação proposta da concordância com aquilo que referi. O silêncio tem de ser interpretado como rejeição da proposta, mas gostaria de ouvir os Srs. Deputados.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, precisamente porque alguém pode julgar que, como agora disse o Sr. Deputado Barbosa de Melo, o silêncio é incolor - e suponho que também inodoro -, nesta matéria gostava de dizer que as razões que invocou são ponderosas.
Ou seja, a filosofia que presidiu à elaboração da norma, na sua redacção corrente, é a de exigir uma certa frequência de verificação de um determinado juízo, uma constância, diria quase um precedente, uma orientação consistente e uniforme em relação ao mesmo tipo de casos, testados a partir de várias situações concretas. E essa é uma solução prudente. Os casos que estão previstos na lei orgânica são casos limite (e são casos quentes, incandescentes); são casos em que, precisamente, é prudente evitar a divergência, mas em muitos outros casos não é prudente gerar, de concreto a definitivo, uma solução impositiva e uniforme.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a hipótese que vos referi está hoje prevista, pelo menos, no artigo 79.º-D da Lei do Tribunal Constitucional.
Srs. Deputados, claramente, a proposta não se mostra viável. O silêncio do PSD tem de ser interpretado no sentido negativo. E dado que, para alterar a Constituição, é preciso uma votação positiva e não tendo o PSD manifestado essa posição…
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O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, como fiz algumas considerações sobre o silêncio, talvez seja também ocasião de lhe pedir a palavra para dizer alguma coisa nesta matéria.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, penso que têm de ser feitos alguns testes à constitucionalidade da norma em causa, porque os casos são todos diferentes uns dos outros; não há nenhum caso jurídico igual a outro caso, há sempre diferenças. Assim, o facto de uma mesma norma ser confrontada com três casos diversos é o mínimo que pode exigir-se para uma declaração desta natureza, uma declaração que anula a vontade legislativa. Ou seja, órgão que representa a vontade e o saber do povo português vê a sua decisão coarctada pela decisão de um tribunal quando, em princípio, existam boas garantias de que a norma é, de todo em todo, inaturável do ponto de vista da Constituição.
Portanto, três casos foi o mínimo considerado necessário para que um juízo desta gravidade pudesse ser emitido. Não há razões para se modificar esta atitude.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão percorridas todas as alterações que haviam sido propostas para o artigo 281.º. Não há propostas para o artigo 282.º, o que é curioso, porque se há um artigo constitucional que suscita dúvidas de interpretação é este artigo 282.º! Mas, ainda bem: ficam a doutrina e a jurisprudência com a liberdade de controvérsia que têm tido. Os juristas até ficariam diminuídos…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, as alterações constitucionais não têm de ser para resolver problemas dogmáticos.
O Sr. Presidente: - Claro! E contra mim falava, porque como co-autor do projecto do PS também não propus nenhuma alteração.
Srs. Deputados, passamos ao artigo 283.º (Inconstitucionalidade por omissão), em relação ao qual foram apresentadas propostas de eliminação pelo Sr. Deputado Pedro Passos Coelho e outros Deputados do PSD e pelo PSD e propostas de ampliação pelo PS, pelo Sr. Deputado António Trindade e outra do PS, por Os Verdes e, também, pelo Prof. Jorge Miranda esta última propõe uma ampliação da fiscalização da inconstitucionalidade por omissão).
As propostas de eliminação não carecem de se explicitadas.
A proposta de ampliação apresentada pelo PS vai no sentido de alargar essa iniciativa a um décimo dos Deputados à Assembleia da República, a um número de cidadãos eleitores e, no caso de acusação de violação de direitos das regiões autónomas, aos presidentes das assembleias legislativas regionais ou a um décimo dos respectivos deputados (nesta última parte, a proposta é convergente com a proposta do Sr. Deputado António Trindade, como há pouco referi).
A proposta de Os Verdes vai também no sentido de contemplar a iniciativa popular, os grupos de cidadãos, e acrescenta no n.º 2 o caso de "o tribunal não puder conferir tutela a qualquer direito fundamental por omissão de medidas legislativas necessárias." Esta proposta de Os Verdes é claramente colhida, senão decalcada, do projecto do Prof. Jorge Miranda, cujo n.º 2 prevê o seguinte: "se em qualquer feito submetido a julgamento, o tribunal não puder conferir tutela a qualquer direito fundamental por omissão de lei que torne exequível a correspondente norma constitucional, suscitará a questão perante o Tribunal Constitucional." Portanto, é uma fiscalização oficiosa a cargo do próprio Tribunal, coisa que não consta exactamente do projecto de Os Verdes.
Portanto, temos propostas de eliminação e propostas de ampliação, e dentro destas aquelas que vos enunciei.
Começando pela proposta de eliminação, tem a palavra do Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a proposta de eliminação do PSD funda-se no seguinte: esta figura da inconstitucionalidade por omissão radica numa lógica, sustentada aquando da elaboração da Constituição, que partia do princípio de que a nossa Constituição era programática e que havia um órgão dirigente da sua aplicação, o Conselho da Revolução.
Nesse sentido e nessa perspectiva, é entendível a lógica da existência de um instituto como a inconstitucionalidade por omissão. Pois, havendo uma lógica de uma Constituição "dirigente", com um órgão responsável pela sua dinamização e aplicação, a inacção ou a omissão, obviamente, colocava problemas à aplicabilidade dessa Constituição "dirigente".
Contudo, não é essa a visão que, hoje em dia, após as revisões de 1982 e de 1989, subsiste relativamente ao nosso texto constitucional. O PSD não partilha dessa lógica, pois pensamos que, historicamente, ela deixou de ter substrato na própria Constituição com as revisões que foram feitas e com as alterações que, entretanto, foram sendo introduzidas no próprio texto constitucional. E também não é por acaso que historicamente este instituto nem sequer teve utilização. Salvo erro, nunca foi…
O Sr. José Magalhães (PS): - Já foi!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Já foi requerido?
O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não percebo esse "claro!"… Com toda a franqueza, não me recordo de nenhum caso concreto de inconstitucionalidade por omissão.
Em qualquer circunstância, uma vez que o PSD é a favor da eliminação deste instituto da Constituição, por maioria de razão, o alargamento da capacidade de iniciativa parece-nos perfeitamente escusado, para não dizer lírico, relativamente a um instituto desta natureza. Portanto, ganhando tempo, aproveitava para comentar, desde já, que quaisquer acrescentos à capacidade de iniciativa para este instituto não merecem o acolhimento do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, apenas para efeitos de informação, já houve três ou quatro processos de
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fiscalização de inconstitucionalidade por omissão, alguns com decisão positiva como aconteceu, por exemplo, com a lei da responsabilidade dos titulares de cargos políticos (a tal lei dos crimes de responsabilidade). Houve uma decisão do Tribunal Constitucional que julgou existir uma inconstitucionalidade por omissão pelo facto de essa norma constitucional, que obriga a existir uma lei de responsabilidade de titulares de cargos políticos,…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Quando foi isso, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não sei a data exacta, mas penso que foi durante o governo do qual o senhor foi membro…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, a lei é anterior, é de 1983!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, uma outra nota importante para compreender esta matéria é a seguinte: não é verdade que a inconstitucionalidade por omissão esteja dependente do carácter programático, ou não, das Constituições, antes tem a ver com a falta ou não de normas necessárias para executar as normas constitucionais, o que se prende, desde logo, com as normas de direitos fundamentais - há normas de direitos fundamentais que dependem de medidas legislativas. Se uma norma do direito fundamental prevê uma garantia ou prevê uma instituição, enquanto a lei não criar essa garantia ou essa instituição, há uma omissão constitucional. E esta situação nada tem a ver com a Constituição programática.
De resto, os casos em que houve inconstitucionalidade por omissão situavam-se exactamente nessa área, isto é, na falta de medidas constitucionais para executar concretas normas de garantia institucional ou de direitos fundamentais.
Na comemoração dos 10 anos da Constituição, o Prof. Freitas do Amaral publicou um artigo sobre a Constituição, no qual citava, à-vontade, uma boa dúzia de inconstitucionalidades por omissão só na área dos direitos fundamentais, e algumas delas persistem.
Srs. Deputados, estão à consideração as propostas de eliminação e de ampliação.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Felipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, pronunciamo-nos claramente contra a eliminação da possibilidade de declaração de inconstitucionalidade por omissão, por razões que estão já presentes neste debate.
Relativamente às propostas de ampliação da possibilidade de suscitar a inconstitucionalidade por omissão, somos favoráveis, por princípio, a que haja algum alargamento, mas a forma como está redigida a proposta do Partido Socialista merece uma objecção, dado que parece um tanto incoerente consagrar, por um lado, a exigência de um décimo dos Deputados à Assembleia da República e, por outro lado, a possibilidade de 5000 cidadãos o fazerem. Esta questão já foi, de alguma forma, referida anteriormente, mas a ideia que dá é que "exige-se num lado o 8 e noutro lado o 80", sem se prever o 20, 30 ou 40…. Isto é, para serem eleitos 23 Deputados do mesmo grupo parlamentar tal significa, nada menos, de 1 milhão de votos e, por outro lado, permite-se essa capacidade de iniciativa a um grupo de 5000 cidadãos.
O PCP está perfeitamente à-vontade, na medida em que não é difícil mobilizar os 5000 cidadãos. No entanto, parece um tanto desproporcionado prever num lado 23 Deputados e no outro lado 5000 cidadãos!
Portanto, sendo favoráveis a que haja um alargamento desta possibilidade, parece-nos que a proposta surge um tanto desequilibrada, na forma como é apresentada. Seria, provavelmente, mais razoável baixar este limiar de um décimo de Deputados, sem que tal signifique qualquer intenção de aperfeiçoar esta norma ao número de Deputados que o PCP actualmente tenha. A questão não é essa, porque os 5000 cidadãos estariam ao nosso alcance, seguramente.
O Sr. Presidente: - Considera que há vantagem em discutir o meio ou o âmbito, se a própria figura "alargamento" parece não ter receptividade?
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, isso é evidente. No entanto, de qualquer maneira, queria deixar registada esta objecção, quanto aos termos que estão formulado, manifestando, de igual modo, o nosso sentido globalmente favorável a que houvesse algum alargamento.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, de entre as propostas, há uma que me parece particularmente interessante, que é aquela que nos é trazida através de Os Verdes e do Prof. Jorge Miranda. Primeiro, porque é limitada à questão da garantia de direitos fundamentais e, segundo, porque é suscitado oficiosamente pelo tribunal. Salvo a devida diferença de opinião eventualmente divergente, penso que este caso é significativamente diferente dos outros casos de alargamento da inconstitucionalidade por omissão.
Portanto, atrevia-me a pedir uma consideração, em particular, desta proposta, já que as propostas de acção popular e de um décimo dos Deputados estão irremediavelmente prejudicadas pela posição e argumentação do PSD. Em todo o caso, gostaria de saber se essa argumentação do PSD prevalece contra a proposta de Os Verdes, não na forma de Os Verdes, mas na forma precisa do Prof. Jorge Miranda: "se em qualquer feito submetido a julgamento o tribunal não puder conferir tutela a qualquer direito fundamental por omissão de lei que torne exequível a correspondente norma constitucional, suscitará a questão perante o Tribunal Constitucional". Há limitação quanto ao âmbito e limitação a iniciativa oficiosa do próprio tribunal.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, o problema também é de ordem prática.
O Sr. Presidente tem razão, quando diz que, qualitativamente, o que aqui está em causa é diferente, mas também sabe que o PSD tem proposto, já por várias vezes, esta eliminação.
No fundo, como se refere o n.º 2 do artigo - e não é apresentada qualquer proposta de alteração por parte dos textos em análise -, a verificação da eventual existência de uma inconstitucionalidade por omissão não tem nenhuma
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cominação efectiva imediata; o Tribunal limita-se a dar conhecimento ao órgão legislativo. Portanto, tudo se continua a passar no plano da soberania política decisória do órgão Assembleia da República e, eventualmente, se a matéria em causa puder ser da competência do Governo, também do Governo, sendo certo que é sempre da Assembleia da República, porque esta tem competências concorrenciais…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, permita-me a seguinte pergunta: pensa sinceramente que se não tivesse havido a declaração de inconstitucionalidade por omissão no caso da definição de dados pessoais para efeitos de protecção contra a informática e no caso dos crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos as leis teriam sido produzidas, como o foram, no seguimento imediato dessa declaração de inconstitucionalidade? Atrevo-me a dizer que, se calhar, ainda estávamos com falta dessas leis!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, só teríamos falta dessas leis se elas não se impusessem à sociedade como necessárias. Digamos que o instrumento de recurso ao Tribunal Constitucional para declaração de inconstitucionalidade por omissão… Com toda a franqueza, há pouco, quando disse que não me lembrava de caso algum, disse-o porque não me lembrava mesmo. Não foi blague nem foi para dar força ao argumento que estava a expender.
E tal ilustra um pouco a resposta que dou à questão directa que o Sr. Presidente me colocou. Penso que quando é sentida uma necessidade política evidente de cobertura de um determinado tipo de direito e de salvaguarda de um certo tipo de situações na sociedade, essa necessidade impõe-se politicamente enquanto tal, seja através de um instrumento, como a declaração de inconstitucionalidade por omissão, seja através de qualquer outro tipo de manifestação popular, inclusive de movimentos de cidadãos, de movimentos cívicos.
Portanto, em resposta à questão que o Sr. Presidente me colocou, direi que as coisas seguem os caminhos que têm de seguir e, em cada momento, pelo menos numa sociedade aberta, democrática e livre como a nossa, acabarão sempre por encontrar formas de se impor quando são tidas como necessárias pela sociedade.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a intransigência do PSD é absoluta.
O Sr. José Magalhães (PS): - Nunca ouvi um elogio mais sincero e veemente da chamada "força normativa dos factos", cuja consequência é a dissolução da Constituição…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não foi isso que impôs o referendo da regionalização? Foi!
O Sr. José Magalhães (PS): - … e a inexistência de mecanismos para a sua salvaguarda.
Sr. Presidente, nesta matéria, permita-me que acrescente que a maior preocupação pode residir em algo que não equacionámos nas nossas propostas. Tentámos alargar o elenco das entidades com competência para desencadear os processos, mas não apresentámos nenhuma proposta em relação ao próprio alcance a dar ao artigo 283.º, na parte em que ele delimita as condições em que o Tribunal deve apreciar e verificar o não cumprimento da Constituição.
Como sabe, nesta matéria, a tendência que se veio a verificar foi para consolidar uma interpretação, segundo a qual o início do processo legislativo, a apresentação de iniciativas legislativas, em relação a um domínio em que se registe um omissão, é elemento bastante para se considerar que não há uma inconstitucionalidade por omissão. Tem vindo a ser essa a interpretação gerada e consolidada no órgão respectivo. E, obviamente, essa interpretação é, na minha leitura, redutora e diminui em muito o alcance do n.º 1 do artigo 283.º.
Quanto ao n.º 2 do artigo 283.º, os seus limites - que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, com algum sadismo político, enuncia -…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é sadismo mas, sim, pragmatismo!
O Sr. José Magalhães (PS): - … são o resultado de uma consideração compromissória, de que não podemos ter um governo de juízes e, portanto, não poderíamos ter um Tribunal Constitucional a substituir-se aos órgãos do Governo e aos órgãos legislativos. Não lhe cabe exercer uma função de substituição mas, sim, exercer uma função de accionamento de mecanismos de alerta, sem substituir o funcionamento normal e a vontade política dos órgãos, dentro de um jogo democrático compromissório, segundo o qual, se um órgão desrespeita esse aviso público (e, pressupõe-se, com impacto na opinião pública), pode ocorrer que, continuando a verificar-se uma inconstitucionalidade por omissão, venha a haver uma renovação desse juízo, com as consequências de crítica e de debate político que isso gera. Mas essa limitação, dentro de um quadro de separação de poderes, é natural.
Assim, nesta matéria, não creio que tenhamos razões para enterrar um instituto. Teremos, talvez, razões para em alguns casos revivificá-lo e vitalizá-lo. É esse o propósito da nossa proposta.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como a proposta de artigo 283.º-A (Inconstitucionalidade dos actos políticos), apresentada pelo PCP, já foi tratada a outro propósito e encontra-se prejudicada, vamos passar ao artigo 285.º, para o qual foi apresentada uma proposta pelo Sr. Deputado António Trindade e outra Deputada do PS, no sentido de acrescentar um novo n.º 3, com o seguinte teor: "Aberto o processo de revisão, as assembleia legislativas regionais poderão apresentar propostas de revisão sobre matérias específicas das regiões autónomas". No fundo, pretende-se estender a iniciativa, em matéria de revisão constitucional, às assembleia legislativas regionais sobre matérias específicas das regiões autónomas.
Pergunto se algum dos Srs. Deputados quer adoptar esta proposta para efeitos de discussão.
O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Não é necessário, porque os projectos já vêm aprovados pela assembleia legislativa regional…
O Sr. Presidente: - Os deputados da regiões autónomas, claramente, encarregam-se disso!
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Não havendo adopção desta proposta, vamos passar à proposta de Os Verdes de um artigo 285.º-A, no sentido da criação de um "debate público da revisão constitucional" como fase procedimental necessária.
Algum dos Srs. Deputados adopta esta proposta para efeitos de discussão?
Pausa.
O silêncio significa a não adopção destas propostas.
Srs. Deputados, passamos ao artigo 288.º, para o qual existem as seguintes propostas: uma proposta de eliminação, apresentada pelo Sr. Deputado Pedro Passos Coelho e outros Deputados do PSD; uma proposta de reconversão global, por parte do CDS-PP, que implica a eliminação de várias das alíneas e a alteração de todas elas em salvaguarda de princípios - assim, onde se prevê "separação das igrejas do Estado", passa a constar "princípio"; onde se lê "autonomia político-administrativa dos Açores e da Madeira", passa a ler-se "princípio"; onde se lê "autonomia das autarquias locais", passa a ler-se "princípio"-; o PSD também propõe a eliminação de várias alíneas, que elencarei já de seguida; por último, o Sr. Deputado Cláudio Monteiro e outros Deputados do PS propõem a eliminação de uma das alíneas, que já citarei, e a alteração da actual alínea h), que no projecto é a alínea g).
Vou propor à discussão todas as propostas em conjunto: as de eliminação, as de substituição e as de alteração por eliminação parcial.
No entanto, para clarificação das propostas de alteração, tenho a acrescentar o seguinte: a alínea b), na qual se prevê a "forma republicana do governo", é eliminada no projecto de revisão constitucional do CDS-PP, bem como a alínea e), pelo CDS-PP e pelo PSD, a f), pelo CDS-PP e pelo PSD; a g) pelo CDS-PP, pelo PSD e pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro e outros Deputados do PS.
São alteradas, ainda, as seguintes alíneas: a alínea d), pelo CDS-PP e pelo PSD; a alínea h), pelo CDS-PP, pelo PSD e pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro e outros Deputados do PS; a alínea i), pelo CDS-PP e pelo PSD; a alínea j), pelo PSD; e as alíneas n) e o), que são eliminadas pelo CDS-PP, acrescentando que, onde hoje consta a "autonomia", passaria a ler-se "princípio".
Srs. Deputados, no momento, creio que não haverá vantagem em discriminar estas propostas, pois o sentido delas é claro. Vou dar a palavra aos proponentes, mas peço-lhes que não se pronunciem ainda sobre as propostas alheias, ou seja, que apresentem e defendam apenas a proposta própria. No final, abrirei uma discussão conjunta de todas as propostas.
Não estando presente o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, que propõe a pura eliminação do artigo, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos, do CDS-PP, para apresentar a sua proposta e, se quiser, acrescentar algo ao que já referi.
O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a proposta de alteração do CDS-PP é recorrente de outras revisões constitucionais e consubstancia uma ideia de consolidar os limites materiais da revisão nos termos propostos, de um ponto de vista doutrinário e ideológico.
Nada mais tenho a acrescentar, visto que o Sr. Presidente já terá exposto as alterações propostas pelo CDS-PP nesta matéria.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, embora tenha seguido a explanação inicial de V. Ex.ª, permito-me interpretar autenticamente o projecto do PSD.
Genericamente, o PSD propõe a retirada das alíneas f) e g), por se tratarem de matérias que têm a ver com a parte económica da Constituição, pelo que não devem constar dos limites materiais de revisão. Com efeito, do ponto de vista do PSD, a parte da organização económica do Estado não é matéria que deva constar dos limites materiais de revisão.
Quanto à alínea l), a fiscalização de constitucionalidade lato sensu está incluída na parte que o PSD defende como limite material, isto é nos princípios gerais do Estado de direito democrático, princípios estes que englobam, necessariamente, a verificação da constitucionalidade das leis. E, portanto, o conteúdo útil da proposta do PSD, embora através de uma resistematização e nova redacção de todo o artigo, traduz-se na eliminação da parte que diz respeito à organização económica do Estado e da parte que diz respeito à fiscalização da constitucionalidade por omissão, na sequência do que acabámos de discutir e da posição já explicitada.
O Sr. Presidente: Sr. Deputado, suponho que foi por lapso que não citou, entre os pontos igualmente marcantes da proposta do PSD, a eliminação da alínea h), isto é, do sistema de representação proporcional.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, já tivemos essa discussão várias vezes, não só na presente revisão constitucional como na de 1989. E parece que o problema é externo ao PSD… A verdade é que o PSD tem do actual texto constitucional e da expressão "sistema de representação proporcional" uma leitura que, aparentemente, não é partilhada por alguns, nomeadamente pelo Partido Socialista e pelo Partido Comunista, que têm uma visão perfeitamente rígida do sistema de representação proporcional que está no texto constitucional, ou seja, em relação ao método de Hondt e por aí fora.
É apenas por essa diferença de opiniões, que já vem, pelo menos, desde a revisão de 1989, que o PSD opta por retirar esta expressão da Constituição, embora mantenha lá a "democracia representativa", que o PSD entende, como ficou bem claro ao discutir o artigo 116.º, sobre os princípios gerais do direito eleitoral, que é um dos princípios fundamentais do sistema de representação proporcional. Há, no entanto, e o Sr. Presidente chama bem a atenção para este facto, uma diferença de interpretação quanto a este conceito, que, todavia, não é de agora, não é desta revisão constitucional, porque já vem de outras.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, há democracias representativas sem representação proporcional!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): -Sim, por isso é que citei o artigo 116.º!
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O Sr. José Magalhães (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, dar-lhe-ei a palavra se apenas quiser pedir um esclarecimento; se é para fazer uma intervenção ou uma contestação, darei primeiro a palavra ao Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, de facto, queria fazer uma pergunta ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes. É típica e jurídico-regimentalmente uma pergunta!
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, ao fazer a apresentação da sua proposta, ladeou uma questão de filosofia de revisão constitucional, que é a de saber como se compatibilizam propostas de abolição de limites de revisão constitucional com as regras de elaboração de constituições em sede de revisão constitucional. Propor-se-ia fazer, nesse cenário, uma chamada "dupla revisão simultânea"? É que isso seria algo…, tendo em atenção a natureza das propostas do Sr. Deputado, que são propostas de eliminação drástica - não são apenas propostas que pretendem reescrever algo, mas, sim, reelaborar e amputar drasticamente…
O Sr. Presidente: - Qual é o pedido de esclarecimento, Sr. Deputado?
O Sr. José Magalhães (PS): - A primeira pergunta, repito, é saber como compatibiliza o Sr. Deputado esse procedimento com as regras apropriadas em sede de revisão constitucional.
A segunda pergunta prende-se com o seguinte: diz o Sr. Deputado que as leis de revisão, reescrevendo, não podem, mesmo no cenário do PSD, proceder a determinadas alterações, que V. Ex.ª qualificou como "pôr em causa".
Ora, o Sr. Deputado, face a uma interpretação do Sr. Presidente (que foi adiantando esta démarche clarificadora), sublinhou - até um pouco escandalizado - que quando alude a direitos fundamentais dos cidadãos está a incluir todas as matérias que se encontram hoje nas alíneas d), presumo eu, e talvez até e), sem esquecer a i)… - a alínea i) talvez já não! Depois, nos princípios do Estado de direito democrático e da democracia representativa, suponho que inclua o conteúdo da alínea i), talvez a alínea m), se bem que essa esteja autonomizada e, apesar de tudo, respeitada ou contemplada, e algumas outras alíneas. E eu gostava de saber quais são as que o Sr. Deputado verdadeiramente quer "chacinar" e deixar sem qualquer hipótese de serem reescritas.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, já respondi a essa questão na minha apresentação. São as alíneas f), g) e a parte relativa à fiscalização da constitucionalidade por omissão. Portanto, o PSD propõe a eliminação de duas alíneas e meia!
O Sr. José Magalhães (PS): - Nesse caso, verdadeiramente, o Sr. Deputado não amputa a alínea h)?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, de todo!
O Sr. José Magalhães (PS): - Inclui, engloba!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Embora, como o Sr. Presidente…
O Sr. José Magalhães (PS): - Mas então, se não amputa, para que é que escreve?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, acabei de o explicitar, antecipando-me a essa crítica, em resposta à pergunta que o Sr. Presidente anteriormente me dirigiu. O problema do sistema da representação proporcional não é de agora, é um problema recorrente…
O Sr. José Magalhães (PS): -É um almanaque histórico!
Risos.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, um almanaque histórico é a primeira parte da sua questão, porque V. Ex.ª sabe que já em 1989 o problema da dupla revisão se colocou. Eventualmente, nessa altura o Sr. Deputado fazia parte da minoria que estava contra a revisão constitucional, mas ela realizou-se! Também se retirou o carácter irreversível das nacionalizações e não veio daí mal ao mundo! A Constituição continua a existir e Portugal continua a ser um Estado de direito democrático passados 7 anos.
Portanto, aqui, a lógica do PSD é a mesma.
Quanto ao problema da representação proporcional, o Sr. Presidente já tinha colocado essa questão e a resposta que dei traduz a reflexão que o PSD fez sobre o assunto quando discutiu esse artigo. De facto, desde 1989 (e o Sr. Deputado José Magalhães deve estar recordado disso), defendemos que é possível fazer - esta é a questão nuclear que o PSD coloca - a revisão do sistema eleitoral para as autarquias locais, mantendo o respeito constitucional pelo sistema da representação proporcional. Temos, no entanto, a consciência de que não somos acompanhados, entre outros, pelo Partido Socialista nesta leitura e neste entendimento. E como essa é uma discussão recorrente, que já vem de trás, pelo menos desde 1989, o PSD opta por retirar este conceito que tanta polémica interpretativa tem dado.
Todavia, para nós, os princípios do Estado de direito e da democracia representativa podem continuar a englobar uma lógica, quer de um sistema proporcional quer de um sistema maioritário, porque, na nossa opinião, não deixa de haver Estado de direito democrático e democracia representativa ainda que o sistema passe a ser maioritário. No entanto, como resultou claro da discussão que travámos nesta revisão constitucional a respeito do texto que propomos para o artigo 116.º, continuamos a perfilhar como regra geral do direito eleitoral o sistema da representação proporcional. Isso é evidente! Mas, para nós, não há confusão entre as duas coisas.
Esta é a nossa posição e, ainda por cima, os senhores conhecem-na há muito tempo. Com franqueza, só para tomar o tempo desta Comissão é que o Sr. Deputado me pede esta explicitação, porque esta não é uma questão nova, já existe desde 1989!
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro, que propõe a eliminação da alínea g) e a alteração das actuais alíneas h) e l).
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, sou daqueles que perfilham uma ideia segundo a qual o conteúdo material essencial da Constituição está protegido contra qualquer revisão pelo simples facto de pensar que qualquer revisão que vá para além dele não será, seguramente, uma mera revisão, mas mais do que isso. Portanto, o facto de alguns dos limites estarem ou não explicitados no artigo 288.º é mais ou menos irrelevante nesta perspectiva fundamentalmente teórica. Assim sendo, o projecto que subscrevo evitou a tentação de reescrever o artigo 288.º ou de eliminar aquilo que é, por natureza, limite, esteja aqui ou não.
É nessa perspectiva que as únicas três propostas que são apresentadas visam eliminar aqueles limites excedentários, por assim dizer, ou seja, aqueles que não consideramos limites implícitos de revisão constitucional por não caracterizarem o conteúdo material essencial da Constituição, constituindo, antes, um elemento de rigidez, porventura desnecessário no actual sistema constitucional.
Tal prende-se fundamentalmente, por ordem inversa da sequência lógica, com a eliminação do limite material referente à fiscalização da constitucionalidade por omissão. Confesso não ter uma posição fechada sobre a matéria, mas tenho, de facto, dúvidas de que ela seja necessária. Em qualquer caso, não tenho dúvidas nenhumas de que essa eliminação não se pode fazer nesta revisão constitucional, tendo em conta a existência do limite material, e não tenho qualquer dúvida em considerar que o que é essencial à Constituição material é a garantia de existência de um sistema de fiscalização da constitucionalidade das normas, mas não necessariamente de um sistema de fiscalização por omissão.
No que se refere ao problema do sistema de representação proporcional, ou seja, à alínea h), pelas mesmas razões que já tinha exposto aquando da discussão do artigo 116.º, entendo que a Constituição é infeliz ao utilizar a expressão "sistema de representação proporcional", porque, ao fazer apelo ao método de conversão dos votos em mandatos, não faz apelo ao resultado que é garantido pelo princípio da proporcionalidade e não pelo sistema de representação proporcional, dado que há sistemas de representação não proporcional que são mais proporcionais do que alguns sistemas de representação proporcional. Veja-se, por exemplo, o caso de Espanha e veja-se o caso português!
Em qualquer caso, entendemos que não é essencial à caracterização da Constituição material a garantia de um sistema de representação proporcional. Sem prejuízo de, a título pessoal, perfilhar uma opinião que hoje é mais favorável à representação proporcional do que, porventura, já foi noutras alturas, não penso que esse elemento de rigidez deva ser estabelecido e não entendo que, sendo dispensável ou não sendo essencial à caracterização da Constituição material, ele deva aqui constar e deva resultar do acordo ou do consenso a que se chegar na revisão das normas protegidas e não na norma de garantia.
Quanto ao problema da planificação económica, passada a revisão de 1989, julgo também que este já não é, seguramente, um elemento caracterizador da Constituição material, pelo menos no seu núcleo essencial. Tenho, de facto, dúvidas sobre a constitucionalidade da revisão feita em 1989, porque julgo que se fez uma dupla revisão simultânea da Constituição com ruptura dos limites materiais então estabelecidos. Na verdade, parece-me que esta é a posição correcta, do ponto de vista técnico, quanto à interpretação do que se fez em 1989, sem prejuízo de, porventura, concordar com o resultado a que se chegou.
No entanto, também tenho consciência de que um precedente de facto não justifica uma regra de direito e, consequentemente, isso significa que a alteração ao artigo 288.º deve ter sobretudo a perspectiva de flexibilizar a Constituição, de forma a que, em futuras revisões, matérias que não constituam a essência da Constituição material possam ser alteradas nesse sentido que vá ao encontro dos consensos que então forem possíveis de obter. É nessa perspectiva que não há uma tentativa de revisão global do artigo 288.º e muito menos uma tentativa de rever o artigo 288.º para legitimar alterações que, entretanto, se propuseram nas normas protegidas ou nas normas garantidas no texto constitucional.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão à discussão as propostas de revisão do artigo 288.º.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, creio, em primeiro lugar - e com isto refiro-me à proposta do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho e outros, no sentido da eliminação dos limites materiais -, que a questão da existência de limites materiais, da sua legitimidade, não pode seriamente ser posta em causa. Ela tem toda a tradição, quer na história constitucional dos outros países, quer, inclusivamente, na própria história constitucional portuguesa. Como tal, o facto de uma Constituição definir limites de vários tipos e limites materiais à sua própria revisão é algo que tem a seu favor imensas experiências históricas e não é de estranhar que a Constituição portuguesa também o tenha feito.
Todavia, a questão é a de saber que valor se deve reconhecer a esses limites, sobretudo quando o PSD acaba por fazer uma proposta que nega a própria norma, isto é, quando, ao mesmo tempo que propõe aqui a eliminação de determinados aspectos que estão consagrados no artigo 288.º, lá atrás já foi propondo a eliminação das normas que estão sob protecção do artigo 288.º. Inclusivamente, acabámos de discutir uma matéria onde profusamente existem propostas dessa natureza.
Vejamos: acabámos de discutir a proposta do PSD de eliminação da fiscalização da inconstitucionalidade por omissão, discutimos mais atrás a proposta do PSD de eliminação da fiscalização preventiva da inconstitucionalidade…
O Sr. Presidente: - Essa não consta deste elenco!
O Sr. António Filipe (PCP): - Numa das alínea do artigo 288.º faz-se referência à fiscalização da inconstitucionalidade por acção ou por omissão de normas jurídicas…
O Sr. Presidente: - Mas não está garantida a fiscalização preventiva!
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O Sr. António Filipe (PCP): - Enfim, creio que isso é discutível. Mas, de qualquer forma, é inquestionável que a inconstitucionalidade por omissão está aqui taxativamente prevista…
O Sr. Presidente: - É claro!
O Sr. António Filipe (PCP): - ... e, portanto, relativamente a essa não há discussão possível!
O Sr. Presidente: - É óbvio! Seria inconstitucional eliminar nesta revisão a inconstitucionalidade por omissão.
O Sr. António Filipe (PCP): - Mas há ainda, Sr. Presidente e Srs. Deputados, outras normas e alíneas cuja supressão o PSD propõe no artigo 288.º, sendo certo que também já se encarregou de, no local adequado, propor a supressão das normas que estão sob protecção. Sabemos, portanto, que o PSD nunca se conformou com aspectos essenciais da Constituição material e que, ao longo dos últimos anos, tem alimentado sucessivas querelas.
Por outro lado, o facto de determinados aspectos da Constituição estarem salvaguardados num artigo que se refere precisamente aos limites materiais de revisão é algo que tem contado, desde sempre, com a oposição do PSD e do PP, que mais uma vez propõem que sejam reescritos os limites materiais da revisão. Mas o nosso ponto de vista é que estes limites não são revisíveis nem reescrevíveis, como pretendem fazer o PSD e o PP. Cremos que, a não ser assim, está a negar-se a própria natureza desta norma, pretendendo com isto ir para além do que a própria Constituição permite quanto à sua revisão, e, por outro lado, estará a negar-se a própria natureza desta norma, pretendendo com isto, por um lado, ir para além daquilo que a própria Constituição permite quanto à sua revisão e, por outro lado, negar-se a própria existência e legitimidade de uma norma como esta, que estabelece limites materiais de revisão.
Claramente, manifestamos a nossa oposição em relação a quaisquer propostas que sejam feitas no sentido de rescrever os limites materiais e de procurar, também por esta forma, legitimar a alteração profunda de aspectos que estão de forma clara salvaguardados.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quanto às iniciativas dos cidadãos, há uma proposta de alteração do Sr. Isaias Araújo de Sousa para a alínea h), relativamente ao sistema da representação proporcional, e ainda uma proposta dos cidadãos que fizeram a petição sobre a forma republicana do Governo. Portanto, são duas propostas.
O Sr. Deputado Barbosa de Melo tem razão em relembrar essa proposta que veio a posteriori, que foi supervenientemente trazida à Comissão.
O Sr. José Magalhães (PS): - A petição já foi discutida no Plenário.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, para além da apresentação que fiz das propostas, aproveitando também para comentar alguma das restantes, chamo agora a atenção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, a propósito do problema da eliminação da alínea e), referente aos "direitos dos trabalhadores, das comissões de trabalhadores e das associações sindicais". Sem fazer nenhum juízo de valor sobre a bondade ou a maldade da alteração, é óbvio que a alínea e) não pode ser integralmente subsumida na alínea d), pela simples circunstância de que há direitos dos trabalhadores consignados na Constituição (não me lembro se no título II, se no capítulo II) que são direitos económicos e sociais e que não estão abrangidos pelos direitos, liberdades e garantias.
Portanto, sem prejuízo do juízo de valor sobre a decisão política de propor essa eliminação, gostaria que ficasse claro, para esta discussão, que ela não é totalmente inocente neste sentido, porque há efectivamente direitos dos trabalhadores que não direitos, liberdades e garantias.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Cláudio Monteiro, salvo o devido respeito, penso que o PSD, por engano, ampliou a norma. Hoje, onde a alínea d) garante os direitos, liberdades e garantia dos cidadãos e a alínea e) os direitos dos trabalhadores e das comissões dos trabalhadores, o PSD propõe que passe a constar "direitos fundamentais dos cidadãos"!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E o direito à saúde, o direito à educação, o direito à alimentação, que não estão previstos! Foi intencional! Já tinha chamado a atenção para esse aspecto e o Sr. Deputado José Magalhães já tinha colocado essa questão.
O Sr. José Magalhães (PS): - Tinha, porque nem acreditava no que os meus olhos viam! Portanto, queria uma confirmação expressis verbis.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, parece que, quanto à eliminação da fiscalização da constitucionalidade por omissão, aparentemente não há abertura por parte do Partido Socialista.
No entanto, no que diz respeito à parte económica, uma vez que ficou no ar, na discussão que travámos, a perspectiva de poder haver alguma reformulação do texto da Constituição sobre esta matéria, parece-me evidente que na reformulação deste artigo deveremos, pelo menos, deixar para ponderação o que for tido por aceite maioritariamente, de acordo com os procedimentos de revisão. De facto, o que não pode acontecer é alterarmos os mecanismos de planificação económica lá atrás e, depois, manter aqui…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, creio que está a ir por um caminho perigosíssimo.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, foi o que se fez em 1989!
O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado me está a dizer que as propostas que apresentaram em matéria de Constituição económica estão dependentes da alteração este artigo, então, dir-lhe-ei já que o PS, seguramente, não vai poder dar o acordo a essas propostas anteriores. As alterações
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ao artigo 288.º, se existirem, valerão para o futuro. Sobre isso, penso que não pode haver qualquer expectativa pelo lado do PSD.
Portanto, é melhor fazer outra interpretação das suas próprias propostas relativamente a artigos anteriores.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A expectativa não é do PSD, mas dos portugueses, Sr. Presidente!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Felipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, quero apenas registar, como observação, que esta sugestão metodológica que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes acaba de fazer é de uma desfaçatez muito clara relativamente aos objectivos do PSD de rever a parte económica da Constituição de uma forma manifestamente inconstitucional face ao artigo 288.º.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Felipe, peço-lhe, tal como já fiz várias vezes em relação ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes, que não utilize as palavras desnecessariamente fortes.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, a palavra "desfaçatez" não é assim tão forte como isso! Pelo menos, os visados não se importaram com ela.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Felipe, prossiga, por favor.
O Sr. António Filipe (PCP): - Penso que a realidade é mais violenta em relação à Constituição do que o termo que empreguei relativamente aos proponentes. No entanto, quero deixar claro que esta intervenção do Sr. Deputado revela, efectivamente - e não adjectivando -, o propósito do PSD de rever a Constituição por uma forma que é, inquestionavelmente, inconstitucional.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Se me permite a interrupção, não penso que o Prof. Jorge Miranda, alguma vez, entendeu que teria havido uma ruptura não revolucionária na revisão constitucional de 1989. De facto, tal foi negado, veementemente, pelo PSD e, em particular, pelo Presidente da Comissão para a Revisão Constitucional, o Dr. Rui Machete.
O Prof. Jorge Miranda ainda admitia que, de acordo com uma determinada interpretação, se poderia considerar, que a revisão constitucional de 1989 tinha estado no limite do limite da revisão constitucional.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O PSD não fez essa revisão sozinho!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, permite-me um aparte?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Barbosa de Melo, mas peço-lhe que seja breve.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, foi a segunda vez que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro referiu - e, agora, com a autoridade do Sr. Presidente, que também veio reforçar essa ideia - que, entretanto, vivemos numa manifesta inconstitucionalidade.
O Sr. Presidente: - Não, disse o contrário!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, se em 1989 houve violação da Constituição na sua revisão e ela foi inconstitucional, estamos a viver num Estado que começa por ter uma Constituição viciada.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tenho de o contrariar, pois defendi, exactamente, o contrário.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Mas não foi o que disse o Sr. Deputado Cláudio Monteiro?
O Sr. Presidente: - Sim, mas ele representa uma opinião individual, até agora francamente minoritária.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - O meu aparte era, fundamentalmente, para ele.
O Sr. Presidente: - A minha opinião é, totalmente, diversa!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Na minha opinião, foi isso que se passou! No entanto, a questão fundamental é outra.
Há regras formais de revisão constitucional, mas esta não é uma delas. Esta é uma regra material, o que significa que, obviamente, a revisão constitucional, no plano formal, se processou regularmente, o que não implica que não tenham, porventura, sido violados os limites de revisão constitucional tal como eles, então, estavam estabelecidos.
E quais são, nesse caso, as consequências jurídicas? São as conhecidas. A revisão, como sabem, não é susceptível de fiscalização preventiva, mas é susceptível de fiscalização a posteriori. Ninguém suscitou a questão, mas ela poderia ter sido suscitada, e ainda pode! Nesse sentido, essa questão, se quiser, estará permanentemente em aberto.
Se me perguntar se considero que isso é especialmente grave, respondo-lhe que não, porque, do ponto de vista político (também já o disse), concordei com o resultado que foi alcançado, embora rejeitando - quanto mais não seja por coerência técnica ou doutrinaria - a forma que foi utilizada para alcançar esse resultado. Não estamos livres de, no futuro e porventura nesta mesma revisão constitucional, voltar a fazer o mesmo. Aliás, já há interpretações segundo as quais algumas das propostas que estão em discussão pressupõem a violação dos limites materiais de revisão constitucional. Não nas minhas palavras, mas nas do Sr. Deputado Luís Marques Guedes que, invocando o precedente como sendo justificativo suficiente, entende que não há problema algum em voltar a rever-se simultaneamente o limite e a norma garantida pelo limite, porque já foi o mesmo que se fez em 1989. Portanto, são duas questões, apesar de tudo, diferentes.
Tanto é assim que as propostas que subscrevo de revisão…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de terminar, porque está a responder a um aparte.
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O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Mas não está mais nenhum Sr. Deputado inscrito.
O Sr. Presidente: - Está inscrito o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Então, dou por terminada a minha resposta.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, queria fazer apenas duas observações.
Quanto à história, ela está feita e escrita. Não tenho nem o mérito nem o demérito de ter feito outra coisa senão o que fiz; o que também está dito e escrito. Tive ocasião de, no primeiro opúsculo que sobre a matéria foi publicado depois dessa revisão, analisar as condições da dita quanto aos limites materiais de revisão. Citou uma obra que, depois dessa, de forma muito qualificada, examinou e resolveu num sentido ao qual aderi.
No entanto, não estabeleçamos um paralelo entre esse evento da nossa história constitucional e a verdadeira hecatombe proposta pelo PSD nesta sede. Hecatombe, apesar de tudo, agora, na reinterpretação feita pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes, mitigada por uma ampliação considerável dos limites materiais de revisão, em matéria de direitos fundamentais.
Devo dizer que, exprimindo uma posição em relação à ampliação dos limites materiais de revisão, não vejo nenhum inconveniente, desde que essa ampliação não fosse uma diluição. Voilá! E não nos enganemos quanto às palavras, não estamos senão a fazer hermenêutica jurídica constitucional rigorosa: ampliação é ampliação e diluição é diluição, ou seja, é diminuição da densidade da precisão do rigor constitucional e dúvida sobre o universo abrangido. E isso não seria uma benfeitoria, seguramente.
Portanto, suponho que a defesa feita pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes em relação a esta proposta do PSD não é apenas um artifício de esgrima oratória, mas não resiste bem à hermenêutica jurídica rigorosa e, verdadeiramente, acarretaria uma diluição não virtuosa. Esta é a minha primeira observação.
A segunda observação diz respeito às outras componentes da proposta do PSD, as verdadeiramente "amputatórias", que têm, obviamente, um alcance grave. E mais grave ainda é que o Sr. Deputado adiante que a articulação entre essas propostas e as feitas em sede de constituição económica é "perfeita" e visa obter um resultado que seria frontalmente oposto às formas de regular a revisão da Constituição.
Devo dizer que não interpretei assim a discussão que fizemos, em sede de constituição económica e social, e o compromisso que se enunciou nessa sede, de não ter uma posição fixista e, menos ainda, literalista, ou seja, de sacralização da letra da Constituição nos seus enunciados em alguns desses domínios, não tem acoplado um compromisso, uma intenção uma co-assunção da responsabilidade histórica de eliminar, de raiz, totalmente e no contexto que já foi analisado, limites materiais de revisão de particular significado.
Suponho que, quanto a esse ponto, não é bom que sobejem dúvidas, pelo que o debate é, nesse sentido, bastante útil, nem que seja para clarificação unilateral, que fica feita.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, gostaria de salientar apenas duas notas.
A primeira é uma questão histórica: a de saber se a revisão de 1989 violou ou não em alguma parte os limites materiais. Já referi oralmente (num texto que, aliás, está para ser escrito), na sessão comemorativa do 20.º aniversário da Constituição, que defendo uma interpretação harmonizadora da revisão de 1989 com limites materiais então existentes. Portanto, sou bastante menos fundamentalista.
Quanto ao artigo 288.º, o Sr. Deputado Cláudio Monteiro admite uma interpretação conciliadora, pelo que estamos de acordo.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Curiosamente, quem não a admite é o actual jurista do Presidente da República!
O Sr. Presidente: * Mas eu defendi-a num prefácio que fiz para uma obra do Sr. Deputado José Magalhães e reafirmei-o recentemente num texto, numa comunicação pública. Para mim, este problema não existe porque não existe nenhum precedente, mas, mesmo que existisse um precedente, era um precedente de inconstitucionalidade que não devia ser repetido, como é óbvio. Isso para mim é adquirido.
Quanto ao alcance das normas, há uma do PSD que, a meu ver, está a ser mal interpretada, porque dizem que a expressão "direitos fundamentais" dos cidadãos é mais abrangente do que aquilo que dizem as actuais alíneas d) e e). É mais por um lado, mas é menos por outro. É mais na parte em que abrange todos os direitos dos cidadãos, inclusive os direitos sociais, mas é menos na medida em que elimina os direitos das organizações dos trabalhadores, porque os direitos das organizações, dos sindicatos ou das comissões não são, tecnicamente, direitos dos cidadãos, são direitos das organizações. Se calhar, só é mais para ser menos, e, portanto, só por isso é que teve de ser mais.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Presidente, tenho estado atento à discussão, aliás, interessantíssima, mas não deixo de ficar, em certo sentido, um tanto surpreendido pelo tom geral desta discussão. No fundo, está aqui subjacente, em muitas intervenções, a ideia de que nós, neste artigo 288.º, que define os limites materiais da revisão, temos uma norma material, porque este conjunto de alíneas são outras tantas normas materiais que não podem ser modificadas. Ora, parece-me que, mais do que sacralizarmos, sacramentalizamos este texto.
O que sempre se pensou fazer, desde a Constituinte - não falo do que se escreveu a este respeito, mas do que esteve na sua origem histórica -, foi criar um elenco das características típicas do nosso Estado democrático que nunca poderiam se postas em causa. O sistema de representação proporcional faz parte destas características típicas? Não faz! Não faz parte destas características que não
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podem ser mudadas sob pena de se mudar a democracia que temos! É compaginável com a ideia da democracia vigente na Constituição que se modifique o sistema proporcional e muitas outras matérias do que está aqui enunciado? A lógica do PSD foi apenas a de lembrar que isto deve se englobado numa fórmula geral que respeite exactamente aqueles princípios caracterológicos do nosso Estado.
Os direitos das comissões de trabalhadores e dos sindicatos, os direitos deles enquanto organizações e não enquanto direitos individuais, são necessários, são elementos essentialia do Estado democrático que temos? Devem ser considerados assim? Eis a questão que nós entendemos que não, e essa é a razão pela qual fizemos uma espécie de rearranjo deste tema, por forma a deixar aqui o que é característico da nossa Constituição. Mesmo assim, o texto ainda fica muito mais longo do que o artigo 79.º da Grundgesetz, da lei alemã…
O que está aqui em causa é a essência deste regime democrático e não as soluções materiais, os artigos que estão para trás, nos sítios próprios. Esses permanecem e necessitam de uma maioria de dois terços para serem mudados, hoje como sempre. Portanto, o problema não é esse.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Sr. Presidente, Sr. Deputado Barbosa de Melo, concordo com o que V. Ex.ª disse e, aliás, estou imune a grande parte das suas críticas porque fui daqueles que…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Não critiquei ninguém!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Referia-me às suas críticas abstractas, Sr. Deputado. De qualquer modo, dizia que estava imune a essas críticas porque fui daqueles que até propus alterações à redacção dos preceitos, embora tivesse utilizado uma técnica diferente daquela que foi seguida pelo PSD.
Seja como for, não penso que estes artigos tenham em si mesmo conteúdo material, mas constituem limites ao conteúdo material de outros, que são os artigos protegidos.
No caso concreto que citou, a crítica que teceu, em certa medida, vira-se contra a sua argumentação, e explico-lhe porquê. Quando me diz que os direitos das comissões de trabalhadores e das associações sindicais podem não ser caracterizadores da essência da nossa democracia e da nossa Constituição em sentido material, eu até admito que possa ter uma certa razão se estiver a pensar nos direitos que estavam consagrados até hoje na Constituição. O facto de se ter estabelecido como limite que eles devem ter direitos e que esses direitos devem ser garantidos não significa, por uma interpretação do artigo 288.º, que os direitos tenham de ser aqueles que lá estão.
Eu próprio não propus nenhuma alteração à redacção deste artigo e, no entanto, propus alterações ao texto constitucional que ampliavam os direitos das comissões de trabalhadores e limitavam os direitos das associações sindicais, por exemplo. E, portanto, reconfigurava o conteúdo desses direitos sem considerar que em alguma medida essa reconfiguração violava o artigo 288.º.
Como tal, a circunstância de estar aqui estabelecido este limite não significa necessariamente que o conteúdo protegido seja o conteúdo actual dos preceitos. Tudo depende do grau de especificação do próprio artigo 288.º, razão pela qual a resposta já não é a mesma quando se fala da fiscalização por omissão ou quando se fala da fiscalização preventiva, porque precisamente, garantindo-se a fiscalização por acção, ela não significa necessariamente fiscalização preventiva. Na verdade, a fiscalização por acção pode significar fiscalização sucessiva abstracta ou concreta, enquanto que quando se fala de fiscalização da inconstitucionalidade por omissão, dado que só há um tipo conhecido de fiscalização por omissão, isso necessariamente cristaliza o conteúdo do artigo 283.º. É por isso que entendo que é desnecessário ir a esse nível de protecção e que se deve eliminar essa restrição, sendo certo que penso que ela só vale para futuro e, por essa mesma razão, não proponho que, simultaneamente, se elimine o conteúdo do artigo 283.º.
Agora, o que V. Ex.ª diz revela que também entende que o conteúdo essencial, o conteúdo material da Constituição, está protegido por uma revisão, independentemente de alguns destes limites estarem aqui explicitados ou não. Até vou mais longe! Eu, por exemplo, sou favorável à possibilidade de existir um referendo sobre a forma republicana do Governo. Sou pessoalmente favorável! Mas simultaneamente também entendo que se admitíssemos esse referendo e se ele tivesse, porventura, um resultado que não fosse o de manter a forma republicana do Governo, seguramente já não teríamos esta Constituição, mas, sim, outra qualquer e, portanto, teríamos de mudar de Constituição, ainda que essa ruptura fosse feita pacificamente.
Isto para dizer-lhe, Sr. Deputado Barbosa de Melo, que uma coisa é o entendimento que se tem sobre o que constitui o limite da revisão constitucional, outra coisa é o entendimento que se tem sobre o conteúdo que deve ter a Constituição. Tal significa que há limites que temos de aceitar como implícitos, quer eles estejam escritos quer não, e, portanto, nessa perspectiva, é escusado eliminar alguns deles, porque essa operação não vai fazer desaparecer o limite. De facto, qualquer revisão que vá para além disso, alterando o próprio conteúdo das normas protegidas, seguramente é muito mais do que uma revisão, é a elaboração de uma nova Constituição, ainda que isso se faça de forma pacífica e, eventualmente, até seguindo a forma prescrita no texto constitucional para a revisão constitucional.
Portanto, é nessa perspectiva que julgo que também não se deve ter do artigo 288.º essa visão de "demónio", de constrangimento absoluto, porque, em última análise, não há nada que no plano do facto, no plano político impeça que se possa fazer amanhã uma nova Constituição se, porventura, for suficientemente pacífico e suficientemente consensual ao ponto de permitir ultrapassar esta Constituição e avançar para uma Constituição nova.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Não! Estou a passar do jurídico para o político, dizendo que no plano de facto…
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O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Mas isso é evidente! A Constituição não prevê nem pode evitar que tal aconteça, mas este artigo visa impedir estas transrelações paulatinas. É evidente, contudo, que não há nenhum artigo escrito que limite uma manifestação do poder originário dos cidadãos portugueses dizendo qual é a Constituição que querem.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Evidente!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Mas a fixação destes limites quer evitar que, dentro das formas previstas na Constituição, haja um "deslizamento" que perverta a configuração que esta Constituição dá ao Estado português.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Presidente, inscrevi-me na sequência da intervenção do Sr. Deputado Barbosa de Melo por também entender que a primeira parte da intervenção do Sr. Deputado não legitima a conclusão retirada na parte final da sua intervenção. Isto é, creio que o Sr. Deputado definiu bem o que é que os constituintes entenderam quando elaboraram e aprovaram este artigo sobre os limites materiais da revisão constitucional, que era precisamente erigirem o que consideravam ser o núcleo essencial da Constituição e os traços identificadores essenciais do regime que se consagrava, e foi por isso mesmo que os constituintes, sabendo o que estavam a fazer, definiram este elenco de limites materiais e não outros. Como tal, daí não retiro a conclusão que o Sr. Deputado retirou, mas a contrária, ou seja, a de que, tendo os constituintes perfeita consciência do que estavam a fazer, eles definiram estes limites materiais como o núcleo essencial da Constituição que não devia ser revisto e é por isso que nós nos opomos à proposta do PSD de reescrever estes limites materiais.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Exactamente como se opuseram quando se visou eliminar a proibição da desnacionalização. É normal!
O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Deputado, a nossa posição também foi clara a esse respeito!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * E continua a ser clara, portanto!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * É evidente que a Constituição de 1976 não é a Constituição de 1992! É outra!
O Sr. Presidente: * Defendo o contrário, Sr. Deputado Cláudio Monteiro, mas não creio que tenhamos alguma vantagem em prosseguir esta discussão.
Tomadas as posições, concluo que não existe, para já, acolhimento das propostas de alteração ao artigo 288.º.
Em todo o caso, o Partido Socialista não se pronunciou explicitamente sobre cada uma das propostas, embora se tenha pronunciado em geral contra uma descaracterização do artigo 288.º. Como devo interpretar essa posição, Sr. Deputado José Magalhães?
O Sr. José Magalhães (PS): * Exactamente assim, Sr. Presidente!
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 289.º, para o qual foi apresentada uma proposta pelo PSD, para acrescentar que não pode haver actos de revisão constitucional em caso de declaração de guerra.
Srs. Deputados, torna-se necessário explicitar esta proposta, que introduz um conceito novo nesta área, mas não na Constituição, uma vez que havendo uma previsão semelhante no artigo 138.º, não existe um "estado de guerra" na Constituição. Peço-lhes que esclareçam o vosso texto.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente e Srs. Deputados, independentemente da redacção que for consagrada em termos definitivos, o conteúdo útil da proposta do PSD é o da constatação de que a actual previsão de estado de sítio ou de estado de emergência não cobre a totalidade das situações deste tipo, das quais a mais gravosa parece ser a da situação de guerra, situação em que o Estado português se veja envolvido por uma declaração de guerra, quer da sua parte quer da parte de outro Estado.
Repito, independentemente de ser esta a formulação exacta ou não, o objectivo era apenas este, Sr. Presidente, ou seja, o de constatar que o conteúdo útil deste artigo aponta para uma determinada situação de excepcionalidade na qual não deve haver, por razões óbvias, actos de revisão constitucional. A situação de guerra é uma situação que, no juízo que o PSD fez, não resultava coberta pelo estado de sítio e pelo estado de emergência, por isso lhe acrescentámos a situação de guerra.
O Sr. Presidente: * Portanto, a ideia do PSD é a de que pode haver declaração de guerra sem estar necessariamente ligada a uma declaração de estado de sítio ou estado de emergência.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * O estado de sítio e o estado de emergência têm uma densificação legal própria que obedece a requisitos que não têm que ver com a declaração de guerra.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, está à discussão a proposta do PSD.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada Maria Carrilho.
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): Sr. Presidente e Srs. Deputados, esta é, como sempre, a preocupação do Sr. Deputado Marques Guedes e a fundamentação por parte do PSD.
No entanto, uma situação de guerra é, desde logo, uma situação de emergência. E agora é que percebo por que é que o Sr. Deputado do PSD, quando fala do serviço militar, refere que, em situação de guerra, as autoridades competentes do Estado têm a capacidade de mobilizar a população, independentemente do sistema de recrutamento para o dito serviço militar. Ou seja, o PSD considera que pode haver uma situação de guerra sem que haja um estado de emergência ou um estado de excepção.
Esta é, de facto, uma questão jurídica, e não creio que possamos resolvê-la assim, neste artigo. Teria de haver
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mais alguma disposição na Constituição que especificasse e esclarecesse o que é a situação de guerra, por parte de quem,…
O Sr. Presidente: Sr.ª Deputada, o PSD não propõe falar em situação de guerra mas, sim, em declaração de guerra. Isso aponta, necessariamente, para o artigo 138.º e exige uma declaração formal de guerra da parte do Chefe de Estado da República Portuguesa.
Não me parece que as situações sejam idênticas: uma coisa é a declaração de guerra, que é um acto formal, pelo que há uma pendência formal de estado de guerra, isto é, de conflito declarado; e outra coisa é uma situação de guerra, que pode existir sem declaração.
Portanto, o PSD aponta, claramente, para a situação formal.
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): Essa é a minha dúvida, Sr. Presidente: pode haver uma declaração de guerra sem a declaração de estado de emergência?
O Sr. Presidente: Sr.ª Deputada, foi esse o problema que levantei, mas penso que é, claramente, pensável. Se Portugal, no âmbito da NATO, declarar a guerra, por exemplo, no Listão…
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): Fica tudo em emergência!
O Sr. Presidente: … não tem de declarar o estado de emergência em Portugal.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, posso explicitar melhor a questão que me é colocada pela Sr.ª Deputada.
No fundo, Sr.ª Deputada, a lógica é a seguinte: é evidente que numa situação de declaração de guerra se cria um clima próprio no País que não é, do nosso ponto de vista, democraticamente favorável a uma alteração legítima dos preceitos constitucionais, porque haverá uma tendência natural do cidadão, do soberano povo, para aceitar tacitamente - desde que lhe seja enquadrado com o objectivo que tem que ver com a declaração de guerra - determinado tipo de coisas que, noutras circunstâncias, não aceitaria.
Também é verdade que - como resulta, de resto, de uma leitura cuidada e pausada do n.º 2 do artigo 19.º - o estado de emergência e o estado de sítio (como o Sr. Presidente acabou de dizer, e bem) podem ou não ocorrer na eminência de um ataque de forças estrangeiras, mas a declaração de guerra não é só isso! A declaração de guerra pode ser, até, longínqua, e Deus queira que, se alguma vez Portugal vier a estar envolvido numa guerra e sejam essas as circunstâncias, seja num cenário longínquo relativamente ao território nacional, não se justificando minimamente…
O Sr. Presidente: A nossa Constituição só permite a declaração de guerra em caso de agressão efectiva ou eminente ao território português. Tenha calma, Sr. Deputado!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, não é tão líquido assim, por causa dos tratados…
Para concluir, em qualquer circunstância, a declaração de estado de sítio ou de estado de emergência - porque existe legislação sobre essas situações - não tem como requisito automático e necessário a situação de declaração de guerra. Portanto, foi esse apenas o nosso objectivo e nada mais.
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): A questão é mais a inversa…
O Sr. Presidente: Sr. Deputado Luís Marques Guedes, no passado, houve declarações de guerra que duraram 100 anos. Se houver uma declaração de guerra durante 10 anos, estamos impedidos de rever a Constituição durante esses 10 anos?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não deixa de ter razão, Sr. Presidente, mas espero que não venha a ocorrer uma situação dessas!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): Sr. Presidente e Srs. Deputados, como acabou de ser dito há pouco, o problema é jurídico e eu não me queria meter muito nisso.
Em todo o caso, a Constituição, em disposição alguma, autonomiza um estado de guerra e, portanto, estaríamos a introduzir aqui algo que, depois, não tinha suporte nem se percebia bem que efeitos é que tinha. No entanto, a Constituição refere claramente que há estado de sítio quando há "agressão efectiva ou eminente". É uma das razões para haver estado de sítio e, aliás, é a única que permite declarar a guerra.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): A Constituição refere "agressão eminente", mas pode ainda não haver uma agressão efectiva!
O Sr. João Amaral (PCP): Sr. Deputado, o que eu disse foi que o artigo 19.º permite a declaração de estado de sítio…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Peço desculpa, fui eu que entendi mal, Sr. Deputado.
O Sr. João Amaral (PCP): … em caso de agressão efectiva ou eminente e o artigo 138.º permite declarar a guerra, justamente em casos de agressão efectiva ou eminente, o que me leva a questionar o que é que se acrescentaria no artigo 289.º ao configurar esse "mais", um estado de guerra além das situações que estão previstas. Talvez fosse mais prudente deixar as coisas como estão, porque parecem cobrir todo o terreno onde nos movemos.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente e Srs. Deputados, desde a última revisão constitucional, e antes dela, tivemos algumas possibilidades de aprofundar a reflexão da Assembleia da República sobre os estados de excepção. E creio que uma das componentes mais interessantes
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dessa reflexão é o facto de, em nenhum momento, termos aderido à ideia de que haja estado de excepção além dos dois tipicamente definidos no artigo 19.º da Constituição, sobretudo porque o artigo 19.º da Constituição é prodigiosamente rigoroso, designadamente no que diz respeito à modelação da natureza dos estado de excepção em concreto. Não há estados de excepção por "menu" ou por modelo; há a necessidade de, em função do n.º 4, respeitar estritamente princípios de proporcionalidade e de adequação em relação à gravidade das ameaças que justificam e legitimam as restrições ao exercício dos direitos, e sempre na óptica do estabelecimento da plenitude do exercício dos direitos dos cidadãos e no funcionamento normal das instituições.
Portanto, devo dizer que tenho grande dificuldade em configurar que, da articulação da alínea c) do artigo 138.º e do artigo 19.º, dos artigos respectivos, resulte a possibilidade de uma declaração de guerra não acompanhada de uma definição do estado de sítio, neste caso, ainda que um estado de sítio "aligeirado", traduzido na restrição de um elenco limitado de direitos, etc, etc. Suponho, pois, que a articulação destes dois preceitos exige que uma coisa esteja acompanhada da outra - aliás, a lei ordinária teve isso em atenção.
Portanto, não se delimita uma outra realidade, que seria o chamado "estado de guerra", que seria um outro estado de excepção, caracterizado por limitações não tipificadas e não regido pelos princípios e restrições do artigo 19.º. Francamente, tenho dificuldades em conceber esse estado e é possível, sempre que uma situação acontece, gerar a outra, dentro dos limites do artigo 19.º.
Francamente, não vejo que esta seja uma questão relevante e actual. E, do ponto de vista cognitivo, há este aspecto incomodativo, que é uma proibição de revisão ad eterno ou de forma incerta quando exista estado de sítio na sequência da declaração de guerra, Quaisquer que sejam as equações, parece-me uma violência, um absurdo: não há razão alguma para o fazer, desde que os órgãos de soberania tenham condições para funcionar. E, como sabem, nessa matéria, a Constituição (no n.º 7 do artigo 19.º) garante aos órgãos de soberania, irremediavelmente, que o estado de sítio não é a dissolução do Estado, não é a dissolução dos órgãos de soberania, nem pode afectar a aplicação das regras constitucionais relativas à competência e ao funcionamento dos órgãos de soberania.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Deputado, não é isso que está em causa!
O Sr. José Magalhães (PS): É sim, Sr. Deputado. É a liberdade de exercício, de actuação!
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, mas peço-lhe que seja muito breve.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, queria fazer apenas um comentário muito breve, e não uma intervenção.
Teoricamente, pode haver uma situação em que haja uma declaração de guerra não imediatamente seguida da declaração de estado de sítio, porque nada obriga à declaração de estado de sítio automaticamente, em sequência de uma declaração de guerra. O problema é esse! E, na sequência de uma declaração de guerra, pode haver uma alteração constitucional para concentração de poderes em determinados órgãos, antes da declaração de qualquer estado de sítio.
O Sr. José Magalhães (PS): Nunca!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Não havendo estado de sítio?
O Sr. José Magalhães (PS): Nunca, Sr. Deputado, porque então rebentava-se com o funcionamento de garantia institucional do artigo 19.º e permitia-se, precisamente, o que o artigo 19.º quer evitar a todo o custo, ou seja, uma conjugação entre órgãos competentes, em vez de declarar o estado de sítio, declararia aquilo a que chamaria "guerra" e suspenderia competências de outros órgãos do poder, restringiria direitos, liberdades e garantias…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Não, a única coisa que não pode fazer é suspender direitos, liberdades e garantias! É o que estabelece o n.º 1 do artigo 19.º, Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, vou dar a palavra por ordem de inscrição.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Sr. Presidente, muito obrigado por me dar a palavra.
Penso que o PSD quis acrescentar neste artigo qualquer coisa mais, no sentido de restringir a modificabilidade da Constituição em situações anómalas, digamos assim: ir além do estado de emergência e do estado de sítio, numa situação em que houvesse guerra declarada.
Foi aqui dita uma frase que penso que não corresponde rigorosamente ao que diz o texto actual da Constituição. O estado de sítio e o estado de emergência pressupõem uma agressão de forças estrangeiras ao território nacional, mas a alínea c) do artigo 138.º não limita à agressão ao território (não se refere ao território nacional), porque há interesses do Estado português que estão fora do território nacional, porque há portugueses que estão espalhados por vários sítios do mundo e podem estar a ser objecto de agressões efectivas à comunidade nacional. Nessa altura, o Presidente da República pode dizer: "Não há estado de emergência porque tudo continua a correr bem no território nacional, as instituições estão a funcionar bem, mas há, algures, uma situação que me leva a declarar a guerra". Pode haver situações desta natureza. A lógica em que assenta a proposta do PSD é esta.
No entanto, do meu ponto de vista pessoal - insisto -, talvez não seja de estender esta restrição até esse ponto.
O Sr. Presidente: Nessa situação, justifica-se proibir actos de revisão?
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Penso que não, Sr. Presidente. Aliás, o exemplo da Guerra dos 100 anos é suficiente…
O Sr. Presidente: Mesmo que essa hipótese fosse constitucionalmente admissível?
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Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): Sr. Presidente e Srs. Deputados, gostava de dizer algo muito simples acerca deste assunto (e valeria a pena, aprofundar esta discussão, porque este é um velho problema). Uma declaração de estado de guerra não acompanhada de declaração de estado de sítio é um acto de política externa, um mero acto de política externa, porque não tem efeitos na ordem jurídica, no funcionamento das instituições.
Mais: mesmo a nível da estrutura militar tem apenas alguns efeitos, porque foi introduzida, há pouco tempo, uma pequena alteração, mas não tem, por exemplo, um efeito que é decisivo, visto que não subordina o complexo das forças de segurança à autoridade militar, não subordina as autoridades civis às autoridades militares. Portanto, uma declaração de estado de guerra, nesse contexto, não tem qualquer efeito na ordem interna.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Por isso é que não tem estado de emergência nem estado de sítio possível!
O Sr. Presidente: O que o Sr. Deputado João Amaral queria dizer é que, logo, também não se justifica suspender…
O Sr. João Amaral (PCP): Não se justifica nada!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Também já o disse, Sr. Presidente.
Risos.
O Sr. Presidente: * Disse, sim senhor!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * O Sr. Presidente ouviu!
O Sr. Presidente: * É verdade, o Sr. Deputado Barbosa de Melo tinha concedido nesse ponto.
O Sr. José Magalhães (PS): * É um bom resultado!
O Sr. Presidente: * A Sr.ª Deputada Maria Carrilho ainda quer acrescentar algo?
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): * Sr. Presidente, parece-me que, apesar de tudo, a questão é suficientemente importante. E, no fundo, todos estão de acordo: trata-se de um preocupação que é legítima, mas a configuração de um cenário em que tal pudesse acontecer é extremamente bizarra. Enfim, uma declaração de guerra que não implicasse a declaração de estado de sítio, como disse o Sr. Deputado João Amaral, prefigura uma acção de política externa.
Imagine-se uma situação no âmbito da NATO ou de qualquer conflito internacional que hoje não estamos a prever e em que Portugal, por um motivo dos que foi focado - a situação de comunidades portuguesas de um determinado país -, considera que o nível de conflitualidade com as autoridades desse outro país é tal que justifica uma declaração de guerra, ainda que ela não seja efectiva, ou seja, ainda que não seja possível enviar para lá tropas portuguesas, porque isso poderia acontecer. Ora bem, numa situação dessas…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Contra a vontade do Estado!
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): * Imaginem o caso da Indonésia, imaginem que a certa altura a questão de Timor chegava a um ponto tal que, por qualquer motivo, Portugal pensasse… É evidente que Portugal não iria enviar para lá tropas! Tal poderia acontecer, como aconteceu, aliás, durante a I Guerra Mundial com alguns países da América do Sul que não efectivaram as suas declarações de guerra. Ora bem, durante esse período de não efectivação das declarações de guerra em que, a nível interno, não houvesse declaração de estado de emergência, de estado de sítio, etc., todos estes mecanismos ficariam paralisados. Penso que essa situação pode, eventualmente, ser perigosa.
O Sr. Presidente: * Creio que todos estamos a chegar a acordo nessa matéria.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente e Srs. Deputados, segundo percebi, há uma espécie de dilema, porque se a declaração acarreta o estado de sítio, já está proibida a revisão. Se, porventura, acontecer que não acarrete estado de sítio, não se justifica proibir a revisão e é difícil sair deste dilema!
O Sr. Presidente: * É essa a convergência a que todos nós chegámos, Sr. Deputado José Magalhães.
Portanto, mesmo sem que o PSD a retire formalmente, chegámos à conclusão de que a proposta não é viável. E o próprio PSD compreende que a mesma talvez não mereça insistência.
Em relação ao artigo 290.º não foram apresentadas propostas de alteração, e a proposta de artigo 290.º-A, apresentada pelo CDS-PP, está prejudicada, o mesmo acontecendo com a proposta do Sr. Deputado Guilherme Silva e outros Deputados do PSD. O mesmo se passa quanto ao artigo 291.º.
Quanto ao artigo 292.º (Estatuto de Macau), já considerámos transferir para ele as normas que no artigo 136.º ou 137.º contêm poderes do Presidente da República. Essas normas passariam transitoriamente para o artigo 292.º, uma vez que não faz sentido manterem-se lá quando, daqui a uns anos…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: * Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, da parte do PSD, o n.º 2 do artigo 291.º não está necessariamente prejudicado, porque não está relacionado com a…
O Sr. Presidente: * Tem razão, toda a razão, Sr. Deputado Marques Guedes. A proposta apresentada pelo PSD, para o actual n.º 3, não está prejudicada e importa
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considerá-la. Vejamos: o PSD propõe a eliminação do conselho que hoje aí se prevê para assessorar o governador civil.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, a título de apresentação, queria referir que a proposta visa apenas desconstitucionalizar esta obrigatoriedade da existência de um conselho.
O Sr. Presidente: * Peço desculpa, mas constato agora que nem a vossa proposta de eliminação do n.º 2 do artigo 291.º está prejudicada.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * O Sr. Presidente pode considerar que essa está prejudicada, porque pode entender que ela está, de certa forma, relacionada com o figurino das autarquias e, portanto, com a possibilidade de haver ou não região administrativa.
A proposta de alteração ao n.º 3 é que é perfeitamente autónoma.
O Sr. Presidente: * O PSD dirá, mas penso que a proposta podia ser apresentada, mesmo que não tivesse apresentado nenhuma para as regiões administrativas. De qualquer modo, o PSD dirá se prescinde ou se mantém a proposta de eliminação do n.º 2.
O Sr. José Magalhães (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)
O Sr. Presidente: * É verdade, o lapso é meu!
O Sr. José Magalhães (PS): * O Sr. Deputado Luís Marques Guedes já estava disponível para aceitar essa "bonificação", e eu fiquei preocupado!
O Sr. Presidente: * A verdade é que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes foi induzido em erro pela minha habitual fidelidade em dar conta das propostas.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Essa fidelidade está fora de causa, Sr. Presidente!
O Sr. Presidente: * Neste caso não fui fiel e, portanto, e o Sr. Deputado Luís Marques Guedes está completamente desculpado por ter sido induzido em erro.
Mantém-se, portanto, a proposta para o actual n.º 3 do artigo 291.º, de eliminação do conselho de assessoria do governador civil.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Exactamente, Sr. Presidente, porque a outra alteração está relacionada com o figurino das autarquias.
A proposta do PSD vai no sentido de desconstitucionalizar esta "obrigatoriedade" da existência de um conselho que assiste ao exercício de funções pelo governador civil, sendo certo que na actual legislação sobre os governadores civis existe a previsão deste conselho. O PSD não põe isso em causa, mas parece-nos que a obrigatoriedade da existência deste conselho não é necessária. E não vale a pena gastar mais tempo com a explicação da proposta.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, está em discussão a proposta que visa eliminar esse tal conselho.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente e Srs. Deputados, francamente, o projecto de revisão constitucional do PS não dedicou investimento normativo algum ao aperfeiçoamento desta figura porque entendemos que, constitucionalmente, ela é geneticamente uma figura transitória. Ora, sendo nosso empenhamento, claro e inequívoco, acelerar essa transitoriedade (e sendo para nós, tudo indica, muito limitado o período de sobrevivência da instituição), não nos parece que a questão seja relevante. Rescrever os n.os 1 e 2, francamente, é uma inutilidade sem sentido… Enfim, não é a economia de catorze caracteres que justifica qualquer esforço nesta matéria.
Em relação à eliminação do conselho que assiste o governador civil, tudo o que disse se aplica.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Presidente e Srs. Deputados, do nosso ponto de vista, havia toda a vantagem em que esta norma, por ser transitória, deixasse de vigorar, o que significaria que as regiões administrativas estariam criadas. Portanto, também não vemos vantagem alguma em estar a introduzir alterações numa disposição transitória. Aliás, creio que o facto de o PSD propor esta alteração resulta do seu convencimento de que (não sei com que razões, mas suspeito quais sejam!) as regiões administrativas apenas serão criadas daqui a muito tempo. Mas nós fazemos votos para que a realidade os desminta.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, assim sendo, a proposta apresentada pelo PSD não se mostra viável.
Quanto ao artigo 292.º, lembro que, aquando da discussão da alínea i) do artigo 137.º, tínhamos previsto transferir para ele a norma segundo a qual compete ao Presidente da República praticar os actos relativos ao território de Macau previstos no respectivo estatuto. Este facto está, portanto, adquirido.
Relativamente ao artigo 293.º (Autodeterminação e independência de Timor Leste), o PP apresentou propostas de alteração do n.º 1 e de aditamento de um novo n.º 3, enquanto que Os Verdes propõem alterar o n.º 2.
O PP propõe tirar a referência à independência de Timor Leste no n.º 1 e, no n.º 3, propõe a nomeação de um alto comissário para Timor Leste, nomeado pelo Presidente da República. Os Verdes propõem que a Assembleia da República seja associada à pratica dos actos necessários à realização dos objectivos expressos no número anterior.
Têm a palavra os proponentes, no caso o CDS-PP, já que Os Verdes não se encontram presentes. De qualquer modo, ponho à discussão a proposta de Os Verdes, em conjunto.
O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): * Sr. Presidente e Srs. Deputados, penso que esta proposta não merecerá muita explanação. A retirada da palavra "independência" passa pelo reforço da autodeterminação que é concedida ao povo de Timor Leste. Por outro lado, consideramos
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importante - aliás, já o temos vindo a defender - que seja nomeado um alto comissário para Timor Leste.
O Sr. Presidente: * O que o Sr. Deputado Ferreira Ramos quer, claramente, é uma manchete nos jornais de Lisboa e de Jacarta de amanhã!
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, essa manchete seria, seguramente, indesejável e tenho certeza de que não se verificará. Mas também não vejo vantagem alguma em qualquer das propostas do PP.
A primeira, por introduzir dúvidas quanto ao alcance da norma constitucional e por poder ser interpretada como uma séria limitação, e a segunda, contida no n.º 3, porque a fórmula que o PP propõe, ou seja, a existência obrigatória de uma entidade com a denominação "alto comissário para Timor Leste", é algo cuja rigidez e cuja singularidade… De resto, não conheço nenhum movimento que em Portugal tenha vindo a considerar essa figura como de utilidade, designadamente na actual fase do processo de luta do povo de Timor Leste. A rigidificação constitucional através da obrigatória instituição de uma figura com esse recorte não me parece vantajosa.
A Constituição, desse ponto de vista, permite muitas políticas e, francamente, creio que o curso seguido pela política portuguesa, a partir de determinado momento, tem sido mais imaginativa, mais energética, plena de esforços e mais em articulação com a sociedade civil no combate pela realização deste artigo, que é de grande importância. Esse curso tem todo o esteio constitucional, não teve ânimo e vigor num determinado momento, mas passou a tê-lo e espero que venha a ter crescente vigor desse ponto de vista e, sobretudo, um desfecho positivo para o povo de Timor Leste.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados estão à discussão estas propostas, incluindo a de Os Verdes.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Carrilho.
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): * Sr. Presidente e Srs. Deputados, dada a actual situação internacional da questão de Timor Leste, que se pode classificar, neste momento, como sendo de abertura e de algum empenhamento da comunidade internacional no sentido de tentar ir ao encontro de algumas das grandes preocupações do povo de Timor Leste (que também são nossas, enquanto portugueses e antiga potência colonial em Timor Leste), creio que não seria muito vantajoso, em termos públicos, alterar o que se encontra estabelecido.
Digo-o, desde logo, porque a primeira alteração iria, sem dúvida, dar origem a especulações. A segunda proposta, a de introdução de um alto comissário para Timor Leste, no quadro das negociações e das mediações que estão a ser pensadas, nomeadamente com a Indonésia, também poderia causar um extremar de algumas posições e, portanto, ser mal interpretada. O que não quer dizer essas alterações não possam vir a ser introduzidas numa outra revisão constitucional, no futuro.
O Sr. Presidente: * No futuro, talvez possamos retirar esse artigo em virtude de o povo de Timor ter exercido o seu direito à autodeterminação.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Presidente e Srs. Deputados, quanto à alteração proposta para o n.º 1, pensamos que a Constituição não deve abrir mão da defesa do direito do povo de Timor Leste à independência, pelo que nos manifestamos frontalmente contra a proposta de suprimir esta referência, que, para nós, é fundamental. Como tal, não nos devemos ficar pela autodeterminação, isto é, não devemos mutilar o texto constitucional neste ponto.
Relativamente à existência de um alto comissário para Timor Leste, não é feita justificação alguma quanto às competências concretas ou à função concreta a desempenhar por esse alto comissário. Creio que criar altos comissários para ter altos comissários, manifestamente, não merece a pena. Existem já figuras de altos comissários sem consagração constitucional - estou a lembrar-me, pelo menos, de dois e, mesmo relativamente a esses, creio que as virtualidades dessa figura ainda estão em larga medida por demonstrar.
Como tal, não nos parece que seja adequado estar a constitucionalizar este alto comissário, tanto mais quanto não é clara a sua utilidade nem sequer as suas competências em concreto.
O Sr. Presidente: * O Sr. Deputado Marques Guedes quer pronunciar-se?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, quanto à primeira proposta, é evidente que o PSD partilha da observação bem elucidativa que V. Ex.ª fez. Numa matéria como esta, qualquer alteração que tenha como condão poder desviar as atenções daquilo que é essencial - o prosseguimento das orientações que têm vindo a ser, com algum sucesso, prosseguidas pelas autoridades portuguesas - é, do nosso ponto de vista, uma má opção e, nesse sentido, não perfilhamos minimamente esta alteração do n.º 1 do artigo 293.º do texto constitucional.
Quanto à alteração apresentada para o n.º 2, proposta pelo Grupo Parlamentar de Os Verdes, como também o novo n.º 3, com toda a franqueza, penso que este é o caminho errado, porque seria sempre acentuar algo que está hoje em dia adquirido de uma forma perfeitamente pacífica, afirmando-se que os interesses relativos a Timor Leste serão sempre, com vantagem do interesse português, equacionados na sede da Organização das Nações Unidas e não no plano bilateral. E uma solução como esta, que propõe a nomeação de um alto comissário, iria sempre, pelo menos ao nível das atenções internacionais e da leitura que se faria da alteração do texto fundamental português sobre esta matéria, acentuar a lógica do tratamento bilateral da questão. Ora, esta lógica já foi abandonada há muito anos, e bem, pelas autoridades portuguesas de uma forma pacífica, como há pouco afirmei, sendo o caminho inverso a solução que, do ponto de vista do PSD, deve continuar a ser denodadamente prosseguida.
Nenhuma destas alterações nos parece sequer útil para a orientação que tem vindo a ser seguida relativamente ao problema de Timor Leste.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
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O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Presidente, peço desculpa, mas não me referi a todas as propostas em discussão por esquecimento.
No que diz respeito à proposta apresentada por Os Verdes para o n.º 2, creio que esta inclusão da Assembleia da República tem algum interesse, até porque corresponde à realidade. De facto, a Assembleia da República tem actuado por diversas formas com vista à promoção dos objectivos de autodeterminação e independência de Timor Leste, quer através da convocação de conferências internacionais a nível parlamentar, como uma que se realizou não há muitos meses, quer através da existência de uma comissão especializada eventual que funciona permanentemente desde há vários anos.
Creio, portanto, que esta intervenção autónoma da Assembleia da República existe e que não tínhamos desvantagem nenhuma em constitucionalizá-la, antes pelo contrário.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, a interpretação desta norma tem sido a de a colocar em sede de actos do Governo, pelo que, obviamente, ela não exclui a Assembleia da República.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, peço-lhe desculpa porque, no fundo, não gostaria de dizer senão aquilo que acaba de dizer e de aditar o seguinte: o sentido útil desta norma é o de contrariar o sistema constitucional de repartição de competências em matéria de política externa.
O Sr. Presidente: - Certo!
O Sr. José Magalhães (PS): * Trata-se de uma "entorse" ou de uma excepção a esse princípio no que diz respeito à condução da política externa do Estado português.
O Sr. Presidente: * Justamente, justamente!
O Sr. José Magalhães (PS): * Mas não se trata, obviamente, senão disso, pelo que associar a Assembleia da República à condução da política externa neste sentido, "executivizando", é um absurdo!
A norma em nada prejudica o exercício normal das competências do Parlamento na esfera internacional e em nada limita a sua intervenção. Todavia, a Constituição, nesta sede, não tem de estatuir que a Assembleia da República é a Assembleia da República, porque a Assembleia da República é plenamente a Assembleia da República em relação a todos os domínios e a este também. Como tal, não vale a pena fazer uma excepção ao sistema do Governo nesta matéria porque essa excepção não existe. O Parlamento não assume outro papel que não o que lhe caiba nos termos constitucionais em matéria de política externa.
O Sr. Presidente: * Penso que esta intervenção esclarece a questão e torna, de facto, a proposta de Os Verdes não só supérflua como equívoca.
Srs. Deputados, de qualquer modo, claramente, a proposta de Os Verdes não tinha adesão suficiente para vingar.
Passamos agora ao artigo 296.º, para o qual o PSD propõe a eliminação… Se bem que esta proposta esteja ligada à proposta de eliminação do artigo 85.º, de que depende e, portanto, está prejudicada nesse ponto.
Srs. Deputados, não sei se não teria lógica, a não vingar a proposta do PSD de eliminação do artigo 85.º (como não vingaram as que o PS opôs na altura), passá-lo para aqui. Isto é, não sei se o artigo 85.º não é claramente uma norma transitória e, portanto, se não deveria ficar como n.º1 desta norma. De todo o modo, fá-lo-ei quando voltarmos ao artigo 85.º, ficando desde já feito o memorando no sentido de que, na altura, sugerirei que o actual artigo 85.º passe a ser o n.º 1 do artigo 296.º.
Há, contudo, uma proposta apresentada pelo CDS-PP, para a alínea a) deste artigo 296.º, que contém duas alterações.
A actual alínea a) é do seguinte teor: seguinte: "A reprivatização da titularidade ou do direito de exploração de meios de produção e outros bens nacionalizados depois do 25 de Abril de 1974 realizar-se-á, em regra e preferencialmente, através de concurso público, oferta na bolsa de valores ou subscrição pública". Ora, o PP propõe a eliminação da expressão "em regra e preferencialmente", o que quer dizer que o elenco de modalidades passaria a ser fechado, taxativo, mas, em contrapartida, acrescenta um outro método, sugerindo que passe a referir-se nesta alínea "através de negociação directa". São estas as duas alterações (ligadas uma à outra, aliás) propostas pelo PP.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos, se quiser acrescentar algo à apresentação que fiz da proposta.
O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): * Sr. Presidente e Srs. Deputados, queria apenas acrescentar que nos parece importante a constitucionalização da negociação directa, que estaria, desde logo, admitida pela anterior redacção. Parece-nos que na actual conjuntura económica da globalização e do reforço das empresas portuguesas seria necessário que, em relação a alguns sectores, a reprivatização dessas empresas fosse feita, muitas vezes, através da negociação directa, no sentido de ser possível a harmonização da política económica portuguesa e da manutenção em capital português de muitas das empresas a reprivatizar.
O Sr. Presidente: * Se bem percebo, o PP, pelo menos, não propõe que seja negociação directa secreta.
O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): * Exactamente, Sr. Presidente. É também por uma questão de transparência que é colocada esta questão.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados está à discussão esta proposta.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, não queria intervir, já que dava como boa a explicitação inicial que o Sr. Presidente fez mas, uma vez que vamos discutir em concreto a proposta do CDS-PP, recuava um pouco para dizer que a razão de ser da proposta de eliminação do PSD advém da perspectiva histórica que temos deste processo
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Para nós, esta norma nem deveria ser uma disposição final mas, sim, uma disposição transitória típica que resultou do acordo político possível na revisão constitucional de 1989. Desse acordo resultou também a redacção do artigo 85.º (com a garantia desta norma perfeitamente transitória que é o artigo 296.º).
Nessa altura, ter-se-á pensado o seguinte: "Uma vez que se alterou o artigo 275.º, remetendo para a existência de uma lei-quadro, optou-se por plasmar aqui transitoriamente os princípios fundamentais de que essa lei-quadro tinha necessariamente de ser formada". Foi o que aconteceu. Tudo o que aqui está foi cumprido, tudo o que aqui está encontra-se hoje vertido, de uma forma tida como pacífica por toda a gente, na Lei n.º 11/90, de 5 de Abril - a lei sobre as reprivatizações que resultou da revisão constitucional de 1989.
Em suma, todos estes objectivos foram paulatinamente cumpridos e consagrados na Lei n.º 11/90, pelo que, do ponto de vista do PSD, este artigo 296.º não é uma disposição final, configurando-se politicamente em termos claros como uma disposição transitória que deve ser eliminada porque foi cumprida.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Marques Guedes, por favor! Mas a lei continua em vigor, pelo que, se eliminasse o artigo, podia então revogar a lei ou alterá-la.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * O que pode ou não estar em causa, como o Sr. Presidente disse, e bem -por isso é que comecei por dizer que não queria intervir -, é se vai ou não continuar a ser necessário subsistir (essa é a proposta que está sobre a mesa por parte do PSD, como constatámos nesta primeira leitura) a obrigação constitucional da existência de uma lei-quadro de reprivatizações.
Lembro, aliás, que o PSD defendeu que, sete anos volvidos após a revisão de 1989, era chegado o momento de acabar com a obrigatoriedade dessa lei-quadro, uma vez que não há lei-quadro alguma para as nacionalizações, razão pela qual, teoricamente, também não devia existir para as reprivatizações! Este seria o novo passo a dar nesta revisão.
Essa foi uma discussão tida em 1989, resultou desse acordo e não faz sentido continuar a tê-la hoje em dia. Hoje em dia, o que se deve discutir é se deve ou não continuar a haver uma lei-quadro com este ou com outros princípios e se, não existindo uma lei-quadro das nacionalizações, deve continuar a existir a obrigatoriedade do artigo 85.º para uma lei-quadro das reprivatizações. O PSD propôs, como o Sr. Presidente disse e muito bem, que eventualmente se ponderasse nesta revisão constitucional acabar com essa obrigatoriedade constitucional.
Por outro lado, a questão relativa ao conteúdo da lei-quadro, do ponto de vista do PSD, já está ultrapassada. A lei-quadro pode ser alterada num ou noutro sentido e, se vingar a opção de acabar, por razões de equidade, com a obrigatoriedade imposta pelo artigo 85.º, as opções de reprivatização poderão ser enquadradas num leque bastante mais variado de opções políticas do Governo.
Em conclusão, Sr. Presidente, pensamos que a proposta do Partido Popular no sentido de alterar esta matéria… Não quero dizer que discordemos com o ajuste directo, até porque o ajuste directo, como todos sabemos, é permitido face à actual lei e já foi realizado em várias operações de reprivatização. No entanto, pensamos que não faz sentido alterar este artigo, que é claramente transitório; faz sentido, sim, é ponderar se o artigo 85.º ainda deve subsistir nesta revisão.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, independentemente da eliminação do artigo 85.º, o PSD propõe a eliminação das regras constitucionais a que deve obedecer a lei-quadro, pelo que se mantém autónoma a proposta de eliminação do PSD. Por outro lado, temos sobre a mesa a proposta de alteração do PP. Estão ambas à discussão.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente e Srs. Deputados, as regras em causa são de dois tipos: regras de carácter jurídico-formal quanto ao processo de elaboração, correspondendo ao princípio segundo o qual o quadro aplicável neste domínio deve ser sustentado por uma maioria qualificada, uma maioria absoluta de Deputados da Assembleia da República, e, por outro lado, um conjunto de regras que visam acautelar uma boa aplicação do produto das reprivatizações e os direitos fundamentais dos trabalhadores das empresas objecto de reprivatização.
Sendo certo que este quadro legal serviu para impulsionar um conjunto de reformas, é bom de ver que a manutenção da norma constitucional obriga a que a alteração desse quadro legal se faça, obedecendo rigorosamente às mesmas regras, designadamente às mesmas regras de maioria qualificada para a respectiva aprovação, o que significa que, por exemplo, nas presentes…
O Sr. Presidente: * Sr: Deputado, essa é matéria do artigo 85.º, que já foi discutido. Prefiro que se pronuncie apenas sobre as regras materiais do artigo 296.º.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sem dúvida, Sr. Presidente, mas uma coisa está estritamente associada à outra. Tão associada que foi aventado o "transplante" do artigo 85.º para esta sede, solução que me parece perfeitamente sensata.
Eliminar os princípios orientadores neste domínio significa, obviamente, alargar a margem de manobra do legislador ordinário, não há dúvida nenhuma, e, portanto, ampliar a sua capacidade de discussão. Resta saber se o saldo líquido nessa matéria de incerteza e de dúvida, designadamente quanto aos aspectos elencados nas alíneas b), c) e d), não seria um resultado líquido negativo. Mesmo tendo em conta que na actual fase há, historicamente, pela primeira vez, um programa claro, transparente e com datas de reprivatização como compromisso público assumido pelo Governo e tendo em atenção ao facto de estarmos num momento histórico em que, quanto ao equilíbrio entre o concurso e a negociação directa, há, susceptível de ser feito ao abrigo do actual quadro constitucional, uma política claramente enunciada, designadamente pelo Primeiro-Ministro.
Como tal, nesta matéria, tudo o que o Governo pretende fazer é susceptível de ser feito ao abrigo do artigo 296.º na sua redacção actual, inclusivamente com a alusão que contém ao concurso público, a qual não tem valor absoluto, e nada do que consta, hoje, do Programa do Governo é bloqueado pelo conteúdo deste artigo.
Portanto, pela nossa parte, não sentimos necessidade de o alterar.
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O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Presidente, numa palavra, não vale a pena retomar debates já realizados a propósito da parte económica da Constituição, sobretudo quando estamos a falar de uma disposição transitória. A realidade que decorre do artigo 85.º e do actual artigo 296.º já é profundamente lesiva dos interesses nacionais e a aprovação destas propostas só viria agravar essa situação, pelo que a nossa oposição é clara.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, não queria prolongar a discussão, mas, de facto, custa-me entender a lógica desta discussão.
Na revisão constitucional de 1989 houve maioria qualificada no sentido de se acabar com a irreversibilidade das nacionalizações e de fazer uma lei-quadro das reprivatizações. Ora, este artigo foi como que uma garantia solicitada pelo Partido Socialista - porque o Partido Social Democrata tinha mais do que a maioria qualificada e mais do que a maioria absoluta prevista no artigo 85.º - de que o PSD não deixaria de utilizar esta nova possibilidade das reprivatizações dentro de um determinado quadro.
Isto teve um momento histórico, foi cumprido e as alíneas aqui previstas no artigo 296.º foram reproduzidas quase palavra por palavra na lei-quadro que a maioria absoluta do PSD fez aprovar nesta Assembleia da República, ao abrigo do artigo 85.º. Para o PSD, esta é uma norma transitória típica!
Neste momento, a questão que se coloca é a de saber se o artigo 85.º deve ou não subsistir. Para nós, o artigo 296.º é uma norma transitória pura, foi uma norma de garantia que o Partido Socialista solicitou ao PSD, como o PSD poderia eventualmente ter optado, face à opção da lei orgânica para o referendo sobre as regiões, por escrever uma norma transitória, prevendo que essa tal lei orgânica tem de prever isto, aquilo e aqueloutro. Não foi esse o "negócio político", mas podia ter sido!
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, salvo o devido respeito, não tem razão. O Sr. Deputado teria razão se já não houvesse nada a reprivatizar, mas a lei de reprivatizações mantém-se em vigor porque continua a haver reprivatizações, razão pela qual esta norma não caducou. E esta norma significa que a lei das reprivatizações não pode ser alterada nestes pontos. Se se eliminasse este artigo 296.º, passaria a poder alterá-la livremente, isto é, poderia fazer reprivatizações sem avaliação prévia ou alterar a lei na parte em que garante os direitos dos trabalhadores.
Portanto, a eficácia e a relevância jurídica desta norma não perdeu sentido, ou seja, ela não caducou. De facto, ela é transitória porque está acoplada a um…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Mas a intenção política não era essa, Sr. Presidente!
O Sr. Presidente: * Sinceramente, não sei!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Percebo a sua interpretação jurídica, mas…
O Sr. Presidente: * Mas em termos jurídico-constitucionais não tem relevância!
De qualquer modo não há viabilidade nem para a eliminação nem para a alteração da norma!
Srs. Deputados, em relação ao artigo 297.º há unanimidade, como é óbvio! Essa, sim, é caduca, era uma norma transitória que caducou.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * O Partido Comunista não o propõe!
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, não é preciso fazê-lo, porque esta, claramente, caducou. A disposição era transitória e caducou porque se realizou integralmente, isto é, o seu objectivo realizou-se, o que esperamos que venha acontecer com as normas sobre Timor. O mesmo acontecerá, de certeza, na próxima revisão constitucional em relação à norma sobre Macau, e esperamos que aconteça também com a relativa a Timor. De todo o modo, em relação às reprivatizações, talvez nem na próxima revisão o artigo 296.º estará caduco porque continuará a haver reprivatizações…
O Sr. Deputado António Filipe pensa que não! Pensa que o PS vai reprivatizar tudo rapidamente e, portanto, esta norma já estará caduca nessa altura!
Risos.
Srs. Deputados, em relação ao artigo 297.º, o CDS-PP apresentou uma proposta no sentido de acrescentar um novo artigo sobre indemnização dos espoliados e expropriados. Esta norma tem correspondência numa das nossas petições, que não tenho de momento em mão. Aliás, esta petição esteve em análise na audiência pública a que procedemos com os autores de petições enviadas à Assembleia da República, ou a esta Comissão em particular.
Tem a palavra o proponente, o Sr. Deputado Ferreira Ramos, para apresentar a norma do projecto de revisão constitucional do CDS-PP sobre a indemnização dos espoliados e expropriados, que, no seu n.º 1, estabelece o seguinte: "A lei definirá os termos, condições e prazos em que o Estado português, por si ou em colaboração com outros Estados ou organizações internacionais, indemnizará os espoliados do ex-ultramar português em consequência da descolonização." O n.º 2 refere, por sua vez, que "A lei definirá ainda os termos, condições e prazos em que serão indemnizados os proprietários e expropriados após o 25 de Abril de 1974, no âmbito da reforma agrária." Este n.º 2 está claramente caduco, uma vez que essa lei já existe!
O Sr. José Magalhães (PS): * E está a ser efectivada em condições especialmente satisfatórias!
O Sr. Presidente: * Sobretudo para os indemnizados!
O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): * Sr. Presidente e Srs. Deputados, eram essas condições satisfatórias que nós quereríamos ou gostaríamos de encontrar em relação aos espoliados e expropriados do ex-ultramar português. Este
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é um compromisso do CDS-PP e é também, de alguma forma, uma posição ideológica que temos vindo a manter e uma situação pela qual nos temos vindo a bater em anteriores revisões constitucionais.
Pensamos que é uma dívida histórica que interessaria, de qualquer forma, constitucionalizar, remetendo para a lei os termos, condições e prazos em que essas indemnizações seriam concedidas.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Ferreira Ramos, sinceramente, aqui entre nós, pensa que as duas situações são equiparáveis?
O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): * Sr. Presidente, não penso que as duas situações se equiparem.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados está à consideração esta proposta, que prevê a constitucionalização ou a consagração de um dever constitucional de indemnizar os "espoliados do ex-ultramar".
Pausa.
A proposta não merece consideração?
O Sr. José Magalhães (PS): * Merece, sim, Sr. Presidente. Merece, designadamente, a reafirmação daquilo que dissemos na audiência pública em que esta matéria foi contemplada, ou seja, que os esforços que estão em curso neste domínio e que, evidentemente, têm de ter em conta a natureza da situação internacional gerada nos PALOP no presente contexto, são esforços meritórios, úteis e necessários. Contudo, a norma - o Sr. Deputado, aliás, foi claro e honesto nesta matéria - não teria senão o valor de uma espécie de símbolo, se bem que possa ser interpretado como um símbolo ambíguo ou aumentador da controvérsia constitucional. Foi o que dissemos frontalmente àqueles que nos apresentavam esta proposta. Os termos, de resto, em que ela vem formulada, que remetem a concretização, a definição das condições, dos prazos e do próprio âmbito das diligências e do dever de indemnização para lei ordinária, traduzem o embaraço ou, pelo menos, o sentido com que o PP procurou limitar aquilo que propunha.
Portanto, consideramos que é uma operação de aditamento constitucional que a prudência recomenda que não se faça. Todavia, a prudência recomenda também que, no terreno da lei ordinária, no terreno dos esforços concretos, sejam feitas diligências que permitam instaurar justiça, mas não permitem, naturalmente, inverter o sinal da história nem regressar ao passado.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, com o silêncio dos demais e as objecções do PS à constitucionalização desta norma, ela mostra-se inviável.
Srs. Deputados, terminados que estão por hoje os nossos trabalhos, lembro que amanhã, às 10 horas, começaremos com as propostas relativas ao artigo 268.º, inclusive, onde tínhamos ficado quando, a pedido de alguns dos Deputados, suspendemos a matéria da Administração Pública. Seguir-se-ão, então, os artigos 273.º e seguintes (sobre defesa nacional), que, aliás, vêm na sequência dos artigos relativos à Administração Pública. E com eles terminaremos a primeira leitura.
Srs. Deputados, está encerrada a reunião.
Eram 19 horas e 25 minutos.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL
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