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Quarta - feira , 18 de Dezembro de 1996
II Série-RC - N.º 66
VII Legislatura - 2ª SL (1996-1997)
IV REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
Acta n.º 66
Reunião do dia 17 de Dezembro de 1996
SUMÁRIO
A reunião teve início às 10 horas e 45 minutos.
Procedeu-se à discussão dos artigos 268.º, constantes dos diversos projectos de revisão constitucional.
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente (Vital Moreira), os Srs. Deputados Luís Sá (PCP), Barbosa de Melo (PSD), Cláudio Monteiro (PS), Moreira da Silva (PSD), José Magalhães (PS), Maria Carrilho (PS) e Calvão da Silva (PSD).
O Sr. Presidente interrompeu os trabalhos às 12 horas e 35 minutos e declarou reaberta a reunião às 15 horas e 35 minutos.
Procedeu-se à audição dos autores de uma petição integra propostas ou sugestões de revisão constitucional: Jorge de d'Orey Pinheiro, Pedro Saragga Leal e João Novais de Paula (Associação Portuguesa de Marketing Directo).
Durante o debate usaram da palavra, a diverso titulo, alem do Sr. Presidente, os Srs. Deputados José Magalhães (PS) e Miguel Macedo (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a reunião às 17 horas e 05 minutos.
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O Sr. Presidente (Vital Moreira): * Srs. Deputados, temos quórum, pelo declaro aberta a reunião.
Eram 10 horas e 45 minutos.
Srs. Deputados, voltamos ao intervalo que deixámos em branco a partir do artigo 268.º e seguintes em matéria de Administração Pública e do 273.º e seguintes em matéria de defesa nacional.
Quanto ao artigo 268.º existem propostas do PCP, para o n.º 3, do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, para o n.º 5, e propostas de aditamento de novos números, do n.º 5-A, do PS, e do n.º 7, do PCP.
Começando pelo n.º 3, segundo a proposta do PCP acrescenta-se a expressão: "os actos administrativos estão sujeitos a notificação dos interessados, a qual é obrigatória independentemente da sua publicação que deve incluir informação sobre os meios de defesa dos cidadãos na forma prevista da lei e retomando-se o que já está carecem de fundamentação expressa designadamente quando afectem direitos ou interesses protegidos", desaparecendo a expressão "legalmente protegidos".
Para apresentar a proposta, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): * Sr. Presidente, esta proposta insere-se numa preocupação geral de fortalecer os direitos dos administrados e tem em conta designadamente a ideia de que o facto de um acto administrativo ser publicado não significa que o cidadão comum tenha acesso a essa publicação. Pode acontecer que a publicação apareça como um acto meramente formal, burocrático e que o cidadão na sua vida quotidiana acabe por não ter efectivo conhecimento dele.
Daí que se proponha, exactamente a propósito de fortalecer os direitos dos administrados, que a notificação seja obrigatória, já que julgamos que não tem custos particulares desmedidos, acrescidos para a Administração Pública e que fortalece os direitos dos administrados.
Julgamos, por outro lado, que a ideia da informação sobre os meios de defesa dos cidadãos, quando tal se justifique, insere-se numa preocupação de carácter geral - e que, aliás, vários Deputados de várias bancadas têm vindo a expressar -, a qual vai no sentido de fortalecer o acesso ao direito.
Quanto à eliminação da expressão "legalmente protegidos", naturalmente que se trata de uma matéria questionável, mas parte-se do princípio de que pode haver interesses que não tenham uma protecção legal explícita e que, não obstante, devam ser protegidos atendendo a princípios gerais de ordem jurídica. No entanto, creio que esta questão é relativamente secundária face às outras que estão colocadas nesta proposta.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, está à discussão esta proposta nos seus vários componentes.
O PCP, na parte final, acrescenta a expressão "carecem de fundamentação expressa designadamente quando afectem direitos ou interesses protegidos" e onde a Constituição diz "legalmente protegidos", o PCP diz apenas "interesses protegidos".
O Sr. Luís Sá (PCP): * Aqui trata-se também de abrir a possibilidade de o dever de fundamentação expressa não estar limitado às situações em que são afectados direitos ou interesses protegidos.
Admitimos que se possa ser dada uma indicação para o legislador ordinário no sentido de vir a alargar o dever de fundamentação para além das situações que, por exemplo, neste momento, estão previstas no Código do Procedimento Administrativo.
Há outras situações em que pode não haver propriamente direitos ou interesses protegidos e haver outros valores, designadamente o próprio interesse público, o interesse geral da comunidade, etc., e, não obstante, vir a apontar-se no mesmo sentido.
Tratava-se, portanto, de apontar para uma forma menos restritiva do que aquela que é utilizada nesta matéria.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, a proposta está à consideração.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Gostaria de fazer o seguinte pedido de esclarecimento: diz a proposta do PCP que a "publicação deve incluir a informação sobre os meios de defesa" e pergunto se se trata de uma gralha.
O Sr. Presidente: * É claramente uma gralha.
O Sr. Luís Sá (PCP): * É evidente que sim.
A notificação é que deve incluir a informação e não a publicação. Aliás, eventualmente será distribuída uma vírgula no lugar próprio. Mas não me referi a esses pormenores.
O Sr. Presidente: * Muito bem, está entendido o alcance da proposta, que está à discussão com o sentido visto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Suponho que esta bancada vai usar da palavra várias vezes sobre as diferentes propostas, mas, neste momento, gostaria de fazer uma primeira abordagem.
Consta da Constituição o princípio segundo o qual o acto administrativo é uma declaração de vontade receptícia, isto é, uma declaração de vontade que só está perfeita no momento em que é levada ao conhecimento do destinatário. Diz a Constituição que "os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados", o que constituiu um avanço muito grande em 1976. Isto é antes de serem levados ao conhecimento dos interessados não estão perfeitos, ainda lhes falta qualquer coisa que lhes garanta a perfeição. Mas, na revisão de 1985 acrescentou-se a expressão "na forma prevista na lei", porque há realmente situações e situações... Pode haver actos administrativos também dirigidos a incertos nos quais a notificação individual pode não ser exequível, pelo que admitiu-se que a lei regulasse esta matéria.
Portanto, o princípio era o de que era preciso haver uma comunicação aos interessados. Ora, como é que se faz essa comunicação? Em princípio, será através de uma notificação individualizada, mas, no caso de incertos, pode ser uma notificação por via edital.
O que aqui é proposto é uma coisa totalmente diferente, porque diz-se que a notificação é obrigatória e, mesmo quando haja publicação, ainda assim é preciso notificação.
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Isto é, no caso dos destinatários incertos a publicação não integra a sua eficácia, porque é preciso ainda uma notificação aos interessados. E aqui não percebo bem esta questão. É que isto paralisa a decisão administrativa e a sua eficácia, pelo que gostaria de ver esclarecido este ponto.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): * A questão que se coloca é a de saber se, independentemente das alterações introduzidas pela Constituição, o dever de publicação não implica a obrigatoriedade do dever de notificação, já hoje. E há boa doutrina nesta matéria que entende que sim. Por exemplo, no comentário que fazem exactamente sobre este artigo o Prof. Gomes Canotilho e o nosso Presidente afirmam que os actos devem ser sempre notificados aos interessados, mesmo quando tenham de ser oficialmente publicados. Diferentemente do que sucedia no texto de 1982, em que apenas se exigia a notificação quando os actos não devessem de ser oficialmente publicados, o texto actual insinua que a notificação é mais forte do que a publicação e que os interessados têm o direito à notificação, que não fica consumida pela sua publicação.
Ora, o problema é o de que há doutrina que entende isto, e bem, mas, entretanto, há práticas que apontam noutro sentido e que não têm a ver com notificar incertos por via de edital, mas notificar interessados concretos em situações em que o edital não funciona como uma notificação efectiva.
Continuamos a ter uma série de práticas vindas das sociedades rurais, por exemplo a da notificação por edital. É evidente que em Lisboa, Coimbra ou no Porto, notificar por edital corresponde a não notificar ninguém.
Mas o problema que aqui se coloca, a nosso ver, é o de garantir simultaneamente que, nas situações em que se trata de notificar incertos, naturalmente, não se paralise a administração - e quanto a isto estamos todos de acordo, mas essas são situações em que a própria lei, muito legitima e constitucionalmente, deve contemplar -, mas deve também garantir-se que não se abra caminho para que, noutras situações,...
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Desculpe, Sr. Deputado, mas na sua redacção esses outros casos estão contemplados? Essa é que é a questão.
O Sr. Luís Sá (PCP): * Julgo que estão. É da própria natureza das coisas que, se não há interessados concretos que a administração possa definir claramente quais são, a administração tem de encontrar outros meios, o boletim municipal, o edital, a publicação em jornais, etc.. e não está obrigada a notificar interessados que, através da diligência normal e empenhada da administração, não sejam mesmo passíveis de determinar. O problema é quando o cidadão comum é afectado por práticas desse tipo e, a nosso ver, ele está a ser afectado.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Portanto, pretende manter a alínea d) do n.º 1 do artigo 70.º do Código do Procedimento Administrativo?
O Sr. Luís Sá (PCP): * No fundamental, creio que a alínea d) do Código do Procedimento Administrativo cabe nesta proposta. Aquilo que julgo que não cabe é a legislação especial designadamente de carácter urbanístico e outro que apontem noutro sentido.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * O Sr. Deputado Luís Sá disse, e bem, que a Constituição actual já contempla a obrigatoriedade da notificação independentemente da publicação, pela simples razão de que se tem entendido que a Constituição não se limita a estabelecer o princípio da publicidade dos actos, mas específica qual é a forma pela qual essa publicidade se faz e, nessa medida, não há confusão possível entre a publicidade que é feita por publicação ou por via edital e aquela que é individualizada através da notificação ao interessado.
Portanto, nesse sentido julgo que, em certa medida, o texto actual já comporta esta obrigação.
Mas devo dizer que também sou sensível à preocupação do Sr. Deputado Luís Sá quando diz que uma coisa é haver alguma doutrina que entende que o texto constitucional actual já comporta esse entendimento, outra coisa é isso resultar claro do texto sem haver margem para dúvidas.
Sei que o Sr. Deputado Barbosa de Melo vai insurgir-se quanto ao excesso de positivismo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Posso não me insurgir e está a perder gramática com essa sua prevenção.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Digo isto porque julgo que é preciso, apesar de tudo, ter consciência de que, em relação à Administração Pública e ao que se refere especificamente ao direito administrativo, há que estabelecer uma diferença substancial que tem a ver com a circunstância de, por um lado, o direito administrativo ser um direito positivo por excelência, muito mais do que qualquer outro ramo de direito e em particular mais do que os ramos de direito privado, no sentido em que, ao contrário do que sucede normalmente no direito privado em que as alterações socioeconómicas implicam alteração do direito, normalmente no direito administrativo é a alteração do direito positivo que implica as alterações na organização e no funcionamento da Administração. Normalmente precedem-na cerca de 10, 15, 20 anos, no sentido de que até que a prática administrativa se conforme com a lei vai uma distância muito considerável entre o momento em que ela entrou em vigor e o momento em que ela é efectivamente aplicada.
Este, aliás, é um preceito exemplar nessa matéria porque, não obstante ter consagrado o dever de fundamentação dos actos administrativos, o que veio depois a ser positivado em 1977, no Decreto-Lei n.º 254/77, provavelmente só na década de 80, porventura só no princípio da década de 90, é que a Administração, generalizadamente, passou a aceitar a ideia de que está obrigada a fundamentar os actos, sob pena de esses actos serem ilegais, para o que, aliás, contribuiu em grande parte a jurisprudência dos tribunais, que, num certo sentido, de forma positiva, num outro sentido, de forma negativa, insistiu sempre muito na verificação e no controlo do incumprimento desse dever.
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Mas o que é facto é que os destinatários por excelência das normas de direito administrativo, os agentes da Administração Pública, em regra, carecem de uma norma expressa e explícita para que eles próprios sintam a obrigação de a cumprir. E, de facto, este é um dos casos exemplares em que, não obstante a Constituição impor o dever de notificação de actos administrativos, ainda hoje esse dever frequentemente não é cumprido e verificam-se algumas situações de falta de conhecimento dos actos da Administração pelos administrados em virtude da ideia de que a publicidade edital ou a publicação em diário oficial é um sucedâneo válido ou suficiente para a notificação dos interessados.
Isto tem, obviamente, particular relevância naquilo que diz respeito aos meios de reacção dos administrados, na medida em que, embora alguma jurisprudência dos tribunais administrativos entenda hoje que o prazo para a impugnação contenciosa dos actos só se conta a partir da data da respectiva notificação, independentemente da publicação, a questão decisiva é a determinação do momento do conhecimento dos actos, designadamente para efeitos de impugnação contenciosa. Até porque usando a Administração do privilégio de execução prévia, em certa medida, no que diz respeito ao problema da execução do acto, a notificação acaba por ser mais ou menos irrelevante no sentido de que frequentemente a Administração inicia a execução mesmo antes de proceder à notificação e, portanto, o que é fundamental, às vezes, é determinar o momento da impugnação contenciosa dos actos.
As demais propostas de alteração que esta nova redacção sugerida pelo PCP comporta confesso que não as considero tão necessárias ou tão essenciais.
No que se refere ao dever de incluir informação sobre os meios de defesa do cidadão, embora pense ser legítima a preocupação, confesso que tenho algumas dúvidas sobre essa matéria.
A experiência que tenho da Administração Pública portuguesa quando ela, por vontade própria, se propõe dar a conhecer aos administrados os meios de impugnação é que isso normalmente é desfavorável aos administrados, designadamente porque os induz em erro, quando a própria Administração erra.
Conheço vários administrados que não impugnaram actos no prazo estabelecido na lei porque foram induzidos em erro pela Administração, que lhes disse que deviam impugnar uma coima perante os tribunais judiciais e, afinal, tratava-se de um acto administrativo impugnável perante os tribunais administrativos.
Assim, os administrados fizeram uma coisa e não outra, mas quando quiseram fazer a outra já não iam a tempo e os tribunais nem sempre consideram o carácter desculpável do erro do administrado para efeitos de contagem do prazo da respectiva impugnação ou para efeitos da escolha do meio processual adequado.
Portanto, tenho algum receio de que o excesso de confiança que uma disposição desta natureza possa criar nos particulares não tenha, depois, tradução prática na jurisprudência no que se refere à desculpabilidade do erro que possa resultar desta menção.
Por outro lado, não vejo necessidade de alterar o actual texto constitucional no que se refere ao dever de fundamentação dos actos administrativos. Penso que, nessa matéria, quer a lei ordinária, quer a jurisprudência, quer a prática administrativa já estão, no essencial, adequadas ao espírito do texto da Constituição. Julgo que as deficiências que ainda hoje se verificam têm mais a ver com o problema da audiência prévia do interessado e da inserção do dever de fundamentação no âmbito daquela.
Portanto, provavelmente, o problema mais complexo que hoje se coloca diz respeito ao conteúdo da fundamentação da própria audiência prévia do interessado, como por vezes se diz, ou da dupla fundamentação, ou da tripla fundamentação até, como sugerem alguns autores.
Julgo que a eliminação da expressão "legalmente" na parte final do preceito pode induzir, porventura, querelas doutrinárias desnecessárias, porque julgo que não se colocam, apesar de tudo, problemas complicados no que refere à interpretação do que se entende hoje pelo "bloco legal" e por "interesses legalmente protegidos". Não são apenas aqueles que são protegidos por lei em sentido material ou mesmo até em sentido formal. Os princípios gerais de direito e os princípios gerais de direito administrativo estão abrangidos pelo bloco legal e, portanto, nessa perspectiva, também estou convencido de que já hoje se suscitam muito poucos problemas a este respeito e que muito pouca coisa escapa à expressão "interesses legalmente protegidos". E, nesse sentido, não vejo que haja necessidade de fazer essa alteração.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.
O Sr. Moreira da Silva (PSD): * Sr. Presidente, compreendo que seja necessário fazer uma alteração no n.º 3. Penso, no entanto, que a questão fundamental apresentada na proposta do Partido Comunista Português foi - e peço desculpa por afirmá-lo desta forma - um tiro ao lado.
Compreendo que se sinta ainda que alguma doutrina ou jurisprudência não tenham compreendido na totalidade a alteração verificada na revisão constitucional de 1989, mas penso que tentar voltar a explicar aquilo que realmente se passou em 1989 não irá exactamente ao fundo do problema.
Antes de entrar na questão essencial, devo dizer que, em 1982, o problema que se colocava era o do dever de notificação dos actos externos e, devido a saber o que é um acto externo, optou-se por eliminar essa questão. Depois, mesmo à última hora, já em sede de Plenário, optou-se mesmo por eliminar expressamente a questão do sucedâneo entre notificação e publicação e isso - penso que foi claro -, tendo em conta a ideia de que é preciso sempre haver notificação independentemente de haver ou não publicação.
Por isso, no fundo, a ideia que aqui agora é expressa na proposta do Partido Comunista Português esteve no espírito dos constituintes e por isso penso que está clara no texto da actual Constituição.
Penso, no entanto, que o problema, da forma como foi resolvido, criou outro e, esse, sim, bastante mais complicado.
Ao retirar-se o que estava no texto de 1982, quando se afirmava o dever claro de notificação de actos externos, passando o texto actual a dizer que há um dever de notificação, mas na forma prevista na lei, ou seja, no fundo, com uma remissão para a lei para densificar esse dever, permitiu-se, por exemplo, que, em conjugação entre os
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artigos 29.º da LPTA e 67.º do Código do Procedimento Administrativo, se pudesse ler na alínea b) do n.º 1 do artigo 67.º que é dispensada a notificação dos actos "quando o interessado, através de qualquer intervenção no procedimento, revele perfeito conhecimento do conteúdo dos actos em causa.".
Penso que aqui é que está o problema grave. Não é a questão do sucedâneo notificação/publicação, mas sim quando não há nem notificação nem publicação e isso ser permitido pela lei e, pela remissão do artigo 268.º, n.º 3, ser permitido pela Constituição. Penso que este é que é o problema fundamental.
O Sr. Deputado Barbosa de Melo já referiu a existência de problemas graves relativamente a procedimentos colectivos em que as notificações pessoais podem ser complicadas, mas pensemos em casos de direito de urbanismo em que haja procedimentos com uma extensão considerável, como os concursos públicos.
Muitas vezes, o particular tem acesso a esse procedimento por uma ou outra razão, mas tem um pleno desconhecimento de que, no meio das mil folhas que dele constam, há um acto que lhe é desfavorável e que lhe é dirigido, relativamente ao qual nunca foi notificado nem o mesmo foi publicado. Através do acesso ao procedimento, o particular vai ver qualquer coisa que não esse acto, porque não vai à procura desse acto que lhe é desconhecido e, mais tarde, é confrontado com essa situação em sede de recurso contencioso, que lhe é obviamente negado por intempestivo, na medida em que já teve dele conhecimento, nos termos do artigo 67.º, n.º 1, alínea b), do Código do Procedimento Administrativo.
Penso que aqui é que está o cerne da questão. Penso que esta remissão, pura e simples, para a lei não veio permitir alcançar a vantagem do artigo 70.º do Código do Procedimento Administrativo, ou seja, densificar o conteúdo da notificação, mas veio permitir esta situação, penso que gravosa para o particular, que é exactamente o artigo 67.º nalgumas das formas de dispensa de notificação.
Resolvido esse assunto, penso que está esclarecida a questão principal que o Partido Comunista coloca e será só uma explicitação adicional da ideia que já cá temos, ou seja, não há sucedâneo entre a notificação e a publicação. Mas penso que isso não resolve é o problema fundamental que, esse sim, me parece que existe no n.º 3 do artigo 268.º, que é a efectiva necessidade de notificação, evitando as dispensas por mero conhecimento, que, muitas vezes, é presumido e com uma presunção impossível de ultrapassar por parte do particular e, essa sim, parece-me gravosa.
Se me permitissem faria uma redacção muito simples deste n.º 3, que pudesse resolver essa questão, ficando obviamente sujeita aqui à discussão. Proponho que passe a constar o seguinte: "os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados e carecem de fundamentação expressa quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos". Ou seja, eliminaria a expressão "na forma prevista na lei", porque não estando ela aqui densificada a lei dirá qual o conteúdo da notificação, como diz qual é hoje o conteúdo da fundamentação, sem precisar de estar aqui a expressão "na forma prevista na lei".
Penso que retirando esta expressão, ficará claro que essa notificação tem sempre que existir quando afecte direitos ou interesses realmente protegidos dos cidadãos, ou seja, a mesma ideia do dever de fundamentação existiria para o dever de notificação.
Assim, creio que se "inconstitucionalizaria" esta dispensa da alínea b), do n.º 1, do artigo 67.º, com proveito para a Administração e para os administrados.
O Sr. Presidente: * O Sr. Deputado Moreira da Silva deixou-me um tanto intrigado. A Constituição só remete para a lei a forma da notificação, não permite excepções à notificação. Pensa que esse artigo do Código do Procedimento Administrativo é conforme à Constituição?
O Sr. Moreira da Silva (PSD): * Não sei se é conforme à Constituição, Sr. Presidente, sei é que é o procedimento normal da Administração e da jurisprudência dos tribunais administrativos.
O Sr. Presidente: * Talvez fosse impugnar a constitucionalidade no seu próximo processo.
O Sr. Moreira da Silva (PSD): * Já o fiz.
Risos.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): * Tive que preparar um bocadinho a minha intervenção, porque como civilista nunca estou tão à-vontade como estes grandes especialistas que aqui estão, hoje, e bem, a debruçar-se sobre esta matéria.
De qualquer modo, tenho a minha sensibilidade do direito comum e a leitura deste artigo e as alterações propostas pelo Partido Comunista levaram-me a fazer algumas observações.
Em primeiro lugar, entendi que a notificação era sempre obrigatória, obviamente sempre que possível, de outro modo o direito não é o serviço à vida que todos prestamos e queremos prestar. Portanto, como civilista tenho sempre essa fórmula na cabeça: a notificação faz-se onde for possível, obviamente. Mas que a Constituição quer que ela seja obrigatória isso cá está. Na prática, não devia haver alguma dúvida, mas se há, então arranje-se uma maneira de dizer que "os actos administrativos estão obrigatoriamente sujeitos a notificação aos interessados".
Notificar é dar a conhecer, ensinamos isso também em processo civil: notum facere é dar a conhecer a outrem, pelo que quando se lê o artigo 67.º do Código do Procedimento Administrativo a primeira impressão é pensar se será inconstitucional em função da ideia da obrigatoriedade na notificação. Mas é evidente que quando se lêem bem as alíneas a) e b) elas não têm que ser inconstitucionais, porque se é para dar conhecimento que se faz a notificação e o particular tem conhecimento de tudo até ao fim, desde que "revele perfeito conhecimento do conteúdo dos actos em causa", e se se tratar da decisão do acto em causa ele já está notificado, então exige-se notificação para quê? Portanto, se há problemas não é no artigo da Constituição.
O Sr. Presidente: * Afinal o Sr. Deputado Moreira da Silva tem razão.
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O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Afinal, há muitos civilistas na Administração!
Risos.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): * Então, o que é o conteúdo dos actos?! Se tiver conhecimento da decisão vou notificá-lo para quê? Se o interessado estiver lá e tiver conhecimento da decisão qual é a necessidade da notificação? Notificá-lo para quê? Para dar-lhe a conhecer tudo o que ele já conhece? Não entendo!
Mas, então, o problema não é da Constituição é, sim, do artigo 67.º do Código do Procedimento Administrativo. É totalmente diferente!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Induzido pela Constituição!
O Sr. Calvão da Silva (PSD): * Induzido, não! Não me parece que assim seja.
O problema está em saber se o artigo 67.º é inconstitucional ou não, a meu ver (é esta a minha interrogação). Se o é, expliquem-me porquê, pois a partir do momento em que o interessado conhece a decisão, qual é o sentido da notificação?
Qual é o conteúdo e a forma da notificação? O artigo 70.º, no que diz respeito à forma da notificação - por isso penso que a forma prevista no artigo da Constituição é correcta -, tenta ir ao encontro das necessidades da vida. Quando são incertos, desconhecidos ou de grande número, como pode fazer-se uma notificação individualizada, pessoalizada? Se não deixarmos uma margem de manobra destas, que a lei ordinária acabou por densificar, é evidente que não vejo como pode notificar-se.
Por isso, quando se diz "notificação independentemente da sua publicação", o que é isto da publicação? A publicação aqui não abrange aquilo a que a lei ordinária chama notificação pelo Diário da República, pelo boletim, pelos jornais? Isto é publicação, ou logo notificação independentemente de publicação? Como é? Ainda não entendi bem como conjuga estas duas coisas. Fala em notificar independentemente de publicar. Então, o caso a que a lei chama notificação por publicação, no fundo a do artigo 70.º, alínea d), não é a mesma coisa? Onde está este alcance novo e inovatório de "independentemente da sua notificação"?
Há um caso que a mim me choca, como civilista, que é o das expropriações. Muitas vezes, as pessoas são expropriadas e não sabem. Há uma publicação no Diário da República ou não sei onde e, de repente, já está tudo invadido!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Ora, está a ver que, afinal, encontra casos!…
O Sr. Calvão da Silva (PSD): * Está tudo invadido! E quando chegam lá, coitados, nas aldeias, eles dizem "Então, como é isto?! Invadiram sem ninguém nos dizer nada?!".
Este é um caso que a mim me choca, mas será que não é possível, no caso das expropriações, identificar todos os interessados? Será que, às vezes, aquilo não está registado? Não sei!… Pelo menos na aldeia, com os editais, resolve-se o problema.
Esta é uma interrogação que deixo para que me ajudais a perceber melhor como se pode resolver este problema.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * O Sr. Deputado sabe que o local de estilo a que se refere a lei é a porta, de forma a que quando esta está aberta a notificação fica atrás da porta!
O Sr. Calvão da Silva (PSD): * Meu caro amigo, isso são lugares de estilo! Não é por acaso que não vêm de hoje. Aliás, isso também está referido no artigo 70.º. Também temos isso, e toda a gente sabe que temos que ter, pois há casos em que é assim.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Mas estou a referir-me a locais de estilo como as docas!
Risos.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): * Depois, a outra nota que quero deixar refere-se à expressão "que deve incluir a informação sobre os meios de defesa dos cidadãos na forma prevista na lei".
Aqui vou ter de concordar consigo. Creio que, muitas vezes, a informação pode ser errónea, depois levando a um problema grave, que é o de saber quem responde pela informação errónea, se deve responder, etc.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * A menos que a lei garantisse a desculpabilidade do erro, no caso de a informação ter sido prestada e seguida.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): * Penso que esta parte ainda é mais perigosa, porque me parece que, muitas vezes, vai haver informação errónea. O artigo 123.º e seguintes (artigos 124.º e 125.º, também sobre a fundamentação) do Código do Procedimento Administrativo já diz muito, por isso não me parece que haja necessidade de estarmos a alterar a Constituição nesta parte.
Quanto à expressão "carecem de fundamentação designadamente", não sei se este "designadamente" não vai longe de mais. É desnecessário, porque criar com a palavra "designadamente" um dever geral… No fundo, uma ideia de dever geral já resulta do Código do Procedimento Administrativo. Certas dificuldades e impossibilidades práticas, este valor da praticabilidade, dá-me ideia que também são tidas em conta se não pusermos aqui "designadamente".
Para já é tudo o que tenho a dizer, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): * Sr. Presidente e Srs. Deputados, creio que este debate teve alguns aspectos que reputo de bastante positivos. Um deles, desde logo, é ter sido genericamente reconhecido que há um direito à notificação por parte dos interessados e que este direito já resulta da actual redacção da Constituição.
O segundo aspecto positivo é ter sido também reconhecido que a prática da Administração não corresponde ao
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reconhecimento pleno deste direito à notificação, para o qual a doutrina, no fundamental, tem apontado.
Ora, a meu ver, isto só vem sublinhar - e creio que este aspecto é particularmente importante, estando nós a lidar com direitos dos administrados - a vantagem que haveria em, com toda a abertura da nossa parte no sentido de encontrar a melhor redacção, vir a ser apurada uma solução que permita que este aspecto fique efectivamente clarificado.
Naturalmente, está presente no nosso espírito a dificuldade que a Administração pode ter em relação à notificação de incertos, de desconhecidos ou em outras situações desse género, porém, os casos que também aqui estiveram presentes, ou invocando eventuais inconstitucionalidades ou invocando práticas efectivas, designadamente no campo do Direito do Urbanismo, que era, aliás, o exemplo que eu tinha referido anteriormente (foi aqui referida, inclusive, a lei da caça), apontam para o facto de aquilo que foi consagrado na Constituição, segundo a boa interpretação doutrinária, não estar a ter a devida consagração na prática administrativa.
O problema concreto - e é exactamente nesse sentido que apontou esta proposta - está em dar uma contribuição para a questão ser debatida e para se encontrar a melhor redacção, de forma a que não reste qualquer margem de dúvida que permita ao legislador ordinário manter uma determinada prática que prejudica os interesses dos administrados.
O problema que está colocado, nesta matéria, é, sem dúvida nenhuma, o da publicação e notificação terem, qualquer delas, um objectivo comum, que é o de dar a conhecer. Porém, sabemos todos - quero sublinhar este aspecto devidamente - que, a pretexto da publicação, muitas vezes acaba por não levar-se ao conhecimento, designadamente no momento próprio, sendo que muita coisa conta a partir daí, desde logo, por exemplo, a contagem de prazos para recurso, etc.
Nesse sentido, sublinhando toda a abertura com vista a encontrar-se a melhor redacção nesta matéria, creio que o problema aqui levantado é pertinente e que o debate travado só veio confirmar essa pertinência. As objecções colocadas têm muito mais que ver com problemas de praticabilidade, que creio serem perfeitamente contornáveis, quer na legislação ordinária quer na própria redacção, do que propriamente com um problema de fundo. O debate mostrou que tem razão de ser.
A outra questão que quero abordar (não vou referir-me aos outros problemas porque creio serem relativamente secundários neste plano) diz respeito à informação sobre os meios de defesa.
Salvo o devido respeito, embora compreendendo, naturalmente, as objecções formuladas, creio que não têm razão de ser. Em primeiro lugar, creio que não podemos partir do princípio de que a Administração Pública, sempre que informar um particular acerca de meios de defesa, vai informar erroneamente. Não tem que ser assim! Sobretudo, uma obrigação deste tipo levaria, certamente, a que a Administração Pública se apetrechasse de forma adequada no sentido de passar a informar o particular sobre meios de defesa sem o induzir em erro.
Independentemente disso, e para além do problema de a legislação ordinária poder prever a desculpabilidade em situações deste tipo, como referiu o Sr. Deputado Cláudio Monteiro (isto é, caso a Administração ou o respectivo tribunal erre a indicar o prazo este aspecto poder ser desculpável), o que é uma possibilidade, haveria sempre, em todo o caso, um dever de indemnizar por parte da Administração que induzir o particular em erro, o que não deixaria também de ser relevante nesta matéria.
Ponderando os riscos aqui referidos e as vantagens para os particulares e para os direitos dos administrados que resultariam de uma tal norma, creio que há razão de ser para se manter esta proposta, independentemente de as objecções dos Srs. Deputados apontarem qual é o respectivo destino. Creio que esta proposta continua a ser pertinente e vantajosa para os direitos dos particulares.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.
O Sr. Moreira da Silva (PSD): * Sr. Presidente, creio que pela discussão aqui já travada se verificou como a minha ideia tinha razão de ser.
Penso que ficou claro que há uma notória divergência quanto à interpretação da constitucionalidade ou inconstitucionalidade do artigo 67.º, n.º 1, alínea b), do Código do Procedimento Administrativo. Só isso demonstra que esta é uma questão que deveríamos tomar aqui em consideração, até porque se alguém, mais tarde, for pegar nas nossas intervenções para verificar o que o legislador constituinte tinha em mente ao formular a norma ou, desde logo, em a não alterar, poderá verificar o impasse, o que servirá para a resolução do litígio em concreto.
Compreendo que quando o legislador constituinte, em 1989, exactamente dada a sua ideia de ultrapassar a querela entre notificação e publicação, colocou no preceito a expressão "a forma prevista na lei" queria, com certeza, ter em vista um possível artigo 70.º do Código do Procedimento Administrativo, mas na verdade pode ser interpretado, e tem-no sido claramente pela Administração e pela jurisdição administrativa, no sentido de o termo "forma" abranger muito mais do que isso e pretender incluir claramente, por exemplo, a ideia de que a forma da notificação pode ser oral, alínea a) do n.º 1 do artigo 67.º, ou tácita, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 67.º.
O problema aqui é realmente o deste conhecimento, que, aliás, é clássico. O Prof. Marcello Caetano já colocava esta questão referindo-a como uma das possíveis formas de o particular ter acesso ao acto administrativo para efeito de início de prazo de recurso contencioso e o Prof. Freitas do Amaral também adere a essa tese. Por isso, trata-se de algo que já está densificado na própria doutrina, aliás, penso que isso ajuda a que a jurisprudência administrativa tenha um desenvolvimento claramente inconstitucional mas com base neste inciso que aqui encontramos na Constituição.
Assim, a minha ideia é claramente a de fazer desaparecer este inciso. Penso que não tem nenhuma desvantagem, porque, reparemos, quando se fala da fundamentação expressa também a forma da fundamentação não está remetida para a lei, mas é ela que faz esse desenvolvimento. Por isso, este inciso não traz nada de novo, não precisa de aqui estar para a forma da notificação ser desenvolvida por lei ordinária. Pelo contrário, ao constar da Constituição permite determinados juízos que penso serem contrários
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à ideia do próprio legislador constituinte e ao fim que se tinha em vista ao construir esta norma.
Portanto, minha ideia é realmente fazer desaparecer o inciso "na forma prevista na lei", sem com isso, digo e repito, querer dizer que não é possível - pelo contrário, é possível - o legislador ordinário estabelecer a forma da notificação, como já é possível estabelecer a forma da fundamentação. Penso que com isso se retirava os problemas que este artigo tem.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Luís Sá, adopta esta proposta?
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, creio que esta proposta poderia ser um progresso em relação à situação actual,…
O Sr. Presidente: * Também acho!
O Sr. Luís Sá (PCP): - …na medida em que parece inequívoco que o entendimento da boa doutrina era no sentido de esta remissão para a lei referir-se às "formas previstas na lei", enquanto o entendimento que acabou por prevalecer, designadamente a do legislador ordinário, era de que seriam permitidas situações excepcionais, que acabariam por, em determinados casos que já vimos que são bastante relevantes, fazer com que o direito à notificação ficasse, em alguma medida, esvaziado de conteúdo. E era isto, exactamente, que queríamos evitar, portanto, creio que esta proposta poderia constituir, de algum modo, um progresso em relação à situação actual.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Barbosa de Melo, também vai dar adesão a este ponto de vista?
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Presidente, infelizmente, não vou dar uma adesão tão fácil como isso. Vou tentar explicar bem o que disse na minha primeira intervenção.
Quando nós dizemos, como diz o texto actual, que a notificação é um passo necessário para a perfeição do acto, afirmamos que não havendo notificação o acto não entra em vigor. É precisa a notificação individual: o que está dito no artigo 268.º é que a notificação transforma a declaração de vontade insita no acto administrativo numa declaração de vontade receptícia, portanto, só sendo levada ao conhecimento do interessado é que ela atinge a sua perfeição.
Se eu disser que é sempre obrigatória a notificação, tirando o inciso "na forma prevista na lei", crio um facto que suspende muitos actos, nomeadamente aqueles que são dirigidos a incertos, a desconhecidos, a um grande número de pessoas, etc., onde seja materialmente impossível a notificação individual. Esta é que é a verdade! Senão, dizem uma coisa e tiram logo outra!
O que é importante neste preceito, e foi sempre importante, é dizer-se que sem notificação não há acto administrativo, e há boa jurisprudência que vai neste sentido também. Depois, misturam-se aqui problemas que têm que ver com a dinamização da lei, com a maneira como ela é aplicada.
Hoje, Sr. Presidente, foi aqui invocada a doutrina sobre este preceito, e é correcta! Não há dúvida nenhuma de que a notificação, hoje, pelo que está aqui, é obrigatória! Os Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira fazem raciocínios muito brilhantes, mas neste caso não foi preciso fazê-lo; não é um raciocínio tão brilhante como isso! Não é especioso!
O Sr. Presidente: * Esse não era muito exigente!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * É uma leitura. Hoje, é obrigatória, mas se tirarem esta ideia… O que terá de rever-se é a concretização da lei! Isto é que está mal! O que terá de rever-se é a formação da mentalidade dos juízes, dos administrativos e da Administração e não dar-se um passo na Constituição que cria mais problemas do que aqueles que resolve!
Portanto, do ponto de vista da notificação, a interpretação que é dada a esta primeira fase "os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei(…)", neminem discrepantiae, ou no sentido dos autores consagrados, está correcta, não é preciso mexer nisto. Depois, o não cumprimento do segundo ponto é um vicio de forma. Realmente, os actos administrativos carecem de fundamentação expressa e, se esta falta, trata-se de um vício de forma; é outra questão.
No primeiro ponto, falávamos de um elemento da perfeição do acto e agora falamos de um vício de forma. E também aqui, sinceramente, Sr. Deputado Luís Sá, eu compreendo as razões por que propõe que se altere, mas penso que as obras propostas neste ponto não são de aceitar.
No fundo, o direito à fundamentação é, sobretudo, um direito fundamental dos cidadãos. Penso que se ganhava ao retirar a palavra "legalmente", mas só se pusesse lá outra coisa - mas VV. Ex.as não concordam, porque que já fiz essa tentativa - que é a palavra "juridicamente", ficando assim a constar "direitos ou interesses juridicamente protegidos". Contudo, já aqui discutimos isso uma vez, longa e vastamente, e não deu resultado.
Portanto, considero, salvo muito melhores razões que eu não vejo, que mexer na actual fórmula do n.º 3 do artigo 268.º traz mais problemas do que aqueles que resolve.
Concordo que há muito a fazer na lei ordinária, que há que catar todas estas coisas e saber formular a lei ordinária, até de um modo pedagógico, para a Administração que tem de aplicá-la. Nada vou ensinar à Administração pondo aqui mais uma palavra, que, se calhar, cria mas é outro problema e nenhuma pedagogia leva à Administração.
Nesta matéria há um problema legislativo, seguramente, mas não há um problema constitucional.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.
O Sr. Moreira da Silva (PSD): * Sr. Deputado Barbosa de Melo, permita-me que lhe faça só uma pergunta.
Penso que das suas palavras se pode retirar que entende que se se retirasse do n.º 3 do artigo 268.º o inciso "na forma prevista na lei" não seria possível fazer um artigo 70.º do Código do Procedimento Administrativo, que dissesse, por exemplo, que a notificação poderia ser edital? Seria essa a ideia com que ficaria?
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O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Eu penso que ainda é pior.
O Sr. Moreira da Silva (PSD): * Eu penso que isso não se verificaria.
Considero que, tal como a fundamentação, que, por exemplo, se permite seja feita por mera remissão para informações ou pareceres na fórmula do artigo não está previsto que os actos administrativos carecem de fundamentação expressa na forma prevista na lei, e a lei expressa qual a forma da fundamentação -, o mesmo se passará para a notificação. Ou seja, penso que retirar o inciso "na forma prevista na lei" que existe para a notificação, também não impediria que o legislador ordinário estabelecesse qual a forma da notificação, designadamente a forma edital.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Mas porquê retirar isso? Trata-se de um problema legislativo, não de um problema constitucional!
Nos comentários da Constituição não há dúvidas sérias sobre isto. Contudo, há, realmente, práticas desgraçadas, mas isso é outra questão. E a Constituição não tem uma função pedagógica tão evidente, normalmente tem lápides, depois, é preciso desenvolvê-las, é necessário um discurso legislativo, um discurso administrativo formador da mentalidade das pessoas.
O Sr. Moreira da Silva (PSD): * Sr. Deputado, penso que teria a vantagem de eliminar frases da Constituição e de não aumentá-la; ainda diminuiria mais a Constituição.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, as discussões a partir de certo momento tornam-se "circulatórias".
Sr. Deputado José Magalhães, quer acrescentar alguma coisa, nesta área?
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, desejaria que se chegasse a uma solução positiva, mas estou a ver, Sr. Presidente, que isso não é possível hoje e aqui.
Uma voz não identificada: * Vai ser possível na quinta-feira.
Risos.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, as propostas do PCP não se mostram viáveis.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, permita-me só uma pequena observação.
Eu já me tinha pronunciado sobre a questão anterior, isto é, creio que há, aqui, um ganho, que é a nossa unanimidade de que há um direito à notificação e que as excepções são indevidas. Há também uma divergência, é que, quando se verifica que a prática vai num determinado sentido, uma alteração na Constituição pode ajudar a combater essa prática.
Mas a respeito de uma observação - aliás, eu já não tinha referido esse problema na minha segunda intervenção - sobre a questão de constar do artigo interesses protegidos ou interesses legalmente protegidos, gostaria apenas de sublinhar um aspecto.
Entendo por interesses legalmente protegidos, já, neste momento, não os interesses protegidos pela lei, em sentido formal, mas os interesses juridicamente protegidos, o que significa que são os interesses protegidos por diferentes instrumentos jurídicos, no sentido do bloco legalis, e que abrange, hoje em dia, por exemplo, normas de direito comunitário e outras.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * O bloco da juridicidade.
Apartes inaudíveis, por não terem sido feitos ao microfone.
O Sr. Luís Sá (PCP): - O Sr. Deputado sabe que não vale a pena abrir essa discussão. Só queria dizer que o facto de esta proposta ser rejeitada não significa que eu não entenda por interesses legalmente protegidos os interesses juridicamente protegidos por diferentes instrumentos que não apenas a lei em sentido formal.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos passar à discussão de uma proposta de aditamento para o n.º 5 do artigo 268.º.
Os Srs. Deputados do PS Cláudio Monteiro e outros propõem que o n.º 5 beneficie de um aditamento, que é o seguinte: "(…) incluindo o acesso a meios processuais que permitam intimar a Administração a adoptar ou a abster-se de certo comportamento.".
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro, para apresentar a proposta.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, esta é uma daquelas propostas que já teve oportunidade de ser discutida nos corredores não só da Comissão de Revisão Constitucional como também do próprio Plenário.
Julgo que das propostas que constam do meu projecto esta é daquelas em que tenho maior empenho pessoal, não só pela especial sensibilidade que tenho pelas questões de Direito Administrativo em virtude da minha profissão, quer a académica quer a do foro, mas também porque julgo que é um passo necessário e decisivo para a modernização da Administração Pública portuguesa e para um reforço sensível das garantias dos administrados.
Tenho consciência de que a proposta comporta alguns riscos. Diria que em matéria de contencioso administrativo, infelizmente, normalmente andamos sempre entre a denegação de justiça e o risco da administração dos juízes, ou do governo dos juízes, se se preferir, mas julgo que esse risco pode ser ponderado e calculado, e é esse risco calculado que gostava de propor.
Tem sido interpretação da doutrina e da jurisprudência, de acordo com a tradição napoleónica do nosso Direito Administrativo, que o princípio da separação de poderes, no que se refere às relações entre a Administração e o tribunal, postula a completa independência da Administração perante os tribunais e não o inverso, isto é, e não a independência dos tribunais perante a Administração como, porventura, sucede nos sistemas anglo-saxónicos.
Nesse sentido, construiu-se a tese de que, sendo o contencioso de mera legalidade, isso impedia que os tribunais, por qualquer forma, pudessem imiscuir-se na actividade administrativa, que não pudessem, obviamente, substituir-se
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à Administração na prossecução da actividade administrativa, mas em qualquer caso não podiam sequer dar ordens ou intimar a Administração a praticar actos ou a abster-se de os praticar.
Julgo que essa interpretação, tendo essa explicação histórica, e, porventura, sendo a interpretação adequada ao momento histórico em que ela surgiu, não faz hoje qualquer sentido e constitui, porventura, o maior problema das relações entre a Administração e os particulares e, possivelmente, a principal fonte da insuficiência da tutela jurisdicional dos direitos subjectivos e também dos interesses nela protegidos dos administrados.
No fundo, o que se pretende, obviamente, é permitir algo que, porventura, se dirá que já hoje é permitido pela Constituição, ou seja, autorizar que o legislador ordinário preveja meios processuais que permitam ir para além da mera anulação dos actos administrativos, isto é, que os tribunais não se fiquem pela mera declaração do direito e possam, positivamente, ordenar ou intimar a Administração a praticar actos ou a abster-se de os praticar.
Isto, de certa forma, já é permitido pela lei. O n.º 5 do artigo 268.º estabelece que "É igualmente sempre garantido aos administrados o acesso à justiça administrativa para tutela dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.". Tem-se interpretado este preceito como constituindo a fonte de um princípio de tutela judicial efectiva no contencioso administrativo e já existem casos, na legislação ordinária, de previsão de meios processuais que permitem, efectivamente, ir mais além do que aquilo que é tradicional.
No direito de urbanismo, em particular na matéria dos loteamentos urbanos, até já houve casos de plena jurisdição em que se permitiu que a própria sentença valesse como alvará. Hoje, permite-se a intimação da Administração para um comportamento de emitir o alvará, quer nos loteamentos urbanos quer no licenciamento de obras particulares, que é, de certa forma, o que aqui se propõe: a intimação da Administração a praticar um acto.
Já há casos previstos na própria Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, designadamente no que respeita à emissão de certidões e à consulta de processos administrativos ou burocráticos, em que se permite que o tribunal possa dirigir uma intimação contra a Administração. E existiria, não fosse o carácter restritivo com que a jurisprudência interpreta alguns dos preceitos de Lei de Processo nos Tribunais Administrativos da lei, seguramente, um meio por excelência para obter este resultado, que seriam as acções previstas no artigo 73.º da referida lei, "Acções não especificadas", as quais, tanto quanto tenho conhecimento, nunca foram utilizadas, ou nos poucos casos em que os particulares a elas recorreram os tribunais encontraram sempre uma qualquer excepção para não conhecer do respectivo mérito.
Aliás, tenho notícia - não presenciei o facto - de o próprio Presidente do Supremo Tribunal Administrativo ter dito que essas acções eram as previstas nos artigos anteriores, querendo com isto dizer que não existiam outras acções que não fossem as especificadas nos artigos anteriores, fechando, portanto, completamente a porta à utilização deste meio.
Aliás, julgo que o risco não é excessivo. Diria mesmo que o legislador foi muito mais longe em 1985, quando previu a intimação para o comportamento. Restringiu esse meio processual no plano da legitimidade passiva aos administrados e aos concessionários, mas esqueceu-se que, ao fazê-lo, permitiu muito mais do que aquilo que se permite com a intimação da Administração, ou seja, que o tribunal se substituísse à Administração e que praticasse os actos que por esta seriam devidos.
Esse meio, hoje, começa a funcionar e há já casos exemplares na jurisprudência que levam, inclusive, a que o tribunal possa ordenar o embargo ou a demolição de obras, substituindo-se claramente à Administração, porque quando o particular recorre ao tribunal para requerer a intimação do concessionário, ou do administrado seu vizinho, fá-lo porque a Administração não age.
Portanto, por esta via, embora formalmente o meio não seja dirigido contra a Administração, o que se permite, em rigor, é que o tribunal se substitua à Administração e pratique, ele próprio, aquilo que seria matéria de acto administrativo através de um seu acto jurisdicional. Assim, o que se previu em 1985 é, em certo sentido, mais do que aquilo que se pretende que hoje fique garantido constitucionalmente.
Na verdade, o que hoje se pretende é um meio processual que permita ao tribunal interferir na actividade administrativa, no sentido de intimar a Administração, de dar ordens ou injunções à Administração, mas não que ele se substitua à Administração administrando - não é isso o que se pretende -, e em rigor, através de meios processuais como o da intimação para um comportamento quando dirigidos a particulares ou a concessionários, o que se permite é que sejam os próprios tribunais a administrar, aplicando o direito ao caso concreto e substituindo-se à Administração, em regra, em virtude da sua inactividade.
Apesar de tudo, julgo que hoje em dia há uma maior abertura para a consagração de meios processuais deste tipo. Tanto quanto sei, o projecto do código do contencioso administrativo, que está em circulação e será presente à Assembleia da República muito em breve, dará alguma abertura neste sentido e consagrará meios processuais que permitem efectivamente a intimação da Administração, mas não sei exactamente ainda em que termos, porque não conheço as versões mais recentes desse projecto de código.
Portanto, tendo em conta que esse projecto de código, apesar de tudo, nasce no governo por consulta de várias entidades interessadas, designadamente magistrados e advogados, isso significa, de certa forma, alguma abertura nesse sentido. Assim, não julgo que a inovação seja tão revolucionária quanto eventualmente se possa pensar, porque, porventura, já caminhamos para lá, mesmo no domínio da legislação ordinária, mas julgo que isto é realmente essencial para garantir uma tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados.
Creio que os tribunais administrativos têm, ainda hoje, dificuldade em libertarem-se do seu passado de órgãos da Administração, o que os leva frequentemente a favorecer a posição da Administração em relação à posição dos administrados, em parte porque a lei favorece a posição da Administração relativamente à posição dos administrados, em parte porque os tribunais não têm, apesar de tudo, uma sensibilidade tão grande quanto, porventura, deveriam ter para garantir a tutela efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados.
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É evidente que as mentalidades, quer a da Administração quer a dos tribunais, não se alteram por mera alteração da lei, mas não é menos verdade que é preciso, por um lado, dar um sinal, quer ao poder judicial quer ao poder administrativo, que algo tem de mudar nesse domínio e, por outro lado, criar também condições para que não haja nem mecanismos de fuga nem desculpas para que os tribunais possam furtar-se, por assim dizer, a exercer um efectivo controlo sobre a Administração.
Não é novidade para ninguém o que se faz em matéria de fuga ao conhecimento do mérito das sentenças e eu julgo que seria útil ter uma estatística sobre a quantidade de processos que é decidida com base em excepções meramente formais, que, no fundo, não fazem mais do que obstaculizar o conhecimento do mérito e, portanto, o acesso à verdadeira justiça, a que incide sobre o fundo das questões.
Julgo que seria muito interessante fazer uma análise estatística do número de situações em que os tribunais administrativos dão razão aos administrados com um fundamento em vício de forma ou vício orgânico, permitindo à Administração renovar o acto com o mesmo sentido que o acto tinha inicialmente, com a agravante de permitir que a situação se arraste por três, quatro ou cinco anos e que a posição subjectiva do particular fique ainda mais desprotegida do que ficaria se ele, porventura, não tivesse recorrido. Já agora, julgo que também seria interessante verificar o número de situações em que os tribunais se recusaram a admitir acções para reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos, que se recusaram a admitir acções não especificadas, ou, em última análise, quando chegaram ao fundo da questão e se recusaram a "julgar" com o fundamento de que aquela era uma matéria que cabia no âmbito da discricionaridade técnica ou outra da Administração às quais não cabia ao tribunal sobrepor-se.
Portanto, por uma ou por outra via, julgo que têm sido mais os mecanismos de fuga aos verdadeiros problemas à Administração, do que propriamente o enfrentar daquilo que seria uma verdadeira justiça administrativa.
Aliás, não é por acaso que, hoje em dia, alguns actos administrativos, cujo conteúdo é idêntico ou próximo do conteúdo de actos administrativos praticados em outros países comunitários em virtude da aplicação das disposições de direito comunitário, geram decisões judiciais contraditórias - e isso, porventura, seria normal -, mas contraditórias não apenas no seu sentido, contraditórias, sobretudo, no que diz respeito ao grau de elaboração das sentenças, ao grau de profundidade das sentenças e ao grau de empenho dos tribunais no conhecimento dessas questões.
Por exemplo, eu tenho, por experiência própria, conhecimento de alguns casos que, a propósito de decisões que suspendiam ou retiravam do mercado medicamentos, decisões essas que eram praticadas com conteúdo idêntico em vários países comunitários em virtude de alertas dirigidos por instituições comunitárias no domínio do controlo da saúde pública, conduziram a apreciações jurisdicionais desses actos não apenas contraditórias no que diz respeito ao resultado das decisões, como, sobretudo, distintas no que diz respeito à credibilidade do controlo jurisdicional sobre esses actos. E falo com à-vontade, porque o conhecimento que tenho nessa matéria resulta da experiência que tive como advogado da Administração, em que beneficiei da circunstância de os tribunais administrativos, superficial e levianamente, resolverem as questões com dois ou três parágrafos de fundamentação por remissão à jurisprudência constante dos tribunais, contra decisões equivalentes noutros países, com decisões profundas que conheciam das questões e que analisavam a substância do problema, não se coibindo de ir ao fundo da questão.
Por essa razão, julgo que é decisivo reforçar a garantia que está estabelecida já hoje na Constituição, que tem sofrido alguma evolução positiva. Há uma tradição constitucional portuguesa de estabelecer a garantia em função dos meios processuais já existente: foi assim que aconteceu com a revisão da Constituição de 1933, em 1971, quando se estabeleceu a garantia do recurso contencioso, que depois foi retomado na Constituição de 1976; em 1982, pretendeu estabelecer-se uma garantia que não era mais do que a garantia do meio processual que se visava introduzir na lei ordinária, qual fosse a acção para reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos; em 1989, felizmente a redacção foi alterada e a garantia passou a ser aferida não apenas em função de um específico meio processual, pelo menos naquilo que diz respeito à cláusula geral do n.º 5, mas em função de um princípio de tutela jurisdicional efectiva que, apesar de tudo, ainda não está definitivamente consagrado na lei ordinária.
É essa razão que leva a que a expressão utilizada na proposta de alteração do n.º 4 seja feita por referência à intimação para um comportamento. No fundo vai buscar-se a expressão já hoje utilizada na lei ordinária, embora dirigindo-a contra a Administração e não contra administrados ou concessionários.
No entanto, julgo que a redacção é um problema menor e que, porventura, poderá encontrar-se uma redacção mais feliz para este preceito. No entanto, considero que a redacção, pelo menos, deixa claro que o espírito da proposta é introduzir uma alteração qualitativa quanto ao entendimento da separação de poderes, adequando àquilo que é o entendimento constitucional actual de separação/interdependência de poderes, o que implica que os poderes não são tão separados que possam considerar-se independentes uns dos outros e que há, necessariamente, mecanismos que levam a que uns possam interferir na actividade dos outros. Mas limitando essa interferência, há o necessário para tutelar os direitos e os interesses legalmente protegidos dos administrados, não permitindo, por isso, que os tribunais possam, obviamente, substituir-se à Administração, prosseguindo, eles próprios, a sua actividade.
Julgo que essa diferença deve ser bem marcada, porque se é verdade que, por um lado, no campo do contencioso administrativo temos uma situação de algum défice de justiça, não é mesmo verdade, por outro lado, que nos tempos que correm é preciso ter alguma cautela no que se refere ao reforço dos poderes da magistratura e do poder judicial, em geral, para evitar que se passe de uma situação de oito para oitenta e que, de alguma forma, esse reforço de poderes possa, de alguma maneira, traduzir-se na abertura de uma via para o chamado governo dos juízes, aqui para a chamada administração dos juízes.
Portanto, esse deve ser um risco calculado, com essa baliza e com esse limite, porque eu, mais do que ninguém, sou sensível a esse problema, como já demonstrei noutras discussões e em outros preceitos desta revisão constitucional.
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No entanto, julgo que aqui, apesar de tudo, é preciso ir mais além, sob pena de continuarmos a ter a Administração que temos e que é, fundamentalmente, o resultado da falta de controle dos tribunais.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, está à discussão esta proposta.
Pausa.
Tem a palavra, Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Deputado Cláudio Monteiro, antes de mais nada quero cumprimentá-lo pela maneira como explicitou e fundamentou a sua proposta. No entanto, acho que ela não muda nada do que está aí, não inova nada.
O Sr. Deputado disse há pouco, e bem, que a alteração que ocorreu em 1989 já foi um sinal. Foi esse sinal que era preciso dar!… Só que legislador e a prática judicial tarda a colher sinais. Vai dar agora um outro sinal para quê?!… O que está a propor é o que resulta do n.º 5!… Aliás, este n.º 5, curiosamente - suponho que era da revisão de 1989 -, no fundo traduz o princípio do n.º 4, do artigo 19.º da Bundesgesetz, isto é o princípio constitucional alemão, segundo o qual "a qualquer um que alegue ter sido lesado nos seus direitos está aberta a via judicial." É isso o que diz o texto e, a partir daqui, a lei do processo administrativo criou, como todos sabemos, as acções de impugnação, os recursos que entre nós vêm já referidos desde 1976...
O Sr. Presidente: * É desde 1971.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sim, mas desde 1976…
O Sr. Presidente: * Sim, na nossa Constituição. Na nossa ordem jurídico-constitucional desde...
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Aí já vem lá muito de trás!…
O Sr. Presidente: * Não, constitucional é desde 1971. Só em 1971 entrou na Constituição o direito ao recurso.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Mas já era considerado. O próprio Marcello Caetano já...
O Sr. Presidente: Com muitas excepções.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Mas o próprio Marcello Caetano… É uma coisa curiosa, que tem até a ver com Dr. Mário Soares e o seu exílio forçado: foi para São Tomé, não teve protecção jurisdicional efectiva, embora ele sustentasse que assim era. Mas era inconstitucional nessa altura!...
O Sr. Presidente: Como aconteceu com os militares do caso de Goa, que não tiveram capacidade de recorrer a uma decisão de admissão.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Mas, de qualquer modo, o princípio da protecção jurisdicional efectiva está em 1989 e foi perfeitamente aqui… Aliás, numa fórmula próxima do n.º 4, do artigo 19.º, é igualmente sempre garantido aos administrados o acesso à justiça administrativa para tutela dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. Está aqui dito tudo!… Este interesse está protegido pela ordem jurídica? Está. Então, o seu titular tem direito de acesso à justiça administrativa para obter uma providência jurisdicional que dê satisfação efectiva a este seu interesse ou direito. Portanto, não vejo o que é que adianta!
O legislador ordinário pode consagrar, e consagrou - aliás, o Sr. Deputado já o explanou, e bem -, várias soluções. Pode ir muito mais longe, pode criar um writ of mandamus.
Aliás é curioso, por exemplo, ver a evolução do direito alemão, que tem a ver com a ocupação: na zona da Alemanha ocupada o direito administrativo, nomeadamente este, relativo à protecção jurisdicional, é regulado por leis militares; na zona alemã não ocupada e americana os administrados tinham direito a um writ of mandamus e, portanto, podiam fazer condenar a Administração a abster-se ou a agir num certo sentido.
Na zona de ocupação francesa, o caminho não foi esse mas, sim, o do clássico direito francês, que, aliás, não está tão longe dos factos, não está tão longe dos outros remédios como isso. Basta ler a belíssima obra, aliás clássica, daquele que hoje é um cultor do direito comunitário insigne e que foi um grande administrativista, Prosper Weil, sobre as consequências da anulação dos actos administrativos, para ver que um acto administrativo negativo, quando a Administração recusa corresponder ao requerimento que lhe é feito pelo particular, se é uma recusa expressa é um acto facilmente identificado, mas se for um indeferimento tácito é pretexto para levar a Administração a tribunal e o direito que a Administração tem de se conformar, como diriam os italianos, envolve a prática do acto a que o destinatário tem direito, sob pena da responsabilidade civil da Administração.
Portanto, acho que a lei ordinária pode aperfeiçoar muito aqui. Mas é a lei ordinária, aqui não é preciso mais. O n.º 5 hoje...
O Sr. Presidente: Mas pode ou deve?
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Deve. A lei ordinária deve aperfeiçoar, mas é preciso sabermos distinguir. Aliás, o Sr. Deputado, foi muito sagaz a explicar isso. É preciso cuidado, porque mesmo a lei ordinária tem de ser muito sagaz para não misturar duas funções, que são reciprocamente autónomas.
Sempre que se admite que um tribunal anule um acto à Administração está já a permitir-se que a lei se imiscua no âmbito administrativo. Na lei de 1971 já se deu um grande passo quando se tornou uma justiça delegada, a jurisdição Administração, e agora, quando se jurisdicionalizou, deu-se um passo ainda maior, mas já é uma intervenção.
No entanto, há que ter aqui cuidado, porque o administrador tem responsabilidades, esquemas específicos de responsabilização e o juiz, por definição no nosso direito, não tem, nem deve ter. Portanto, repito, temos de ter cuidado.
Em conclusão, fez bem em apresentar esta proposta, fundamentou-a muito bem, mas, na verdade, ela não é
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necessária, porque aquilo que aludiu, o que anda aí no Código do Processo Administrativo - aliás, suponho que o Prof. Freitas do Amaral tem...
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Já tem uma responsabilidade muito remota.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): A pergunta que me apetece fazer-lhe é esta: então, se esse código sair com este n.º 5 do artigo 268.º em vigor será que vai ser inconstitucional? Não vai, está perfeitamente cabido aqui!
Portanto, fez bem em levantar a questão, mas ela já está coberta pela Constituição, "vigentíssima" nesta hora! E a fórmula do n.º 5 exprime quase à letra o n.º 4 do artigo 19.º da Bundesgesetz e com base neste artigo a lei do processo administrativo alemão, como sabe, criou todas aquelas formas de acção. Para quê? Para garantir a protecção, a resolução efectiva, a que todo o cidadão tem direito.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Fomos ocupados pelos franceses, é esse o problema.
Risos.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Mas mesmo o direito francês, hoje… Aliás - e isso é curioso -, nessa parte o direito comunitário herdou a tradição francesa e não a tradição inglesa, como sabe. Também chegaram mais tarde, pode dizer-se!… Mas ainda hoje, mesmo depois de os ingleses terem chegado, a acção contra as omissões expressas ou tácitas da Administração é um meio de protecção jurisdicional, é um recurso que consta do artigo 176.º do Tratado, como sabe. É essa disposição.
Quando não há decisão, quer os Estados quer os particulares podem recorrer do acto que pediram, do pedido que fizeram, na tradição francesa. Prevalece aqui a ideia francesa.
Fez bem em trazer esta questão, mas acho que agiríamos mal se fizéssemos "obras" na Constituição.
O Sr. Presidente: Os britânicos não participaram na versão inicial do Tratado de Roma?
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Mas depois unificaram. Aceitaram porque isto também chega, porque, no fundo, são duas maneiras, duas tradições que levam a um resultado prático. O que não temos, desgraçadamente, é juízes à altura dos juízes do Conseil d'État em França, nem, se calhar, administrativistas à altura dos comentadores das jurisprudência do Conseil d'État em França. É essa a nossa desgraça!
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, esta matéria, obviamente, é importante.
Estão inscritos, para além de mim, os Srs. Deputados Moreira da Silva, José Magalhães e Luís Sá.
Começarei pela minha intervenção, que é breve.
Srs. Deputados, nem eu nem o Dr. Canotilho tivemos dúvidas em ver no artigo 5.º, introduzido na revisão de 1989, um claro salto sobre a tradicional justiça administrativa anulatória do tipo francês. Portanto, tem havido aí um progresso notável, que exprimimos logo na versão seguinte da Constituição Anotada, como, aliás, é fácil de constatar, e, por conseguinte, em ver aí consagrados os instrumentos processuais necessários para garantir tutela jurisdicional efectiva do administrado contra a Administração, inclusive mandados de fazer ou de não fazer dos tribunais da Administração - isso está escrito desde 1993. De resto, o Dr. Rui Machete, na comunicação que fez ao colóquio que se realizou em Lisboa sobre o 10.º Aniversário da Constituição, anotou devidamente essa nossa observação.
Portanto, para mim, a questão é simples: desde 1989 que existe o dever constitucional de consagrar figuras destas, por conseguinte o problema não é saber se seria constitucional uma lei que o consagrasse mas, sim, o facto de ser inconstitucional a lei que o não consagra desde 1989.
Portanto, há aí um claro défice legal para cumprir o actual estado constitucional e, assim, eu tenderia a aderir a um ponto de vista do Sr. Deputado Barbosa de Melo no sentido de que isso não é necessário porque já lá está. É verdade!… Só que a lei até agora entendeu que não estava e os tribunais continuaram a entender que a lei, apesar de não ter isto, não é inconstitucional, que não há aí um défice inconstitucional. E sendo os writ of mandamus, sendo a parte essencial dessa nova versão da justiça administrativa - não a única, seguramente, mas a principal - e estando ela exactamente em défice do Código do Procedimento Administrativo, penso que a Constituição tornaria impossível a continuada omissão legislativa nesta matéria. Torná-la-ia obrigatória, imperativa, a partir desta revisão constitucional e, mais, imporia aos tribunais encontrar os meios processuais, mesmo sem lei, para começarem a actuar nesse âmbito.
Portanto, vejo nesta norma não uma inovação, que não o é - isto está na Constituição desde 1989 e já devia estar na lei -, mas sim tornar claro perante a resistência do legislador, intimá-lo, notificá-lo de que ele está em falta e que deve dar cumprimento à norma constitucional.
O Sr. Moreira da Silva (PSD): É uma intimação de comportamento ao legislador
O Sr. Presidente: É uma intimação de comportamento ao legislador. É exactamente nesse sentido, Sr. Deputado Moreira da Silva, o bom sentido desta proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, que tem o meio apoio não por ser uma inovação, isto é, por pôr na Constituição algo que lá não esteja mas, sim, por fazer uma intimação ao legislador no sentido de pôr na lei aquilo que já devia de ter posto e não pôs até agora.
Por ordem, têm a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva, o Sr. Deputado José Magalhães e o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Moreira da Silva (PSD): Sr. Presidente, esta proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro coloca-me o seguinte problema de consciência: estou totalmente de acordo com as razões explicitadas, mas, sinceramente, acho que me custa ultrapassar a minha visão de que o n.º 5 chega.
O n.º 5 contém isto e por isso permita-me que aborde duas ou três questões introdutórias, que serão também - e com isso economizo - questões que se referem à proposta seguinte, ao n.º 5-A, relativamente a esta regulamentação,
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que eu chamaria de excessiva, do texto constitucional.
O Sr. Deputado Barbosa de Melo já referiu o artigo 19.º, n.º 4, da Constituição alemã, mas poderiam ser dados outros exemplos, tais como o espanhol ou o italiano, que também, em incisos extremamente curtos, dizem tudo isto. O italiano refere que "todos podem exigir em juízo pela tutela dos seus direitos e interesses legítimos", dizendo o espanhol que "todas as pessoas têm direito de obter a tutela efectiva dos seus direitos e interesses legítimos pelos juízes e tribunais, não podendo, em nenhum caso, ser-lhe negada justiça".
Ora, uma afirmação destas, que era o nosso artigo 20.º da Constituição, tem tudo, inclusive, como o Sr. Deputado Barbosa de Melo também referiu, os vários meios que o legislador ordinário alemão criou para densificar esse inciso constitucional, sem precisar de outros desenvolvimentos.
Penso que o que está a acontecer - e ponho isso à reflexão dos Srs. Deputados -, na nossa prática e esse é, penso eu, o argumento que será relevante para a colocação aqui deste aditamento ao n.º 5 e do n.º 5-A - é dizer-se: mas isto só fez com que fundamentalmente a jurisprudência e o legislador não tivessem sido forçados a ir mais longe.
Assim, o problema que ponho aqui à consideração é o seguinte: ao regulamentarmos, em vez de termos uma norma geral, o artigo 20.º, fomos obrigados a colocá-lo expressamente no artigo 268.º pela Administração Pública; em 1971, e depois em 1976, mantivemos, com algumas alterações importantes, a garantia do recurso contencioso, nos termos em que aqui está especificada; colocar agora concretamente as intimações, colocar eventualmente a impugnação de normas, isso não permitirá - penso que é o que acontece psicologicamente - ao legislador, mas fundamentalmente no juiz administrativo, dizer que "se isto está aqui em especial é porque o resto não está"? Ou seja, se o legislador constituinte sente a obrigação de criar um artigo 20.º especial para a Administração, se sente a obrigação de criar um direito especial de garantia do recurso contencioso, se sente a obrigação de criar uma intimação especial de comportamento da Administração, se sente na obrigação de criar outras formas, é porque tem a noção, como nós juízes temos, que isso não existe, que isso não é um direito do administrado, que o legislador faz bem em não consagrá-lo ou, pelo menos, como o legislador não o consagra não existe! E o legislador também não se sente na obrigação de fazer porque regulamenta o que está na Constituição e a mais não é obrigado!
Se mais regulamentarmos poderá criar-se uma ideia a contrario, ou seja, a ideia de que isto que aqui está, muito bem, são direitos que é preciso consagrar na legislação e serem defendidos pelo juiz, mas os outros não, que é exactamente o raciocínio contrário àquele que encontramos nas outras legislações. Os alemães têm só esta frase, e daqui tiram tudo, tal como os espanhóis e os italianos. Nós não tiramos tudo porque só tiramos aquilo que aqui está, e quanto mais acrescentarmos menos tiramos.
É esta a ideia que lanço à reflexão, ou seja, quanto mais colocarmos, menos tiramos, e isto é o meu dilema. Estou totalmente de acordo em que, se calhar, podemos pôr aqui muito mais coisas, mas o meu receio é que quanto mais pusermos menos direitos tenhamos na prática.
Passo agora, em concreto, à questão do aditamento ao n.º 5 proposto pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro, depois fazendo ainda uma outra consideração, porque as explicações do Sr. Deputado a fundamentar esta proposta foram muito para além dela, o que me permite referir aqui uma outra questão, penso que essa, sim, muito importante.
Relativamente à intimação para o comportamento da Administração, bem referiu o Sr. Deputado na fundamentação da sua proposta que hoje em dia está consagrada uma coisa que é muito mais forte.
A intimação ao particular colaborador da Administração é muito mais forte do que a intimação à própria Administração. Sabe-se que o particular se abstém do comportamento, ou toma o comportamento do juiz, sob pena de incorrer em crime de desobediência, enquanto que a Administração, em muitos casos devido ao seu próprio funcionamento, vai protelando o cumprimento em violação da decisão do tribunal. Por isso, em muitos casos, é muito mais eficaz para a defesa da tutela judicial efectiva a intimação do particular colaborador da Administração do que da própria Administração.
Por outro lado, tendo em conta que há pouco foi aqui formulada a discussão sobre se a Administração deve ou apenas pode, devo dizer que tenho muitas dúvidas quanto ao deve, porque a Administração também evoluiu muito e, mesmo em Portugal, já vários autores analisam essa questão referindo, nomeadamente, que a Administração, hoje, tem uma legitimidade democrática e uma responsabilidade que o juiz não tem.
De facto, o estatuto de juiz, como é atribuído hoje em dia, é muito diferente do estatuto do administrador, como é óbvio, por isso substituir, criar obrigatoriamente uma substituição, privilegiar uma substituição do administrador pelo juiz poderá levar a violações, por exemplo, à violação de uma clara reserva da Administração, que penso existir. Hoje já se fala que o poder discricionário não pode ser totalmente limitado, exactamente porque a Administração tem que manter uma reserva de actuação. Assim, penso que a possibilidade de total substituição do administrador pelo juiz não é algo de bom para a eficácia e mesmo para os direitos dos administrados.
Penso que esta questão está incluída já na afirmação que temos consagrada na Constituição, do direito de acesso à justiça administrativa pela tutela dos direitos ou interesses legalmente protegidos. Se todos ficarmos com esse juízo, penso que já é um dado importante adquirido, colocar essa possibilidade penso que será demais.
O Sr. Deputado também referiu na sua fundamentação e com isto termino a minha intervenção uma questão mais geral, que é exactamente a de toda esta dialéctica dos n.os 4 e 5.
Embora o n.º 4 não esteja aqui a ser alterado, chamo a atenção para aquele que penso ser o problema fundamental, que é o da relação entre o n.º 4 e o n.º 5. Penso que hoje os autores são todos unânimes a jurisprudência menos, mas com claras desculpas numa questão fundamental…
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - A subsidariedade!
O Sr. Moreira da Silva (PSD): * Ora bem! Essa é que penso ser a questão fundamental! O Sr. Deputado disse-o na sua fundamentação, por isso me permitiu agora expender
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esta questão. Penso que isso é fundamental e que ganharíamos se o discutíssemos um pouco.
Hoje em dia, é aceite pelos autores que a nossa Constituição fixa em paridade estes dois meios processuais, o recurso e a acção. O problema é que o nosso legislador ordinário não fixa em paridade e a nossa Constituição, se calhar psicologicamente, autoriza esse juízo do legislador (já vou tentar explicar este pensamento). Se nunca alterarmos essa questão nunca vamos conseguir resolver o problema do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967 - o malfadado artigo 7.º! , relativo à indemnização por responsabilidade da Administração, que obriga a conjugar o recurso contencioso com o pagamento de indemnização eventualmente apurada, como também nunca vamos conseguir resolver o problema do artigo 69.º, n.º 2, da lei de processo relativo à acção para reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos.
Penso que a questão psicológica está resolvida, mas coloca-se em dois aspectos. Em primeiro lugar, na ordem da Constituição. O artigo 268.º, n.º 4, segundo a tradição de 1971, fixou a garantia do recurso contencioso de anulação. Veio posteriormente, no n.º 5, a consagrar o direito de acesso à justiça administrativa. Ou seja, está primeiro, no n.º 4, o recurso contencioso e depois o acesso à justiça administrativa, quando logicamente deveria ser ao contrário. Até se calhar…
O Sr. Presidente: * Não! Logicamente, a inclusão do n.º 5, em 1989, devia ter substituído o n.º 4, pura e simplesmente!
O problema foi o acrescento em vez da substituição.
O Sr. Moreira da Silva (PSD): * Eventualmente, deveria haver a garantia do acesso à justiça, designadamente garantindo o recurso de anulação - se se quisesse manter a forma clássica. Primeira questão.
Depois, penso que ainda mais grave para a questão psicológica é no n.º 5 dizer-se "é igualmente sempre garantido", o que dá claramente a ideia de haver uma subsidariedade. É garantido o recurso contencioso de anulação e é igualmente garantido o acesso à justiça administrativa, o que, de forma clara no legislador e fundamentalmente no juiz, dá ideia que o entendimento que deve fazer-se do artigo 7.º ou do artigo 69.º da LEPTA, por exemplo, é no sentido da subsidariedade.
Penso que ganharíamos, se chegássemos a essa conclusão, ou em unificar o n.º 4 e o n.º 5, alterando a ordem, ou em alterar a redacção para "o acesso à justiça, designadamente o recurso contencioso de anulação", ou, eventualmente, em retirar do preceito a palavra "igualmente", que penso pesar nesta questão.
O Sr. Presidente: * Pela ordem de inscrição, pediram a palavra os Srs. Deputados José Magalhães, Luís Sá e Calvão da Silva.
Srs. Deputados, gostaria que acabássemos, pelo menos, este número do artigo 268.º nesta reunião.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente e Srs. Deputados, creio que este debate terá consequências positivas, desde logo na reafirmação dos bons princípios que presidiram, nesta parte, à Revisão Constitucional de 1989, mas proponho e suponho que podemos e devemos ir além.
O Sr. Deputado Barbosa de Melo, há pouco, deixou implícita uma sugestão. Não sei se será possível um casamento entre essa sugestão e aquilo que resulta da proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, mas, em qualquer dos casos, a reafirmação pura e simples do conjunto de princípios e da atitude de decisão que esteve subjacente à Revisão de 1989 nesta sede é hoje relevante, sobretudo nos termos em que foi feita.
Creio que é de lembrar e de saudar o esforço feito então. O Sr. Deputado Rui Machete teve um papel determinado nessa matéria, bem como o Sr. Deputado António Vitorino, sendo que também eu tinha apresentado uma proposta que ia em sentido similar. Por isso, obviamente, foi extremamente positivo que se gerasse um consenso total nesse domínio, como de facto se gerou.
A doutrina percebeu, e em certo sentido consolidou, o que tinha sido feito de maneira inequívoca em sede de revisão constitucional, mas se hoje desejasse rememorar esse tempo e dar-lhe um título usaria o seguinte: artigo 268.º, ou a angústia do legislador constituinte posto perante o saldo de anos de frustração.
De facto, assim foi, mas nenhuma das coisas que geraram essa frustração teve que ver com a norma constitucional, antes teve que ver com a nossa história política e político-administrativa num determinado ciclo e com a impossibilidade prática, por várias razões, de aplicar, de desenvolver - não digo até de potenciar - o legado constitucional, a directriz constitucional nesse domínio.
Suponho que essas condições tendem a melhorar nessa parte. Não perfilho o ponto de vista segundo o qual a Administração que temos é o resultado da falta de controlo dos tribunais. Infelizmente, é-o, sem dúvida, mas só numa parte. O drama da nossa Administração é hoje bem mais complexo no fim do século, numa era em que não conseguiu modernizar-se e continua a ser mal qualificada, tecnicamente ignorante, surda e "secretista".
Ora, a conjugação destas coisas todas numa era de crescente exigência e de impaciência dos cidadãos perante uma Administração ineficaz e cara, distante e, por vezes, de uma arrogância completamente intolerável, sem que ao mesmo tempo haja respostas fiáveis, tanto no interior da Administração como no que diz respeito ao controlo jurisdicional, gera uma situação muito grave de défice democrático e de défice na fruição de bens que é suposto a Administração Pública produzir.
Talvez por isso, mais do que discutir tribunais, nesta matéria tendemos também a ser levados a reflectir sobre a Administração e a sua reforma, o que nos faz, hoje em dia, discutir temas que, obviamente, não invocarei senão a título de menção, como seja a participação de representantes do interesse da própria gestão, mecanismos de concertação, o deferimento tácito - e não apenas o indeferimento tácito - como arma em certas situações, a administração negociada, a criação de autoridades administrativas independentes, a privatização, ou seja, o fim da Administração Pública como tal, a amputação e a transição para uma outra modalidade de gestão de interesses, em alguns casos muito mais vantajosa e muito mais eficaz, noutros casos não. E isto acontece numa era de globalização, o que felizmente torna mais complexo, em muitos casos, o processo de decisão, porque, entre outras
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coisas, multiplica as instâncias jurisdicionais disponíveis e, no caso europeu, dá uma dimensão de cidadania europeia à intervenção junto das autoridades judiciais e até junto dos tribunais de outros Estados membros; é essa a grande diferença entre esta discussão de 1996 e as discussões de 1976, de 1982 e de 1989.
Hoje em dia, felizmente, pensamos cada vez mais em termos de acção à escala da União, portanto, em muitos casos, é mais eficaz ir obter uma informação determinada junto do Governo sueco (o que posso fazer) ou junto do Governo britânico (o que também posso fazer e farei melhor, suponho, daqui a uns meses, num outro contexto político) do que junto das instâncias nacionais. Também posso beneficiar da "parcerística" abundante, dos documentos de qualificação, dos trabalhos científicos e dos elementos de decisão que estão à nossa disposição a essa escala.
Dito isto, Sr. Presidente, quanto a esta proposta o Sr. Deputado Cláudio Monteiro fez uma exposição muito interessante e bastante documentada sobre uma série de vícios, que todavia não responde a duas questões. A primeira é a seguinte: o que não está garantido pelo n.º 5? A segunda é esta: que mecanismos de fuga são contrariados pela proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro?
A resposta à primeira questão foi dada inequivocamente. Nada daquilo que é sugerido deixa de estar garantido no n.º 5. Obviamente, o Sr. Deputado propõe uma explicitação e eu, francamente, só posso ver com bons olhos uma explicitação daquilo que é, digamos, uma das componentes do preceito em vigor.
Quanto aos mecanismos de fuga contrariados por esta proposta, nenhum dos que o Sr. Deputado enunciou é contrariado por ela. Nenhum, literalmente!… E fez uma análise em todos os azimutes dos défices existentes, desde a justiça não assente no conhecimento do mérito até ao primado dos vícios formais e orgânicos, até à recusa de implementação de figuras, até ao mau entendimento de outras, até às decisões contraditórias, que também foram mencionadas, etc., e esse retrato, suponho, pode ainda ser agravado, sobretudo se introduzíssemos um meio quantitativo para medirmos até que ponto o que estamos a discutir, este número de decisões, é uma pequena ponta do grande icebergue das coisas que não chegam ao conhecimento dos tribunais, sendo isso parte da nossa injustiça administrativa. Nenhuma dessas coisas tem directa relação com a proposta, porém, creio que seria positivo darmos algum passo nessa matéria.
O Sr. Deputado Moreira da Silva terá aventado a possibilidade de sublinhar, no n.º 5, o princípio da paridade de meios, ou seja, a supressão de alguma da componente que está no início, o "igualmente sempre". Francamente, isso poderia ser interessante, suponho.
A proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro é interessante, sendo que lhe aditava, pura e simplesmente, a expressão "nos termos da lei" na parte final. Faz menção a uma componente, mas não faz menção a outras, obviamente.
Não creio que o Sr. Deputado Moreira da Silva tenha razão quando enuncia aquilo a que eu chamaria os princípios horrendos das revisões constitucionais: quanto mais pusermos na Constituição, menos direitos temos na prática. Creio que não podemos aceitar esse princípio horrendo neste domínio ou noutro qualquer. Essa lei de bronze não está escrita em sítio nenhum!
O Sr. Presidente: * Pelo contrário! A lei de bronze é que os progressos se fizeram a golpes de Constituição!
O Sr. José Magalhães (PS): * Exactamente! E nesta matéria temos custosamente conseguido na lei constitucional aquilo que, depois, demora a consagrar tanto em sede de lei ordinária como, sobretudo, em termos de prática de vivência. Mas também não tenhamos ilusões: se os olhares se voltam exclusivamente para a Administração e para os juízes, esse olhar é deficitário. É preciso que olhemos para a sociedade e que pensemos nos factores que levam a mecanismos de agregação, de estudo, de "parcerística", de luta de opinião, de acção colectiva, de acção popular propriamente dita, de organização para a defesa de interesses, de estudo e defesa pública através de campanhas multímodas desses interesses, por parte de organizações, por parte de grupos avulsos de cidadãos, por parte de constelações agregadas de interesses que depois se desfazem, que conhecemos de outras sociedade e que não temos entre nós. Ou conseguimos tomar medidas também no caminho para esse tipo…
O Sr. Presidente: * Não somos os Estados Unidos, Sr. Deputado José Magalhães!
O Sr. José Magalhães (PS): * Não, mas temos aqui bem ao pé, nas fronteiras da União Europeia, exemplos concretos de Estados, que seguramente não estão separados de nós por qualquer elemento genético ou por qualquer fatalidade, onde as sociedades civis conseguem organizar-se para, neste terreno, usarem respostas.
Há um caso, para mim extraordinariamente flagrante, em que também poderia falar da palavra frustração, que é o da acção popular, em que a esplêndida boa vontade e generosidade constitucional e, depois, embora tardia, a bem intencionada consagração legal unânime - esse é o aspecto irónico também destas démarches -, unanimidade quase triunfal, com música de Handel ao fundo, foi seguida de um silêncio ou do barulho irritante do disco que toca já na espira onde não há som. É esta, ainda, uma forma breve e, suponho, rigorosa de retratar a nossa circunstância política.
Portanto, façamos o que está ao nosso alcance nesta sede. Fazer o que está ao nosso alcance nesta sede é, provavelmente, dar paridade aos dois mecanismos, recurso e acção, e, por outro lado, acrescentar e densificar alguma coisa em relação ao legado de 1995, mencionando prudentemente "nos termos da lei".
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, não queria encerrar esta sessão da manhã sem, ao menos, dar o Sr. Deputado Luís Sá a perspectiva do PCP nesta matéria. Se o Sr. Deputado Calvão da Silva já não tiver tempo para intervir ficará para a sessão da tarde.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, a minha intervenção vai ser breve, porque creio que o fundamental está dito.
Julgo que é pacífico, a partir desta discussão e creio que também isto é um ganho, tal como aconteceu com o número anterior que discutimos , o entendimento de que na Revisão Constitucional de 1989, nesta matéria, foi
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estabelecida uma verdadeira obrigação, e não uma mera possibilidade, de superar a justiça administrativa, entendida como contencioso de mera anulação.
Creio que também é evidente que, independentemente das aparências, o bom entendimento vai no sentido de não haver, nesta matéria, um papel meramente subsidiário das acções, intimações para um comportamento ou outros meios de justiça administrativa, em relação ao recurso de anulação.
Um problema que também me parece bastante óbvio é o de a análise da legislação ordinária em vigor revelar uma nítida falta de conformidade entre aquilo que apontou o legislador de Revisão Constitucional em 1989 e aquilo que consta da lei ordinária.
Creio que é significativo, por exemplo, que no Código do Procedimento Administrativo, no artigo 86.º, apenas quando os particulares ou os concessionários violarem normas de Direito Administrativo existam meios como a intimação para um comportamento, que, naturalmente, é algo que não pode continuar de forma nenhuma a ser mantido. Sabemos também que meios deste tipo são extremamente raros. Existem, por exemplo, em diplomas como a lei que regula o acesso aos documentos da Administração Pública (em geral, existe o direito de consulta a documentos e processos ou a intimação para a passagem de certidões) e existem também as situações concretas e limitadas no âmbito do Direito do Urbanismo que foram igualmente referidas. Em geral, o grande clamor que existe da parte dos meios jurídicos é o de uma carência de meios processuais, potenciada, por vezes, por tribunais, por actuações da jurisprudência, no entanto, creio que acima de tudo é a própria legislação ordinária que está carenciada nesta matéria.
É evidente que neste plano podemos apelar ao legislador ordinário para que ele persistentemente vá preenchendo o enorme défice existente nesta matéria, mas, tal como tem sido, aliás, entendimento em matérias referidas anteriormente, creio que quando verificamos grandes carências por parte da prática, por parte do legislador ordinário, em matérias que têm que ver com direitos fundamentais, com direitos dos administrados, a boa actuação da parte do legislador de revisão constitucional é dar um sinal neste sentido, e não propriamente limitar-se a dizer que já está actualmente previsto na Constituição.
É evidente que já está actualmente previsto na Constituição; estou inteiramente de acordo com isso. É evidente também, para mim, que está previsto na Constituição sem carácter subsidiário, para além das aparências. Julgo, entretanto, que a análise da prática existente justifica, quer obras, no sentido em que foram aqui referidas pelo Sr. Deputado Moreira da Silva, que clarifiquem que esta natureza subsidiária não existe, quer obras, como as propostas pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro, que apontem para uma dignidade das figuras, que vão mais no sentido dos tribunais anglo-saxónicos, isto é, de impor em vez de agir, e superar definitivamente na prática o entendimento da justiça administrativa como justiça de mera anulação.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): * Sr. Presidente, vou tentar ser breve.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, a impressão que colhi quando li estas coisas foi que, se ainda não era assim, algo devia estar muito mal no ponto de vista do Direito Administrativo. No ponto de vista civilista isto era simples demais para não ser verdade, mas pelos vistos há uma tradição histórica que explica tudo isto, por que há aqui artigos que estão, de algum modo, em condições de ter uma síntese entre os dois, nomeadamente o n.º 4 e o n.º5. Se a isso acrescentarmos o n.º 5-A que o PS propõe agora, ainda mais razões há para termos em conta uma benfeitoria a introduzir. Os n.os 4, 5 e 5-A, da proposta do Partido Socialista, devem ficar todos num só artigo. É uma das sugestões que faço também.
Em segundo lugar, quero dizer que se aquele princípio que temos no Código do Processo Civil estivesse na Constituição era a mesma coisa, mas se estiver, pelo menos, no processo administrativo seria seguramente valioso, apesar de por remissão lá estar no artigo 1.º do Código do Procedimento Administrativo. Refiro-me à ideia de que a todo o direito corresponde uma acção. A partir daí isto era muito simples!… Mas por remissão já lá está, de facto, na lei do processo administrativo, logo no artigo 1.º, mas é só supletivamente. Porém, era bom que fosse bem clarinho, pelo menos no ponto de vista do legislador ordinário, que a todo o direito corresponde uma acção. E depois o Direito Civil inventou coisas que nunca ninguém tinha nas leis, nomeadamente as acções inibitórias, seja enquanto procedimentos cautelares, seja enquanto acções propriamente ditas!…
Inventámos isso, não tivemos dificuldades em fazê-lo, mas, claro, neste domínio é capaz de ser diferente, pois há os problemas da Administração, da reserva da Administração e da intromissão, ou não, dos juízes neste domínio. Portanto, há aí uma especificidade que, com certeza, os especialistas terão em conta, mas eu, que estou de fora, diria que os n.os 4, 5 e 5-A deviam ficar num só artigo.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Presidente, não se ganha nada, mas o arranjo destes dois números é que está aqui desencontrado; é só isto!
Sr. Deputado Cláudio Monteiro, faço-lhe um desafio no sentido de refazer a sua proposta e, depois, vamos apreciá-la. Mas deixe-me dizer quais são as razões por que a sua proposta está mal formulada (agora são críticas).
A sua ideia era boa, mas a maneira como a executou trai a generosidade da sua intenção. Sem prejuízo de não estarmos aqui a introduzir nada de novo é esta a convicção em que todos estamos , há uma nota ligada à intervenção do Sr. Deputado Moreira da Silva que é preciso aqui jogar, concretamente quando ele disse "se vamos meter aqui mais coisas deixamos coisas de fora". É claro que a leitura que depois se fez disto tem outras nuances.
O que faz aqui o Sr. Deputado? Propõe que o legislador não se esqueça de arranjar meios processuais de intimar a Administração para certo comportamento. Já anda aí nas leis a intimação para a consulta de documentos e passagem de certidões; isto são comportamentos. Em termos de princípio da divisão de poderes e da história da jurisdição administrativa nas suas relações com a Administração,
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o difícil não são os comportamentos administrativos, sempre houve acções de responsabilidade, etc. Quanto aos factos, aos comportamentos, é fácil prever acções para eles, já estão previstas desde sempre, numa relação jurídica de paridade, digamos assim.
O difícil é admitir que o juiz dê uma ordem à autoridade administrativa para emanar um acto administrativo, um acto jurídico, que é da sua competência própria. A dificuldade está aqui, sendo que a sua fórmula não responde a isto! Quanto a intimar para comportamentos já há para aí coisas, mas não chega!…
Se quer deixar bem explícita a ideia de que a Administração pode receber injunções do tribunal, que representarão uma revolução na protecção geral efectiva dos cidadãos, tem de falar em actos, aliás, é o que acontece não só nos direitos internos, no caso do direito alemão, como até no Direito Comunitário. São sempre actos, porque só aí é que está a questão! Os comportamentos da Administração sempre estão sujeitos aos meios petitórios gerais!
Portanto, o meu desafio é este: tenha isto em atenção, pegue nos n.os 4 e 5 e tente pensar só em actos de autoridade - porque aí é que está a questão -, quer para os anular, quer para condenar a Administração a emanar alguns textos. Pense nisso e, então, talvez dê um passo que fique explícito, porque o que está aqui não vai a sítio nenhum - este é o desafio que lhe faço.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Dê-me a hora do almoço para corresponder ao desafio.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, penso que com este desafio podemos encerrar e que é estimulante, Sr. Deputado Cláudio Monteiro, ter um almoço de reflexão.
Srs. Deputados, vamos interromper os trabalhos.
Eram 12 horas e 40 minutos.
Srs. Deputados, está reaberta a reunião.
Eram 15 horas e 35 minutos.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, vamos proceder à audição de alguns membros da Associação Portuguesa de Marketing Directo, nomeadamente o seu Presidente Jorge d' Orey Pinheiro, o Secretário-Geral João Navais de Paula e o assessor jurídico e Presidente da Assembleia Geral Pedro Sáragga Leal.
Dou a palavra ao Sr. Presidente para apresentar a pretensão e, depois, de acordo com os nossos procedimentos normais, os Srs. Deputados, terão oportunidade, se o quiserem, de pedir esclarecimentos ou comentários e, no final, o Sr. Presidente usará outra vez da palavra para fazer uma intervenção final.
Tem a palavra o Sr. Presidente.
O Sr. Jorge d'Orey Pinheiro (Presidente da Associação Portuguesa de Marketing Directo): * Sr. Presidente, minhas senhoras e meus senhores, é uma grande honra para nós estar aqui.
A Associação de Marketing Directo foi constituída há uns anos e teve sempre a preocupação de estar dentro das leis e daquilo que se tem praticado na Europa.
O problema da protecção de dados tem sido uma preocupação nossa, até antes de termos constituído a associação.
A nossa indústria, a nossa actividade económica é já, hoje em dia, bastante importante. Estimamos as nossas vendas em cerca de 50 milhões de contos. E, no entanto, temos tido algumas dificuldades, porque, com a lei da protecção de dados e com toda a má informação em relação à nossa actividade, tem sido um pouco difícil desempenhar a nossa actividade tal como gostaríamos.
Gostava de falar num código de ética e de conduta que fizemos e que iremos amanhã apresentar publicamente, em conjunto com a Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados, porquanto é um código de conduta importante na medida em que regulamenta a nossa actividade de acordo com a lei existente.
No entanto, a nossa visita é principalmente para chamar a atenção, na altura em que se revê a Constituição, para o facto de ser importante para nós que o artigo 35.º da Constituição seja alterado.
O Sr. Presidente: * Mas, que pontos do artigo 35.º é que, sob o ponto de vista da Associação, são relevantes?
O Sr. Jorge d'Orey Pinheiro (Presidente da Associação Portuguesa de Marketing Directo): * Há um ponto principal que penso que é o n.º 2 sobre a interconexão de dados e a sua transposição para o estrangeiro. Esse é um ponto essencial para a nossa actividade e, tal como está, penso que se torna um pouco difícil a interpretação da Constituição para a nossa actividade.
O Sr. Presidente: * Algum dos membros da Associação pretende dar um contributo?
O Sr. Pedro Sáragga Leal (Assessor jurídico da Associação Portuguesa de Marketing Directo): * Se me é permitido, comentaria a matéria constante do n.º 2 do artigo 35.º.
Gostaria de recordar que este artigo da Constituição já foi revisto em 1992, tendo sido feitos, nessa altura, pequenos acertos pontuais. Não se mexeu no âmago das questões e o artigo, por sua vez, já vinha de um texto anterior, que estava eivado de um princípio - se me é permitido dizer - muito restritivo.
No que respeita à questão da interconexão e do acesso de terceiros a ficheiros, o texto constitucional consagra o princípio da proibição. O texto diz que "é proibido o acesso a ficheiros e a registo informático para conhecimento dos actos pessoais relativos a terceiros e respectiva interconexão, salvo em casos excepcionais previstos na lei". Este princípio parece-nos, hoje, completamente desactualizado, não se encontrando em linha com a realidade da vida e parece-nos que, nesta matéria, o princípio a consagrar constitucionalmente, como diploma fundamental, já que é um diploma quadro, devia remeter para a legislação ordinária a definição dos casos e das condições em que a interconexão e o acesso a ficheiros de terceiros se podem divulgar.
Parece-nos que a definição no texto constitucional de um princípio de proibição, admitindo unicamente que a proibição não se aplique em casos excepcionais, e cito o texto: "salvo em casos excepcionais", é demasiado limitativa,
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não tem em conta as realidades da vida moderna e as exigências da actividade do marketing directo. Nessa medida, o nosso desejo é o de que esta matéria seja eivada por um princípio diferente, o princípio de que seja a lei ordinária a definir as condições em que a interconexão e o acesso aos ficheiros deve ter lugar.
O Sr. Presidente: - Sr. João Novais de Paula, quer acrescentar alguma coisa?
O Sr. João Novais de Paula (Secretário-Geral da Associação Portuguesa de Marketing Directo): * Já agora, Sr. Presidente.
Esta petição que a Associação acaba de fazer a VV. Ex.as para terem em conta na eventual revisão prende-se, também, no âmbito dos dois aspectos citados pelo Dr. Sáragga Leal, com a necessidade ou com a conveniência da transposição de directiva europeia sobre protecção de dados, já aprovada pelos Estados-membros, em Outubro do ano passado, e que, certamente concordarão, encontra algumas restrições, tendo a conta a forma como o artigo 35.º está formulado, à possibilidade de adaptar a lei existente ou reformular a lei de uma maneira mais consentânea com a realidade actual.
Há também um ponto que não gostaria de deixar ficar esquecido, que é o de sermos o único país onde a morada consta como um dado confidencial.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, está aberto o período de pedidos de esclarecimentos ou de comentários por parte dos membros da Comissão.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, tivemos ocasião de propor e o Sr. Presidente diligenciou no sentido de a Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados ser consultada sobre esta matéria, o que aconteceu. A Comissão elaborou um documento que eu proponho que seja transmitido ou que seja facultada uma cópia aos representantes da Associação que agora nos visita, porque esse parecer, que é um documento cuidadoso, por um lado, pondera as questões que a vossa Associação enuncia e de que nos deu conhecimento através de um documento que pude ler e, por outro lado, adianta uma série de propostas.
Na segunda leitura, uma vez que estamos, neste momento, a fazer a primeira, creio que deveremos ter ocasião de ponderar essas questões. Porque, na verdade, há dois tipos de questões. Há as que se colocam a nível de revisão constitucional e há outras mais simples, que se colocam a nível da elaboração ou da revisão da Lei n.º 10/91. Vamos ter que articular as duas coisas, mas essa articulação é muito fácil, porque estamos a controlar parlamentarmente os dois processos; temos conhecimento da directiva europeia, ela própria está a ser objecto de reapreciação, agora num contexto em que temos mais presente a realidade de redes electrónicas mundiais, em especial a Internet e, portanto, a ponderação das fragilidades das directivas está a feita no âmbito da União Europeia.
Portanto, na verdade, temos não dois, como enunciei, mas três problemas em articulação: a directiva no seu conteúdo actual, a possível revisão da directiva face a fragilidades detectadas e a lei ordinária em articulação com o quadro normativo constitucional. O que quer dizer que se encolheu muito o campo de reflexão e estamos inteiramente disponíveis para fazer essa reflexão até ao fim, articulando e conduzindo todos estes processos de forma harmoniosa.
O princípio de que partimos é o de que há limitações constitucionais excessivas. O outro princípio, estrela polar, é o de que, obviamente, é necessário defender a liberdade e a privacidade dos cidadãos, sendo este um objectivo indeclinável e próprio de sociedades como a nossa, por mais electrónicas que sejam, ou quanto mais electrónicas forem mais será necessário acautelar, ao mesmo tempo salvaguardando as condições para o comércio electrónico, uma melhoria da actividade da Administração Pública, uma maior eficácia no combate à fraude, ou seja, uma constelação de valores para os quais temos, portanto, estrela polar, temos instrumentos desactualizados e temos um esforço que esta revisão deve impulsionar.
Portanto, a vossa contribuição, deste ponto de vista, é muito importante, tal como é importante que tenham avançado para a elaboração de um código de conduta, que, suponho, será apresentado amanhã, sendo um esforço de auto-regulação muito importante, uma vez que, nesta matéria, não se pode viver apenas da lei, ainda que ela continue a ter um papel essencial e determinante.
Portanto, é com muito prazer que verificamos essa evolução, que é em si mesma positiva, e que é uma condição para a própria lei poder ser flexibilizada, uma vez que da flexibilização não resultará, num contexto desse tipo, uma fragilização das barreiras de defesa dos cidadãos.
Era isto que gostava de vos transmitir, manifestando obviamente muito apreço pela vossa deslocação a esta Comissão.
O Sr. Presidente: * Gostaria de vos dar duas notas.
Em primeiro lugar, na primeira leitura a Comissão prescindiu de tomar posições definitivas sobre esta matéria e pediu, por iniciativa própria, o parecer à Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados, parecer que já foi transmitido e que, obviamente, está à disposição não só dos Deputados, a quem já foi comunicado, mas também dos senhores. Portanto, vou diligenciar, de acordo com o pedido Sr. Deputado José Magalhães, no sentido de que o documento vos seja transmitido.
O parecer vai justamente no sentido de alguma flexibilização no texto constitucional nesta matéria. A própria Comissão entende que uma adequada e justa protecção dos direitos pessoais não carece de tantas cautelas como aquelas que hoje constam da Constituição. Mas, obviamente, é a Assembleia, são os Deputados aqui presentes que têm ainda de discutir e de decidir. Portanto, nada disto pode ser adquirido e todos os elementos, inclusive o parecer da Comissão, são apenas de reflexão e não mais do que isso.
Portanto, nesse aspecto, como Presidente da Comissão, compete-me não apenas agradecer o facto de terem feito a petição, mas também os elementos que a Associação nos trazem, já que eles são sempre bem vindos e, certamente, serão justamente tidos em conta juntamente com o parecer da Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados.
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.
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O Sr. Miguel Macedo (PSD): * Sr. Presidente, queria também, em nome do PSD, agradecer o contacto que tivemos com a Associação Portuguesa de Marketing Directo, que apresenta, a propósito da revisão constitucional, uma das matérias mais candentes nas sociedades modernas, neste momento.
Aquilo que quer o Sr. Presidente, quer o Sr. Deputado José Magalhães disseram sobre esta matéria é rigoroso e julgo, aliás - e quero também anunciar esta posição -, que a abertura que a Comissão Nacional de Protecção dos Dados Pessoais Informatizados manifesta hoje em relação a um entendimento mais flexível do princípio constitucional que - não podemos esquecer - é um princípio de salvaguarda de direitos fundamentais dos cidadãos, tem muito a ver com o aperfeiçoamento que, há uns anos, foi introduzido na própria operacionalidade da Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados e que permitiu que essa Comissão pudesse desempenhar com mais eficácia a alta responsabilidade que tem nestes domínios.
O PSD, como é evidente, está aberto a esta discussão, mas, devo dizer que tem de ser muito ponderada face a um conjunto de circunstâncias, sendo que a maior parte delas são realidades novas nas sociedades de hoje.
Portanto, sem prejuízo da abertura que temos para esta discussão, queremos marcar também uma posição dizendo que para nós há alguns dados pessoais que são intangíveis por quem quer que seja e que devem continuar a ser salvaguardados em termos constitucionais.
Não julgo que se deva afastar da Constituição uma parte, pelo menos, do princípio que está consagrado no artigo 35.º. Julgo ser possível avançar no sentido de conferir a tal flexibilização, remetendo para a lei ordinária as condições concretas, designadamente a forma como a interconexão de dados se pode processar.
Repito, o PSD está aberto a isto e vamos, obviamente, reflectir na segunda leitura ainda mais sobre o parecer que nos foi enviado pela Comissão.
Esta é uma matéria complicada e justamente por isso, aliás, é que em relação ao n.º 2 nenhum dos partidos, como sabem, apresentou propostas de alteração ao texto que está em vigor neste momento. Mas, a todo o momento a Comissão tem, assim queiram os seus Deputados e os partidos, a possibilidade de, reflectindo sobre esta matéria, poder ela própria propor alterações.
O Sr. Presidente: * Se nenhum dos Deputados quer fazer mais nenhuma consideração, dou a palavra ao Sr. Presidente da Associação para proferir a sua intervenção final.
O Sr. Jorge d'Orey Pinheiro (Presidente da Associação Portuguesa de Marketing Directo): * Muito obrigado, Sr. Presidente.
Srs. Deputados, quero só reforçar a nossa posição, independentemente do parecer da Comissão de que não temos conhecimento,…
O Sr. Presidente: * Mas vão ter!
O Sr. Jorge d'Orey Pinheiro (Presidente da Associação Portuguesa de Marketing Directo): * ... e dizer que deixaremos com o Sr. Presidente alguns exemplares do nosso código de conduta para serem distribuídos pelos Srs. Deputados.
O Sr. Presidente: * Como todos saberão, este código é uma manifestação de auto-revelação espontânea das actividades económicas, na fórmula que hoje está a ser generalizada em relação a muitas actividades económicas.
Este código é precedido de uma deliberação da Comissão Nacional da Protecção de Dados Pessoais e Informatizados, na qual verifica que as soluções preconizadas pelo código respeitam genericamente o disposto na lei relativa à protecção de dados pessoais face à informática e congratula-se pela elaboração deste código de conduta, que poderá contribuir para a transparência da actividade de marketing e para a efectivação de direitos dos cidadãos, maxime dos direitos de recusa, de acesso e de eliminação.
Obviamente, procederei à distribuição de exemplares a quem o desejar, os quais, desde já, ficam à disposição.
Cabe-me, finalmente, agradecer a vossa presença, os esclarecimentos que nos deram e garantir-vos, obviamente, sem qualquer compromisso quanto às soluções, que as vossas opiniões serão tidas em conta na redacção final a que vamos proceder, já que na primeira leitura, tomámos o cuidado de não avançar com soluções dado, por um lado, a delicadeza da questão, por outro, a necessidade da recolha de informação e, tendo conta o facto referido pelo Sr. Deputado Miguel Macedo, dado que nem sequer havia propostas de alteração e, portanto, as alterações a fazer carecerão de um consenso absoluto que é a condição de mexer em artigos da Constituição para os quais não houve propostas partidárias de alteração.
Pausa.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, antes de retomarmos os trabalhos, devo dizer que o Sr. Deputado Mota Amaral, que esteve aqui antes do início da reunião, deixou-me uma nota a dizer que se deu conta de que está marcada para hoje a festa de Natal dos funcionários da Assembleia da República e deixou ao meu critério a ideia de terminar esta reunião pouco antes das 17 horas para proporcionar aos funcionários que apoiam esta Comissão a possibilidade de participarem nessa festa.
Obviamente creio que a lembrança é justa e que a pretensão tem de ser deferida, pelo que propunha que perto das 17 horas, logo que tivéssemos notícia de que a festa está para se iniciar, interrompêssemos esta reunião e que a retomássemos amanhã de manhã, às 10 horas, de acordo com a marcação que já foi feita.
Srs. Deputados, vamos passar à discussão do artigo 268.º.
Tínhamos esgotado a discussão proporcionada pela proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro para o n.º 5 e tinha ficado no ar uma sugestão do Sr. Deputado Barbosa de Melo, que tinha sido desencadeada por uma observação do Sr. Deputado Calvão da Silva, que, por sua vez, tinha tido início numa observação do Sr. Deputado Moreira da Silva, que eu tinha secundado.
A ideia passava por uma fusão dos actuais n. os 4 e 5, com outro enquadramento, que conglobasse os direitos de acesso à justiça administrativa por parte dos cidadãos para defesa dos seus direitos e interesses legítimos.
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Ficámos de encontrar uma solução para esta fórmula e proponho que, enquanto ela não aparecer, fiquemos com esta ideia e que, na segunda leitura, apreciemos, então, uma formulação que venha ao encontro desta preocupação que, se bem li, tem para já a receptividade da generalidade da Comissão.
Bom, isto significou uma evolução na discussão por parte do PSD, que começou exactamente por frisar a sua ideia de partida de que o que é proposto já constava, mas os próprios Deputados do PSD acabaram por transferir a discussão para esta ideia sistémica de uma possível conglobação dos n.os 4 e 5.
Srs. Deputados, vamos passar à propostas de aditamento, do Partido Socialista, de um n.º 5-A, que diz respeito ao direito de impugnação contenciosa de regulamentos. Trata-se claramente apenas da constitucionalização das faculdades legais de impugnação directa de regulamentos que hoje existem.
Não é verdade, Sr. Deputado José Magalhães?
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, ampliam-se consideravelmente as possibilidades hoje existentes, designadamente facultando aos cidadãos a maior facilidade de intervenção e, através da fórmula da parte final e de outros casos estabelecidos na lei, possibilita-se a corporização e a cobertura de situações que já constam da lei ordinária.
Trata-se, deste ponto de vista, na parte em que se pretende ecoar, refractar constitucionalmente, fórmulas e soluções que estão em experimentação, em aplicação infraconstitucional, por força de disposições legais, de consolidar algumas normas, o que parece altamente vantajoso.
Os regulamentos ilegais são um problema gravíssimo no ordenamento jurídico-administrativo. O combate feito apenas através da sua refracção em actos administrativos, concretos, na fase em que fundem actos concretos, é moroso, longo, atomístico, dispersivo, virtualmente originador de soluções contraditórias e, naturalmente, por razões óbvias, caro para os cidadãos, para o Estado e caro, sobretudo, nesse fenomenal imposto chamado tempo, o qual é, em si mesmo, uma injustiça consolidada e é, ainda por cima, uma injustiça que vence juros, uma vez que todos os dias aumenta desproporcionadamente.
Portanto, a economia conseguida através de mecanismos deste tipo, que coloca a iniciativa dos cidadãos ao serviço do combate à fonte da ilegalidade administrativa, quando ela está materializada e projectada em espécies regulamentares, é uma forma muito virtuosa de completar a armadura jurídico-constitucional contra a ilegalidade administrativa.
Esse é um grande mérito da matriz constitucional, mas temos conseguido alargá-lo de revisão em revisão.
O meu voto é o de que nesta matéria consigamos, nesta revisão, com esta ou outra redacção e com as contribuições que os Srs. Deputados entendam oportuno apresentar, colocar mais um patamar de aperfeiçoamento das soluções constitucionais.
O Sr. Presidente: * Está à discussão, Srs. Deputados.
Tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.
O Sr. Moreira da Silva (PSD): * Muito obrigado, Sr. Presidente.
Começo por dizer que este é um tema que me é extraordinariamente caro na medida em que foi o tema a minha tese de mestrado, que apresentei há já alguns anos e, se calhar, por causa disso tenho alguns problemas na apreciação desta norma.
Penso que compreendo a extensão da intenção do Partido Socialista, que, como disse o Sr. Deputado José Magalhães, vai muito para além do que hoje a lei ordinária consagra. Esta tem, aliás, um sistema complexo que é, no meu entender, uma vantagem face ao sistema anterior - até porque era fácil ser uma vantagem relativamente ao sistema anterior, tal como ele era interpretado na prática -, tendo estabelecido uma dicotomia entre o recurso contencioso de algumas normas administrativas e os pedidos de declaração de ilegalidade das mesmas e de outras normas administrativas, que trazem alguns problemas à sua compatibilização e à sua efectivação.
Entendo que, quando a lei fala em recurso contencioso, trata-se da natureza jurídica do recurso na nossa ordem jurídica, sendo um misto entre uma natureza subjectiva e objectiva. Quando fala em pedido de declaração ilegalidade trata-se de uma natureza claramente objectiva.
A nossa lei, hoje, consagra recursos contenciosos, para actos da administração local autárquica, e pedidos de declaração de ilegalidade, para as restantes normas administrativas, o que significa que não haverá recursos com natureza subjectiva, nomeadamente, entre muitos outros, para normas administrativas do governo.
Além disso, impede a possibilidade da interposição de pedidos de declaração de ilegalidade de normas administrativas imediatamente, pelos particulares, nalguns casos, que serão eventualmente a maior parte deles, exigindo que primeiro haja três declarações de ilegalidade em impugnações indirectas, para então permitir o acesso à declaração, com a força obrigatória geral, de ilegalidade dessa norma legislativa.
Este é, em resumo, o sistema. O que se pretende é, por isso, fixar constitucionalmente a garantia do recurso contencioso contra regulamentos, sempre que eles afectem directamente, no fundo, como se diz, sempre que eles tenham aplicabilidade imediata.
O Sr. José Magalhães (PS): * Impugnação contenciosa, a que propósito?
O Sr. Moreira da Silva (PSD): * Essa era uma das minhas dúvidas!
O Sr. José Magalhães (PS): * Impugnação, para abranger todas as figuras de "ataque" através dos tribunais?
O Sr. Moreira da Silva (PSD): * Essa é mais uma das dúvidas que eu tinha. Realmente, no que respeita ao n.º 5-A, proposto pelo PS para o artigo 268.º, eu tinha dúvidas relativamente às palavras impugnação, regulamento e afectação e, quanto à parte final, "(…)e noutros casos estabelecidos na lei.". Mas estas dúvidas eram suficientemente importantes, para poderem, eventualmente, ser esclarecidas.
Mas a questão fundamental é a seguinte: na minha tese - que está, obviamente, mais discutida -, deveria não só analisar-se o sistema instituído mas também verificar-se
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da necessidade de estabelecer um recurso directo de impugnação de todas as normas administrativas. E, desde logo, a legislação comparada trouxe-me muitas dúvidas, porque o que se verifica é que há Estados europeus, como, por exemplo, a Holanda e o Luxemburgo, que ainda hoje não admitem forma nenhuma impugnação directa, e há outros, como, por exemplo, a Alemanha, que a admitem de forma tão restrita que é quase inexistente. A Alemanha não admite a impugnação directa, por exemplo relativamente a nenhuma norma regulamentar da administração federal, admitindo-a apenas em alguns casos limitados.
Por isso, por exemplo, face a uma comparação com o sistema alemão (que, não há dúvida, protege a garantia dos particulares de forma clara e não considera a impugnação directa, devido a um certo sistema subjectivo, por isso, isto é um excerto objectivo de um sistema subjectivo), vê-se, eventualmente, que a afirmação de uma impugnação directa dos regulamentos administrativos poderia não ser exactamente uma necessidade a estabelecer no nosso ordenamento, principalmente se as nossas leis de processo consagrassem outros meios de impugnação que assegurassem a tutela judicial efectiva.
É isso que acontece na Alemanha, onde há meios suficientes para assegurar a tutela judicial efectiva e, principalmente (como, por exemplo, acontece na Holanda), o tratamento da impugnação indirecta é suficientemente garantístico para não ser necessária a impugnação directa.
Recordo que, em Portugal, o tratamento da impugnação indirecta também evoluiu bastante. No nosso contencioso, em 1985, também se avançou grandemente na protecção da impugnação indirecta, desde logo alterando a jurisprudência clássica que impedia que se impugnasse o acto administrativo se não se impugnasse um regulamento. A jurisprudência entendia, umas vezes, que era acto administrativo e, por isso, o meio contencioso não era próprio, outras vezes, que era um regulamento e, novamente, que o meio contencioso não era próprio, e o particular ficava das duas formas impedido de recorrer contenciosamente.
Penso que essa questão ficou elucidada, se não me engano, no artigo 25.º da lei. Por isso, considero que o nosso sistema consagra harmoniosamente um sistema de meios contenciosos de impugnação, não só de actos administrativos mas também dos regulamentos.
Podem dizer-me: "Pode ir-se mais longe, principalmente alargando um meio subjectivo, ou também subjectivo (não apenas, mas também subjectivo), relativamente aos regulamentos, que hoje não podem ser impugnados - ou seja, regulamentos do governo e de institutos públicos, por exemplo -, para que possam sê-lo imediatamente, quando forem de aplicação imediata.".
Mas aqui temos um problema - aliás, o Sr. Deputado Barbosa de Melo também já teve ocasião de escrever sobre ele -, que é relativo ao próprio conceito de regulamento, porque se (e esta é a questão directa quanto à terminologia empregue) o nosso contencioso nunca fala em regulamentos mas, sim, em normas administrativas, ao falar-se em regulamento, poderíamos, eventualmente, ser tentados a considerar que há uma ideia formal de regulamento. Isso significa que quando se fala num regulamento que afecte directamente direitos ou interesses protegidos dos cidadãos se trata, no fundo, de um acto administrativo sob forma de regulamento, e, então, teríamos, quando falamos na nossa Constituição, a ideia de que é possível, desde já, impugnar actos administrativos, sob qualquer forma, designadamente sob forma regulamentar, por isso, penso que convinha que a terminologia "regulamento" fosse esclarecida, no sentido de saber-se exactamente o que é que se pretende.
Por outro lado, como disse, se é vossa ideia manter a terminologia impugnação para servir quer de recurso contencioso quer de pedido de declaração de ilegalidade, então, nesse caso, não teríamos vantagem, porque continuaríamos a poder fixar apenas a possibilidade, como hoje a lei consagra, de pedir a declaração de ilegalidade relativamente a normas administrativas que afectem directamente os direitos ou interesse protegidos, que é o que hoje já está fixado na nossa lei ordinária.
Ou seja, no fundo, esta afectação (já agora, terminando a questão terminológica) não é lesão, o que significaria que poderíamos dizer, em rigor, que poderia tratar-se de um regulamento que atribuísse direitos, isto é, que afectasse direitos ou interesses protegidos. Por isso, também estaria a abrir-se a possibilidade de impugnação contenciosa - e não estou a ver muito bem como - relativamente a normas administrativas que não lesassem, mas, pelo contrário, ampliassem os direitos ou interesses protegidos; enfim, não estou a ver interesse processual relevante nessa matéria.
Não sou, obviamente (volto outra vez ao número anterior), contra a explicitação de mais esta fórmula, mas agradar-me-ia que fosse para consagrar efectivamente um novo direito e não para fazer a mera explicitação daquilo que a lei ordinária ou a própria Constituição já consagram, principalmente tendo em conta que já há algum consenso relativamente à fixação do novo texto dos n.os 4 e 5, fixando claramente a ideia do acesso à justiça administrativa para tutela efectiva dos direitos ou interesses protegidos dos cidadãos, o que, claramente, consagra a possibilidade de haver alguma impugnação contenciosa sempre que qualquer norma administrativa - e penso que esta é que é a questão fundamental - tenha a potencialidade de lesar directamente direitos ou interesses dos cidadãos. Penso que só nesse caso é que há, efectivamente, necessidade de fixar um meio contencioso.
Não vejo a lesão no sentido clássico de lesão individual, de direitos ou interesses individuais dos cidadãos, mas vejo-a, como é o caso de uma norma, no sentido de violação de direitos colectivos, de interesses difusos e de as associações de protecção desses interesses poderem sentir essa lesão.
Mas mesmo com esse acrescento, no que respeita à ampliação do conceito de violação de direitos ou interesses protegidos, apenas veria interesse nesta especificação se ela claramente ampliasse os direitos actuais, ou seja, se consagrasse um recurso também subjectivo, no sentido da protecção contra qualquer violação directa, por parte de normas administrativas, de direitos ou interesses protegidos dos cidadãos.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, a proposta continua à discussão.
Pausa.
Tem a palavra Sr. Deputado Luís Sá.
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O Sr. Luís Sá (PCP): * Sr. Presidente e Srs. Deputados, a questão que se coloca nesta matéria é a seguinte: creio que não há nenhum impedimento constitucional ao estabelecimento de um sistema de impugnação directa de regulamentos, isto é, não está, obviamente, consagrado na Constituição nenhum sistema que obrigue a recorrer de actos de aplicação de regulamentos ilegais e não directamente dos próprios regulamentos.
A questão que se coloca é um pouco do mesmo tipo da que já verificámos noutras matérias. É que parece evidente que, quer o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais quer a Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, estabelecem uma distinção entre recurso e declaração de ilegalidade, que já aqui foi referida, e uma limitação do recurso às situações em que estão em causa regulamentos da administração local e regional, de pessoas colectivas de utilidade pública e de concessionários, que é de todo em todo inexplicável, designadamente face à questão já levantada, e com a qual estou inteiramente de acordo, de que nada de consistente, de justificável e aceitável parece explicar, por exemplo, a não inclusão da impugnação ou do recurso directo quanto a normas inseridas em regulamentos do Governo e regulamentos da administração indirecta do Estado. De resto, a própria distinção entre recurso e declaração de ilegalidade, tomando em conta os efeitos, os processos e, inclusive, os pressupostos processuais, etc., é questionada e questionável.
Ora, nestas condições, e tendo em conta aquilo que se passa concretamente, creio que haveria vantagens em apontar claramente para um sistema que permitisse impugnar directamente normas ilegais de regulamentos, abrindo caminho para a correcção da situação actual, numa base que não seja apenas a de lesão de direitos ou interesses individuais, mas em que possam estar em causa - como hoje muito frequentemente estão no funcionamento da Administração Pública - interesses gerais da comunidade, interesses difusos, etc., em que poderá haver todo o interesse de diferentes estruturas, nomeadamente de associações de defesa do ambiente, do património, de associações interessadas em proteger valores de todo o tipo, em impedir que esses regulamentos sejam aplicados, não tendo, portanto, de esperar por actos de aplicação concreta, ou por três declarações de ilegalidade concreta, para ulteriormente procederem à impugnação directa dos regulamentos.
Portanto, independentemente de problemas concretos de redacção, designadamente se deverá constar do n.º 5-A a palavra "afectem" ou a palavra "lesem", ou coisas deste tipo, parece-me que, apesar de tudo, essas questões são relativamente menores em relação a um problema sobre o qual é fundamental verificar se existe vontade política, que é o de dar claramente um passo no sentido de criar um sistema que alargue as possibilidades nesta matéria.
Pela nossa parte, pronunciamo-nos claramente nesse sentido e estaremos abertos a todas as tentativas de aperfeiçoamento da redacção que apontem para o alargamento dos direitos dos cidadãos nesta matéria, com uma ideia, que continua a ser a nossa, de que, independentemente de discutirmos se as possibilidades já estão inseridas ou não no texto da Constituição, já verificámos na discussão das diferentes matérias deste artigo que as possibilidades estão lá todas. E também há um facto que é inegável, que é olharmos para a legislação ordinária, para o comportamento do legislador ordinário e do poder político, ao longo dos anos, e perguntarmos se não cabe, exactamente, a uma Revisão Constitucional, e se não é isso que lhe dá sentido, olhar para as insuficiências desse comportamento do legislador ordinário e criar condições, através do aperfeiçoamento dos direitos e garantias dos administrados, para que comportamentos desse tipo não possam continuar a subsistir.
Portanto, a mesma razão que nos levou a fazermos propostas, ou a manifestarmos abertura nos números anteriores, leva-nos também a manifestar abertura face a esta proposta do Partido Socialista.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Presidente, não vou repetir a intervenção do Sr. Deputado Moreira da Silva, com a qual, aliás, concordo plenamente.
Do ponto de vista do PSD, nesta proposta há coisas que são, julgo eu, inaceitáveis, e uma delas é a parte final que estende a possibilidade de acção popular, sem mais, aos regulamentos. Ora bem, o regulamento já é uma norma de conteúdo geral e abstracto, pelo que é difícil que afecte directamente direitos ou interesses de determinados cidadãos (estes cidadãos estão incluídos numa classe abrangida pelo regulamento). Ora, permitir o "ataque" directo ao regulamento por parte dos cidadãos afectados já é um avanço grande, mas, para além disto, permitir a qualquer um, mesmo a quem não é abrangido pelo regulamento, impugná-lo só porque afecta direitos ou interesses de alguém, parece-me excessivo. Penso que esse "ataque" só deveria verificar-se pelas pessoas afectadas nos seus direitos ou interesses protegidos.
Quanto à última parte do n.º 5-A, "(…) e noutros casos estabelecidos na lei.", pergunto: que outros casos? Nos casos onde não há direitos ou interesses protegidos directamente afectados? Noutros casos?… Isto parece-me manifestamente excessivo.
Aparte inaudível do Deputado José Magalhães, por não ter sido feito ao microfone.
Isso significa que cada qual tem a sua sensibilidade quanto a assunto que estamos a discutir, portanto, é natural que nós, fazendo a discussão...
O Sr. José Magalhães (PS): * Mas a nossa sensibilidade, neste caso, coincidiu mais com a sua!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Porém, penso que o sistema vigente de declaração de ilegalidade da norma, acautela… É preciso que haja três casos em que a mesma norma regulamentar seja declarada ilegal - é verdade! - para que ela desapareça objectivamente da ordem jurídica, mas são três casos onde ela deixa de ser aplicada. É um caso de desaplicação, não de invalidade, e esta é a diferença que existe aqui: nós estamos a mudar um sistema de desaplicação das normas regulamentares, para criar um sistema de invalidade dessas normas, portanto, ficam sujeitas a um directo "ataque" jurisdicional. Penso que estamos a avançar para soluções sobre as quais não estamos a medir bem as consequências.
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O sistema vigente tutela os interesses dos cidadãos imediatamente envolvidos que tenham a iniciativa de recorrer, de impugnar a norma, de dizer: "esta norma viola a lei, este acto de aplicação de norma é ilegal, porque o regulamento no qual se baseia é ilegal". O cidadão desperto - dos que dormem não cura a lei - já tem os seus interesses defendidos, esse cidadão reage, a norma já não o afecta, e ao fim de três casos (se for uma coisa com relevo, rapidamente se esgotam) o tribunal elimina-a. Considero que temos um sistema infraconstitucional suficientemente garantístico nesta matéria.
Sinceramente, do ponto de vista do PSD - pelo menos do meu ponto de vista pessoal, e depois ver-se-á, porque estamos a fazer uma primeira leitura -, em princípio, esta mudança de quadrante não me parece sage.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, quero fazer uma pergunta ao Sr. Deputado Barbosa de Melo.
Sr. Deputado, não discordo de que é preciso avançar com cuidado e ponderar muito rigorosamente qual é a dimensão da abertura a fazer, mas, verdadeiramente, o actual sistema, tal qual resulta descrito deste debate, tem alguma incoerência, ou seja, tem medidas de protecção distintas em relação aos regulamentos em função da sua fonte e é tributário de uma concepção (uma terrível concepção) segundo a qual a administração local e as administrações "menores" - neste sentido, e perceba-se porquê - têm um estatuto de "desprotecção" também significativo, mas a Administração central (com a maiúsculo) e administração directa devem ter uma protecção que as acoberte contra a destruição de fontes normativas. É essa distinção que nos parece dever ser objecto de revisão.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Deputado José Magalhães, mas trata-se da revisão da lei ordinária e não da Constituição, porque aquilo de que está a queixar-se, e bem, resulta do facto de a lei ordinária fazer essa discriminação entre regulamentos locais e regulamentos da Administração Central; não tem que ver com a Constituição.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Deputado, não gostaria de mistificar a natureza da operação feita, mas é inteiramente óbvio - e conheço a margem de manobra, ela é razoável e vai resultar reforçada desta discussão, sem dúvida nenhuma, pelo menos clarificada… Essa ajuda está dada, sem dúvida nenhuma, e o nosso debate é também uma boa contribuição para se medirem, digamos, os aspectos controversos e não equânimes do quadro legal vigente, portanto, encontrar-nos-emos na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para discutir este aspecto no terreno puro infraconstitucional.
Mas a questão é saber se não devemos, por um lado, elevar a património nacional e transformar em comando obrigatório uma solução que consagra uma certa medida de abertura, designadamente - não é por acaso que utilizamos a palavra impugnação - o fim de uma diferenciação cuja lógica é de hiperprotecção de uma parte da administração, e, por outro lado, ter a prudência bastante para deixar alguma margem de manobra ao legislador ordinário, para depois modelar as outras componentes da abertura. Ou seja, eu não gostaria de centralizar (nem poderia fazer, de resto, a redacção que apresentámos), mas parece-me que a opção pelo conceito de impugnação é correcta, porque bifurca para as diversas modalidades de ataque sem se focar no recurso qua tale.
A expressão afectar directamente os seus interesses ou direitos é algo que circunscreve o núcleo e a natureza da relação a estabelecer, para que seja possível fazer este tipo de impugnação.
A remissão para a lei é uma cautela. Se quiserem suprimi-la - ela está como cláusula aberta - e transformá-la numa cláusula que remeta para a primeira parte do segmento da norma e que adite, "nos termos da lei", não tenho, francamente, nenhuma objecção quanto a isso.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: * Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Presidente, só para dizer…
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, eu fiz uma pergunta ao Sr. Deputado Barbosa de Melo e creio que teria interesse...
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Deputado, eu coloco a questão de outro modo: penso que isso é desnecessário, o que é preciso é rever criteriosamente as leis do processo administrativo contencioso. Aí, foi dado um primeiro passo, em 1984, que é importante; já se deu uma grande volta com esse passo. Já lá vão 12 anos - enfim, entretanto, fizeram-se uns pequenos ajustes - e é tempo de fazer outras obras, nomeadamente no que toca a essas discriminações entre os regulamentos da Administração Central e os regulamentos da administração local, para que elas desapareçam.
Há uma outra coisa que já veio aqui "a talhe de foice". Por exemplo, a lei ordinária isenta os decretos regulamentares, ainda hoje, da impugnação no recurso directo (uma declaração de ilegalidade da norma), ou pelo menos pode sustentar-se isso, e há razões para que seja assim, porque são promulgados pelo Presidente da República. Intervém aqui uma outra figura que torna o decreto regulamentar parecido com a lei, no ponto de vista do compromisso que envolve as forças políticas determinantes no período político em causa.
Trata-se de questões tão delicadas que penso que "abrir a porta" assim, sem mais (é que o senhor agora propõe que se possa impugnar contenciosamente tudo o que seja norma regulamentar), é ir longe de mais.
O Sr. Presidente: * Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, é bem-vindo à Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.
Agora, tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva para uma segunda intervenção.
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O Sr. Moreira da Silva (PSD): * Sr. Presidente, ouvidos os esclarecimentos do proponente, permitam-me que tenha uma objecção de fundo.
Face à interpretação que fizeram, penso que é pior - não encontro outra palavra e não tenho a verve do Sr. Deputado José Magalhães, para me exprimir de forma mais erudita - esta redacção do que não a fazer, e passo a explicar porquê.
O Sr. José Magalhães (PS): - Não diga que é aquela sua teoria da lei de bronze.
O Sr. Moreira da Silva (PSD): * Não, não é por causa disso.
Fiz essa afirmação pelo seguinte: tal como está redigido o n.º 5 do artigo 268.º o legislador ordinário tem um comando que é o acesso dos administrados à justiça administrativa para tutela dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos. É esse o único comando que o legislador ordinário tem, por isso pode adaptar o meio contencioso para impugnação de normas com base nisso e nada o impede de fixar também um recurso com carácter subjectivo para impugnação de todas as normas administrativas, ou seja, incluindo as normas do governo que afectem directamente direitos ou interesses legalmente protegidos.
O que o Partido Socialista aqui propõe é restringir, porque apenas vai permitir ao legislador…
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Deputado, a nossa proposta não altera o n.º 5 do artigo 268.º.
O Sr. Moreira da Silva (PSD): * Não, mas põe, com o n.º 5-A, uma restrição, que é esta: relativamente aos regulamentos - veja o que acontece -, não há o direito ao acesso, por parte dos cidadãos, à justiça administrativa para tutela efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, o que há é o direito à impugnação contenciosa de regulamentos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos. Isto significa que o legislador ordinário pode, com liberdade constitucional, relativamente aos regulamentos, não fixar apenas recursos com carácter também subjectivo, mas limitar-se com impugnações claramente objectivas.
Isto, em termos de efeitos conformativos da sentença do tribunal administrativo, tem efeitos completamente diversos. Desde logo, se tiver uma carácter claramente objectivo pode o tribunal administrativo - como o faz, aliás, com base no artigo 11.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) - dizer, pura e simplesmente, "sim senhor, o regulamento é ilegal, considero-o nulo, com a nulidade atípica que lá está prescrita, para o futuro, sendo que a sua situação está intocada". Se for um recurso com efeitos também subjectivos, os efeitos conformativos da sentença obrigarão a Administração a reparar a ilegalidade e a repor a situação do particular que foi afectado negativamente pela norma administrativa.
O Sr. José Magalhães (PS): * Mas a circunscrição anulou o acto. Objectiva resulta desta norma que propomos?
O Sr. Moreira da Silva (PSD): * Tem que resultar, porque o Sr. Deputado, ao propor não o recurso mas a impugnação contenciosa, permite ao legislador a opção e, se permite a opção, autoriza-lhe a fixar, de acordo com a Constituição, não a tutela judicial efectiva, nos termos do n.º 5, mas apenas a tutela da legalidade objectiva e a Constituição não permite essa situação.
A referência a afectar directamente os direitos ou interesses legalmente protegidos, é, como em todas as tutelas objectivas, apenas para efeitos de acesso, é o carácter subjectivo de acesso, para que não possam todas as pessoas aceder à justiça administrativa, tem, a nível de legitimidade, um critério subjectivo de admissão a julgamento. Mas, a partir dessa admissão subjectiva, o recurso é objectivo e, por isso, o efeito conformativo da sentença é objectivo, não tem de ter em conta a situação individual da relação jurídica administrativa que ligou o particular à Administração.
É por esta razão que penso que é mais prejudicial a redacção que pretendem do que deixar ficar uma cláusula geral de acesso à justiça administrativa, para tutela efectiva dos direitos ou interesses legalmente protegidos, porque conseguiríamos aquilo que Magalhães Colaço dizia no inicio do século, em 1917, na interpretação de um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo sobre consulta, ou seja, que pode não impugnar nenhum regulamento, mas um tem sempre de se impugnar, aquele que vier afectar directamente direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
Com esta redacção não se conseguia esse objectivo.
O Sr. Presidente: Sr. Deputado Moreira da Silva, mas a verdade é que a proposta do PS não é para limitar o n.º 5; é para acrescer o n.º 5, sem prejuízo do n.º 5.
Srs. Deputados, o destino da proposta não parece famoso.
O Sr. José Magalhães (PS): Não percebi, Sr. Presidente, uma coisa.
Todavia, se me permite, o Sr. Deputado Barbosa de Melo e o Sr. Deputado Moreira da Silva nesta matéria não fizeram nenhum desafio, o que muito me contrista, porque, verdadeiramente, aquilo que deveria culminar...
O Sr. Presidente: Isso são ciúmes em relação ao Sr. Deputado Cláudio Monteiro, está visto!
Risos.
O Sr. José Magalhães (PS): Não tanto por essa questão, que seria humana, apesar de tudo, mas porque, verdadeiramente, esta questão é importante e a intervenção do Sr. Deputado Moreira da Silva, em especial, assenta numa maneira mais interpretativa, ela própria - e digo-o francamente - um pouco perversa, porque, evidentemente, o nosso número é um mais, uma densificação, não é um menos nem uma discrição. Mas ainda que fora, se alguma coisa pudesse ser interpretada no sentido que apontou, uma solução muito óbvia para mim era consertar a norma, ou seja, garantir, digamos, essa dupla bitola ou, pelo menos, o desafunilamento em relação à produção de efeitos com uma conformação meramente subjectiva, solução essa que, de resto, estaria de acordo com a sua primeira intervenção.
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Verdadeiramente, este debate começou por uma intervenção em que o Sr. Deputado achava à nossa norma "pouco" e em que - e creio que o "pouco" que, aqui, um pouco influenciado pelo Sr. Deputado Barbosa de Melo - acaba a considerá-la, agora já não verdadeiramente um "pouco" mas uma restrição, um horror, uma coisa verdadeiramente abominável...
Ora, na realidade, a sua "parada" inicial era: a proposta do PS é insuficiente. Agora, espero que possamos ainda ponderar esta proposta, dando uma contribuição em que se afaste o espectro...
O Sr. Presidente: Sr. Deputado José Magalhães, mas porque é que não pega nas objecções do Sr. Deputado Moreira da Silva e refraseia a proposta nos seguintes termos: os cidadãos têm igualmente direito a recurso contra normas administrativas que lesem directamente os direitos ou interesses legalmente protegidos.
O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, é uma solução.
O Sr. Presidente: O Sr. Deputado Moreira da Silva deixa, de certeza, de se opor à proposta.
O Sr. José Magalhães (PS): Essa é uma solução verdadeiramente de "ovo de Columbo". Está adoptada, está feita.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Mesmo que seja um decreto regulamentar?
O Sr. José Magalhães (PS): Está feita. E se o Sr. Deputado Barbosa de Melo quiser precisar o conceito de regulamentos, também não iremos contra tal coisa.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Não quero nada aqui. E o decreto regulamentar, que é promulgado pelo Presidente da República,…
O Sr. José Magalhães (PS): Não, por qualquer efeito taumatúrgico da formulação…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): … fica exposto à anulação do juiz de círculo ou, pelo menos, do Tribunal Administrativo Central?
O Sr. José Magalhães (PS): Até as leis promulgadas pelo Sr. Presidente da República podem ser...
O Sr. Presidente: - Se for uma lei individual!…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): São desaplicadas, não são…
O Sr. Presidente: É o STA que a liquida.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): São desaplicadas, mas é um Supremo Tribunal que o faz. São desaplicadas a um ou dois institutos diferentes, o da invalidade e o da desaplicação.
O Sr. Presidente: Tem a palavra, Sr. Deputado Moreira da Silva.
O Sr. Moreira da Silva (PSD): Sr. Presidente, penso que as minhas palavras foram mal interpretadas, até porque da primeira vez, como bem se recorda, Sr. Deputado, eu estava a ler mal, na sua interpretação, a sua própria proposta. Por isso, com base apenas nas suas correcções, ou pelo menos nas suas interpretações quanto à proposta, é que, depois, pude pronunciar-me melhor relativamente a ela.
Mas dou-lhe só um exemplo para ter bem a ideia do que aqui está e do que está hoje na nossa legislação. Podem contar-se pelos dedos de uma mão, e ainda sobram dedos, os casos em que os tribunais administrativos chegaram até ao fim declarando a nulidade de um regulamento de efeitos imediatos. E sabe quais são esses casos? São todos relativos a clara legalidade objectiva.
O primeiro deles foi uma norma do Governo num instituto público, que alterou o método de eleição do seu conselho directivo e por isso, os impugnantes eram os próprios titulares do Conselho Directivo. Esse foi o único caso em que o tribunal admitiu: "sim, senhor, temos aqui um efeito imediato para puder ser impugnado". Impugnou para futuro, obviamente, aqueles senhores não foram eleitos, mas puderam ser eleitos seguidamente. Por isso vê o que temos aqui em presença relativamente às declarações, aos pedidos de declaração de ilegalidade.
Pelos vistos, claramente não é isto o que pretendiam com a vossa proposta. Penso que pretendiam mais do que isto.
O Sr. José Magalhães (PS): Esta proposta, na versão reformatada, suponho que merece o seu um aplauso com um grau de entusiasmo significativo.
O Sr. Moreira da Silva (PSD): Aí já penso que teria alguns benefícios.
O Sr. Presidente: Que diz, Sr. Deputado Barbosa de Melo?
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Sr. Presidente, estou resistente.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, sem estar, de todo em todo, encerrada a porta, claramente não há entusiasmo por parte do PSD a propósito da proposta, mesmo nesta versão reformatada.
Portanto, a proposta não é acolhida, embora não fique definitivamente afastada. Fica, pois, em consideração.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Sr. Presidente, há sempre uma "estrada de Damasco" que pode recuperar qualquer coisa.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, em matéria de aditamentos, há uma proposta do PCP para o n.º 7, segundo a qual "A lei estabelecerá garantias efectivas de fiabilidade dos actos e provas obtidos através de meios tecnológicos."
Não quererá dizer electrónicos, Sr. Deputado Luís Sá?
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O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, creio que são meios electrónicos, que são meios, em geral, de elevada tecnologia e que frequentemente deixam o cidadão desprotegido.
Recordo-me, de resto, de jurisprudência do Tribunal Constitucional e do empenho particular do Sr. Presidente, na qualidade de juiz, em relação a um dos problemas colocados nesta matéria, ou seja, a questão dos aparelhos que medem a velocidade de automóveis e a desprotecção do cidadão, designadamente a inexistência do partido pelo princípio do contraditório, designadamente em situações em que estes meios podem não merecer a devida fiabilidade.
Temos também toda uma série de aparelhos de outro tipo, da qual resulta, naturalmente, a lesão eventual dos cidadãos e em relação aos quais não existem os meios de protecção clássicos, designadamente este que referi, o princípio do contraditório.
Neste caso concreto é sabido que a jurisprudência de uma secções do Tribunal Constitucional até julgou inconstitucionais as normas que permitiam o uso deste aparelho. A evolução anterior não foi neste sentido...
O Sr. Presidente: Proibiu os aparelhos naquelas condições.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Naquelas condições, é evidente.
A evolução não foi neste sentido e a verdade é que estes instrumentos electrónicos continuam a ser utilizados e que o problema das garantias de fiabilidade é importante como uma das componentes das garantias dos administrados.
Estamos inteiramente abertos a encontrar a formulação exacta que corresponda a preocupações que creio não serem só nossas, já que têm vindo a ser apontadas por diferentes sectores.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, está à consideração esta proposta.
Pausa.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): Sr. Presidente, ao ler isto eu não entendo, talvez por deficiência minha, o alcance da proposta.
Se há um instrumento qualquer, electrónico, como outros que antes de serem electrónicos já existiam, presume-se que esse instrumento preenche a sua função, que é capaz de desempenhar a finalidade para a qual foi concebido, senão é defeituoso. E se é defeituoso, isso é, obviamente, um problema grave de responsabilidade civil do seu fabricante. Mas, naturalmente, os meios electrónicos deste género, estando no seu estado normal, funcionarão bem e os resultados têm de ser fiáveis, pois, caso contrário, não são grandes instrumentos.
Qual é o alcance prático disto? É na medida em que estejam avariados ou que possam não vir fiáveis técnica e cientificamente? Então, é melhor não os comprar. Mas a partir do momento em que se compram, estão em bom estado e estão a funcionar bem, são ou não são fiáveis?
Uma Voz não identificada: Há o certificado.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): Pois, o certificado de qualidade, o certificado de garantia, etc.
Portanto, qual é o alcance prático disto?!… É que ainda não entendi bem.
O Sr. Presidente: Sr. Deputado Luís Sá, já agora outra pergunta: por que é que puseram isto em sede de direito administrativo…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Exacto.
O Sr. Presidente: … e não em sede de direito penal, de processo civil?
Tem a palavra para responder a estas duas questões, Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Começando pela questão agora colocada pelo Sr. Presidente, é claro que este problema se coloca frequentemente ao exercício da função administrativa do Estado e de outras pessoas colectivas públicas, o que não significa, de forma alguma, que não se coloque noutros planos. E nesse sentido estaremos naturalmente abertos à reconsideração da inserção sistemática, no sentido de permitir uma aplicação mais extensa.
Entretanto, é claro que uma boa parte das questões que aqui se colocam têm a ver com o exercício da função administrativa, mas a abertura nesta matéria é total.
Quanto à questão colocada pelo Sr. Deputado Calvão da Silva, o problema concreto que se coloca é o seguinte: o cidadão, por exemplo, quando tem um automóvel é obrigado a manter um determinado nível de conservação, a um determinado nível de fiabilidade desse automóvel, é obrigado a fazer inspecções periódicas, etc. Isto é, há uma regulamentação que parte do seguinte princípio: o cidadão, independentemente dos benefícios pessoais que retira, tem simultaneamente um dever para com a colectividade, que é o de garantir a fiabilidade daquele instrumento concreto.
O problema que se coloca em relação a instrumentos utilizados, designadamente para a Administração Pública, é que não estão estabelecidas e regulamentadas na lei as mesmas garantias de fiabilidade.
Portanto, o problema não é saber se se compra uma máquina adequada, suficientemente fiável, seja para medir a alcoolemia seja para medir a velocidade ou para qualquer outra questão, o problema é saber se desde o início, ao longo do tempo de duração da máquina, são estabelecidas garantias de fiabilidade que, no fim de contas, não impliquem que os direitos dos cidadãos venham eventualmente a ser lesados e em que ele venha a ser responsabilizado sem ser com base em provas inteiramente fiáveis. E é isto que, neste contexto, está efectivamente em causa.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, está à discussão a proposta com os esclarecimentos dados.
Pausa.
Tem a palavra, Sr. Deputado Calvão da Silva.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): Ó Sr. Deputado, os instrumentos que se compram não são sempre acompanhados
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por normas de segurança, normas de qualidade, normas de certificação, normas que exigem também inspecção? Por exemplo, os elevadores também exigem inspecção!… Esses aparelhos, com certeza, também têm as suas reparações, as suas manutenções!…. Tudo tem de ter! Em que termos é que a lei pode exigir que sejam fiáveis as provas obtidas através destes meios se eles não estiverem a funcionar bem, se não houver essa garantia de que são reparáveis, que foram reparados na medida em que houve avaria, na medida em que a qualidade tem que ser mantida e tem um certo período de vigência de vida económica? Normalmente estes aparelhos duram x tempo! Depois vêm outros mais modernos, até mais fiáveis.
Sr. Deputado, é um problema gravíssimo o que está aqui a levantar! Está a dizer que tudo é posto em causa, que não há nenhuma certeza nem nenhuma segurança no direito.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Não, o que se procura exactamente é que haja, Sr. Deputado.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): É, mas temos um conjunto de instrumentos que nos permitem dizer que este é um valor geral. Ora, o senhor está a querer pôr em causa este grande valor da segurança e da certeza do direito e, sinceramente, não sei o que a lei pode agora acrescentar relativamente a este tipo de aparelhos. Há sempre outros aparelhos mais modernos que vão substituir aqueles, é verdade. Mesmo nos testes! Então a outro nível de testes, aos do tipo sanguíneo - testes de graves doenças, de SIDA, etc. - como isso tudo está sempre em evolução, como é que se pode manter a fiabilidade?!… Onde é que está o estado da ciência e da técnica que lhe permita dizer que a lei pode garantir isto?!… O estado da ciência e da técnica, os últimos conhecimentos, onde é que podem garantir-lhe esta fiabilidade, nos termos que aqui quer?!… A lei estabelecerá isto? Se calhar, nem o estado da ciência e da técnica o permitem!… Em termos tão absolutos, como é evidente.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: Sr. Deputado Luís Sá, não prefere alargar a discussão e depois responder?
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, quero só fazer uma observação, que entendo inteiramente útil.
O Sr. Presidente: - Então tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, acho que valia a pena, nesta matéria, invocar a visita da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias à GNR e aquilo que foi referido pela própria GNR a respeito do estado de conservação e da fiabilidade dos instrumentos utilizados para medir o grau de alcoolemia ou para medir a velocidade dos automóveis. Isto é, temos hoje meios tecnologicamente muito avançados, muito mais do que no passado, diante dos quais o cidadão está desprotegido e é a própria GNR que diz aos Deputados que possui uma série de instrumentos que não são fiáveis e que, não obstante, são utilizados e constituem eventualmente um meio de prova.
Ora, o problema que se coloca é se face à evolução das técnicas, que não são exactamente as mesmas de há 10 ou há 20 anos, quando a Constituição foi elaborada, não devemos acompanhar essa modernização no sentido de garantir, por esta forma ou por outra mais aperfeiçoada, com outra inserção, etc., que o cidadão não fique desprotegido face à evolução dos meios tecnológicos.
Esse é o problema que está aqui colocado e que é suscitado por preocupações que, em última instância, é a própria GNR a levantar acerca da sua própria actividade, acerca dos instrumentos de que dispõe para trabalhar, etc.
Por exemplo, eventualmente qualquer governo ficaria obrigado a assegurar um maior investimento em qualidade, em conservação, etc., de renovação de instrumentos deste tipo.
O Sr. Presidente: Têm inspecções periódicas...
O Sr. Luís Sá (PCP): - É, têm inspecções periódicas, e o problema da comparação com os automóveis creio que é inteiramente claro. Trata-se de regulamentar para garantir a fiabilidade que, actualmente, com frequência não tem.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, continua a discussão.
Pausa.
Tem a palavra, Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, esta proposta equaciona um problema do qual dificilmente podemos desligar-nos.
É óbvio que o faz sob o signo daquilo a que chama meios tecnológicos, mas verdadeiramente tem em pensamento os novíssimos meios tecnológicos, ou certo tipo de tecnologias, aquilo a que vulgarmente se chama não apenas novas tecnologias de informação e comunicação, mas antes tecnologias de medição, tecnologias de descoberta de dados relevantes em processos, presume-se. Fala-se de actos e provas e embora nesta parte a norma não seja especialmente rigorosa ela é clara quanto àquilo que preocupa os proponentes e que, de resto, deve preocupar todos nós.
Um dos problemas que se coloca é o de estarmos a pensar não num campo de actividade mas numa infinidade de campos de actividade. É óbvio que se no caso do O. J. Simpson a análise dos exames da ADN foi relevante na parte criminal e está a ser relevante agora na parte do processo civil em curso, os cientistas entendem-se quanto à importância e quanto àquilo que o exame do ADN propicia. O juízo há-de caber ao magistrado e ao júri, em condições determinadas segundo os sistemas judiciais de cada país.
Portanto, estamos a pensar não nas pipetas e nos elementos que a GNR utiliza mas em muitíssimo mais coisas. Por exemplo, o último sistema que está a ser curado em matéria de medição do alcoolismo, noutros estados que não o nosso, que não tem Orçamento do Estado que chegue para tais coisas nem competência técnica desenvolvida a esse nível, é o reconhecimento vocal feito com carácter remoto, a partir de terminais locais utilizados pelas forças policiais e transmitidos a um servidor de uma solução
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cliente/servidor, havendo nesse servidor um reconhecedor de voz que detecta as fragilidades próprias de um estado de alcoolização e detectam em função de uma base de dados que registou os timbres próprios dos estados respectivos certificados por cientistas.
É inteiramente bom de ver que é da mais alta importância que esta interessantíssima base de dados, bem como todo o sistema, tenha garantias face aos estados próprios da ciência e controlos que permitam que a verdade apurada "António conduziu, ou conduz, em estado que excede os níveis de alcoolemia permitidos", seja uma resposta sólida, que sempre estará sujeita ao fogo de controvérsia, pelo que é preciso instaurar os necessários meios de garantia.
Estou a dar-vos apenas um exemplo de como as técnicas que hoje utilizamos estão a ser ultrapassadas "rapidissimamente" e como nessa matéria teremos sempre novos meios e meios que suscitam problemas gravíssimos de prova.
Portanto, aquilo que aqui se diz, desse ponto de vista, peca por algumas incertezas, ou seja, acho que esta norma não pode ser lida como prescrição das chamadas técnicas antiquadas. Não é isso que está aqui em causa, porque uma técnica pode ser antiquada mas honesta, ou seja, o exame directo feito pelo olhar da polícia pode ser útil e relevante, pode ser um elemento testemunhal, etc.. Não basta! Também não pode ser interpretado como uma obrigação da utilização da tecnologia em função do último grito da moda ou da disponibilidade tecnológica nos países de tecnologia avançada ou mesmo em Portugal.
Ou seja, o facto de haver agora um novo modelo de sistema de reconhecimento local ou um novo sistema para apuramento da paternidade não obriga o Estado a alargar todos os outros e investir não sei quantos milhões de contos automaticamente, sob pena disso não ser fiável. Portanto, a norma tem de ser temperada por isto. Obriga, obviamente, à existência de meios fiáveis, mas fiáveis em função do estado da técnica. Aliás, até acho que o conceito de fiabilidade é um conceito razoavelmente interessante, deste ponto de vista.
A única questão que se coloca é saber se não é apodíctico aquilo que aqui se diz, independentemente do facto de se dizer, ou seja, é concebível que não haja garantias de fiabilidade dos actos e provas obtidos através de meios tecnológicos, do tipo daqueles que estamos aqui a pensar?
Creio que não, que é apodíctico, ou seja, deve haver garantias não só de que esses meios são fiáveis como garantias de impugnação livre dos resultados obtidos de parcerística contraditória de acesso aos meios, de garantia dos meios por parte da própria administração que garantam a calibragem, a manutenção, a não descaracterização, a não avaria e o combate à avaria.
Agora, como é que isto se exprime em português? Esta solução é má? Então arranjamos outra, que seja melhor. Mas estamos perfeitamente disponíveis para incorporar uma menção a isto, porque, meus senhores, não tenho dúvida alguma de que isto será cada vez mais importante no relacionamento entre a Administração e os cidadãos, sendo certo que é hoje possível opor ao Big Brother a ideia de uma multidão de little brothers que se unem para combater a intervenção e a ingerência do Estado ou de qualquer poder, público ou privado, sendo que neste caso está em discussão este poder público. De qualquer modo, esses meios convergem todos para uma solução, a de que a fiabilidade é comercial, sob pena de erros e de ingerências gravíssimas.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, vamos encerrar este ponto.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: Tem a palavra, Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Sr. Presidente, é só uma pequena observação.
Acho que este problema está a ser mal abordado. Na ordem jurídica, na ordem constitucional, podemos reprovar meios de prova, actos que sejam manifestamente infiáveis, ou seja, manifestamente não fiáveis; agora exigir, pela positiva, aplicar aqui o princípio que, no fundo, está por trás do recurso contencioso de anulação, a negação é uma coisa e a afirmação é outra. Enfim, se formos, no fundo, à base da concepção pauperiana das coisas, nós não podemos garantir a fiabilidade nem podemos impor um dever de fiabilidade. O que se pode fazer - e isso não tem a ver com a Constituição - é proibir coisas manifestamente não fiáveis.
Agora, o que é fiável? Este juízo, em direito, com as consequências que tem?!… Apenas estaríamos a lançar para o mercado constitucional uma fórmula que não tem depois controlo na sua aplicação!…
O que é que quer dizer "garantir que os actos e as palavras sejam fiáveis"? Já está aqui dito que se está sempre em evolução, que as coisas hoje são assim mas amanhã já são diferentes. Todos nós reconhecemos isto!
Agora se dissermos que é crime, que se é perseguido por nulidade do acto onde se usarem meios de prova manifestamente não fiáveis, isso já pode fazer algum sentido, embora seja uma inutilidade. O resto, não vejo… O juízo positivo aqui é muito complicado, há, quando muito, um juízo negativo.
O Sr. Presidente: Tem a palavra, Sr. Deputado Calvão da Silva.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): Sr. Deputado, reitero agora, de uma forma diferente de formulação, aquilo que disse há pouco, em tom de dizer que o senhor, com esta proposta, põe em causa a segurança e a certeza do direito e este valor mínimo de praticabilidade, desde logo, pelo conceito de prova. As provas são um conjunto de meios para demonstrar a realidade, independentemente de sabermos quais os que estão elencados em geral. Vão evoluindo, cada vez mais há provas novas.
Mas a presunção que está por detrás dos mecanismos electrónicos que estão a ser introduzidos nos mercados, têm que ser uma presunção de verdade, uma presunção de exactidão. Não é ao contrário, ou seja, partirmos do princípio de que eles são inexactos e dão resultados infiáveis, porque se partirmos desta presunção rebentamos com todo o sistema jurídico.
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Portanto, é por causa disto que eu acho que esta norma do artigo 7.º nunca poderá ser sufragada. Aprova um conceito que nós conhecemos, para provar uma realidade.
Sabemos que muitas vezes há verdades formais, que há verdades materiais, procuramos todos a verdade material, mas há ficções em direito sem as quais o direito não existe e uma delas é a ideia da verdade, ou seja, qualquer novo instrumento electrónico que seja introduzido no mercado só o é porque há certificados de qualidade e de segurança que permitiram aos especialistas dizer: pode ser vendável, pode ser introduzido no circuito jurídico-económico. A partir daí outros virão melhor e depois, adiante, se calhar demonstra-se que não pode ser e que tem que ser substituído. Mas há esta presunção de verdade e de exactidão, sem a qual não pode funcionar. É uma ficção ou não é, mas não rebentem com uma ficção desta, senão rebentamos com sistema jurídico em geral.
É por isso que esta norma não pode ser sufragada por parte do PSD.
O Sr. Presidente: Tem a palavra, Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, creio que a discussão, no fundamental, está travada. No entanto, não gostaria de deixar de fazer uma observação em relação ao que parece ser a questão principal que preocupa o Sr. Deputado Calvão da Silva. É a seguinte: referi, por exemplo, a propósito da GNR, preocupações num determinado sentido, mas as preocupações também vão claramente no outro, que é o facto de, em relação às provas obtidas por estes meios, os cidadãos impugnarem a fiabilidade dessas provas e a GNR estar constantemente a ver o seu trabalho posto em causa e até sem resultados práticos, exactamente por não haver os tais certificados de qualidade e perseverança que parecem preocupar o Sr. Deputado.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): Não é da lei ordinária.
O Sr. Luís Sá (PCP): - O problema da fiabilidade joga claramente nos dois sentidos, ou seja, também joga no sentido da qualidade e da segurança dos meios de prova que favoreçam a própria actividade, por exemplo, de uma entidade deste tipo. Portanto, não é apenas num sentido. Eu há pouco referi uma das preocupações, mas as preocupações são nos dois sentidos e se frequentemente a GNR vê o seu trabalho prejudicado é exactamente por não ter certificados de qualidade, por não ter segurança, por não ter fiabilidade.
O Sr. Presidente: Tem a palavra, Sr. Deputado Calvão da Silva.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): Sr. Deputado, se me permite, o problema é a questão de princípio, de onde está o princípio, de onde vem depois a excepção ou de onde vem a impugnação do princípio.
Temos de ter um princípio e é melhor esse princípio estar como está do que irmos para um princípio contrário, como quer aqui introduzir. E, depois, ainda bem que é impugnado e que a GNR tem que reconhecer que errou e que se queixa. O Ministério que compre outros aparelhos, isso já é outro problema. Agora, como vê, a própria GNR reconhece que o instrumento não é fiável. Óptimo, mas como vê, impugnou-se. Conseguiu-se demonstrar e há a falsificação e estas coisas todas. Pronto, há estes instrumentos que temos ordinariamente. Portanto, é um problema de lei ordinária.
Agora, o grande princípio!… Por amor de Deus, deixem-no estar.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Não reconheço que não é fiável, reconhece é que perdeu a discussão da fiabilidade.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): Caso a caso, não num problema de princípio dos meios electrónicos.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, fiável ou não, esta proposta, pelo menos, não é viável - já disse que não tem receptividade - e com isto encerrámos o artigo 268.º.
Sr. Deputado Cláudio Monteiro, não quer deixar, para efeitos de registo, a proposta que haveremos de ver, numa segunda volta, e que ficou desafiado para apresentar?
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Quero, sim.
O Sr. Presidente: * Então, pode referi-la para registo e, depois, entregar-ma para que seja distribuída.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, trata-se de uma proposta de alteração que pressupõe a fusão dos n.os 4 e 5, que seria do seguinte teor: "É garantido aos administrados uma tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo recurso contencioso com fundamento em ilegalidade contra quaisquer actos administrativos, independentemente da sua forma, bem como acções de condenação da Administração na prática de actos legalmente devidos".
A expressão "tutela jurisdicional efectiva" podia, eventualmente, ser substituída por "protecção jurisdicional efectiva", como sugeriu o Sr. Deputado Barbosa de Melo, embora falar-se em protecção jurisdicional e, logo a seguir, em interesses legalmente protegidos também soa, pelo menos literariamente, um pouco…
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, a proposta fica registada e vamos distribui-la.
Antes da sua chegada tínhamos combinado que não iríamos agora laborar sobre ela; iremos maturar a proposta, que, a meu ver, corresponde ao desafio feito, mas a sua formulação concreta será vista ulteriormente.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Presidente, se me permite, acrescentava uma nota à proposta, que, aliás, coincide mais ou menos com um ensaio que aqui fiz, ensaio esse descomprometido.
O Sr. Deputado Cláudio Monteiro falou em acções de condenação. Isso aí julgo excessivo. Melhor seria "acções tendentes à emanação de actos administrativos devidos". Sublinho a expressão "tendentes". Como? Depois se verá.
Sr. Presidente, gostaria apenas de aqui deixar ficar esta alternativa. Não se trata de "acções de condenação", mas, sim, de "acções tendentes". É uma maneira mais soft.
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O Sr. Presidente: * Haverá fórmulas de circunscrever essas coisas.
Srs. Deputados, voltaremos amanhã para analisarmos o artigo 272.º.
Srs. Deputados, está encerrada a reunião.
Eram 17 horas e 5 minutos
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.
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