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Quinta-feira, 19 de Dezembro de 1996 II Série - RC - Número 67
VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)
IV REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
Reunião de 18 de Dezembro de 1996
S U M Á R I O
O Sr. Presidente (Vital Moreira) deu início à reunião às 10 horas e 45 minutos.
Procedeu-se à discussão dos artigos 270.º, 272.º, 274.º, 275.º e 276.º constantes dos diversos projectos de revisão constitucional.
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente (Vital Moreira), os Srs. Deputados Barbosa de Melo (PSD), António Filipe (PCP), Calvão da Silva (PSD), Ferreira Ramos (CDS-PP), Carlos Encarnação (PSD), João Amaral (PCP), Luís Marques Guedes (PSD), Maria Carrilho (PS), Guilherme Silva (PSD), Mota Amaral (PSD), Miguel Macedo (PSD), Eduardo Pereira (PS), Marques Júnior (PS), Raimundo Narciso (PS), Moreira da Silva (PSD), José Magalhães (PS) e Cláudio Monteiro (PS).
O Sr. Presidente interrompeu a reunião às 11 horas e 20 minutos e reiniciou os trabalhos às 14 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 18 horas e 50 minutos.
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O Sr. Presidente (Vital Moreira): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 10 horas e 45 minutos.
Srs. Deputados, vamos iniciar os nossos trabalhos com a discussão do artigo 270.º da Constituição, para o qual temos uma proposta de alteração apresentada pelo Partido Socialista.
O sentido desta proposta é claro: na Constituição existe uma norma de autorização de restrições especiais ao exercício de certos direitos dos "militares e agentes militarizados" e a ideia é destacar, retirar da norma a expressão "agentes militarizados", que hoje só cobre nas forças de segurança os resquícios dos agentes vindos das Forças Armadas, e aditar uma norma de autorização específica de restrições dos agentes das forças de segurança que substitua essa referência aos "agentes militarizados".
O facto de se destacar essa norma quer dizer, claramente, que as restrições não têm de ser as mesmas, isto é, não têm de ter a mesma dimensão nem a mesma intensidade que as dos militares. Foi essa a razão por que se não optou por fazer uma simples substituição, no actual texto, da expressão "agentes militarizados" por "agentes das forças de segurança", o que teria resolvido a questão, como é óbvio.
Nesse sentido, o PS preferiu destacar essa alteração num número à parte, para tornar claro que a medida, a extensão e a dimensão das restrições dos agentes das forças de segurança não têm de ser as mesmas dos militares. O PS entende ainda que se torna necessária uma norma desse tipo para dar cobertura a restrições aos membros das forças de segurança que as leis estabelecem e que não devem ser passíveis de dúvidas de constitucionalidade, justamente como acontece hoje.
Srs. Deputados, feita a apresentação da proposta do Partido Socialista, está aberta a discussão.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, se me permite, gostava de formular uma pergunta.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, as expressões "forças de segurança" e "agentes militarizados" têm uma extensão diferente?
O Sr. Presidente: - Exacto!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Julgo que a expressão "agentes militarizados" só abrange a Guarda Nacional Republicana...
O Sr. Presidente: - Abrange a Guarda Nacional Republicana e os agentes militares da PSP e da Guarda Fiscal.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - E, com a alteração proposta, passa a abranger todos os elementos da PSP.
O Sr. Presidente: - Exacto, Sr. Deputado, dentro do limite e com as distinções que a lei vier a estabelecer.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, queria apenas dizer que esta proposta não merece o nosso acolhimento favorável, bem pelo contrário.
Efectivamente, quanto à natureza que devem ter as forças de segurança, teremos oportunidade de expressar a nossa opinião a propósito do artigo seguinte. Em todo o caso, entendemos que este novo n.º 2, ao prever que a lei pode, nos mesmos termos, estabelecer restrições ao exercício de direitos previstos no número anterior - referente aos militares - a agentes das forças de segurança, está a abranger uma realidade que vai para além das forças de segurança que ainda estão hoje, de alguma forma, submetidas a um estatuto militar, que é claro no caso da GNR mas que já não o é tanto no caso da PSP, embora se mantenham algumas características de militarização nessa força de segurança, quanto a nós injustificadas.
O elenco das forças de segurança, tal como está estabelecido por lei, inclui outras realidades, como é o caso da Polícia Judiciária ou do corpo da Guarda Prisional. Portanto, com uma formulação deste tipo, com este desdobramento do n.º 2 vão abranger-se realidades que, inequivocamente, parecem não estar incluídas no artigo actual, tal como ele está formulado.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Filipe, isso é evidente! Comecei por declarar isso mesmo e essa foi a razão por que apresentámos a proposta.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, a opinião que temos acerca desta norma é que ela representa, de facto, um retrocesso relativamente ao estatuto actual de determinadas forças de segurança que, creio, não tem sido contestado. Aliás, parece-me um tanto absurdo a apresentação desta proposta, na medida em que poderia pôr em causa o estatuto dos profissionais da Polícia Judiciária ou do corpo da Guarda Prisional, estatuto esse que não teve ainda contestação visível nos últimos anos - pelo menos não tenho dado conta disso! E esses direitos têm sido exercidos por esses profissionais sem que daí decorram quaisquer perturbações para o desempenho normal das suas funções.
Portanto não vemos qualquer justificação nesta proposta, daí que manifeste a nossa discordância relativamente a ela.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Filipe, permite-me um pedido de esclarecimento? Entende que hoje um dirigente da PSP deve poder ser candidato às eleições? Ou que os agentes da PSP devem poder ter direito de reunião, de manifestação, de associação colectiva e de expressão, sem qualquer restrição? E que o mesmo deve aplicar-se também aos guardas prisionais?
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, a questão não é essa!
O Sr. Presidente: - É essa a questão, justamente!
O Sr. António Filipe (PCP): - Actualmente, esse problema está resolvido na Constituição.
O Sr. Presidente: - Onde, Sr. Deputado?
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O Sr. António Filipe (PCP): - Está resolvido na redacção actual deste artigo, embora não necessariamente bem! Mas creio que este problema resolve-se pelo acréscimo de direitos e não pela maior restrição de direitos aos profissionais das forças de segurança. E esta proposta vai precisamente no sentido contrário!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, nós entendemos esta norma de outra maneira. Talvez se pudesse complementar ou rectificar a actual redacção, indo ao encontro da intenção final da proposta do Partido Socialista, do seguinte modo: manteríamos no n.º1 a expressão "militares e agentes militarizados", tal qual está, e acrescentaríamos no n.º 2 proposto pelo PS a expressão "previsto no número anterior a outros agentes das forças de segurança", ou seja, a outros não militarizados.
O que lhe parece, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Parece-me uma proposta razoável, S. Deputado, porque mantém a intenção do Partido Socialista de, por um lado, dar cobertura a uma realidade legal que existe e que não deve ser inconstitucional e de, por outro lado, estabelecer a distinção entre as restrições de militares e agentes militarizados.
Já agora, quero chamar a vossa atenção para o seguinte: quando usamos a expressão "nos mesmos termos", é exactamente na estrita medida da exigência das suas funções próprias. Este princípio qualificado de proporcionalidade mantém-se no n.º 2 quando prevemos "(...) a lei pode ainda nos mesmos termos (...)". Ou seja, entendemos é que a medida das exigências das funções próprias de forças de segurança civis não é a mesma em termos de restrição de direitos fundamentais dos militares e agentes militarizados.
Portanto, salvo reserva de redacção, penso que esta sugestão do Deputado Calvão da Silva pode tornar mais claro o sentido da norma. Nesse sentido, registaria a receptividade do PSD para esta operação de extensão, por um lado, e de discriminação, por outro.
Os Srs. Deputados do PP querem intervir sobre esta matéria?
O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Não, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Filipe pediu a palavra para que efeito?
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, queria manifestar a nossa discordância também em relação à proposta do PSD, do Deputado Calvão da Silva, e chamar a atenção para o perigo que pode decorrer da adopção de uma proposta desta natureza relativamente ao estatuto dos profissionais de entidades como a Polícia Judiciária, que actualmente tem o seu sindicato reconhecido. E idêntico estatuto tem o corpo da Guarda Prisional.
Creio, portanto, que a aprovação de uma norma desta natureza pode ter como consequência interpretações que vão no sentido de pôr em causa a existência dessas expressões associativas, o que creio que não seria de alguma maneira legítimo. Em todo o caso, a dúvida pode ser suscitada, por isso esta formulação parece-me perigosa e representa um grave retrocesso, em termos constitucionais, na garantia de direitos profissionais a esses cidadãos.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Aí, o problema é da lei ordinária!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, essa interpretação "sopra" menos perversa - o que não é o seu caso, seguramente! -, porque se até agora se entendeu que a existência do sindicato não punha em causa as exigências das funções próprias dessas polícias, seguramente não vai passar a entender-se o contrário a partir de agora.
Srs. Deputados, vamos passar à discussão do artigo 272.º.
Temos uma proposta do PSD para o n.º1, que é recorrente e já foi considerada várias vezes, que é a seguinte: onde se lê "legalidade democrática" deve passar a constar "legalidade". Não vamos voltar a falar nela.
Relativamente ao n.º 2, temos uma proposta de alteração de Os Verdes, que substitui a expressão "não devendo" pela expressão "não podendo".
Algum dos Srs. Deputados quer adoptar esta proposta para discussão?
Pausa.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo pedidos da palavra, vamos passar ao n.º 4 do mesmo artigo 272.º, para o qual existem duas propostas de alteração, uma do PS e outra do PCP. Como são diferentes, vou considerá-las separadamente.
A proposta do PS visa admitir a criação das chamadas polícias municipais. Creio que ela não precisa de apresentação, já foi discutida suficientemente.
Srs. Deputados, está em apreciação.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, se me permite, gostaria de formular algumas perguntas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Começo por perguntar qual é a intenção do Partido Socialista ao manter, por um lado, a ideia de unidade da organização nacional das forças de segurança em geral e, por outro lado, acrescentar a expressão "sem prejuízo da possibilidade de criação de corpos municipais de polícia"? O que é que o Partido Socialista quer com isto? Quer serviços municipais de polícia? Que polícia? Polícia de segurança armada ou polícia administrativa?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, ao não se especificar aí, remete-se para a lei! Aliás, é fácil acrescentar "sem prejuízo da possibilidade de criação de corpos municipais, nos termos da lei". A ideia é pôr ao lado de forças de polícia nacionais, únicas para todo o território nacional, a possibilidade de existência de corpos municipais de polícia com o estatuto, a qualificação e os poderes que a lei estabelecer. Quanto a isso, o PS admite um largo espectro, que vai desde a possibilidade de simples polícias ancilárias, não armadas e sem poderes próprios das forças de segurança, mas com uma espécie de devolução de poderes das polícias nacionais, até fórmulas semelhantes àquelas que existem hoje, em vários Estados, em que há uma delimitação legal de competência e de esferas de acção
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entre as polícias de segurança pública do Estado e as polícias municipais, tendo estas um estatuto aproximado das polícias nacionais.
O PS não exclui nenhuma das hipóteses, mantém esse espectro em aberto, remete-o para a lei e para a maioria que, em cada momento, quiser regular e estabelecer o regime das forças municipais.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, em função da explicação que nos dá, o PSD entende que, por um lado, a proposta é inútil na medida em que já existem corpos de polícias municipais nesse sentido de meros serviços municipais de polícia administrativa, ou seja, já temos leis ordinárias e não precisamos da Constituição, e, por outro lado, se o Partido Socialista entende com isto querer também polícia armada, polícia de segurança pública armada a nível de município, o PSD não pode concordar com a proposta, pois considera que o princípio da unidade da organização nacional das forças de segurança para todo o território nacional é de manter.
São muitas as razões de fundo que explicam que, desde a Revolução Francesa, não obstante ser essa a proposta inicial da Revolução Francesa, ela não tenha vindo a ser aplicada em países como a França. Pode discutir-se o seu mérito, mas a hierarquia de comando e a possível confusão ou "confusionismo" que dá a existência de polícia armada de 305 municípios… 305 municípios hoje, porque amanhã serão mais! Hoje, polícias dos municípios, amanhã polícias regionais; hoje polícias nacionais, amanhã nas regiões autónomas...
O Sr. Presidente: - Só citei as municipais, Sr. Deputado, não falei das regionais!
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Com certeza, Sr. Presidente, mas admitindo que ganhe a vossa tese das regiões, também pode começar a tentação de criar polícias regionais, como poderia haver polícias regionais dos governos regionais da Madeira, dos Açores, etc.
Portanto, o PSD não concorda com essa parte da ideia de polícia armada, pois defende a unidade de organização e hierarquia de comando neste pilar fundamental que é a segurança, como é o das Forças Armadas. Felizmente, o Partido Socialista não teve essa tentação, porque então íamos longe demais!
Em suma, a ideia de polícia administrativa não é necessária; já quanto à ideia de polícia de segurança armada, o PSD é contra.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, se esta proposta significasse apenas a possibilidade de criação de serviços como os que estão previstos na lei, isto é, os serviços municipais de polícia, nada adiantaria! Efectivamente, há poucos anos foi aprovada nesta Assembleia uma lei que criou e regulou os serviços municipais de polícia - e que, lamentavelmente, não está a ser aplicada -, configurando esses serviços como entidades com uma capacidade de intervenção meramente administrativa e reguladora ou, melhor dizendo, fiscalizadora de atribuições exclusivamente municipais, nomeadamente a nível de ordenamento de trânsito, de estacionamento e de outro tipo de fiscalizações, como obras municipais.
Esses corpos municipais estão criados e, portanto, creio que não é a eles que a proposta se refere. Ela vem na sequência de afirmações feitas por vários dirigentes do Partido Socialista ao longo dos anos, defendendo a criação de polícias municipais enquanto forças de segurança, ou com estatuto próximo das forças de segurança.
Ora, nós não concordamos com essa solução, nem por razões de princípio que se prendem com a necessidade de preservar a organização de âmbito nacional para as forças de segurança, nem por razões práticas, porque não estamos a ver como é que será possível manter a capacidade operacional ou manter o mínimo de eficácia na actuação, no combate à criminalidade de 305 corpos policiais!? Designadamente, não estou a ver como é que, por exemplo na Área Metropolitana de Lisboa, seria possível desenvolver um combate minimamente eficaz à criminalidade se estivéssemos confrontados com corpos policiais que teriam a sua acção restrita à área de apenas um município quando, por vezes, nem sequer as populações sabem muito bem onde é que começam uns municípios e acabam outros! Seria quase um absurdo do ponto de vista da operacionalidade e da eficácia do combate à criminalidade.
Por outro lado, não ignoramos que existem países que optaram pela existência dos serviços municipais, mas não tantos como se disse, porque a generalidade dos países europeus não fez, de facto, essa opção. E nos países onde essa opção se verificou, o balanço tem sido francamente negativo. Aliás, tenho presente um estudo feito não há muito tempo pelo El País, no qual se constata que o prestígio das polícias municipais junto das populações é claramente reduzido e muito inferior ao prestígio das forças de segurança de âmbito nacional.
Portanto, a experiência das polícias municipais, onde ela se verificou, não está a ser uma experiência que mereça um acolhimento favorável.
Também não concordamos que sejam atribuídas aos 305 presidentes de câmara municipal as funções de comandantes de forças policiais. Essa é, pois, uma realidade com a qual discordamos. De facto, não foi para isso que eles foram eleitos, nem é para esse efeito que eles respondem perante as populações.
Em resumo, esta é uma proposta que, de facto, contraria aspectos fundamentais que devem ser preservados quanto à concepção nacional das forças de segurança, do ponto de vista quer da garantia da sua eficácia quer da garantia de direitos dos cidadãos perante a actuação dessas próprias polícias. Assim sendo, não concordamos nem a acolhemos favoravelmente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Filipe, deixando de lado a questão da polícia armada...
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, mas eu não sei se a proposta a deixa de lado!?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, imaginemos que se exclui essa hipótese. As polícias municipais, mesmo não armadas, não são forças de segurança para efeitos constitucionais e, portanto, não será necessário dar habilitação constitucional a essas polícias "versão reduzida"?
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, mas eu creio que não devem existir polícias municipais no sentido de forças de segurança! Isto é, se entendo que se justifica a existência de um serviço de polícia - nem lhe
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chamo polícia, porque a expressão está vulgarizada no sentido de forças de segurança -, se entendo que é adequado que existam serviços municipais de polícia para determinados efeitos, nomeadamente fiscalização de obras, de mercados ou de ordenamento, por exemplo, do estacionamento, já não entendo que devam existir forças de segurança de âmbito municipal e sob tutela das câmaras municipais. É essa a questão de fundo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, vou intervir justamente nesta matéria porque gostaria de introduzir aqui um esclarecimento, que vem, aliás, na sequência da pergunta que V. Ex.ª formulou, sobre a natureza desta questão e daquilo a que se chama incorrectamente a "polícia municipal".
Em 1994 foi aprovado um diploma sobre os serviços municipais de polícia, diploma que tentava esclarecer esta questão de uma vez por todas. É que, de vez em quando, ressaltava a questão sobre a conformidade legal da existência daquilo a que se chamava "polícias municipais", algumas constituídas ao abrigo do Código Administrativo, outras constituídas, pura e simplesmente, à revelia de qualquer norma enquadradora e em claríssima violação não só de ordem constitucional como também da ordem infraconstitucional.
Neste sentido, foi elaborado um diploma clarificador de toda esta matéria, que acabou por ser aprovado nesta Assembleia com o voto favorável de todos os partidos e a abstenção do PCP, abstenção essa que se deveu a uma razão peculiar.
Entendeu-se então que esta questão estava definitivamente ultrapassada: revogava-se a disposição do Código Administrativo, que tinha criado algumas expectativas fundamentalmente em relação à disciplina particular de Lisboa e Porto. Mas o problema fora ultrapassado por esta lei, de forma geral.
Qual é o eminente traço distintivo entre o que foi criado e o que existia, repito, em contrário ao que a Constituição e a lei estabeleciam? É que estes serviços municipais de polícia não são nem podem ser polícia de segurança pública; não podem nem nunca poderão ter capacidades de segurança pública! Não só porque a Constituição o impede, de acordo com os princípios organizativos, mas também porque significaria a introdução de uma confusão extraordinária na actuação da polícia, que só reverteria em malefício para os cidadãos, em lugar de ser um benefício para os cidadãos.
Deste modo, introduziríamos aqui um novo nível de confusão, mesmo com competências marcadas, que seria uma contradição completa do que pretendíamos, como seja a clarificação das competências e atribuições.
Justamente no artigo 4.º do diploma então aprovado previa-se, muito claramente, que as competências dos serviços municipais de polícia se restringiam à mera fiscalização da legalidade e à elaboração do auto de notícia de infracção. Estava, portanto, determinado com clareza qual era o âmbito desta intervenção: os agentes dos serviços municipais de polícia podiam usar arma, mas nas condições em que os fiscais e outros equiparados podiam usar arma de defesa. A questão não se colocava e parecia completamente resolvida, quer em termos teóricos quer em termos práticos.
Há, no entanto, uma insistência do Partido Socialista em alterar a ordem constitucional em relação a esta matéria. E a questão é formulada nestes precisos termos: há que criar uma nova polícia de segurança, com capacidade de intervenção em áreas limitadas, que se acresceria à Polícia de Segurança Pública. Em relação a tal, é evidente que o PSD - e não só o PSD como todos os outros partidos - tem de manifestar uma completa discordância, porque entende que a clarificação já está feita, que o assunto já está ou deveria estar resolvido com a lei entretanto aprovada (mesmo ao nível da lei ordinária) e, nesse sentido, estaria ultrapassada a controvérsia.
Aliás, algumas das fundamentações que foram utilizadas na discussão desta lei foram "bebidas" em comentários do Sr. Presidente da Comissão, em tempos expendidos e escritos na anotação à Constituição. Portanto, nós estamos bem acompanhados e bem fundamentados em relação a esta matéria.
Entendemos que esta é, pois, uma questão virtual, tão virtual quanto é um facto que hoje o Partido Socialista não estar aqui representado enquanto partido para discutir uma matéria que seria uma das questões capitais, fundamentais na revisão constitucional!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Encarnação, peço-lhe que não utilize esse argumento, porque não corresponde à realidade!
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Está presente o Sr. Presidente, que não está a representar um partido mas, sim, a Comissão!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Encarnação, pedia-lhe que me esclarecesse o seguinte: no seu entendimento, a actual lei não carece de habilitação constitucional?
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Penso que não, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - E, mais do que isso, o PSD entende que não deve ser alterada esta disposição?
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, o PSD entende que não se deve alterar esta disposição, porque as questões que se levantavam em relação a esta matéria foram finalmente ultrapassadas! Isto é, do ponto de vista do ordenamento constitucional, penso que não há nenhuma questão a esclarecer, está tudo devidamente esclarecido; do ponto de vista da lei ordinária, a lei de 1994 foi uma tentativa de resolver o problema, e creio que frutuosa. Aliás, o Dr. Barbosa de Melo tem intervindo sempre nesta matéria e alguns dos seus ensinamentos foram utilizados, na altura, para fundamentar esta posição.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, o Partido Socialista quer que se acrescente a expressão "sem prejuízo da possibilidade da criação de corpos municipais de polícia administrativa"?
O Sr. Presidente: - Não, apenas propus acrescentar a expressão "nos termos da lei", deixando à lei a fixação do âmbito e do sentido…
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O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, não podemos concordar com isso, mas se acrescentar a expressão "de polícia administrativa"…
O Sr. Presidente: - Consideraremos essa hipótese no momento próprio, Sr. Deputado.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Creio que está deslocado no artigo!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, neste artigo só se trata de forças de segurança, portanto o acrescento "estrita polícia administrativa" seguramente não é necessário, nem fica bem colocado.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - É uma incongruência!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à proposta de alteração, apresentada pelo PCP, relativa ao n.º 4 do mesmo preceito, que é do seguinte teor: "A lei fixa o regime das forças de segurança, as quais têm natureza civil, sendo a organização de cada uma delas única para todo o território nacional". Mais especificamente, o PCP propõe o aditamento da expressão "as quais têm natureza civil".
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, esta nossa proposta prende-se com o estatuto das forças de segurança, designadamente com o estatuto da GNR que, inequivocamente, é considerado como um corpo militar de tropas no respectivo estatuto. Aliás, o estatuto militar da GNR é assumido em vários diplomas legislativos.
Pensamos que esse estatuto não tem justificação, na medida em que consideramos que as Forças Armadas têm uma missão própria, que a Constituição estabelece nos próximos artigos que estarão em discussão. Efectivamente, as Forças Armadas têm por missão a defesa militar da República e, portanto, não deve haver confusão entre este estatuto e o estatuto das forças de segurança, uma vez que estas têm uma missão completamente diferente, relacionada com a garantia da segurança interna.
Nesse sentido, ao longo dos anos temos manifestado a nossa discordância relativamente ao estatuto da GNR e, inclusive, apresentámos nesta Assembleia um projecto de lei (que está pendente para discussão) que visa a alteração deste estatuto, por forma a considerar esta força de segurança como uma força de natureza civil, eliminando o estatuto militarizado que hoje impende sobre os respectivos profissionais por ele ser manifestamente inadequado, quer do ponto de vista da confusão que se estabelece entre as funções próprias das Forças Armadas e as funções das forças de segurança, quer ainda em termos do estatuto disciplinar a que estão sujeitos esses profissionais, o Regulamento de Disciplina Militar, que é manifestamente inadequado para o efeito.
A nossa proposta, no caso de vir a ser aprovada, tem o objectivo de obrigar a alterações legislativas no sentido de adequar o estatuto das forças de segurança, todas elas, à ideia de força de segurança com natureza civil e não militar, como ainda hoje acontece nesse caso concreto.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Filipe, para alterar o estatuto dessa força de segurança é necessário modificar a Constituição.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, se considerássemos essa modificação necessária não teríamos apresentado uma iniciativa legislativa! Aliás, já o fizemos antes e nunca nos pareceu que a sua eventual aprovação fosse inconstitucional. Em todo o caso, pensamos que haveria vantagem em clarificar esta questão.
Como referi, tal como está constitucionalmente configurado o estatuto das Forças Armadas e o estatuto das missões das forças de segurança, elas são forças distintas e, portanto, isso já legitimaria que, em sede legislativa, se adoptassem soluções inteiramente distintas. Ou seja, em meu entender não há qualquer oposição de natureza constitucional a que seja consagrada na lei a natureza civil da GNR, mas esta nossa proposta tem o sentido de eliminar quaisquer equívocos a esse respeito e, a ser aprovada, de obrigar o legislador a adoptar um estatuto civil para essa força de segurança.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, esta controvérsia também já é antiga, e o PCP tem apresentado sempre propostas nesse sentido.
Creio, no entanto, que em relação à questão da GNR, o problema põe-se da seguinte forma: ninguém contesta que, realmente, a GNR é uma força militar que tem uma dupla tutela, do Ministério da Defesa nacional em tempo de guerra e do Ministério da Administração Interna em tempo de paz. Felizmente, na maior parte dos casos - para não dizer em todos! -, estamos a utilizá-la em tempo de paz. Mas tal não significa que a raiz da constituição da Guarda Nacional Republicana, enquanto força do tipo gendarmerie, não seja essencialmente militar.
Nesta altura, penso que não será prudente alterar o seu regime, porque não sabemos qual vai ser o futuro próximo das forças militares, ou militarizadas, o que poderá implicar alterações em relação à GNR. E não me parece que seja útil introduzir qualquer modificação no estatuto da GNR.
É evidente que a GNR tem e deve ser utilizada como força de segurança em tempo de paz! Não faz sentido que seja de outra maneira e, aliás, é o que a maior parte dos países faz em relação a forças congéneres: quer a Holanda, quer a França, quer a Espanha, quer a Itália, todas elas têm forças com esta configuração.
Em suma, penso que este n.º 4 do artigo 172.º, assim redigido, não poderia nem deveria ser aceite, pois representa uma alteração em relação à natureza da Guarda Nacional Republicana que, do nosso ponto de vista, em vez de esclarecer, complicava. E não seria adequada a alteração da natureza desta força.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, pela parte do PS, também não nos parece haver necessidade desta alteração constitucional. O estatuto das forças de segurança depende hoje da lei; a oportunidade e o momento de, eventualmente, alterar esse estatuto deve manter-se à disposição da lei e, portanto, à disposição da maioria necessária para o efeito.
Penso que antecipar, em sede de revisão constitucional, uma decisão que, legislativamente, e por diversas vezes, já foi considerada não oportuna ou prematura, não seria uma boa obra constitucional. Posto isto, a proposta do PCP também não merece o nosso acolhimento.
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O Sr. Deputado António Filipe quer ainda pronunciar-se sobre a proposta, face a esta manifestação de não acolhimento?
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, as questões estão levantadas e, nesse sentido, exprimi a posição do PCP sobre esta matéria, posição que, aliás, é clara desde há vários anos, assim como tem sido clara também a posição do PSD. Já a do Partido Socialista nem sempre tem sido tão clara…
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado refere-se à questão constitucional? É que a questão do estatuto mantém-se em aberto, porque não tomei qualquer posição nessa matéria. Apenas entendi que ela deve ser tomada em sede legislativa, justamente mantendo em aberto a posição do Partido Socialista quanto à sede legislativa.
Srs. Deputados, terminado este ponto, segue-se a matéria relativa à defesa nacional. Como vários Deputados, tanto do PS como do PSD, manifestaram vontade de participar nesta discussão, proponho que se adie por alguns minutos o seu início.
Srs. Deputados, vamos suspender os nossos trabalhos.
Eram 11 horas e 20 minutos.
Srs. Deputados, estamos em condições de recomeçar os nossos trabalhos.
Eram 11 horas e 40 minutos.
Srs. Deputados, para o artigo 273.º não foram apresentadas propostas, pelo que passamos ao artigo 274.º relativamente ao qual foi apresentada uma proposta pelo PCP, onde, sobre a composição do Conselho Superior de Defesa Nacional, se refere que a sua composição será a que a lei determinar (tal como já consta actualmente do articulado), acrescentando-se que deverá ser garantida a inclusão de cinco vogais eleitos pela Assembleia da República, de harmonia com o princípio da representação proporcional.
Por outro lado, acrescenta um n.º 3 no sentido de que as decisões e pareceres do Conselho Superior de Defesa Nacional devem ser fundamentados.
Para apresentar a proposta, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, a primeira proposta visa colocar em sede constitucional a questão decorrente da necessidade de reforçar a presença da Assembleia da República no Conselho Superior de Defesa Nacional, presença essa que, hoje, é muito limitada nos termos da lei.
Evidentemente, que alguém pode dizer que o problema tem condições para ser resolvido em sede de lei ordinária, mas creio que, dado o papel que cabe neste quadro à Assembleia da República, seria interessante que esse reforço da presença da Assembleia da República figurasse na própria Constituição.
O Conselho Superior de Defesa Nacional é presidido pelo Presidente da República, tem membros do Governo, que, na formulação actual, rondam a dezena, tem as chefias militares e depois tem dois representantes designados pela Assembleia, sendo que o que me choca um pouco no equilíbrio deste órgão é o facto de a representação da Assembleia da República ser tão reduzida.
É óbvio que a presença destes diferentes órgãos no Conselho Superior de Defesa Nacional não prejudica as suas atribuições e competências em matéria de defesa nacional, atribuições essas que, na maior parte dos casos, são de consulta embora não só.
Quanto à segunda proposta, ela decorre de uma prática que tem que ver com a própria actividade do Conselho em relação à Assembleia, sendo que uma das funções do Conselho é a de emitir pareceres sobre a legislação aprovada pela Assembleia da República.
Esses pareceres têm sido, e nós temos uma experiência já razoável disso, porque já houve uma ou mais do que uma dúzia de leis militares, digamos assim, ou de âmbito militar, aprovadas pela Assembleia, relativamente fáceis de escrever, uma vez que apenas dizem que o Conselho se pronuncia favorável ou desfavoravelmente - aliás, creio que esta segunda hipótese nunca se pôs, mas isso agora não é o caso.
Entretanto, pôde ler-se, depois, em alguns jornais, apaixonadas descrições do que se passou no Conselho Superior de Defesa Nacional, das diferentes opiniões que foram emitidas, etc..
Portanto, quando colocamos a questão neste debate o que gostaríamos de saber é como é que um órgão como o Conselho Superior de Defesa Nacional deve relacionar-se com um órgão de soberania como a Assembleia da República naquilo que é o exercício das suas competências.
Assim, a exigência de fundamentação, por nós proposta, tem o sentido de dizer que o órgão não pode limitar-se a dar o resultado da opinião, mas tem, isso sim, que explicar os seus fundamentos ou remetendo a acta da discussão e as respectivas declarações de voto (essa é a fundamentação típica de um órgão colectivo), ou por outra forma que fosse considerada adequada.
Evidentemente, alguém poderá dizer que este assunto pode resolver-se em sede de lei ordinária, se bem que eu diga que não.
No entanto, creio que, como o problema se coloca, e se mantém, no relacionamento entre órgãos de soberania - e este órgão que tem assento constitucional - , seria interessante que isto ficasse esclarecido nesta sede, pelo que são estas as razões que nos levam a colocar em debate estas propostas.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão à consideração, em conjunto, as propostas do PCP quanto à composição do Conselho de Defesa Nacional e à fundamentação das decisões e pareceres.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, quanto à proposta de alteração ao n.º 1, gostaria de dizer que, por parte do PSD, há concordância quanto ao princípio, que penso ser o princípio fundamental expresso pelo Sr. Deputado João Amaral, da inequívoca necessidade de participação num órgão com natureza constitucional, como é o Conselho Superior da Defesa Nacional, de representantes da Assembleia da República.
De resto, tanto quanto sei, sempre foi essa a situação existente em sede da lei ordinária quanto à composição do Conselho, mas, de facto, o PSD está perfeitamente de acordo que esse é um princípio inequívoco e, nesse sentido, não vê qualquer tipo de objecção à sua inclusão no texto constitucional.
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No entanto, confesso que tenho mais dúvidas relativamente a uma discriminação quantitativa dos representantes, isto é, se devem ser estes, se não devem ser aqueles, ou seja, pode até haver uma certa lógica na distribuição equitativa das representações existentes em sede do Conselho Superior, que é a razão fundamental pela qual a Constituição remete a composição para a lei ordinária, e, nesse sentido, o PSD pensa que bem.
Mas se houvesse abertura por parte dos proponentes, eu inclinar-me-ia a manifestar a receptividade do Partido Social-Democrata com vista à alteração da norma, desde que fosse num sentido, nomeadamente, análogo ao que a própria Constituição adopta para uma situação semelhante a esta, designadamente a do Conselho Superior do Ministério Público.
Neste caso, no texto constitucional optou-se por dizer que o Conselho Superior do Ministério Público "(…) inclui membros eleitos pela Assembleia da República (…)", continuando, obviamente, a deixar ao legislador ordinário a quantificação, que, do nosso ponto de vista, deve ou pode ter em causa determinadas lógicas de equidade na representação dos vários tipos de instituições e entidades, com assento no próprio Conselho, não devendo ser a Constituição a debruçar-se exaustivamente sobre essa matéria.
Recordo também, a propósito do Conselho Económico e Social, outro órgão deste tipo com sede no texto da Constituição, que genericamente tem uma fórmula idêntica, ou seja, a Constituição também não desce ao pormenor da quantificação. Se não estou em erro, e o Sr. Presidente corrigir-me-á, se for caso disso, em órgãos deste tipo previstos no texto constitucional, apenas no caso do Conselho Superior da Magistratura existe uma quantificação exaustiva dos membros que o compõem. Isto, do nosso ponto de vista, justifica-se, desde logo, pelo facto de estarmos perante um órgão de soberania, que são os tribunais, havendo, portanto, uma diferença qualitativa que o PSD entende dever manter.
Quanto a esta primeira questão eu diria que, da parte do PSD, poderemos estar receptivos a uma alteração da norma que seja apenas a de acrescentar à parte final do n.º 1, onde se lê "(...) que tem a composição que a lei determinar", uma fórmula do tipo "(...) incluindo membros eleitos pela Assembleia da República".
Quanto à proposta do novo n.º 3 - confesso, aqui é mais um pedido de esclarecimento que formulo ao Deputado João Amaral -, não ficámos bem cientes da sua necessidade; quer dizer, em princípio, é evidente que as decisões e os pareceres de órgãos, ainda por cima órgãos institucionais como este, por maioria de razão, terão sempre de ser fundamentados. Confesso que não consegui perceber exactamente qual a vantagem prática ou a necessidade imperiosa de uma alteração deste tipo. Por isso, por parte do PSD, há aqui um certo sentimento de alguma inutilidade, quanto a este acrescento.
Mas agradecia que o Sr. Deputado João Amaral acrescentasse alguma coisa, em termos da fundamentação da necessidade ou da vantagem real deste acrescento, porque, de facto, como sabe, todas as decisões e pareceres quer de órgãos da administração quer, por maioria de razão, de órgãos constitucionalmente previstos, como este, têm necessariamente de ser fundamentados, pois é um princípio básico do Estado de direito.
Posto isto, direi, apenas que, à partida, da parte do PSD há aqui um sentimento de uma certa inutilidade deste acrescento.
O Sr. Presidente: - Vou dar a palavra o Sr. Deputado João Amaral para poder responder a esta interpelação directa que lhe foi feita.
Quanto à questão dos órgãos constitucionais compostos por representantes da Assembleia da República, direi que, em todos os casos, é a Constituição que indica o seu número, salvo um que é exactamente o do Conselho Superior do Ministério Público.
Como disse, em todos os outros casos, é a própria Constituição que indica o seu número exacto - isto sem prejudicar o argumento do Sr. Deputado Marques Guedes, que, no entanto, neste ponto carece de esteio na realidade.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Não percebi!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu disse que todos os órgãos constitucionais para os quais a Constituição prevê a participação de membros designados pela Assembleia da República, em todos esses casos indica o número, salvo no caso do Conselho Superior do Ministério Público.
Portanto, no caso do Conselho Superior da Magistratura, do Conselho de Estado, do Tribunal Constitucional, da Alta Autoridade para a Comunicação Social, é a própria Constituição que indica o número dos representantes da Assembleia da República nestes órgãos.
Mas, por outro lado, claro, a Constituição admite que a lei preveja outros órgãos com representação da Assembleia da República, e aí obviamente a Constituição não só não discrimina, como não indica o número. Mas aqueles em que prevê, expressamente, que haja representação parlamentar, o único caso em que a Constituição não fixa, desde logo, o número desses representantes é o do Conselho Superior do Ministério Público, o que quer dizer que para a hipótese que o Sr. Deputado Marques Guedes põe, já havia um precedente, quer dizer, passávamos a ter duas excepções e não apenas uma. Mas a regra é a contrária da que foi indicada.
O Sr. Deputado João Amaral quer acrescentar alguma coisa?
O Sr. João Amaral (PCP): - Talvez seja preferível!
O Sr. Presidente: - Bom, mas quero dar a palavra primeiro à Deputada Maria Carrilho, que a pediu, e depois o Sr. Deputado poderá comentar as duas intervenções.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Carrilho.
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação a este assunto, nós consideramos que o Conselho Superior de Defesa Nacional é um órgão específico de consulta para assuntos relativos à defesa nacional…
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, peço-lhe que recomece do princípio!
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Como eu estava a dizer, dado que o Conselho Superior de Defesa Nacional é um órgão específico de consulta para assuntos relativos à defesa nacional, parece-nos que faz sentido a participação, de alguma forma, do órgão de soberania democrático que é a Assembleia da República.
Portanto, é uma preocupação que o Partido Socialista subscreve, inclusive não nos parece deslocada a inclusão de cinco vogais eleitos pela Assembleia da República, no entanto talvez pudéssemos deixar este aspecto para subsequente
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afinamento, pois pode haver algo que aconselhe a que possam ser sete o número desses vogais.
Certamente, quando o PCP fez esta proposta, pensou em cinco vogais por motivos específicos, mas tenho a impressão que também não valerá a pena estarmos agora a esmiuçar essas razões, uma vez que tudo isto poderá transitar para uma fase ulterior. Não é verdade?
Quanto ao facto de as decisões e pareceres do Conselho Superior de Defesa Nacional serem fundamentados, parece-nos que eles serão sempre fundamentados. Com esta fundamentação, não sei se o Sr. Deputado João Amaral entende a fundamentação visível ou uma fundamentação que possa ser explicitada ou publicada ou tornada pública para que haja uma maior clareza.
Enfim, sinceramente, estou convencida que destaca a expressão "fundamentação" e que isso, de alguma forma, constará de documentos internos do Conselho.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente!
O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado Calvão da Silva deseja intervir, faça favor.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente: Em primeiro lugar, relativamente à questão das "decisões" do n.º 3, não me parece que o Conselho Superior de Defesa Nacional decida.
O Sr. Presidente: - Pode ter funções administrativas atribuídas por lei. Nomeia, por exemplo, as chefias militares.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Um órgão consultivo decide?!
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Apresentar o parecer…
O Sr. Presidente: - Não, não! De acordo com o n.º 2 pode ter funções administrativas, e tem-nas. Tem competência administrativa - isso está na Lei de Defesa Nacional.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Tem um elenco de competências administrativas...
O Sr. Presidente: - São muitas, Sr. Deputado Calvão da Silva. É um problema de informação, mas pode confiar: tem muitas funções administrativas.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, se me permite, gostaria de dizer que, por exemplo, confirma as promoções. Toda a gente se lembrará de um famoso assessor do Presidente Soares - o Homem Gouveia, se me permite - que nunca foi promovido porque no Conselho foi vetado. Confirmou-se.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Mas, nessa parte, a lei ordinária não o diz?
O Sr. João Amaral (PCP): - Se me permite, até é preferível…
O Sr. Presidente: - Não, nessa parte, quanto a actos administrativos não é necessário dizê-lo, porque sendo actos administrativos, carecem de ser fundamentados. O problema só se põe em relação aos pareceres.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Ora, era aí que eu chegava…
O Sr. João Amaral (PCP): - Aliás, quando o Sr. Presidente leu a proposta por alguma razão sublinhou a palavra "pareceres", porque as decisões são forçosamente nos termos gerais, fundamentadas.
O Sr. Presidente: - Claro, sob pena de nulidade!
O Sr. João Amaral (PCP): - Simplesmente, quando escrevemos a norma, pusemo-la assim.
Agora talvez valha então a pena explicar a razão de ser disto: a eficácia desta norma destina-se a que os pareceres que o Conselho Superior de Defesa Nacional está obrigado a dar, sejam eles pareceres não só conclusivos, dado com a respectiva fundamentação, o que hoje não sucede.
Como expliquei, o que sucede hoje, na prática, é que, por exemplo, um dos pareceres que o Conselho Superior de Defesa Nacional deu referiu-se à legislação que a Assembleia da República aprovou em matéria militar. Há uma determinada proposta de lei e ela, antes de ser votada aqui, assim, é objecto de um parecer do Conselho Superior de Defesa Nacional. Esse parecer vem subscrito pelo Secretário da Comissão do Conselho Superior de Defesa Nacional, é comunicado ao Presidente da Assembleia, e diz que "nos termos da lei, o Conselho Superior entende dar parecer favorável à proposta de lei tal (…)".
Ora o que está em questão, nesta fórmula, que pode não ser a mais adequada, e não estou a discutir se será, ou a assentar, a dizer que ou é esta ou nada está correcto, mas estou a dizer que o que está em questão é este problema, que é real, é um daqueles casos em que a norma foi apresentada para responder a uma situação concreta. E essa situação a que se procurava responder, de facto, era a de encontrar uma fórmula de vincular o Conselho a emitir os pareceres com a respectiva fundamentação.
O Sr. Deputado acaba por pôr as coisas num outro plano - também é uma forma aceitável -, que é dizer "eles serão sempre fundamentados, de alguma forma, portanto trata-se é de dar conhecimento à fundamentação"; mas este é o problema de sempre da fundamentação, pois todas as decisões são fundamentadas. Agora, quando se exige a fundamentação, coloca-se é o problema de dar transparência a essa fundamentação.
Eu próprio disse que, sendo um órgão colegial, a fórmula mais simples de o fundamentar seria dar conhecimento da acta. Como é que a Assembleia da República deve fundamentar perante o Tribunal Constitucional? Por exemplo, quando é notificada pelo Tribunal de um processo qualquer em que é arguida a inconstitucionalidade de uma norma, como é que pode defender a sua posição? Junta as actas do debate, é isso que deve fazer? Provavelmente será isto que deve fazer o Conselho, deve elaborar as actas, devendo a fundamentação constar dessas actas.
Mas de qualquer maneira o problema está posto, aqui.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Calvão da Silva, tem agora a palavra para a sua intervenção.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, na parte das decisões, estamos entendidos, não faria falta.
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Quanto à questão de os pareceres terem de ser fundamentados, e em que termos, considero que seria ir longe demais, se não tivéssemos em conta o caso paralelo do artigo 268.º, que vimos ainda não há muitos dias. Neste caso, mesmo quanto aos actos administrativos, estes carecem de fundamentação expressa quando afectem… Ou seja, quando, normalmente, os actos são favoráveis, não há necessidade de grandes fundamentações, e porventura, será o que está a acontecer, como dão um parecer do plano, no sentido de que é favorável, dizem só "o nosso parecer é favorável". Mas estou convencido que no dia em que for desfavorável dirão porquê.
Portanto, pelo menos a fundamentação quando o parecer for desfavorável, essa compreende-se; agora, quando for favorável estar a exigir-se fundamentação e pondo-o em termos de Constituição, indo mais longe do que vamos quanto à Administração em geral, parece-me desnecessário.
O Sr. João Amaral (PCP): - Peço desculpa, só fazer aqui um parênteses…
O Sr. Presidente: - Há que introduzir mais disciplina na discussão. Sr. Deputado Calvão da Silva, peço-lhe que termine.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Não, Sr. Presidente, deixo-me interromper à vontade. Pode ser que ele abale a minha argumentação, mas vamos lá a ver se sou convencido…
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, as expressões "favorável" e "desfavorável", que estão a ser usadas no artigo referido, têm directamente a ver com os interesses protegidos de um determinado cidadão.
Mas aqui, dizer-se que é "favorável" e "desfavorável" refere-se, pura e simplesmente, a uma proposta. Aliás, já houve pareceres desfavoráveis! Eu disse que a maior parte são favoráveis, mas já houve também desfavoráveis!
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - E não fundamentaram?
O Sr. João Amaral (PCP): - Não, não fundamentaram. As propostas são sempre apresentadas assim.
Não estou a fazer o julgamento do Conselho, porque isso seria totalmente inadequado, aqui, trata-se antes de introduzir um princípio de funcionamento que seria o de o vincular a uma fundamentação.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - E a lei ordinária não é suficiente?
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Claro!
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - A lei ordinária não pode dizer isso e deve dizê-lo? Pelo menos na parte em que seja desfavorável a um órgão de soberania, como é a Assembleia! Nesse caso, estou de acordo, pelo menos em sede de lei ordinária, mas quando desfavorável, pois quando favorável não me parece que seja necessário.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Guilherme Silva, pediu a palavra?
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Pedi, Sr Presidente, para corroborar esta ideia. Não me parece, até porque é preciso ter alguma cautela…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é chegar, sentar-se e intervir!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Eu estou a intervir, porque, embora não tenha participado integralmente na discussão, apreendi, quer pela leitura da proposta do PCP, quer pela intervenção do Sr. Deputado João Amaral, as razões e as preocupações que o PCP tem no que diz respeito a este n.º 3 da proposta.
Penso que é preciso ter alguma cautela na medida em que este órgão tem algumas competências administrativas, e é mais, suponho, nesse caso particular que as preocupações do Sr. Deputado João Amaral se inserem; mas não só! Não tem competências apenas administrativas nem em relação a um órgão político.
Não me parece, particularmente em sede constitucional, que seja adequado pôr esta exigência de fundamentação tout court relativa a todas as decisões e pareceres do Conselho Superior de Defesa Nacional porque há aqui alguma restrição ao princípio de liberdade, pelo menos na área não puramente administrativa, de intervenção do Conselho Superior de Defesa Nacional.
Nessa medida, penso que as preocupações que o n.º 3 contém devem ser vertidas na fórmula que for considerada mais adequada na lei - na lei e tão-só na lei -, de forma a evitar situações que podem ser de subtracção do Conselho Superior de Defesa Nacional enquanto interveniente como órgão administrativo ou com competência administrativa.
O n.º 2 mantém-se intacto e diz que o Conselho pode dispor da competência administrativa que lhe for atribuída por lei. Parece-me que é também nessa sede que a questão da fundamentação deve ser colocada.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, gostaria só de repisar um pouco aquilo que foi agora dito pelo Sr. Deputado Guilherme Silva.
De facto, se é certa, em algumas circunstâncias, a preocupação que é manifestada pelo Sr. Deputado proponente, não deixa de ser verdade que o Conselho Superior de Defesa Nacional é obviamente também, em muita da sua actividade, um órgão de natureza política em matérias bastante sensíveis, como é evidente.
Nesse sentido, o exemplo que o Sr. Deputado João Amaral deu, até para ilustrar eventualmente uma das hipóteses possíveis da fundamentação, que seria, com algum paralelismo relativamente à Assembleia da República, uma publicitação das actas, penso que esse exemplo é bem demonstrativo dos perigos que poderiam decorrer de um princípio constitucional absoluto como este. Ou seja, penso que todos compreenderemos a natureza de um órgão como este e as funções políticas em áreas e em matérias de óbvia delicadeza em muitos aspectos para o próprio Estado português. É evidente que uma lógica de publicitação do que se passa no Conselho, das actas, do que se diz e do que se discute e das opiniões que são trocadas no Conselho, podem, obviamente, ser prejudiciais aos próprios fins que estão em vista num órgão como este.
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Nesse sentido, atendendo a esta preocupação, esta proposta é uma proposta que tem aspectos perversos com os quais não estamos de acordo.
É evidente, como diz o Sr. Deputado Guilherme Silva, que a lei ordinária poderá sempre determinar a necessidade, em determinado tipo de situações e para determinado tipo de pareceres, atendendo às matérias e aos assuntos que estão em causa, de o Conselho Superior ser legalmente obrigado a fundamentar os pareceres que emite.
Mas todos compreendemos que é completamente diferente colocar esta matéria como norma constitucional, que terá sempre uma imperatividade e uma universalidade, em termos de amplitude do comando, completamente distinta. Mais ainda do que eu inicialmente tinha falado acerca da eventual inutilidade ou desnecessidade, porque estava de facto só a olhar para os aspectos de natureza administrativa para as decisões, no que respeita aos pareceres, separando as duas coisas, há aqui efeitos perversos em termos políticos que o PSD não subscreve. Nesse sentido, esta generalização parece-nos errada.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Deputada Maria Carrilho.
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Na medida em que no Conselho Superior de Defesa Nacional haverá - e parece que todos estão de acordo quanto a essa matéria - alguma representação eleita pela Assembleia da República, talvez as preocupações que o Sr. Deputado exprimiu em relação à fundamentação e, de alguma maneira, à verificação de que elas são construídas sobre reais fundamentos com os quais todos estão de acordo, parece-me que a presença de um membro da Assembleia da República já por si só é suficiente garantia. Ou seja, se o PCP aceitar introduzir esta alteração ao n.º 1, "O Conselho Superior de Defesa Nacional (...) de harmonia com o princípio da representação proporcional" e eventualmente desistir deste n.º 3, penso que pela nossa parte seria aceitável.
De facto, também nos parece que haja necessidade de ter em conta algumas preocupações, nomeadamente em determinados momentos, e já não falo em relação a promoções e coisas do género, que não têm grande gravidade, pois pode, no futuro, haver qualquer situação que seja politicamente melindrosa, mesmo de âmbito internacional, de decisões que tenham a ver com a política externa, etc. Não sei se esta fundamentação assim expressa na Constituição será extremamente prudente.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, penso que será de concluir que, quanto ao n.º 1, há um acolhimento favorável da ideia de constitucionalização da representação parlamentar no Conselho Superior da Defesa Nacional. Todavia, já não existe, pelo menos por agora, quanto à ideia de concretização do número.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - E quanto à ideia da representação?
O Sr. Presidente: - Quanto à ideia da representação, há. Ou seja, em relação à comissão, a qual incluirá membros eleitos pela Assembleia da República.
Quanto ao n.º 3, não se verifica esse acolhimento, já que o PSD se opõe.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - A questão está vista. Só queria fazer três precisões. A primeira, é de que as decisões que são tomadas no âmbito da competência administrativa têm de ser fundamentadas e, portanto, esse debate não existe.
Não era sobre isso que eu estava a falar. Isso já tinha aqui sido dito, mas, com todos estes aplausos, sou obrigado a dizê-lo porque o Sr. Deputado Guilherme Silva imputou-me o contrário.
A segunda precisão é a seguinte: eu referi que uma das formas de emitir o parecer, de o fundamentar, é mostrar as actas; mas também acautelei sempre que poderia haver outras formas ou serem necessárias outras formas. Quando adiantei a questão das actas, não foi por ter aí qualquer fixação. Evidentemente que há competências diferentes. No exercício da competência consultiva, o Conselho pronuncia-se sobre questões diferentes. Por exemplo, caso se pronuncie sobre a extinção do serviço militar obrigatório, pronuncia-se sobre um problema que não tem qualquer carácter de confidencialidade. Ao nível de problemas e questões que estão envolvidos na extinção do serviço militar, num debate no Conselho Superior de Defesa Nacional, a Assembleia só ganha se tiver conhecimento dele.
Assim, é o próprio critério do Conselho que estará nessa altura com capacidade para dizer aquilo que deve enviar como fundamentação, ou que deveria, se uma norma como esta fosse acolhida.
A terceira precisão que queria fazer é que, apesar de compreender a posição da Sr.ª Deputada Maria Carrilho no que toca a essa ideia de que alguns Deputados eleitos pela Assembleia podem saber o que lá se passa, eles não são representantes da Assembleia. São vogais, são membros do órgão. São eleitos pela Assembleia, mas são membros do órgão e não estão vinculados no voto nem têm qualquer dever de comunicar, nem podem fazê-lo nessa qualidade.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Nem têm de ser Deputados, ou têm?
O Sr. João Amaral (PCP): - Isso depende da lei. No caso actual, têm. Hoje, o que existe são dois Deputados.
Eram estas três observações que queria fazer.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra Sr. Deputado Calvão da Silva.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): -Embora esteja acolhido o n.º 1, está-me a surgir agora mesmo aqui um problemazinho que ponho à consideração de todos.
O facto de dizermos "a qual incluirá membros eleitos pela Assembleia da República", até que ponto estamos aqui a privilegiar um órgão de soberania excluindo outro? Então, também devíamos constitucionalizar o Governo, ou não? O Governo e a Assembleia da República são os dois órgãos de soberania; dá ideia que estamos aqui a fazer uma reserva do nosso modelo legislador para privilegiarmos exclusivamente a Assembleia da República.
Claro que a lei ordinária pode incluir o Governo, mas cria-me aqui algum embaraço. A lei ordinária vai dizer também "membros do Governo", com certeza, mas porque é que então aqui há-de ser expressamente
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dito "a qual incluirá membros da Assembleia da República"?
O Sr. Presidente: - Porque suponho que só essa é que é problemática. Quanto à outra é natural e óbvio, ninguém contesta.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Pelos vistos a lei ordinária não é nada problemática!
O Sr. João Amaral (PCP): -Eu situei inicialmente. O que se passa hoje no Conselho é que ele tem 10 membros do Governo. Chegou a ter mais. Neste momento tem 10 membros do Governo…
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - E dois da Assembleia!
O Sr. João Amaral (PCP): - ... e dois da Assembleia. Ora, o que nos preocupou nesta proposta foi essa subpresença da Assembleia.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mota Amaral.
O Sr. Mota Amaral (PSD): - Sr. Presidente, a lei ordinária sobre a composição do Conselho Superior de Defesa Nacional não só prevê a presença de um número muito restrito de Deputados, como ainda lhes dá um estatuto de capitis deminutio porque eles intervêm em certas matérias, mas noutras não intervêm nem têm direito de se pronunciar, e vão lá quando são convidados, porque se não forem convidados nem põem lá os pés!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Deputado Mota Amaral, tenho aqui uma pequena dúvida quanto ao n.º 1 do artigo 274.º, da proposta do Partido Comunista, ou seja, quanto à inclusão de membros eleitos pela Assembleia da República, deixando de fora o Governo. Surgiu-me a dúvida se constitucionalmente esta situação é legítima. Legítimo claro que é, e somos um poder soberano, mas suscita-me alguma dificuldade. Constitucionalizar que têm de estar membros da Assembleia e deixar desconstitucionalizado que vão estar membros do Governo… Coloco-lhe esta dificuldade em termos de bom legislador de princípios.
O Sr. Mota Amaral (PSD): - Do Governo ninguém tem dúvidas, da Assembleia é que pode haver!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, poderemos voltar aqui. Entretanto, a própria formulação fica em aberto.
Está apenas acolhida a ideia de constitucionalizar a representação parlamentar no Conselho Superior de Defesa Nacional, nos termos que a lei determinar. Fica com essa injunção, com essa garantia.
Srs. Deputados, vamos passar à discussão do artigo 275.º relativamente ao qual existem propostas para o n.º 2, para o n.º 5, e ainda propostas de aditamento de vários números. Iremos começar pelas propostas relativas ao n.º 2 que, julgo, merecem uma discussão autónoma.
Para o n.º 2 fazem propostas o PP, o Deputado Pedro Passos Coelho, Cláudio Monteiro, o Partido Socialista, o Partido Social Democrata, e todos propõem, de uma maneira ou de outra, a extinção da garantia constitucional do serviço militar obrigatório.
As fórmulas propostas não são idênticas. Uns limitam-se a propor o afastamento da palavra "obrigatório" e outros propõem o afastamento da expressão "baseia-se no serviço militar obrigatório". No caso do Deputado Pedro Passos Coelho, a proposta é que se acrescente: "(…) assenta numa componente profissional e de voluntariado". Esta proposta é, suponho, a mais original neste ponto.
Portanto, retirando o PCP e Os Verdes, os demais propõem a desconsolidação do serviço militar obrigatório.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.
O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, de alguma forma, já apresentou a proposta do Partido Popular, que de facto é coincidente com algumas das outras propostas.
Assim, nesta altura, irei expor a posição do Partido Popular, sublinhando que entendemos que o Conceito Estratégico de Defesa Nacional está algo desajustado ou ultrapassado. Pensamos que se torna necessário proceder a alguma reflexão no sentido de aprofundar e apurar a renovação do Conceito Estratégico de Defesa Nacional, tendo em atenção os novos desafios no âmbito dos quais as Forças Armadas poderão ser chamadas a intervir - designadamente novas ideias acerca da mobilidade, diferença de conflitos e os compromissos a que Portugal está obrigado. Por isso, deixaríamos para um momento posterior ao debate do Conceito Estratégico de Defesa Nacional a ideia clara acerca da organização do serviço militar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Carrilho.
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Sr. Presidente, quando nós analisamos as várias propostas de alteração para os artigos 275.º e 276.º, verificamos que há um ponto fulcral de diferenciação, que é o tema do serviço militar, ou melhor, o tema do sistema de recrutamento para o serviço militar.
Ora, quanto a esta matéria, a proposta de alteração apresentada pelo PS tem em consideração vários aspectos e que tenta conjugar aquilo que já existia e que se encontra estabelecido - designadamente através do respeito, na medida do possível, por algumas tradições -, com as actuais necessidades de defesa.
Todavia, consideramos que são as instituições que se devem adequar aos objectivos e às necessidades da sociedade, e não vice-versa. O que significa que a instituição militar, como outras instituições, tem um função estrutural estratégica, que é a de defesa dessa mesma sociedade perante um inimigo exterior, além de que, mais recentemente, a função das Forças Armadas tem vindo a ser acrescida de algumas funções de protecção em termos de segurança perante novas ameaças, nomeadamente as de tipo ambiental.
Devo dizer que partimos de uma consideração e de uma avaliação que podemos classificar de histórica, o que nestas circunstâncias se justifica, na medida em que, recorde-se, o preceito relativo ao serviço militar obrigatório em Portugal data mais ou menos de 1887. Portanto, hoje em dia, estamos confrontados com uma alteração à Constituição, que se prende com transformações de carácter histórico
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muito importantes, que nos empenham e responsabilizam a todos. Daí a necessidade do acordo que há entre os partidos.
Quando falamos na relatividade histórica do modelo de recrutamento para apurar um certo nível de defesa, com isso queremos dizer que o tipo de serviço militar não foi sempre igual através dos séculos, como todos nós sabemos.
No entanto, é certo que a "desconstitucionalização" do serviço militar obrigatório não é tema fácil. Inclusive, o serviço militar obrigatório está previsto nas Constituições de vários países que têm o mesmo problema que nós, principalmente alguns países de tradição constitucionalista francesa.
Recorde-se que foi durante a Revolução Francesa que foi difundido o princípio de nation armée. Depois, a conscrição passou para Napoleão Bonaparte, o que também era visto pela nobreza com uma certa desconfiança. De facto, a conscrição tornou-se obviamente necessária nas guerras do fim do século passado, ou seja, os países que tinham serviço militar obrigatório venceram as guerras - como são os casos da guerra franco-prussiana e da guerra entre a Prússia e a Áustria, mas não vou alongar-me sobre esta matéria.
Convém, no entanto, sublinhar que essa desconfiança que a nobreza exprimia em relação ao serviço militar obrigatório passou depois para o movimento operário e para determinados sectores progressistas, intelectuais, embora com um sinal contrário. Ou seja, o serviço militar obrigatório ficou, a partir de certa altura, conotado com a participação do povo e com a representatividade de todas as camadas sociais no serviço militar, o que dava a garantia de representatividade e de democraticidade à própria acção das Forças Armadas. Esta foi uma tese que durou muitos anos.
Por outro lado, era também evidente que a introdução do serviço militar obrigatório era concomitante à adopção de algumas medidas de carácter social, tais como a abolição da servidão - por exemplo, no caso da Rússia, no tempo de Alexandre II.
Assim, tudo isto fez com que determinados sectores considerassem que o serviço militar obrigatório constituía: por um lado, uma garantia, e por outro, de alguma forma, estava associado a uma espécie de "evolução do estatuto das massas".
No entanto, foi também a conquista tecnológica - se assim podemos chamar-lhe - que foi o desenvolvimento da artilharia, que tornou necessária a conscrição. Isto porque o consumo de vidas era muito superior, além de que, por outro lado, também em termos de evolução sociológica verificou-se a proletarização de grandes massas, o que tornava muita gente disponível para a prestação de um serviço militar desta natureza. Por conseguinte, foi a união de vários factores que, em finais do século passado, contribuiu para que o serviço militar obrigatório fosse adoptado por todos.
Contudo, para além destes aspectos, que politicamente têm significado, convém não esquecer que o serviço militar obrigatório apresentou, ao longo do tempo em que foi vigente, diversas mazelas. Nomeadamente, o serviço militar obrigatório foi um dos motivos que esteve na base de uma forte emigração dos jovens no princípio do século, não só para o Brasil mas para outros sítios.
Por outro lado, nomeadamente em Portugal, havia de facto um certo desprezo pelo aspecto qualitativo em favor do quantitativo. Ou seja, considerar-se que devido ao número de homens existentes, a questão da organização poderia ficar em segundo lugar, e os homens eram usados como "carne para canhão". Portanto, o serviço militar foi muitas vezes utilizado desta forma ao longo desse século.
Recordo, por exemplo, a batalha de La Lys, em que houve, num curto espaço de tempo, em poucas horas, cerca de 8000 baixas, e recordo também a guerra colonial, que foi feita sob o sistema de serviço militar obrigatório.
E chegámos a 1987, que foi a altura em que a sociedade portuguesa começou a discutir a justeza ou não da permanência do conceito de serviço militar obrigatório na Constituição. Em 1987, a Lei n.º 30/87, de 7 de Julho, Lei do Serviço Militar, preconizou uma redução desse mesmo serviço. Depois, em 1991, a Lei n.º 22/91 reduziu esse tempo de serviço para quatro meses, podendo a permanência obrigatória de conscritos ser prolongada até oito meses no exército, e até doze meses na Marinha e na Força Aérea.
Neste momento, está em vigor a lei que acabei de referir. Todos se lembrarão que nos últimos anos tem havido uma discussão, que tem altos e baixos - de vez em quando as juventudes ficam muito interessadas nesta discussão, principalmente em vésperas de campanhas eleitorais, tenho pena que não haja aqui representantes da juventude a defender os seus próprios pontos de vista...
Vozes do PSD: - Confiam em nós!
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Confiam em nós, e ainda bem!
Entretanto, verifica-se, como já foi aqui referido pelo Sr. Deputado Ferreira Ramos, o carácter evolutivo e não interno das ameaças. Designadamente, as ameaças têm vindo a modificar-se ao longo dos tempos; aquilo que poderia constituir uma ameaça para Portugal, no século passado, já não o é; as ameaças podem processar-se de uma maneira muito mais insidiosa e não será certamente um cordão de soldados ao longo da fronteira com a Espanha que impede que os espanhóis possam, se nós não estamos atentos, vir a dominar a nossa economia e, eventualmente, a nossa cultura. Este é um exemplo caricato, que por vezes é referido quando se discute a questão do serviço militar, em que se fala muito, e sempre, na questão das fronteiras com a Espanha.
Consideramos que existe uma necessidade de adequação aos objectivos nacionais e aos compromissos internacionais. Temos em conta que existe hoje em dia uma alteração substancial da noção de espaço de defesa; existe uma globalização, ou pelo menos em termos internacionais, em grandes zonas geoestratégicas, hoje em dia, alinham-se determinados espaços de defesa e, provavelmente, o nosso espaço de defesa tem que passar ainda pela participação de militares portugueses em acções, como a IFOR, ou a SFOR, etc.
Portanto, consideramos que neste aspecto há uma globalização; consideramos que é fundamental, para a defesa e segurança do País, a prevenção do conflito, a vigilância em relação a determinadas situações, a resolução dos conflitos existentes, a efectuação de missões humanitárias em caso de guerra e mesmo em caso de grandes catástrofes naturais; e consideramos que a paz a nível mundial é a única e grande garantia para a nossa própria defesa e segurança.
Como tal e perante as necessidades profissionais, diria mesmo, que são colocadas aos militares hoje em dia, não
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faz sentido que um serviço militar continue a ser definido por uma Constituição de uma determinada forma; quer dizer, não faz sentido hoje em dia que uma Constituição diga que um serviço militar tem de ser obrigatório, ou mesmo que deva ser voluntário. Porque as situações são cambiáveis, as ameaças podem modificar-se, e as autoridades que legitimamente irão decidir sobre qual a melhor forma de organizar tecnicamente, diria eu, a defesa militar, isso não tem que estar especificado na Constituição. Daí que nos pareça como mais acertada a forma de retirar da Constituição o preceito do serviço militar obrigatório, e deixando às autoridades competentes, como referi, em cada época, a possibilidade de organizarem o tipo de recrutamento para o serviço militar da melhor forma que entendam, e que será, certamente aquela mais adequada para a defesa militar do País.
Depois há umas outras preocupações que, provavelmente, poderão vir a lume na discussão e têm que ver com a própria democracia, com os direitos dos indivíduos, e não creio que sejam secundárias. Ou seja, quando o serviço militar obrigatório foi assumido pelas forças políticas que o defenderam, entre fins do século passado e princípios deste século, era serviço militar obrigatório e geral; quer dizer, as mulheres ficavam de fora, mas as mulheres ficavam de fora de tudo, não havia problema!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - De tudo, não!
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Não votavam, etc.. Os Srs. Deputados perceberam o que quero dizer!
De facto, o que se pretendia era que o serviço militar fosse obrigatório e geral. Ora bem, mesmo que haja sortes, hoje em dia essas sortes são feitas por computador; cada jovem tem um número e, depois, há uns tantos que vão e outros tantos que não vão! Um factor fundamental para a eficácia de um instrumento militar (e alguns colegas que aqui estão conhecem bem como funciona o instrumento militar) é a coesão e a adesão dos seus homens - neste caso e neste momento em Portugal: dos homens e das mulheres -, aos objectivos e à função que estão a desempenhar. Portanto, é muito difícil que um serviço militar em que aparecem uns indivíduos que são escolhidos pelo computador e haja o amigo da porta ao lado que continua a fazer os seus estudos, um outro que vai para o serviço militar… Em nome de quê, porquê? Porquê aquele e não outro? O serviço militar, consideramos nós, tal qual tem sido desenvolvido nos últimos anos, tem contribuído inclusivamente para o desprestígio da instituição militar e para uma desatenção dos jovens em relação aos objectivos de defesa e às responsabilidades de defesa em relação ao próprio País.
Eu concluiria dizendo que a prioridade é a adequação do instrumento militar ao que o Estado e a sociedade lhes pede, portanto às Forças Armadas, neste caso; naturalmente, isto corta a análise das tarefas que se perfilam no horizonte das Forças Armadas, e esta análise aconselha uma "desdogmatização" do serviço militar obrigatório, ou melhor, uma "desdogmatização" do sistema de recrutamento. Penso que não vamos dramatizar sobre o sistema de recrutamento, dizendo que o que deve ser, por força, é o voluntário e não o obrigatório, nós simplesmente "desdogmatizamos" isso. Portanto, às autoridades competirá decidir nos momentos que considerarem oportunos.
Como última referência, eu gostava só de chamar a atenção para o seguinte: não é necessário dizer que em tempo de guerra o Estado pode utilizar os cidadãos! Isso em todos os países em tempo de guerra o Estado pode chamar-nos para aquilo que quiser - isso é natural e decorre de outra esfera de preocupações.
Assim, consideramos que a proposta do PS é razoável e aceitável e não necessitaríamos de exprimir que pretendemos uma componente profissional e de voluntariado.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ou para defender a proposta?
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, é para pedir esclarecimentos, para ficar tudo claro.
O Sr. Presidente: - Então tem a palavra, Sr. Deputado!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - A Sr.ª Deputada Maria Carrilho, a quem quero cumprimentar pela brilhante apresentação que fez da sua proposta, depara-se, tal como eu, com duas outras propostas de outros grupos, nomeadamente o CDS-PP e o PSD, que não inserem a parte final do vosso projecto. Isto é, dizem: "As Forças Armadas compõem-se exclusivamente de cidadãos portugueses e a sua organização, única para todo o território nacional (…)". O vosso projecto, que é um destes três, prossegue assim: "(…) e a sua organização, (…) baseia-se no serviço militar".
Ora, como eu gostaria de perceber, pergunto: é necessária esta parte da vossa proposta?
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra, Sr.ª Deputada Maria Carrilho.
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, a ideia de manter a expressão "baseia-se no serviço militar" é para se perceber que de alguma forma há uma base de recrutamento que é ampla e sujeita a algum controlo social. Ou seja, no caso do serviço militar obrigatório, é a que é, já o sabemos; no caso do serviço militar voluntário, este é aberto a todos os cidadãos que queiram inscrever-se e que, naturalmente, possam perfazer determinados requisitos - evidentemente, um indivíduo com cadastro não será aceite para o serviço militar voluntário.
Portanto, a ideia de que "baseia-se no serviço militar" é para manter esta abertura. Embora, no limite, o Sr. Deputado tenha razão que de facto até ao presente as Forças Armadas baseiam-se obviamente no serviço militar; portanto, poderia ser ocioso manter-se aqui esta frase "baseia-se no serviço militar". Mas a nossa intenção era, de alguma forma, fazer questão em manifestar uma preocupação com algum controlo social sobre este aspecto, organização de base.
O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra aos Srs. Deputados que já pediram para intervir, dou a palavra ao PSD para apresentar a sua própria proposta.
Tem a palavra, Sr. Deputado Miguel Macedo.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, eu queria dizer em abono e em favor da nossa proposta quatro ou cinco coisas, algumas delas
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coincidentes com aquilo que foi dito pela Sr.ª Deputada do Partido Socialista.
Mas já agora correspondendo à provocação que há pouco foi ditada para a acta da Sr.ª Deputada do Partido Socialista, quero dizer que nesta matéria estou particularmente à vontade, porque julgo que sou daqueles que estão neste debate o único Deputado que, na revisão de 1989, justamente subscreveu e defendeu na Comissão da Revisão Constitucional da altura uma proposta semelhante àquela que finalmente as forças partidárias hoje perfilham maioritariamente nesta revisão constitucional.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Miguel Macedo, a prematuridade nem sempre dá razão!
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - E sobretudo, Sr. Presidente, deixe-me dizer-lho, não é uma condição de virtude adquirida à partida, como é evidente, mas não queria deixar de manifestar este apreço, do meu ponto de vista, pela evolução…
Aparte inaudível, por não terem falado para o microfone.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Não, não é meu, não é exclusivo, não é pessoal!
Mas quero manifestar este apreço pela evolução que conseguiu fazer-se, ao longo destes anos, a ponto de chegarmos a este… Quero dizer, o consenso que antes era um consenso negativo em relação a esta matéria é hoje um consenso positivo em relação à evolução que na altura já defendíamos.
Recordo que, na altura, perfilhava muito a ideia dos Deputados que eram militantes da JSD que defendiam, não a instituição em concreto do serviço voluntário, mas a "desconstitucionalização" do serviço militar obrigatório. Era esta a proposta política e foi isso que foi subscrito na revisão de 1989, como todos se recordam. Não queria deixar passar esta nota, neste momento.
Em relação a esta matéria, queria dizer duas ou três coisas: É óbvio que neste artigo estamos a discutir uma das componentes da defesa nacional, justamente a componente militar. E daqui queria imediatamente chegar ao reparo que, justamente, o Prof. Barbosa de Melo acabou de fazer, há pouco tempo, para dizer que me parece sem grande sentido útil o acrescento da proposta do PS, o inciso que contém na parte final da sua proposta de alteração do n.º 2 do artigo 275, ou seja, "baseia-se no serviço militar". Porque é óbvio que…
O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado Miguel Macedo, não acrescenta, é uma conservação!
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - É uma conservação, mas que não faz sentido, na nova proposta do Partido Socialista, do meu ponto de vista, como é evidente. Porque faz sentido no texto actual da Constituição, na lógica do serviço militar obrigatório, mas não faz sentido na lógica do sentido militar voluntário porque, como é evidente, quem for voluntário para o serviço militar, ao sê-lo, implícita e expressamente, aceita as especiais regras de cumprimento do serviço militar, da organização da estrutura militar, das consequências que isso tem ao nível da disciplina, etc., etc. Assim, não me parece que venha a acrescentar algo; não há nenhuma questão fundamental em relação a isto mas, repito, não me parece que venha a acrescentar algo.
O segundo ponto que eu queria aqui salientar é o seguinte: Eu julgo que, a Sr.ª Deputada do Partido Socialista já abordou brevemente esta matéria, esta alteração a fazer-se não será uma alteração de somenos, e não tem só implicações; eu diria até que nem tem, sobretudo, implicações ao nível da estrutura organizacional das Forças Armadas. Não é só um problema de conscrição obrigatória que nós estamos aqui a discutir, é muito mais do que isso: é a ruptura com uma tradição, que tem séculos, em relação à concepção de Defesa Nacional, estritamente ligada à componente da defesa militar dos respectivos territórios e dos respectivos Estados.
Penso que é bom que fique assinalado nesta revisão constitucional, quando se está a discutir este artigo, que esta ruptura, que é importante, se for adquirida nesta revisão constitucional, faz-se em torno de ideias que se sedimentaram ao longo de séculos, que são tributárias de uma determinada concepção de defesa militar, como já referi, e que têm como implicação o abandono da ideia feita de que fazer o serviço militar ou participar na organização militar da defesa nacional era uma condição de cidadania. De resto, a nossa Constituição é um pouco tributária desta ideia, porque o entendimento de que se trata de um dever e de um direito dos cidadãos é, do meu ponto de vista, justamente um afloramento dessa visão das coisas.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Que o artigo seguinte mantém!
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sim, mas não queria deixar de assinalar que há o abandono de um certo entendimento que prevaleceu, ao longo das últimas décadas, em relação a esta matéria.
O quarto ponto que queria abordar tem a ver com o seguinte: julgo que as considerações feitas pela Sr.ª Deputada do Partido Socialista têm razão de ser quanto à vantagem de não se inscrever na Constituição, como se faz, por exemplo, na proposta dos Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros, que o serviço militar assenta numa componente proporcional e de voluntariado.
De facto, hoje, no quadro actual em que esta reflexão deve ser feita, faz todo o sentido que a Constituição se fique por aquilo que é proposto em comum por vários partidos - o PP, o PSD, o PS - e que não se enfileire no caminho de rigidificar aquilo que durante muitos anos pretendemos retirar desta rigidez constitucional que era a obrigatoriedade do serviço militar obrigatório.
No quadro da discussão actual existente sobre estas matérias e no reordenamento internacional em torno de novas organizações que estão a ser criadas e de um novo entendimento das coisas em termos internacionais, julgo que é adequado deixar para a lei ordinária e para o poder político a avaliação, em cada momento, das necessidades que o País vai ter na componente militar da defesa nacional.
Assim, entendo que é mais adequado não inscrever na Constituição a natureza voluntária ou profissional do serviço militar. Por isso, julgo que a proposta do PSD é, neste particular, adequada, aliás à semelhança de outras propostas.
O quinto ponto que gostaria de referir tem a ver com o seguinte: julgo que, em Portugal, nos últimos anos, infelizmente se discutiu exageradamente a questão da redução
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da duração do serviço militar obrigatório e se discutiu menos, porventura por uma timidez atávica em relação a estas matérias, a questão da profissionalização ou do voluntariado do serviço militar.
Devo dizer que eu, pelo menos, que me venho interessando por estas matérias desde há muitos anos a esta parte, lamento que algumas instituições, aliás de grande mérito, da sociedade portuguesa não tenham ainda conseguido produzir estudos, reflexões e debates de grande fôlego, para que hoje fosse possível aos decisores políticos conhecerem todas as consequências - todas! - sobre decisões deste tipo a tomar. Não há ainda, infelizmente, um completo esclarecimento da situação a todos os níveis, desde o aspecto económico, ao impacto… Ou melhor, até há estudos, mas são parcelares, não há uma visão de conjunto. Não estão, por exemplo, suficientemente debatidas questões sociológicas.
Tenho na cabeça uma imagem muito fixa de quando, no fim do curso, vindo de Coimbra, fui incorporado nas Forças Armadas e vi algo que era completamente impensável para mim. Lembro-me bem do desespero de um jovem que tinha vindo da Venezuela para ser incorporado nas Forças Armadas portuguesas (a freguesia de origem dele era a de Rio Caldo, no Gerês) e quase chorou por não ser incorporado nos Comandos porque, à última hora, se detectou que era daltónico! Esta é uma realidade que eu não julgava possível, em 1984, 1985, na sociedade portuguesa.
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Sendo voluntário…
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Mas na altura não podia ser voluntário!
O que me parece é que não está ainda suficientemente estudado nem debatido esse tipo de questões e de implicações na sociedade portuguesa. Ora, seria bom que mesmo aqueles que defendem, como eu, que não deve haver serviço militar obrigatório, não desprezem este tipo de implicações e o peso que a instituição militar tem efectivamente na sociedade portuguesa, nas famílias portuguesas e até nos jovens portugueses. Por exemplo, se formos ver alguns dos estudos que se fazem sobre o grau de prestígio de determinadas profissões, é bom não esquecer que a carreira militar é uma das mais prestigiadas ao nível da avaliação que as pessoas fazem do conjunto de carreiras profissionais existentes! De facto, esse tipo de questões não está suficientemente estudado na sociedade portuguesa.
Talvez isto esteja um pouco à margem da questão, mas gostaria de chamar a atenção para estes aspectos, sobretudo no sentido de dizer que espero que esta abertura, que desejo há muitos anos, que deve ser dada na Constituição portuguesa, não seja a rampa de lançamento, aliás convenientemente ensaboada, para se tomarem decisões precipitadas nesta matéria. Penso que esta evolução é positiva, saúdo o facto de a revisão constitucional poder finalmente adoptar soluções que defendo pessoalmente há muito tempo, mas espero que não se tomem decisões precipitadas, porque decisões precipitadas nesta matéria podem custar muito à sociedade portuguesa e ao Estado português.
Como ponto final desta minha intervenção, devo dizer que considero que esta solução é adequada aos tempos que correm, é adequada à actual estrutura das Forças Armadas, é adequada aos desafios que as Forças Armadas têm no quadro do relacionamento internacional e das missões para que neste momento estão destinadas, é adequada em relação às exigências de crescente especialização tecnológica a que são chamadas as pessoas que estão incorporadas, voluntária ou profissionalmente, nas Forças Armadas e é adequada a um novo entendimento das coisas.
Por isso, julgo que estamos a tempo de dar um primeiro passo, na Constituição da República Portuguesa, para um novo entendimento global da componente militar da defesa nacional.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Maria Carrilho, pediu a palavra para pedir esclarecimentos?
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Não, Sr. Presidente, era só para fazer o ponto da situação.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, nesse caso, tenho de a inscrever para o momento próprio.
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - É que queria fazer uma pergunta, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Sr. Presidente, estamos a discutir o tipo, a organização, a forma de recrutamento que vai ser aberta pela aceitação destas alterações?
É que se estamos a discutir isso, acho que temos de agendar esta discussão para outra altura! Se estamos a discutir apenas a retirada de um princípio organizativo, técnico do texto constitucional, penso que podemos limitar-nos, dentro daquela recomendação que nos foi feita no sentido de tentarmos terminar os trabalhos atempadamente.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Maria Carrilho, começo por lhe fazer a si mesma o pedido nesse sentido!
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, quero só dizer que não quis, obviamente, fazer uma exposição tão exaustiva quanto aquela que a Sr.ª Deputada Maria Carrilho fez, e bem, na apresentação da sua proposta. Agora, em relação a esta matéria, queria deixar muito claro que a defesa da proposta do PSD não tem como fundamento iniciarmos este debate da maneira como iniciámos e que não queremos nem procuramos, naquilo que cabe no âmbito da discussão da revisão constitucional, antecipar algumas das consequências que advêm desta alteração que queremos fazer na Constituição.
Ou seja, este não é um debate em que os políticos e a sociedade portuguesa possam saber onde começa mas não queiram saber onde acaba. Foi por isso que fiz algumas daquelas considerações.
O Sr. Presidente: - Estão inscritos para o debate os Srs. Deputados Eduardo Pereira, João Amaral e Calvão da Silva.
Tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, não queria propriamente entrar num debate que pudesse levar-me a ter de me pronunciar sobre a proposta do meu próprio grupo parlamentar, pois não é isso que está em causa.
O Sr. Presidente: - Mas pode fazê-lo!
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O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Mas não quero!
Gostaria, sim, de chamar a vossa atenção para algumas questões, e diria que quase o faço mais como Presidente da Comissão de Defesa Nacional. Assim, começo por perguntar ao Sr. Presidente se ainda me posso pronunciar sobre o artigo 274.º.
O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado, a não ser que tenha alguma coisa a ver com o artigo 275.º, pois já discutimos o artigo 274.º nesta primeira fase e teremos uma segunda oportunidade de o analisar mais tarde.
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Não posso sequer fazer algumas considerações?
O Sr. Presidente: - Pode, sem dúvida, se lhe parecerem relevantes para efeitos desta discussão.
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, é que eu não sei se está a ser dado ao Conselho Superior de Defesa Nacional… O que quero dizer aos Srs. Deputados é que este entendimento do Conselho Superior de Defesa Nacional não me satisfaz. Não me satisfaz pela representatividade da Assembleia, já que estão apenas representados dois Deputados, o que considero motivo de análise, e não me satisfaz porque, sendo o Conselho Superior de Defesa Nacional um órgão ao qual se pedem esclarecimentos, como faz, por exemplo, o Sr. Presidente da República, na pluralidade das opiniões que merecem ser formadas, ele é, na verdade, constituído por um número monocolor demasiado significativo. Isto na medida em que fazem parte do Conselho Superior de Defesa Nacional uma série de membros do Governo, dois ministros da República, dois presidentes de governos regionais e um dos dois Deputados normalmente pertence ao partido do Governo. Por outro lado, as matérias que lá são tratadas dividem-se em dois grandes grupos, o primeiro dos quais versa sobre questões administrativas, em que nos pronunciamos sobre coisas que não sabemos, que são todas as comissões, etc., porque não são dados elementos suficientes para nos podermos pronunciar de uma forma responsável.
Sobre as outras, não sei dizer, porque durante a vigência dos governos anteriores eu era a única pessoa que tinha uma voz discordante dos outros 16 ou 17 que se sentavam à mesa. Ainda por cima, esta voz discordante era praticamente pessoal, na medida em que, por exemplo, os Grupos Parlamentares do PCP e do CDS-PP, que não estão representados, questionam se me devem dar a sua opinião sobre os problemas que vão ser tratados no Conselho Superior de Defesa Nacional, já que os pontos a discutir são confidenciais. Como tal, os dois Deputados que ali se encontram exprimem normalmente opiniões pessoais.
Eu penso que o Conselho Superior de Defesa Nacional, com a projecção hierárquica que tem na construção deste edifício da defesa, mereceria da parte dos Srs. Deputados desta Comissão mais alguma atenção, porque não me parece que esteja bem regulado o seu funcionamento, as suas competências, etc.
Dito isto, gostaria de pronunciar-me sobre o artigo 275.º, fazendo já referência a alguns aspectos do artigo 276.º.
Em primeiro lugar, penso que a proposta que o Partido Socialista apresenta para o artigo 275.º é correcta.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A do PSD é melhor!
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Mas, apesar de me parecer que a proposta do PS é uma proposta razoável, devo dizer que me suscita algumas dúvidas.
Li os artigos 275.º e 276.º e gostaria de vos dizer que tenho duas ordens de preocupações.
A primeira é que, para mim, desconstitucionalizar não é prioritário. Portanto, quando se fala em desconstitucionalizar o serviço militar obrigatório, posso dizer-vos que continuo a pensar que ele deve existir em determinadas circunstâncias. Ora, ao retirar este número da Constituição, o que isso quer dizer é que, nas actuais circunstâncias - isto é, no momento actual da defesa nacional em Portugal, que é o resultado de uma determinada conjuntura mundial -, o serviço voluntário é mais adequado às nossas necessidades. Mas é só isso!
No fundo, penso que estes artigos devem deitar alguma luz. Dito de outro modo, penso que ao levar-se a cabo a desconstitucionalização destes artigos não se deve perder a oportunidade de os mesmos abrirem o caminho à lei ordinária de determinada forma. Isto porque não me parece que a lei ordinária deva ser esquecida, neste momento, e já vou explicar porquê. Por conseguinte, entendo que deve haver, já, uma preocupação com a lei ordinária.
Devo dizer que tenho fortes dúvidas quanto ao que está escrito no artigo 276.º, porque me parece que ele não cumpre exactamente esta necessidade que apontei. De qualquer forma, penso que no artigo 275.º, a desconstitucionalização quase que exigiria um número mais, fazendo então o caminho que referi para a lei ordinária.
Por isso, não vou discutir cada uma das propostas que aqui estão, vou apenas dizer que, em meu entender, esta questão não deve ser deixada à lei ordinária. Isto porque, depois de aprovada a Constituição, poderia dar-se o caso de a lei ordinária não satisfazer completamente as necessidades que antevejo.
Em suma, na discussão destes artigos, deveria ter-se em atenção a resposta à questão seguinte: como é que na lei ordinária vamos dar resposta a estas preocupações que agora temos?
No que diz respeito ao esclarecimento que gostaria de dar ao Sr. Deputado Miguel Macedo, quero dizer que a Comissão de Defesa Nacional está a procurar fazer um largo debate sobre esta matéria. Sucede apenas que não nos pareceu que o período anterior à discussão, aqui, fosse o mais conveniente. Parece-nos que o momento entre a revisão constitucional e feitura da lei ordinária talvez seja o melhor.
Portanto, está previsto o seguinte: por um lado, fazemos parte de comissões externas à Assembleia, porque temos participado em variadíssimas discussões e sabemos como as coisas se passam numa série de países que não adoptaram nem querem adoptar o serviço militar voluntário e também naqueles que adoptaram, nomeadamente quanto às vantagens e inconvenientes que eles apontam; por outro lado, estamos a pensar enviar um grupo da Comissão de Defesa, que é constituído por alguns Deputados, visitar Madrid e Paris, para averiguar como pensam orientar este período de transição e o que pensam dele obter; visitar Bruxelas, que nos parece ser representativa de um país que adoptou o voluntariado e que está com dificuldades; visitar Berlim, que não pensa prescindir de um serviço de conscritos, e visitar Londres, que tem uma larga experiência sobre esta situação.
Depois, feito isto, procuraremos, aqui, na Assembleia, discutir esta matéria entre nós. Assim, apelo aos Srs. Deputados
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que estejam interessados para o facto de que temos de analisar esta situação de maneira a podermos contribuir para revisão de leis como as relativas à defesa nacional e às Forças Armadas.
Parece-me, também, que os Srs. Deputados deveriam ter uma outra preocupação ao discutir este problema que surge no âmbito do artigo 275.º, que é a seguinte. Temos uma lei sobre mobilização e requisição que foi aprovada há meses - foi aprovada ainda no decurso de 1995, tendo aliás sido uma das últimas leis do anterior Governo -, que é uma lei que talvez fosse boa para a guerra de 1914-1918. Ora, eu ficaria com menos preocupações se a lei de mobilização me desse resposta em relação às possíveis modificações que, em tempo, se nos vão apresentar sobre a necessidade de chamar às fileiras indivíduos, seja por mobilização ou não. Julgo, portanto, que é necessário pensar nestes aspectos durante a discussão destes pontos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral. Penso que será desnecessário insistir na ideia do princípio da economia na intervenção! Mas não irei descriminá-lo!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É a disciplina militar!
O Sr. João Amaral (PCP): - Agradeço que mo tenha lembrado, Sr. Presidente, porque eu tenderia a alongar-me um bocado.
O Sr. Presidente: - Não é justo, já é a terceira vez que intervém neste debate!
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, sou muito sensível e compreendo muito bem a posição da Sr.ª Deputada Maria Carrilho quando apela a que não se dramatize esta questão. É realmente uma posição compreensível, porque se alguém fosse dramatizar esta matéria, nunca se sabe o que é que poderia suceder aqui na sala. Nomeadamente, o que é que cada um dos "actores" diria nesse drama!
Risos.
E não vale a pena, realmente, dramatizar, porque todos nós sabemos o que cada um de nós pensa sobre esta matéria, e até sabemos como é que cada um vai votar. Portanto, não há drama nenhum quanto a esta questão. Vamos respeitarmo-nos na medida do que é possível!
O problema que há com o artigo 275.º, n.º 2, começa logo pelo objecto da discussão: ouvimos, agora, a Sr.ª Deputada Maria Carrilho dizer que era melhor não discutirmos as leis subsequentes, e acabei de ouvir o Sr. Deputado Eduardo Pereira dizer que não podemos deixar de ter isso como uma referência.
Eu diria que o problema é ainda pior! Isto porque a expectativa que se criou na sociedade portuguesa foi a de que o que a Assembleia vai discutir é o fim do serviço militar obrigatório. Ora, se há pessoas que querem, acima de tudo, o fim do serviço militar obrigatório, e se há pessoas que têm a expectativa, por conveniências pessoais, desse fim do serviço militar obrigatório, se a Assembleia votar o que aqui está proposto, então votou o fim do serviço militar obrigatório!
Ora, nós já sabemos também uma outra coisa, que é interessante: sabemos, tanto da parte das preocupações expressas por alguns membros do Governo responsáveis desta área como por preocupações das próprias autoridades militares, que a extinção prática do serviço militar obrigatório vai demorar bastante tempo. Provavelmente, o Sr. Presidente aparecerá aqui já na 5.ª, 6.ª ou 7.ª Comissão de Revisão Constitucional, já com o serviço militar extinto na Constituição, e essa extinção ainda não se terá verificado.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não penso fazer deste ofício a minha profissão para o futuro!
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, tenho muitas expectativas a seu respeito! De maneira que conto consigo! Eu é que provavelmente já cá não estarei!
Ora, isto levanta problemas muito delicados. E nós deveríamos ter tido a exacta noção, desde o começo, em que é que nos estávamos a meter, quando conduzimos este processo nestes termos.
Posso estar na oposição, mas sou parceiro deste "barco", e digo que, de facto, esta questão tem consequências negativas e limita muito o debate.
Por conseguinte, ao discutir a extinção do serviço militar obrigatório, julgo que deveríamos afastar algumas questões que perturbam sempre este debate. Uma delas é considerar que estamos a discutir políticas para a juventude. E isso é uma subversão completa do debate! Nós não estamos a discutir políticas para a juventude! Estamos a discutir defesa nacional e é nesse quadro, e só nesse quadro, que a matéria tem relevância e deve ser discutida!
Outra questão que, sinceramente, não pode ser discutida, aqui, é a questão financeira. Porque o argumento financeiro em torno da extinção do serviço militar obrigatório é um argumento reversível. Os estudos feitos em toda a parte mostram que a passagem do serviço militar obrigatório para um serviço profissionalizado envolve um aumento de custos.
O Sr. Presidente: - Um aumento substancial, Sr. Deputado!
O Sr. João Amaral (PCP): - Mas é interessante ver, Sr. Presidente, que em 1989, quando esta questão se colocou com alguma força, as chefias militares apresentaram estudos que mostravam isso, e foi logo feita uma campanha (as campanhas têm sempre alguma razão) a dizer que isso era o lobby militar, que tem os números na mão, distorcendo a realidade, para provar o que era improvável, ou seja, que ia haver um aumento de custos. Claro que o tempo passou, e isso foi de facto demonstrado.
O que estamos a discutir quando discutimos o fim do serviço militar obrigatório é a componente militar da defesa nacional. Evidentemente que podemos apelar aqui à tradição, como um elemento de reflexão, e por exemplo dizer que a tradição não resolve os problemas, porque os tempos mudam, etc. Simplesmente, não é a tradição que é aqui chamada como argumento.
Não vou dizer o que diz o Sr. Deputado Pacheco Pereira (que não está aqui, mas que eu cito-o), isto é, que a defesa nacional e as Forças Armadas, tal como estão inscritas na Constituição, que o serviço militar obrigatório corresponde à essência republicana do regime. Não sou eu que vou reproduzir isso, porque, se eu reproduzisse... Não
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vou também dizer o que disse o José Luís Nunes (toda a gente sabe quem é, por isso não vou dizer quem é), que diz: "Os deveres de defesa da pátria e do cumprimento do serviço militar obrigatório pertencem ao sistema vital de ideias subjacentes à Constituição e ao conceito de cidadania que a enforma".
Vou ser bastante mais modesto e vou reportar-me só à questão da defesa nacional. O que está subjacente à existência de um serviço militar obrigatório na Constituição é a resposta na componente militar lógica para os objectivos de defesa nacional, tal como estão concebidos na Constituição.
A Constituição define a defesa nacional com objectivos bem claros, que têm a ver, evidentemente, com a defesa da soberania, da integridade do território, do funcionamento dos órgãos de soberania, etc. E a componente de defesa do funcionamento dos órgãos de soberania no território nacional ou a garantia de independência nacional é tão relevante, que é o traço marcante da componente militar, que refere explicitamente que às Forças Armadas incumbe a defesa militar da República. É o que diz o n.º 1 do artigo 275.º.
Ora, num quadro como este, e pensando no País como ele é - no seu território, na sua inserção geográfica e nos problemas que tem -, evidentemente que o serviço militar obrigatório, e o conceito a que ele se liga de Nação e armas, corresponde à via adequada para garantir aquilo que é, do ponto de vista da defesa militar essencial, uma dissuasão, e também uma capacidade de resposta nas componentes de resistência activa e passiva.
Portanto, este é o património corrente de quem trabalha com estes conceitos, e é por isso que há serviço militar obrigatório. Concordo com o Pacheco Pereira, concordo com o José Luís Nunes, mas entendo que a razão é mais funda, é outra, situa-se noutro plano!
Portanto, é isto que, neste momento, quando fazemos esta alteração, questionamos.
Claro que alguém dirá: "O conceito de defesa nacional evoluiu!". E eu digo que essa formulação não é rigorosa, porque o que evoluiu foi o conceito de política externa. E o conceito de política externa tem hoje uma denominação operativa militar que se traduz num empréstimo de forças militares para operações internacionais. O caso da Bósnia, por exemplo, não se insere na política de defesa nacional. Insere-se na política externa portuguesa e - sejamos claros e rigorosos com as palavras - não tem rigorosamente nada a ver com a política de defesa nacional! Tem a ver com a política externa!
Portanto, quem assume essa componente,… E agora não vou discutir, porque isso era facílimo. Iriam dizer: "Lá está ele contra tudo!". Mas eu não vou discutir esse ponto, vou aceitá-lo, para a acta. Está aceite, na acta!
Agora digo, para essa componente, então, são precisas forças de outro tipo. O serviço militar obrigatório não tem qualquer lógica para uma intervenção militar na Bósnia. Aliás, forças armadas espanholas, quando foi da guerra do Golfo, tiveram numerosíssimos problemas com o serviço militar obrigatório, porque os jovens entendiam, razoavelmente, que não era propriamente o território do Golfo o território ideal para expressarem a sua vontade de defender a Espanha! E portanto houve alguns problemas com eles.
Compreendo, assim (e quero que fique registado na acta), que quem pugna por essa vertente militar da política externa entenda que é necessário um conjunto de forças militares com uma capacidade e mobilidade muito próprias, com uma capacidade de inserção em forças multinacionais - o que, desde logo, suscita grandes interrogações sobre se estamos perante Forças Armadas portuguesas, mas enfim! -, com meios muitos específicos, e que são integradas por uma espécie de profissionais que optaram pelo exercício da função militar. O que, a ser verdade, não obsta a que a outra componente permaneça.
Aliás, isto está escrito por todos os que têm reflectido sobre esta matéria. Cito, por exemplo, uma pessoa que não está no activo, que é o Brigadeiro Pezarat Correia - que sei que é uma pessoa que diz bastante a alguns dos que aqui estão -, que faz justamente a análise da evolução tecnológica das Forças Armadas e analisa esta nova componente, para depois concluir que, no sistema de defesa nacional, essa componente da conscrição permanece como uma componente essencial.
Portanto, Sr. Presidente, sem qualquer dramatismo, exprimo a minha opinião, que é a opinião do meu partido, sobre esta questão. Nós não fazemos disto mais nem menos do que aquilo que é! Pensamos que deveria ser assim, e defendemos esta posição. Sei que isso levanta problemas, que não é muito popular (parece que não é muito moderno!), mas às vezes também é preciso funcionar de acordo com princípios, às vezes também sabe bem fazê-lo. Portanto, no caso concreto, tenho muito orgulho em defender esta posição, porque a considero coerente e porque considero que esta não é uma posição de lobby. Isto aparece muito defendido dentro das Forças Armadas, particularmente no exército.
Evidentemente que quando falamos de serviço militar obrigatório e desta componente da defesa nacional, falamos no exército. As funções que a Marinha e a Força Aérea exercem no quadro das suas missões específicas apontam para uma estrutura que tem evoluído gradualmente e naturalmente para uma profissionalização. E onde há essa ligação, com a massa da população ou com o conjunto dos portugueses, é no exército.
Por fim, gostaria de referir uma última questão, que, não tenho dúvida nenhuma, é extremamente complexa. Trata-se da questão do princípio da igualdade.
Para um bom jurista, bem formado e que durma descansadamente, só pode haver serviço militar obrigatório se todas as pessoas, homens e mulheres que estão na idade e com as condições exigidas, exercerem efectivamente a função militar.
Creio que colocar as questões assim é uma excelente forma de resolver o problema. Porque, em primeiro lugar, provavelmente, o próprio mecanismo constitucional prevê que quem não faz o serviço militar faz serviço cívico. E depois, estamos a falar das Forças Armadas de que precisamos. Evidentemente que podemos, com algum esforço financeiro, fazer passar pelas fileiras o máximo possível do contingente anual! Isso será desejável. Agora, se isso não for feito, não é por isso que o serviço militar deixa de ser obrigatório. Ou seja, se alguns o não puderam fazer, o serviço militar não deixa de ser obrigatório, como tal!
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Deixa é de ser universal!
O Sr. João Amaral (PCP): - Portanto, a questão que se coloca (e penso ter exagerado no tempo portanto não vou dizer mais nada) é uma questão de defesa nacional!
O Sr. Presidente: - Quanto à matéria do tempo, ainda não tinha violado o princípio da igualdade, Sr. Deputado!
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Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, penso que já foram expendidas aqui considerações de fundo sobre este tema tão importante.
Tentando ser muito sintético, penso que, efectivamente, o artigo 275.º e 276.º - como já aqui foi sublinhado e bem - não podem deixar de ser vistos em conjunto.
O problema prático, por outro ângulo, do princípio da igualdade, que se me coloca é este: admitamos que se justifica uma desconstitucionalização da obrigatoriedade do serviço militar. As circunstâncias demonstrarão que pode perfeitamente dispensar-se esta obrigatoriedade. O legislador ordinário que diga, em cada momento, se é de manter ou não manter, em que contingentes, etc.
O aspecto que temos de salvaguardar aqui, em função do que deixarmos escrito nestes dois artigos, é justamente a possibilidade de a lei ordinária poder prever o serviço militar obrigatório. Levanta-se, pois, a questão de saber se não virá depois dizer-se que a obrigatoriedade do serviço militar é inconstitucional.
Penso que este é que é o problema de fundo que se coloca, sobretudo aos grandes juristas da especialidade de Direito Constitucional, a começar pelo Sr. Presidente e pelo Prof. Barbosa de Melo, que são todos especialistas, com certeza, mas considero-os especialistas da matéria mais a nível do direito constitucional, e não propriamente de direito militar. Isto porque, no fundo, as propostas dos três partidos que vão no sentido da desconstitucionalização deixam para a lei ordinária a forma, a natureza, o conteúdo e a duração do serviço militar. Ou seja, tudo isso terá que ser dito pela lei ordinária.
O problema é saber se a natureza, depois, na lei ordinária, pode permitir o serviço militar obrigatório. Esta é que é a grande questão que aqui se nos deve colocar. Porque parece que todos os partidos querem que, teoricamente, a nível da lei ordinária, possa haver serviço militar obrigatório, entendendo porventura que agora, nestas circunstâncias, não se concretize, ou se concretize em pequena escala ou nenhuma, mas esteja sempre aberto, cabendo obviamente uma opção política de cada um dos legisladores ordinários em cada momento.
Portanto, a rigidez da Constituição desaparece, mas a maleabilidade de se poder intervir a cada momento numa lei ordinária está sempre salvaguardada. No entanto, há que ter o cuidado de verificar como é que permitimos que depois que a lei ordinária não seja inconstitucional.
Esta é, pois, a questão de fundo que me parece que aqui deve ser bem pensada. Porque, de outro modo, não sou especialista, mas receio bem que venham dizer que afinal o serviço militar obrigatório não pode ser consagrado na lei ordinária.
Este é um ângulo diverso do colocado pelo Deputado João Amaral, mas é a preocupação que aqui apresento.
Quanto aos outros artigos, depois, é fácil! Tudo o resto será fácil, se esta grande dificuldade estiver equacionada, bem como a forma de resolvê-la.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, julgo que será desnecessário dizer que pôr à discussão as alterações para o n.º 2 do artigo 275.º implica obviamente pôr também à discussão as alterações para o n.º 2 do artigo 276.º. Isto está, aliás, implícito em todas as intervenções. Mas agora fica expresso.
Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PS): - Sr. Presidente, sei que estou numa situação particularmente ingrata relativamente a uma intervenção sobre esta matéria, uma vez que não faço parte da Comissão. Fui convidado para estar presente na discussão desta matéria, que é uma matéria que eu gosto de discutir porque me interessa especialmente, embora tenha uma posição divergente da posição do Partido Socialista relativamente a esta matéria. Obviamente, não quero que a minha intervenção seja entendida como um elemento perturbador da posição oficial do Partido Socialista, mas creio que seria também desonesto comigo próprio se não fizesse duas ou três considerações relativamente à questão de fundo que neste momento está em discussão, que é o problema da extinção do serviço militar obrigatório.
Foram sublinhadas, aqui, duas ou três questões que, penso, são de uma importância extrema. Mas temos de apelar à nossa consciência interior no sentido de saber se elas foram ou não foram condicionadoras das tomadas de posição que hoje os partidos políticos assumem, depois de ao longo de todos estes anos de revisão constitucional se terem pronunciado de forma diferente.
Por um lado, o problema que se coloca é o de saber - e sublinhar, como diz o Sr. Deputado João Amaral - que não estamos a discutir uma política para a juventude. Por outro lado, há a questão de saber se a evolução tecnológica, as novas alianças e o novo quadro geopolítico e geoestratégico é de tal modo relevante e importante, que, só por si, justifique, por exemplo, que Portugal reanalise o problema da desconstitucionalização do serviço militar obrigatório.
Em meu entender, o principal problema que a desconstitucionalização do serviço militar obrigatório suscita - que é problema que já foi aqui equacionado - é o perigo que está criado com a ideia de que isto significa o fim do serviço militar obrigatório.
Daí decorre a necessidade - que me parece importantíssima, Sr. Deputado Calvão da Silva - de salvaguardar no texto a possibilidade de recurso ao serviço militar obrigatório em sede de lei ordinária.
Não vou, naturalmente, historiar e não queria tecer muitas considerações, mas gostaria de marcar a minha posição e dizer-vos algo que se relaciona um pouco com a minha própria experiência da qual naturalmente não posso deixar de sublinhar alguns aspectos.
Embora as coisas hoje tenham evoluído - o muro de Berlim caiu, tudo é objectivamente diferente; provavelmente, no actual quadro, se o 25 de Abril tivesse demorado mais meia dúzia ou uma dúzia de anos, até 1989 ou até 1990, não teria havido necessidade existir, ou então teria sido feito de forma diferente -, é minha profunda convicção que se o serviço militar não fosse obrigatório não tinha havido o 25 de Abril de 1974 porque os militares não o tinham feito. Para mim é um elemento determinante e paradigmático porque era muito importante para os jovens militares, oficiais, como eu.
Permito-me esta nota pessoal, pedindo desculpa ao Partido Socialista por introduzir este elemento, que não quero que seja perturbador da sua posição oficial e com a qual não estou solidário - estarei solidário com outros aspectos do desenvolvimento desta tese, nomeadamente com as salvaguardas apresentadas pelo Deputado Eduardo Pereira -, para dizer que o serviço militar obrigatório permitia que os jovens oficiais, como eu fui, por exemplo, tenentes, alferes-tenentes, que estiveram na guerra, se apercebessem,
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em cada momento, do sentimento mais profundo da população portuguesa a todos os níveis, de norte a sul do País, em todas as regiões (nas ilhas, em Angola, na Guiné, em Moçambique, Cabo Verde, São Tomé, Timor), em todos os estratos sociais. Ou seja, para nos apercebermos efectivamente dos problemas reais que existiam no País, das dificuldades com que lutavam todos os cidadãos no dia a dia; para perceber porque é que um soldado desertava durante três e quatro dias, porque tentava trabalhar para juntar dinheiro para deixar à família, ao pai e à mãe deficientes que não podiam trabalhar etc. Era necessário haver compreensão para estes problemas.
Os jovens universitários, que foram uma escola extraordinária para os oficiais do quadro permanente para lhes "abrirem os olhos" face aos novos problemas das sociedades modernas de que Portugal não fazia parte, da Europa onde estávamos inseridos - eu estava preparado para ir para a guerra, para uma guerra justa, ou injusta, consoante as perspectivas, mas era uma guerra -, colocavam-nos problemas extraordinários e importantes que nos obrigavam a pensar. Eles foram determinantes para que os oficiais do quadro permanente se consciencializassem de que, naquele momento, tinha que passar por eles, e só por eles, a oportunidade de lutar contra a ditadura e possibilitar a democracia em Portugal.
Eu não tenho receio de que a extinção do serviço militar obrigatório nas sociedades modernas de hoje possa conduzir a situações semelhantes àquelas que tiveram origem depois do 25 de Abril; não estou preocupado com isso, mas estou preocupado com o seguinte: no momento em que a todos nós, aos mais variados níveis, em Portugal e fora do País, se coloca a questão dos valores e a questão dos princípios, em que medida é que a desconstitucionalização de um valor, de um dever, de um princípio e de um direito de todo o cidadão na defesa da pátria, como um valor supremo que pode levar inclusivamente a arriscar a própria vida, é uma manifestação de secundarização de valores tão importantes como estes?
Há tempos, num debate, um jovem do Partido Socialista com quem eu discutia dizia-me algo semelhante àquilo que há pouco dizia o Deputado João Amaral. Nós clarificámos logo as posições: eles eram contra o serviço militar obrigatório e eu era a favor. Depois, discutimos vários assuntos que se relacionam com o serviço militar não obrigatório e com o que vem a seguir e com as dificuldades que vêm posteriormente, e ele dizia-me esta frase simples: "Não pense o senhor que também não defendemos valores nem princípios; nós defendemos valores e princípios e com ou sem serviço militar obrigatório estamos dispostos, se for necessário, a morrer e a defender a nossa pátria no nosso território".
Para mim, não está aqui em causa o problema de defender melhor a República à base do serviço militar obrigatório, mas duas preocupações fundamentais. Uma, que tem uma dose de alguma emotividade (que os senhores perceberam e que penso que provavelmente não se voltará a repetir, e portanto não é isso que vai pôr em perigo a democracia, pois já há problemas subsequentes da implementação das soluções que imediatamente se seguem que já levantam outro tipo de problemas) é a ideia de que isto não significa (e espero que fique claro), em termos constitucionais, o recurso eventual ao serviço militar obrigatório, e, a outra, é o problema da leitura que se fará da Constituição de que um valor tão nobre e tão importante como este, de um direito e de um dever de defesa da pátria, no qual se pode arriscar a própria vida, pode ser considerado um elemento menor. Como é que depois vamos defender e pugnar por outro tipo de valores quando hoje nos questionamos tanto sobre a falta de valores de uma forma genericamente considerados?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Marques Júnior, chamo-lhe apenas a atenção para o facto de ninguém ter proposto a revisão do n.º 1 do artigo 276.º da Constituição.
Srs. Deputados, inscreveram-se para intervir, por esta ordem, os Srs. Deputados Raimundo Narciso, Maria Carrilho e Vital Moreira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Raimundo Narciso.
O Sr. Raimundo Narciso (PS): - Eu queria fundamentar a boa decisão de se aprovar o projecto, que aqui foi trazido pelo Partido Socialista, de retirar da Constituição o serviço militar obrigatório.
Estou de acordo que esta decisão deve assentar na análise das suas consequências; de outra forma seria irracional. Naturalmente, todos temos isso presente e não nos obriga a uma análise detalhada das medidas legais que surgirão posteriormente no caso de uma opção ou de outra, mas creio que o que aqui está absolutamente claro é que a retirada do serviço militar obrigatório da Constituição tem um estrito objectivo.
Não é uma questão formal de "limpeza" ou de melhor ordenação da Constituição, mas tem um estrito objectivo: dar oportunidade de extinguir o serviço militar obrigatório sem haver necessidade de uma revisão constitucional.
Ora, é também conhecido que está no programa do Governo fazer esforços nesse sentido. Esta é a opção do Governo.
Por outro lado, esta é também uma opção minha. Não é por ser opção do Governo. Eu tenho razões, fundamentos, para defender esta opinião. E não foi uma opinião de sempre. Creio que é importante analisar esta questão no seu sentido histórico.
Não só porque sou muito amigo do Sr. Deputado Marques Júnior e porque temos travado muitas vezes debate em torno desta questão - estamos lado a lado no mesmo gabinete -, não tenho qualquer inibição em contrariar os seus argumentos porque isso não vai melindrar a forma como aqui colocou as suas razões nem a nossa amizade.
Queria chamar a vossa atenção para uma questão central. O serviço militar obrigatório atingiu o prazo de validade e não é uma questão imutável na história. Em minha opinião, o serviço militar obrigatório era absolutamente indispensável aqui há algumas dezenas de anos atrás, mas hoje estamos a viver em Portugal e na Europa um período de transição no qual o serviço militar obrigatório (é perceptível por muitas pessoas e por vários países) está a deixar de ser uma necessidade e, pelo contrário, está a ser inconveniente. Por quê? Por razões de carácter civilizacional, cultural, societárias? Não! Por causa da questão essencial pela qual ele surgiu e se manteve até hoje. Por razões estrita e fundamentalmente de ordem militar.
Ora, mas como muitas outras questões de carácter social, ou até técnico - e aliás começou por ter um pouco esse carácter -, esta questão tornou-se também numa questão de cultura. E gostaria de contrariar algumas razões da manutenção do serviço militar obrigatório noutras épocas, e até em épocas recentes, no caso concreto de Portugal. Recordo o exemplo que o Sr. Deputado Marques Júnior aqui trouxe: sem o SMO (serviço militar obrigatório) não
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teria havido o 25 de Abril. Estou de acordo que o SMO deu um contributo muito importante nessa matéria pelas razões que todos conhecemos, mas não só por isso.
Como é que aparece na história o serviço militar obrigatório? Pela simples razão de que era necessário as nações combaterem em massa, com cada vez mais homens para as batalhas. Ora, quando o recurso aos exércitos profissionais deixou de ser suficiente, houve que tomar uma medida necessária que se traduziu em obrigar todos a combater. Mas o serviço militar obrigatório, que começa aliás por ser defendido com os enciclopedistas num plano muito teórico, era recusado por todos. Até um pouco depois de se tornar uma exigência de carácter militar, o serviço militar obrigatório foi sempre recusado por razões óbvias, e então quem conhecer a história e os casos concretos bastante melhor… Porque era um ónus, nos tempos passados, muito gravoso para quem era obrigado a fazê-lo.
Hoje continua a ser um ónus, e é por isso também, e só por isso, que estamos hoje a tratar deste assunto. Se não fosse um ónus para a juventude, e quem diz para a juventude diz para as populações, para o povo, para todos os povos… É um ónus que hoje é aceite com uma certa bonomia; não é o valor obviamente mais alto nem determinante da decisão sobre se deve ou não deve haver serviço militar obrigatório. Outros valores da nação e do Estado são ou podem superiores e, então, a nação considera que é obrigatório impor à juventude a obrigatoriedade do serviço militar obrigatório.
Mas é um dado que também não podemos esconder ou arredar da nossa discussão, porque senão resolveríamos o problema militar tecnicamente fixando o serviço militar obrigatório em três anos, que é talvez o período óptimo (três a quatro anos) para resolver os problemas e necessidades militares de hoje. O serviço militar obrigatório por dois anos também serve. Poderemos ir até ao limite, em que já serve de pouco, de 10 meses, como ainda é praticado nalguns países da Europa; mas, pergunto, ainda serve para quê? Não, para as missões nobres das Forças Armadas, mas para fazer exactamente aquilo que são os serviços mais ou menos civis dentro das Forças Armadas. É esta a situação, hoje, em Portugal.
Ora, o que é que estamos a discutir? Qual é a situação hoje no nosso País? Hoje, no nosso País, a situação está assim: a Força Aérea não tem serviço militar obrigatório, acabará agora, em 1997, e não querem mais ninguém em serviço militar obrigatório; a Marinha tem elementos residuais; e este problema põe-se, efectivamente, para o Exército, onde uma parte menor continua assente no serviço militar obrigatório. Mas para quê, exactamente? Para fazer faxinas, limpezas à cozinha, para arrancar erva nas paradas, para pintar, caiar, etc., durante os seus quatro meses, que é uma coisa que os próprios militares e as chefias militares consideram ser até um pouco degradante!
Quanto a este assunto há um outro problema que julgo foi trazido - eu diria bem, para mim, mas mal para quem o trouxe - pelo Sr. Deputado João Amaral que expôs aqui um argumento, que é contra a sua intervenção, e é o seguinte: é o problema...
O Sr. João Amaral (PCP): - O Sr. Deputado não consegue fazer uma intervenção sem falar em mim!
O Sr. Raimundo Narciso (PS): - Sr. Deputado, tenho sempre imenso gosto em falar em si, aliás, de uma forma sempre encomiástica reconhecendo os seus conhecimentos de especialista nessa matéria. O Sr. Deputado João Amaral falou no problema da universalidade, e muito bem! O problema do serviço militar obrigatório assenta nesta questão, na igualdade, e, para isso, a necessidade de universalidade. Sem universalidade não é possível sustentar o serviço militar obrigatório, é criar uma desigualdade entre as pessoas; quer dizer, uns vão por esta ou por outra razão!
Houve um largo período na História, de mais de uma centena de anos, em que havia uma situação de pré ou quase serviço militar obrigatório em França, que é a mãe do serviço militar obrigatório. Nessa altura, havia o serviço militar obrigatório mas, depois, tirava-se à sorte de oito em oito, porque não eram precisos tantos; e depois, os que calhavam a ser, "iam às sortes", como aliás se via em Portugal também, e com dinheiro compravam o seu substituto. Mas isto não é o serviço militar obrigatório.
Ora, hoje também não há serviço militar obrigatório, em Portugal, com as características essenciais que o devem determinar, ou seja, a igualdade e a universalidade. Quem for jovem e tiver um curso superior, ou seja, o universo dos jovens com um curso superior que vão à tropa é de 10%! Isto é, este ano, é porque é uma situação um pouco agravada pelas questões orçamentais mas, se não fossem as restrições orçamentais, iam um pouco mais. É claro, se não houvessem restrições orçamentais iriam todos, mas não vão, só vão 10%.
Portanto, a situação hoje é esta: dos que tiverem um curso superior ou dinheiro para o tirar só 10% é que vão à tropa. Porquê? Pela pura e simples razão de que as Forças Armadas não necessitam de mais. Isto é, hoje em dia, quando se fala, aliás, isto demoraria muito tempo e eu não quero maçar-vos com estas considerações… Mas as questões financeiras obviamente têm conotação, têm ligação com isto. Podemos dizer assim: "Bom, a defesa da pátria não pode ser submetida a custos" - nós conhecemos a relatividade desta afirmação! Mas para dizer o quê? O que nos interessa ter em conta, é saber se os custos serão maiores ou se serão muito diferentes, não para o número de militares que estão nas casernas, mas para o produto final de defesa. E a realidade, hoje, é que temos de acabar com os quartéis espalhados pelo nosso País, porque esta tendência é absolutamente inevitável, objectiva, e não depende muito do que decidirmos aqui nesta instância - é preciso, vai acabar! O dispositivo hoje é outro: vamos ter forças concentradas em Santa Margarida, naturalmente, lá em cima na BAI e mais num ou noutro sítio, e estas são pequenas forças, em número bastante mais reduzido e com grande capacidade de mobilidade para acorrer a Trás-os-Montes, ao Algarve, à Madeira e aos Açores. Para tanto são necessárias pessoas com disponibilidade, não para quatro ou dez meses, mas com bastante mais tempo. Por esta razão é que, hoje, as nossas próprias Forças Armadas já têm este figurino de quase não terem serviço militar obrigatório.
Havia muitas outras questões que recomendavam o serviço militar obrigatório sob o ponto de vista civilizacional ou de cultura. E recomendavam-no também numa altura em que essas necessidades eram coetâneas com a necessidade militar - a necessidade de muita gente, em massa, o combater em massa. Era a mobilidade, como o Sr. Deputado Marques Júnior já aqui falou, e muito bem, sendo até uma oportunidade para um jovem de Trás-os-Montes, que nunca tinha visto um cinema, ir para a capital ou para outro lado, conhecer outra gente, as pessoas do Algarve, enfim, conhecer
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o País. Nesse aspecto era assim; aí, podemos dizer: mas, atenção, foi situado no tempo.
As afirmações do Sr. Deputado Pacheco Pereira, que não está aqui mas que foram invocadas, terão toda a razão de ser se forem tomadas de um ponto de vista dialéctico, isto é, situadas no tempo e portanto submetidas àquela frase, que eu aqui trouxe, que o SMO atingiu o prazo de validade. Na realidade, o serviço militar obrigatório tinha a vantagem de permitir aos jovens de todo o País conhecerem-se uns aos outros, era um elemento de coesão nacional. Hoje, a realidade é totalmente diferente. Hoje o mundo da comunicação… Enfim, não estou a pensar na Internet, nos jovens que estão espalhados pelo interior, mas temos a televisão. O mundo mudou completa e radicalmente. Portanto nestes aspectos de carácter mais civilizacional, a situação, hoje, é outra!
Pela minha experiência pessoal, tal como o exemplo que aqui foi trazido pelo Sr. Deputado Marques Júnior, também o prezo e tenho boas lembranças do meu serviço militar obrigatório, e até nem tenho qualquer interesse pessoal na sua extinção - o meu filho, o único que tenho, está a cumpri-lo, acabará muito em breve de o cumprir.
Mas eu também gostava de trazer aqui a lembrança de que há exemplos negativos. Normalmente, os exemplos aqui trazidos são os dos oficiais, como eu, que também fui oficial miliciano, e comandar é sempre bastante mais fácil, agradável, na vida militar. Na vida militar reproduz-se a situação da vida civil, com alguns agravos mais, naturalmente, mas enfim, em todo o caso toleráveis.
Com isto, não quero alongar-me, mas pretendia sustentar as seguintes conclusões: as Forças Armadas portuguesas, hoje, já quase não têm serviço militar obrigatório, necessitam de ser Forças Armadas assentes em serviço militar voluntário, ou antes, a questão não é tratar-se de serviço voluntário ou obrigatório, mas é preciso que as pessoas estejam lá mais do que um, dois ou, eventualmente, três anos.
Há consequências negativas disso, são experiências conhecidas, devemos todos conhecê-las, não estamos aqui a decidir isso, porque tal necessitará de estudos profundos e exaustivos, como os que, como o Sr. Presidente da Comissão Constitucional já deu notícia, se iriam iniciar, para essa eventualidade, da extinção dos…
O Sr. Presidente: - Na Comissão Parlamentar de Defesa.
O Sr. Raimundo Narciso (PS): - Sim, pois, estou a ver!
Concluindo: apoio as propostas de alteração aqui trazidas pelo Partido Socialista, aos artigos 275.º e 276.º. Depois, farei uma ressalva porque há uma achega do Partido Social Democrata, a que é dado o n.º 5,0 acrescentado, que considero importante e, parece-me, seria de aprovar porque julgo que também é necessário; e aprovo-o exactamente com a consciência da necessidade de que, a curto prazo, teremos de extinguir o serviço militar obrigatório.
Por último, só uma última observação, muito rápida, voltando ainda ao problema da universalidade, para dizer o seguinte (e, rapidamente, talvez isto nos obrigasse a pensar um pouco no porquê, pois esta ideia não é uma extravagância de alguns portugueses): é que a França enveredou por esse caminho; há quatro anos, a Bélgica; há dois, a Holanda; a Espanha pensa exactamente seguir por aí. E digamos assim, isto não é uma doença contagiosa que aconteceu agora aí pela Europa, é uma necessidade estritamente militar.
Hoje não temos condições para absorver o contingente que são cerca de 100 000 pessoas, em que, por critérios, se vão apurando 60 000, 65 000, ou 50 000, ou 40 000, para ajustar às necessidades militares, porém, com o desprezo total da regra essencial e básica da igualdade e da universalidade. Portanto, hoje, em Portugal, estamos numa situação em que praticamente se fez o serviço militar obrigatório à revelia da Constituição e da lei.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª. Deputada Maria Carrilho.
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, alguns dos presentes recordar-se-ão do debate, na apresentação inicial. No entanto, permito-me pedir mais algum tempo, na medida em que foram trazidas outras argumentações, e também porque, entretanto, entraram mais pessoas.
Em primeiro lugar, eu queria recordar que devemos ter em mente uma forma de abordar estas questões também no plano metodológico, ou seja, a organização militar tem funções definidas, e é em relação a essas funções e aos objectivos definidos que deveremos considerar as formas organizacionais adequadas ou não. Ou seja, não é pelos seus efeitos laterais, ou side effects como dizem os americanos, que devemos decidir ou fazer aconselhar um tipo de serviço militar em vez de outro, mas é em função da finalidade e do cumprimento dessa finalidade que temos de nos colocar. Embora o serviço militar obrigatório até permita que algumas pessoas venham do interior do País a Lisboa, não é esta a maneira correcta de nos posicionarmos relativamente àquilo que é o objectivo do serviço militar obrigatório.
De qualquer forma, eu recordaria, pelo que diz respeito à função do serviço militar obrigatório, que, conforme referi, teve uma época histórica em que foi necessário; seria um exercício talvez um pouco deslocado estarmos neste momento a imaginar como que poderia ter sido o tempo da ditadura se houvesse o serviço militar voluntário, etc., poderíamos talvez equacionar a hipótese de que o regime não teria disposto de voluntários suficientes para aquela guerra. Penso que poderíamos fazer muitas considerações destas. Por outro lado, foi um período em que existiu uma ditadura e, portanto, não só os oficiais como todas as outras pessoas não tinham acesso àquilo que o País pensava, e as diferentes correntes de opinião não podiam exprimir-se. Hoje em dia, qualquer oficial ou qualquer cidadão, que queira estar minimamente informado, sabe, enfim, pode saber, que há problemas em determinados sectores; ou mesmo quando mandamos forças para a Bósnia, algumas pessoas poderão não estar de acordo, e todas elas o exprimem, naturalmente.
Portanto creio que não devíamos perder de vista aquilo que é o objectivo central da organização militar e do próprio sistema de recrutamento, e que tem a ver, precisamente, com a capacidade de actuação das Forças Armadas. Por isso mesmo, não me parece que o custo seja, como aqui foi referido pelo Sr. Deputado João Amaral, um argumento central, pois entendo que um sistema que não serve os seus objectivos será o mais caro. Assim, poderemos perguntar: hoje em dia, o sistema actual serve os objectivos? Será que um serviço militar de quatro meses
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nos permite ter umas Forças Armadas eficazes em determinados momentos? Em geral a resposta é não; portanto, este é o serviço mais caro que há, porque o que se gasta com ele não tem ou pode não ter um resultado no devido momento.
Gostava ainda de recordar, a título de exemplo, que vários países averbaram derrotas importantíssimas e históricas com sistemas de serviço militar obrigatório, como a França na Indochina, os Estados Unidos no Vietname, Portugal nas suas colónias, etc., etc.; ocorreram golpes de Estado em países com serviço militar obrigatório - recorde-se o Chile e o Uruguai, mais recentemente vários países africanos.
Portanto, o serviço militar obrigatório não é uma garantia de democraticidade nem de eficácia das forças armadas, como tem sido demonstrado pelos exemplos históricos, designadamente, há guerras ganhas de uma forma e de outra, e portanto não é por isso...
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - (Por não ter falado para o microfone, não foi possível registar as palavras do orador).
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Não, foi voluntarizado com este escopo, foi voluntarizado em 1973!
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - (Por não ter falado para o microfone, não foi possível registar as palavras do orador).
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Não, pode ter a certeza! Houve uma comissão, chamada Comissão Gates, que começou a estudar esta questão em 1971, mas só em 1973,…
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - (Por não ter falado para o microfone, não foi possível registar as palavras do orador).
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Estive a ver esta matéria ontem, Sr. Deputado, e sei do que estou a falar, por isso, pode ter a certeza que o serviço militar era obrigatório, tendo sido voluntarizado, precisamente, com a derrota dos Estados Unidos no Vietname.
Por outro lado, quando da guerra do Golfo, a própria França teve grandes dificuldades em constituir um contingente, porque havia carência de voluntários e de profissionais adequados. Aliás, a chamada Operação Dagué ficou seriamente comprometida por esse facto.
Do exposto se conclui que o serviço militar tem de ser adequado aos objectivos e não podemos estar a considerá-lo com base noutros efeitos laterais que possa ter.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, gostaria também de usar da palavra relativamente a esta matéria.
Penso que esta questão, não sendo dramatizada, também não pode ser desvalorizada nem subestimada. Trata-se de uma questão que é certamente simbólica de concepções que têm a ver com concepções da Nação, da República, do Estado, da democracia. E aqueles que, como eu, foram formados na concepção da Revolução Francesa, da nação em armas e do cumprimento do dever militar, como elemento essencial à defesa da República - mesmo quando lhe demonstram que essa função do serviço militar obrigatório deixou de ser funcional e deixou de ter um papel - continuamos certamente afectos a ela, como à "velha árvore" tutelar, mesmo quando ela já está caduca e não tem viço. A verdade é que os velhos amores custam a morrer: "old loves die hard!". Por isso, no dia em que esta matéria for votada, certamente não irei sentir motivos para festejar, embora por razões afectivas, apenas, e sem poder argumentar em termos racionais contra a defesa que é feita da proposta de desconstitucionalização do serviço militar obrigatório.
Isto leva-me à única questão que gostaria de tratar e que foi suscitada pelo Deputado Calvão da Silva, julgo que pertinentemente. Penso que se não se quer alimentar dúvidas de que a retirada do serviço militar obrigatório mantém a faculdade legislativa do serviço militar obrigatório, tal deve ser referido expressamente. Portanto, o n.º 2 do artigo 276.º deve ter uma redacção compatível com essa faculdade constitucional, isto é, com o transformar de uma obrigação constitucional numa faculdade constitucional.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, gostaria também de fazer uma observação breve, mas que reputo de importante.
Como resultou das intervenções produzidas até agora, estamos a discutir uma matéria muito séria, ou seja, não estamos a tratar de uma questão menor: trata-se da organização do Estado português, da nossa cultura, da nossa maneira de encarar a própria comunidade como um todo, e da relação de cada um de nós em relação a essa comunidade.
Estamos, aliás, a focar um tema que foi salientado no início da intervenção do Deputado João Amaral, de uma forma que considero exemplar. E não estamos aqui - como também foi dito e redito por vários, e bem - a tratar de questões que tenham a ver com políticas de outra ordem, sejam da juventude, sejam do emprego, sejam relativas à formação humana. Para além disso, estamos a tratar de uma questão que mexe, ela própria, com o fundo da instituição nacional.
A Europa tem modas, sempre! E o espírito de Munique anda por aí, constantemente. De vez em quando, há uns sopros de pacifismo na Europa. E quando vejo isso, começo a ver os princípios da preparação de uma guerra. A velha regra que diz que "aqueles que estão armados sabem fazer a paz preparando-se para a guerra", ainda é um grande princípio na defesa das comunidades.
Portanto, tenho discutido muito esta matéria dentro do meu partido, sobretudo com a juventude, noutras circunstâncias, e penso que estamos perante um mal-entendido!
Senão vejamos: se retiramos da Constituição a expressão "serviço militar obrigatório", ai eu tenho muitas dúvidas que não haja uma interpretação cerebral de um qualquer órgão a pronunciar-se sobre isso que venha dizer que agora já não é possível o serviço militar obrigatório. E se nós fizermos isso aqui, teremos dado um passo terrível no respeito pela nossa própria comunidade!
A questão que coloco é esta outra: mas que engulhos causa esta palavra aí? Se está mal para aqueles que são convocados, devendo de ser convocados para serviços mais nobres do que aqueles que são, então corrija-se isso no ponto onde deve ser corrigido, que não é na Constituição, mas na lei da incorporação militar - como é o caso por exemplo de ver quais são os critérios usados.
Devo dizer que exprimi aqui uma opinião pessoal, mas é uma opinião que surge em consequência do desafio do
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Deputado Calvão da Silva. Em suma, se tirarmos daqui a palavra "obrigatório", tenho muitas dúvidas que amanhã, numa situação de emergência nacional, seja possível dizer que todos têm o dever de serem incorporados nas fileiras, quer queiram quer não.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, não posso concordar totalmente com a posição do Sr. Deputado Barbosa de Melo.
Compreendi a preocupação do Deputado Calvão da Silva, mas não há dúvida nenhuma que eu não sou pela manutenção dessa palavra na Constituição. Sou é pela busca cuidada de uma forma de expressão que diga claramente que todos os serviços militares são permitidos.
Na verdade, deixar a palavra "obrigatório" impede...
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Vê-se logo que o senhor não é jurista!
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - E com alguma satisfação!
Risos.
Gostaria, ainda, de fazer um pequeno reparo à intervenção da Deputada Maria Carrilho, com a qual concordei em 95%.
Contudo, há um aspecto em relação ao qual solicito que a redacção destas alíneas e destes artigos seja projectada algures para a lei ordinária. Devo dizer-lhe que não estou de acordo que o problema financeiro não seja da maior importância. Porque considero que um governo pode (mas não deve) fazer o que fez o anterior governo, que é: dizendo claramente que o serviço militar é obrigatório, deixar de o considerar obrigatório, e ainda por cima introduzir o voluntariado contratado em lei ordinária, o que, penso, é inconstitucional.
No entanto, considero também, quanto à redacção das alterações à Constituição, que se nós chegássemos à conclusão que o "custo da factura" não nos permitia ter um serviço voluntário que correspondesse às necessidades do País, teríamos que ter alguma cautela com isso. Ora, os números apontam para duas vezes e meia o custo do conscrito, portanto há que ter isso em consideração, não para a redacção, mas para a projecção dessa luz que na lei ordinária venha a ser estabelecida.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Eduardo Pereira, para esclarecer a minha posição, quero dizer-lhe que não me pronunciei sobre a desconstitucionalização do serviço militar obrigatório, eu disse apenas que não festejaria esse acto. E acrescentei que se a proposta nesse sentido não quer ser acompanhada da proibição do serviço militar obrigatório, então o n.º 2 do artigo 276.º deve dizer (em vez de todas as propostas que são feitas e com as quais discordo) que o serviço militar pode ser obrigatório, nos termos da lei. Foi apenas isto que eu disse!
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, quando diz que "pode ser obrigatório", pode obrigatório e ser voluntário também.
O Sr. Presidente: - É uma faculdade.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, considero que a questão que foi colocada pelo Sr. Deputado Calvão da Silva e retomada pelo Sr. Presidente é essencial. Isto porque, sem a explicitação de que o serviço pode ser obrigatório, cria-se um problema jurídico complexo, que pode inviabilizar a possibilidade de ele poder a certa altura ser decidido como tal. E creio que era importante fazê-lo!
Apesar de tudo, se o Sr. Presidente me conceder dez segundos, gostaria ainda de referir dois três coisas aspectos.
O Sr. Presidente: - Não está proibida uma segunda intervenção, Sr. Deputado! Eu só costumo pedir economia!
O Sr. João Amaral (PCP): - O que havia a ser dito, já foi dito. E creio até que há algum risco. Contudo, queria apenas referir dois ou três aspectos muito concretos.
Um tem a ver com esta afirmação de que os países decidiram acabar com o serviço militar obrigatório. Dentro dos países há opiniões, e convém ter presente quem é que decidiu e quem é que teve as opiniões, em cada país, no sentido de acabar com o serviço militar obrigatório e no sentido de o defender. Falo neste assunto porque está a suceder, por exemplo, nalguns países, que os parceiros de algumas das forças políticas que aqui em Portugal estão a propor a extinção do serviço militar obrigatório, nesses países, estão a opor-se a essa extinção.
Faço esta referência para lembrar que esta questão que estamos a discutir é uma questão nacional, mas é uma questão que também tem uma carga política definida.
Quero salientar uma segunda questão tem a ver com esta pressão que de alguma maneira aparece ou transparece em torno da desconstitucionalização e da resposta dada ao problema nestes termos.
Como se viu, Sr. Presidente - e creio que é claríssimo, apesar desta ressalva -, o que este debate quer dizer é que se quer acabar com o serviço militar obrigatório na lei. Faz-se esta alteração, para subsequentemente fazer uma lei que diz que o serviço militar vai deixar de ser obrigatório ou, melhor dizendo, que as Forças Armadas vão deixar de basear-se no serviço militar obrigatório e que vai deixar de haver a obrigatoriedade de prestação de serviço militar, independentemente de eu estar de acordo, como já disse, com a necessidade de prever essa possibilidade na Constituição.
Ora, o que é que isto quer dizer? Quer dizer que depois, quando analisamos as opiniões das pessoas, ficamos perfeitamente espantados com o que é possível dizer noutras circunstâncias. Aliás, devo dizer que achei interessantíssimo que, num debate muito recente em que todas as pessoas presentes falavam depois em nome individual, uma figura como o Durão Barroso - que é uma pessoa que, com toda a franqueza, de quem eu esperaria várias posições menos a que assumiu - tenha dito que em Portugal tem que se fazer a desconstitucionalização, porque esse "barco se pôs a rolar e já ninguém o consegue parar!", mas que acha que a lei deve continuar a dizer que o serviço militar é obrigatório.
Na verdade, trago aqui este exemplo porque é muito interessante a forma como estas decisões foram tomadas a nível dos partidos.
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Finalmente, a última coisa que eu gostaria de dizer refere-se às conclusões que se podem tirar do serviço militar tal como ele é praticado, neste momento, em Portugal.
Nós sabemos a história concreta que conduziu à situação actual em Portugal. Na minha opinião, fez-se de uma forma precipitada e impensada, uma redução do tempo de serviço militar para quatro meses, sabendo-se antecipadamente que quatro meses não permitem, em qualquer circunstância, uma prestação efectiva do serviço militar!
Portanto, e a partir daí, criou-se uma conjuntura de prática que inviabiliza o serviço militar obrigatório tal como ele deve ser prestado ou tal como ele deveria ser prestado se fosse um serviço efectivo! Por isso, porque as exigências são maiores para os oficiais, são muito menos os oficiais que são chamados, como o período aí ainda é mais longo, muitos dos soldados o que fazem são os serviços correntes, que nada têm que ver com a função militar.
Ora, é óbvio, que desta realidade não se pode tirar outra ideia que não seja a de que se seguiu um caminho errado, agora, deduzir de um caminho errado que se deve prosseguir nesse caminho, isto é, no caminho do erro, eu creio que isso já é abusivo.
Eu sei que isto não apaixona ninguém -, e já agora acabo mesmo com esta - e quando disse que não queria dramatizar esta questão, eu sabia o que é queria dizer. O que eu queria dizer é que cada um de nós aqui, quer-se ouvir a si mesmo, porque é muito complicado estar a ouvir argumentos em torno desta questão.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não é justo para a generalidade dos membros da Comissão, que ouviram, obviamente, os seus argumentos...
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, eu falei para ficar em acta.
O Sr. Presidente: - Então, tem também de ficar para a acta a respectiva ressalva.
Sr. Deputado Raimundo Narciso, tem a palavra.
O Sr. Raimundo Narciso (PS): - Sr. Presidente, apesar de ter entrado já depois de o Sr. Deputado Barbosa de Melo estar a falar, julgo que ouvi ainda o essencial da sua intervenção e sendo um Deputado que muito prezo pelos seus conhecimentos, naturalmente ouvi-o com toda a atenção.
Eu queria chamar a atenção para o seguinte: sobre a questão do serviço militar obrigatório, e bastaria esta sessão aqui para o sabermos - isto para quem não o soubesse antes -, é frequentemente muito abordada pela superfície e, portanto, aparentemente é uma questão muito simples: "Há, não há, acabou, serviço militar voluntário, serviço militar obrigatório", digamos que, na opinião corrente, a questão é assim.
De facto, mesmo para os que naturalmente ponderam com mais cuidado estas questões, numa instância destas e em particular os senhores juristas, mas que não sendo especialistas na área de defesa militar, cada vez que cavam mais neste assunto, mais descobrem que o assunto é muito sério e muito profundo.
Portanto, este assunto é muito sério não apenas do ponto de vista cultural e civilizacional, como, aliás, verificámos aqui por testemunhos muito eloquentes, mas são argumentos contestáveis, são razões que não atingem todo o corpo nacional. Há opiniões e razões civilizacionais, e de cultura, que têm uma noção exactamente oposta e, naturalmente, também respeitável, não só nessa, mas, também, no carácter, no âmbito estritamente militar.
A questão é muito séria e a mudança implica, de facto, quase uma mudança de Forças Armadas. O serviço militar, ou seja, a origem dos meios humanos, é estruturante das Forças Armadas, implica com alguns problemas muito sérios, de toda a organização e estruturação, mas também com um problema seríssimo que é o problema da criação de reservas e de mobilização.
Isto é, como não é obrigatório, como em cada ano não ficam para trás uma, duas, três, quatro, cinco classes de militares que rapidamente podemos mobilizar, naturalmente é necessário inventar, e os países que têm no serviço militar forças armadas profissionais, têm o seu esquema.
Porém, isto é apenas para ilustrar que o assunto é sério e que precisa de ser muito meditado, não agora aqui nesta instância mas se for o caso de tomar a decisão da extinção do serviço militar obrigatório, noutra instância legal. Portanto, repito, o assunto é realmente bastante sério.
Mas, sob o aspecto das questões culturais, eu queria chamar a atenção para o meu ponto de vista que é o seguinte: parece-me que o serviço militar obrigatório não é, nem foi, durante a maior parte da nossa história, um desígnio nacional e há um equívoco que circula com grande frequência que é o dizer-se que o serviço militar obrigatório existe desde que existe Portugal.
Isto levou o Sr. Deputado Durão Barroso, no Instituto de Altos Estudos Militares, a dizer que deveria haver serviço militar obrigatório enquanto houvesse Portugal. Foi uma afirmação que eu julgo um pouco repentina, não foi meditada, ...
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Disse?
O Sr. Raimundo Narciso (PS): - Ele disse, eu sou testemunha e interpelei-o nesse sentido.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Dizer que é uma afirmação repentina e não pensada é que pode ser abusivo!
O Sr. Raimundo Narciso (PS): - Acho que sim, e repito, é uma questão histórica, Sr. Deputado. Esta questão do serviço militar obrigatório é uma questão histórica, é uma categoria que nasce, vive e morre. Quero dizer, é mais restrita do que a humanidade. O serviço militar obrigatório, como eu disse aqui, e repito muito rapidamente, foi vislumbrado, teoricamente, pelos enciclopedistas e levou cerca de século e meio a ser aceite, em parte por razões militares, mas em grande parte pela resistência de quem não queria, naturalmente, ir dar o corpo à guerra e foi em períodos de intensas guerras em toda a Europa, incluindo depois as napoleónicas. Portanto, houve um século e meio para a adopção, mas era uma necessidade objectiva das tropas, era uma necessidade militar, e daí isso impôs-se. E mesmo depois a defesa das nações teve de assentar em exércitos que tinham de mobilizar toda a força humana nacional.
Assim, quando acabavam as guerras e o período de guerra, todos esses países passavam por uma situação um pouco singular, é que defendendo o serviço militar obrigatório - e o serviço militar obrigatório, repito, assenta no princípio da igualdade e no princípio da universalidade, e sem isso é uma outra coisa qualquer, mas não é o serviço militar obrigatório -, e não tendo os países necessidade
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de tanta tropa, tinham de arranjar meios passando por cima da lei e das suas Constituições (aqueles que as tinham), para evitar este problema. Ora, este é o problema que se passa hoje em Portugal, porque à revelia da Constituição a realidade objectiva vai contra as leis. As leis estabelecem aquilo que a prática e a vida consagrou e depois a vida rompe com as leis e rompe, também, com o serviço militar obrigatório.
Eu posso dizer assim: "Bom Portugal é um país que não tem grande importância no plano da defesa militar no contexto da União Europeia, tanto faz, pode ter serviço militar obrigatório, pode não ter, etc.", mas nós confrontamo-nos com alguns problemas internos sérios, e esses são de carácter, por um lado militar, e por outro lado civilizacionais, porque as Forças Armadas portuguesas não podem absorver o contingente nacional. Não podem!
E como eu disse e lembro - suponho que o Sr. Deputado Barbosa de Melo não estaria presente -, dou-lhe este número que nos foi facultado, é que hoje dos licenciados, só 10% ...
Portanto eu queria chamar a atenção para o seguinte: deveríamos aprontar uma Constituição flexível que - não sei se estou enganado sobre o sentido, ali pelo acenar da cabeça do Sr. Deputado Calvão da Silva - mas que permita a eventual extinção do serviço militar obrigatório, porque ele já hoje é e vai tornar-se no futuro próximo, uma questão necessária e depois isto não se compadece com a Constituição ou com as leis, ou dificilmente se compadece.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes da dar a palavra ao Sr. Deputado Marques Júnior que está inscrito, gostaria de deixar aqui duas notas: primeiro, o Sr. Deputado João Amaral comunicou-me que teria de ausentar-se por funções parlamentares no Plenário, pelo que pede a todos compreensão por essa ausência.
O Sr. Deputado Luís Marques Guedes comunicou-me que prescinde da inscrição que tinha e de uma alteração à proposta do PSD para o n.º2 do artigo 276.º que, como sabemos, estava, também, à discussão.
Srs. Deputados, ao cimo da página 756 consta a proposta do PSD, onde se lê: "O serviço militar é regulado por lei, que fixa as formas, a natureza, a duração e o conteúdo da respectiva prestação". O PSD propõe agora que a fórmula passe a dizer o seguinte. "O serviço militar é regulado por lei, que fixa as formas, a natureza voluntária ou obrigatória, a duração e o conteúdo da respectiva prestação".
Srs. Deputados, a proposta está admitida, vou mandá-la distribuir e colocá-la à distribuição, pelo que esta proposta é um meio de responder à preocupação levantada pelo Sr. Deputado Calvão da Silva que eu e o Deputado Barbosa de Melo secundámos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PS): - Sr. Presidente, pessoalmente, considero que o actual sistema de serviço militar obrigatório de quatro meses é um sistema que não cumpre os objectivos consagrados na Constituição especialmente onde se refere que a organização das Forças Armadas se baseia no serviço militar obrigatório e, portanto, considero que hoje o serviço militar de quatro meses é uma não existência de serviço militar obrigatório. De todas as referências que fiz anteriormente relativamente ao serviço militar obrigatório, este é um serviço militar obrigatório que não cumpre, na minha opinião, estes requisitos.
Gostaria, também, de dar a seguinte informação que é do conhecimento de todos: desde sempre, quando o serviço militar obrigatório era a base fundamental da organização e funcionamento das Forças Armadas, conviveu com um sistema de nichos, com um sistema de contratados e voluntários, em função das necessidades precisas que, efectivamente, eram as das Forças Armadas. Portanto, digamos que o que se passa hoje nem sequer é, desse ponto de vista, uma questão de novidade relativamente ao que se passou no passado.
Do meu ponto de vista, como eu disse ainda há bocado, mais do que outra coisa, há aqui uma questão de princípio.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, já que se está a repetir tanto a questão da igualdade, eu só quero referir aqui, para quem não saiba, não sei se ainda persiste essa situação, que eu considero totalmente falacioso falar de igualdade no sistema de serviço militar obrigatório que tínhamos. Totalmente!
E dou-lhe o seguinte exemplo: quando eu estive nas Forças Armadas, acontecia a seguinte situação perfeitamente aberrante, todos tinham o mesmo vencimento, ou o "pré", como se chama nas Forças Armadas, mas quando se chegava ao Natal e às férias, aqueles que eram funcionários públicos tinham o subsídio de Natal e o subsídio de férias conforme aquilo que ganhavam na função pública e não conforme aquilo que estavam a prestar no serviço militar! E, portanto, aí têm uma situação de profunda, injustificada e aberrante desigualdade entre camaradas de armas nas Forças Armadas.
O Sr. Raimundo Narciso (PS): - Isso já é outra questão!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Carrilho.
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Sr. Presidente, a ideia que está subjacente parece-me correcta, no entanto, há alguns aspectos técnicos que convém pelo menos ter em consideração. É que, para além do tipo de recrutamento voluntário ou obrigatório, também há o sistema de milícias. Isto é, um serviço militar, tecnicamente, pode ser constituído com forma de recrutamento voluntário, com forma de recrutamento obrigatório ou pode ser um exército de milícias. Isto é apenas uma chamada de atenção. Portanto, quando dizemos que é de natureza voluntária ou obrigatória, estamos a limitar - ou é obrigatório ou é voluntário.
Por outro lado, pelo menos tecnicamente não fica muito bem dizer "a natureza" e poderia talvez dizer-se "o sistema de recrutamento", que é mais descritivo daquilo de que se trata, porque a natureza é um conceito um pouco vago e um sistema de recrutamento é obrigatório ou voluntário.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Mas o vosso projecto também refere a natureza!
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Está bem, mas já que estamos a discutir esta questão… Se se diz "a natureza voluntária ou obrigatória", no fundo, aponta-se… Aponta-
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se, não, é assim! É o que aconteceu na História, em que houve três grandes sistemas: obrigatório, voluntário e de milícias.
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Nós temos o de milícias, também?
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Nós não, mas existe!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, quanto às milícias, isso corresponde a uma fase da nossa História. Havia uma classe de guerreiros, que eram os nobres, e havia depois o povo que, citado para a guerra, era incorporado obrigatoriamente, nas milícias! Pelo menos os que tinham o dever de fazer o levantamento da milícia numa certa área tinham o poder de impor, por decisão unilateral, quem é que ia para as correias, como então se dizia, ou quem não ia. Este sistema de milícias também é obrigatório!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Carrilho.
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Sr. Presidente, mas a natureza do serviço militar pode ser voluntária, obrigatória ou de milícias. Não…
O Sr. Presidente: - O serviço de milícias não era obrigatório?
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - É outra forma de organização, mas lá que quem vai para as fileiras vai obrigado, vai!
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Receio é que limite um pouco a… No fundo, tenho a impressão de que o melhor era não pôr voluntário nem obrigatório!
Quer dizer, quando se fala de natureza, pode pensar-se que é a natureza…
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, no contexto em que estamos a discutir, seria a natureza jurídica.
Tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, quero apenas fazer uma achega que me parece importante.
Há dois serviços militares: o regular e o de milícias. Ambos podem ser voluntários ou obrigatórios.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - A partir de momento em que pode ser obrigatório…
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a conclusão do debate leva a apurar as seguintes…
O Sr. Raimundo Narciso (PS): - Sr. Presidente, não é possível fazer ainda uma pergunta?
O Sr. Presidente: - Claro que é, Sr. Deputado Raimundo Narciso. Tem a palavra.
O Sr. Raimundo Narciso (PS): - Sr. Presidente, a minha pergunta é um pouco extemporânea porque não quis atropelar a intervenção da Sr.ª Deputada Maria Carrilho.
A minha pergunta é dirigida ao Sr. Deputado Miguel Macedo e é relativa à questão que colocou sobre a igualdade, pois creio que não estamos a falar da mesma coisa e o assunto é de suma importância.
Obviamente, quando falamos da igualdade de todos os portugueses perante a lei, não estamos a pensar que todos devem ser igualmente ricos ou terem igualmente um BMW ou não - nisso e noutros itens. Mas o problema do serviço militar obrigatório assenta numa questão essencial, que é da sua natureza, que é a seguinte: é a igualdade de todos os nacionais, neste caso os portugueses, na obrigatoriedade de o cumprir!
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Nunca assentou!
O Sr. Raimundo Narciso (PS): - Isso é outra coisa, digamos que uma coisa é a lei e outra é aquilo que se faz, com maior ou menor aproximação. Em Portugal, houve uma maior aproximação, quase de 100%, durante a 2.ª Guerra Mundial e durante as guerras coloniais e depois afastamentos, maiores ou menores. Mas não podemos pensar em aprovar outra coisa que não seja um serviço militar obrigatório igual e universal para todos os portugueses!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Deputado Miguel Macedo.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, é só para dizer ao Sr. Deputado que foi justamente essa a discussão que tivemos antes de ele ter chegado aqui à Comissão.
A propósito de uma intervenção do Sr. Deputado João Amaral, quando ele falou da questão da igualdade, coloquei precisamente a questão da universalidade em cima da mesa da discussão, porque é óbvio que nunca tivemos um serviço militar obrigatório que garantisse efectivamente a igualdade nem a universalidade. Nunca tivemos! Isto é, nunca tivemos, nos tempos mais próximos, como é óbvio, porque por aproximação, já tivemos, noutras alturas.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dou por encerrada a discussão.
Assim, dá-se por adquirida a extinção, no n.º 2 do artigo 275.º da expressão "baseia-se no serviço militar obrigatório", sem prejuízo de a redacção do n.º 2 do artigo 276.º continuar a habilitar constitucionalmente a faculdade de serviço militar obrigatório, com a redacção do PSD ou outra aproximada.
Portanto, dir-se-á no texto constitucional que o serviço militar é regulado por lei. Aliás, há uma grande convergência com a proposta do Partido Socialista para esta área, na qual se dizia: "O serviço militar tem a natureza, a forma, a duração que a lei prescrever". O PSD propõe agora o seguinte: "O serviço militar é regulado por lei, que fixa as formas, a natureza voluntária ou obrigatória, a duração e o conteúdo da respectiva prestação". Como tal, cabe-me perguntar ao Partido Socialista se está de acordo ou se objecta à inclusão da ideia da faculdade obrigatória do serviço militar.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Carrilho.
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Sr. Presidente, eu estou de acordo com a intenção, simplesmente imagino a seguinte situação: daqui a uns anos, considera-se que, depois da experiência do serviço voluntário, é conveniente voltar
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a um sistema em que haja obrigatoriedade, mas também com inclusão de voluntários, como é o sistema actual.
Assim, se dizemos que a natureza é voluntária ou obrigatória, não será que…
O Sr. Presidente: - Pode estar tranquila, Sr.ª Deputada, pois não corremos esse risco!
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - … combinar uma ou outra…
Apartes inaudíveis na gravação.
O Sr. Presidente: - Não, é para toda a gente!
Fica adquirido substituir o n.º 2 do artigo 276.º por uma fórmula que fica pendente de apuramento, mas que deixará à lei a definição da natureza jurídica do serviço militar como voluntário ou obrigatório.
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de saber, em definitivo, se o Partido Socialista mantém ou prescinde da proposta que fazia para o n.º 2 do 275.º em relação à expressão "a organização baseia-se no serviço militar". Trata-se de uma questão que discutimos logo de início, sobre a qual gostaria de saber qual é o ponto da situação.
O Sr. Presidente: - Suponho que deixa de ter grande relevo insistir nesta fórmula, uma vez que fica implicitamente estabelecida no n.º 2 do artigo 276.º.
Portanto, no n.º 2 passará a dizer-se: "As Forças Armadas compõem-se exclusivamente de cidadãos portugueses e a sua organização é única para todo o território nacional".
Srs. Deputados, vamos passar às propostas de alteração do n.º 5 do artigo 275.º, ou seja, às funções que eu qualificaria de acessórias das Forças Armadas - não sei se esta fórmula é admissível! Depois, passaremos à proposta do PSD de aditamento do n.º 5, que também tem a ver com esta matéria.
Assim, está em discussão o actual n.º 5 do artigo 275.º, para o qual existem propostas de alteração do PS e do PSD - no caso do PSD trata-se do n.º 6 do respectivo projecto. O PS propõe simplesmente o aditamento da colaboração das Forças Armadas em outras actividades de protecção civil, a acrescentar a tudo o que já lá está. Já o PSD propõe três alterações: onde se diz "As Forças Armadas podem colaborar (…)", o PSD propõe que se diga "As Forças Armadas executam (…)" e depois acrescenta não só as missões de protecção civil, mas também, no final, acções de cooperação técnico-militar no âmbito da política nacional de cooperação.
Vou então dar a palavra aos proponentes para justificarem as respectivas propostas, começando pelo Partido Socialista, que apresenta a proposta menos ambiciosa.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Carrilho.
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Sr. Presidente, tendo em consideração as outras propostas, designadamente a do PSD, que nos parece corresponderem a preocupações dignas de relevo e, no fundo, de concordância, parece-nos, no entanto, que deveria ser suficiente acentuar que as Forças Armadas podem colaborar, para além da melhoria da qualidade de vida das populações, etc., noutras actividades de protecção civil, na medida em que já no âmbito da legislação em vigor as Forças Armadas satisfazem compromissos internacionais do Estado a nível militar e participam em missões humanitárias…
O Sr. Presidente: - Ainda não está em discussão esse ponto, Sr.ª Deputada, mas apenas a matéria constante do n.º 6 do artigo 275.º do projecto do PSD.
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Sim, mas pensei que pudessem ser discutidos em conjunto.
O Sr. Presidente: - Não, é à parte; esse ponto é autónomo.
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Quer que nos pronunciemos, não é?
O Sr. Presidente: - Sim, quero que se pronuncie, se posso concitá-la a isso, sobre a parte final da proposta do PSD, que vai além da do PS, onde se diz "(…) bem como acções de cooperação técnico-militar, no âmbito da política nacional de cooperação".
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Não temos nada a opor em relação a esse ponto.
O Sr. Presidente: - Muito bem.
Para apresentar a proposta do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, devo dizer que V. Ex.ª fez bem em frisar, na sua apresentação inicial, um aspecto, que - e acentuo este ponto junto do Partido Socialista, nomeadamente - não é de mera alteração semântica.
O facto de o PSD alterar, logo na entrada do artigo, a expressão "podem colaborar" pelo termo "executam" tem a ver com o objectivo claro de acentuar a subordinação necessária das Forças Armadas ao poder político.
O que está aqui em causa não é um problema de colaboração das Forças Armadas ao lado de outro tipo de entidades, mas sim a necessidade de deixar claro que, no exercício deste tipo de funções, as Forças Armadas executam aquilo que é determinado em cada momento pelo poder político.
É evidente que, em termos práticos, substantivos ou substanciais, tal não irá alterar qualitativamente aquela que felizmente é a realidade de hoje em dia, mas tem o seu conteúdo próprio, e chamo a atenção particular dos Srs. Deputados para esse aspecto.
Quanto ao resto, embora sejam aparentemente coincidentes, e portanto, em termos substantivos, não haverá dificuldade em encontrar a melhor redacção, penso que a redacção do projecto do Partido Socialista, colocando a protecção civil no local onde coloca, ou seja, na expressão "em outras actividades de protecção civil", inculca a ideia, que considero errada, de que as tarefas de satisfação e de melhoria da qualidade de vida das populações já são, em si, algum tipo de actividade de protecção civil, o que não é verdade, como é evidente, pois são coisas qualitativamente diferentes. Portanto, não me parece feliz este acrescento de "em outras actividades", porque inculca a tal ideia de que as anteriores também o são, o que, do nosso ponto de vista, não é verdade.
Assim, parece-nos mais correcto colocar as missões de protecção civil antes das tarefas relacionadas com a satisfação
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de necessidades básicas e a melhoria da qualidade de vida das populações.
Quanto à parte final, penso que, no fundo, estamos perante a constitucionalização de uma política que hoje em dia é fundamental do Estado português, que vem sendo cumprida pelas Forças Armadas, parecendo-nos, pois, oportuno que mereça a sua adequada constitucionalização. Isto até porque, obviamente, as Forças Armadas não são uma instituição qualquer, e a diversidade de tarefas que possam ser chamadas a executar por parte do Estado e por parte do poder político devem, do nosso ponto de vista (e com vantagem, para não dizer necessariamente), estar expressamente previstas e contempladas na Constituição. É a própria dignidade e a relevância específica que tem esta instituição no contexto do Estado de direito que, do ponto de vista do PSD, leva a que proponhamos a constitucionalização desta matéria.
De facto, trata-se de uma prática já existente, mas (repiso este aspecto) parece-nos que, para uma instituição como as Forças Armadas, deve haver uma explicitação o mais exaustiva possível daquelas que são as funções por elas assumidas. Isto introduz já um pouco aquilo que será a explicitação da nova redacção para o n.º 5, quando o Sr. Presidente puser à discussão.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, gostaria de pedir um esclarecimento.
No artigo 275.º n.º 5.º da Constituição faz-se a referência seguinte: "(…), inclusivamente em situações de calamidade pública que não justifiquem a suspensão do exercício de direitos", e as propostas que aqui se apresentam, hoje, dizem o mesmo.
A questão que quero colocar é se merece a pena haver este acrescento, que não me parece merecer a pena, na medida em que, na verdade, é só esta a situação.
Não percebo, porque entendo que há aqui uma suspensão que não faz muito sentido. No entanto, gostaria que os Srs. Deputados verificassem, visto que quando estamos perante um estado de calamidade pública, com suspensão do exercício de direitos, são as Forças Armadas que controlam a situação. Portanto está-se aqui a querer ter uma reserva que não faz muito sentido ter.
Se a parte final do n.º 5 ficar como propus, isto é, "(…) inclusivamente em situações de calamidade pública.", qual é afinal a diferença? Gostaria que os Srs. Deputados me esclarecessem.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a questão suscitada pelo Sr. Deputado Eduardo Pereira acaba por se traduzir numa proposta que irá ser posta à consideração como tal, acrescendo às outras que já foram feitas.
Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.
O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, penso que o que se está a fazer aqui é tentar melhorar a redacção daquilo a que o Sr. Presidente designou (e penso que não está mal) como as tarefas acessórias das Forças Armadas: em primeiro lugar, a tarefa principal, defesa militar da República e, além destas, teremos eventualmente aquelas que o PSD também pretende acrescentar com a redacção que propõe para um novo n.º 5.
Mas há uma questão que gostaria de deixar à consideração da Comissão que diz respeito a determinadas actividades que as Forças Armadas já hoje desempenham, e que me parece que não são de defesa militar nem nenhuma das que se encontram hoje no n.º 5 ou que nas propostas de aditamento do PSD ou do PS para um novo n.º 5 ou para o actual n.º 5.
Dou o exemplo da acção que as Forças Armadas desempenham de controlo da zona económica exclusiva relativamente ao controlo sobre a pesca. Não me parece que actividades como esta que acabo de referir possam ser enquadradas no âmbito da defesa militar ou em qualquer das alíneas do artigo 275.º, dado que são actividades permitidas pela Constituição para as Forças Armadas e existem outras, ainda, que as Forças Armadas desempenham e que também poderão ficar de fora. Por isso, deixo à consideração a hipótese de as mesmas serem constitucionalizadas ou de alguma forma enquadradas neste artigo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, gostaria de chamar a atenção dos Srs. Deputados para o seguinte: em relação às propostas de alteração do actual n.º 5, o Sr. Deputado Marques Guedes e os Deputados do Partido Socialista têm um objectivo comum. E esse objectivo comum é consagrar de forma explícita - e utilizando a terminologia corrente e com consagração e sedimentação doutrinária e legal - o conceito de protecção civil. Ou seja, a associação das Forças Armadas a missões de protecção civil, em condições determinadas por lei e com as flutuações que sejam adequadas e comandadas pelo poder político sufragado. As diferenças de formulação não nos impressionam minimamente, mas julgo ser importante que as diferenças de teorização fiquem salientadas, até para esbater provavelmente as diferenças existentes.
O Sr. Deputado Marques Guedes utilizou uma expressão juridicamente digna de menção, disse que trata-se de constitucionalizar uma prática existente.
Chamo a vossa atenção para o facto de que nesta matéria o uso desta expressão não é rigoroso. Creio que podemos interpretar o texto constitucional, na parte em que legitima a intervenção das Forças Armadas em situações de calamidade pública, como constituindo cláusula bastante habilitante das acções que as Forças Armadas têm vindo a exercer neste domínio, pacificamente. Ou seja, nesta matéria não há um vazio, e menos ainda haverá práticas inconstitucionais.
Na expressão que utilizou, o Sr. Deputado não deixou isto inteiramente líquido. No entanto, julgo que há toda a vantagem, obviamente, em explicitar e, sobretudo, em imputar uma terminologia que tem um significado conceptual preciso. É essa a riqueza dessa contribuição!
Este é um ponto comum do projecto do Partido Socialista e do projecto do PSD nesta matéria.
Segundo aspecto, não creio que seja uma grande diferença entre os dois projectos a utilização de fórmulas, como a do PS, para o início do segmento normativo que refere que: "As Forças Armadas podem colaborar nos termos da lei (…)", dado que essa fórmula é exactamente a que consta hoje no texto constitucional, que não inculca que podem não colaborar, apenas sublinha que o poder político sufragado, e no sistema de relacionamento gerado pela Revisão Constitucional de 1982 (porque obviamente é esse o significado
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dessa norma hoje), as Forças Armadas intervêm numa determinada função - que não é a sua função típica, uma vez que a sua função típica é a que resulta enunciada pelo artigo 275.º n.º1 - que não é condição primacial neste tipo de missões que a seguir vêm delimitadas.
Não há, pois, nenhuma mudança conceptual na substituição decorrente da proposta do PSD.
Por conseguinte, na minha leitura - que, creio, é uma leitura regular e correcta -, dizer que as Forças Armadas executam nos termos da lei missões de protecção civil ou dizer o que hoje a Constituição diz e a proposta do Partido Socialista reedita é exactamente o mesmo, sendo certo que a expressão "executam" pode ser interpretada como redutora das dimensões de intervenção.
Agora, nenhuma dúvida há de que a subordinação das Forças Armadas ao poder político é clara, cristalina e estruturada de forma inequívoca nos moldes gerados pela Revisão Constitucional de 1982, o que também não nos divide.
O terceiro aspecto que, creio, é interessante sublinhar decorre da proposta do PSD e diz respeito à referência explícita às acções de cooperação técnico-militar no âmbito da política nacional de cooperação.
Em relação a este ponto, devo dizer que não há uma menção expressa a esta matéria no artigo, ao contrário do que acontece em relação às calamidades, que são suporte bastante para uma aplicação em termos de protecção civil. Mas também aqui, devo dizer, Srs. Deputados, seria bom que se clarificasse que não se trata aqui nunca senão de, também aí, uma outra forma de explicitação. Ou seja, as acções de cooperação técnico-militar, que, no âmbito da política nacional de cooperação, têm vindo a ser desenvolvidas pelas Forças Armadas não são inconstitucionais.
Em 1989, por consenso, aditámos ao artigo 273.º, n.º 2, uma menção às cláusulas de enquadramento da política de defesa nacional, e portanto do estatuto de uma parte das Forças Armadas, que dá um relevo, que outrora não existia, ao papel das convenções internacionais na definição das dualidades de participação e intervenção, missões e papeis. Fizemo-lo de cabeça pensada, com determinação, para criar uma cláusula geral de habilitação para funções que permitissem desenvolver...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas isso é defesa! Não é para as Forças Armadas!
O Sr. José Magalhães (PS): - … e dar às Forças Armadas, também, missões que pudessem ter tão estrita relação com a sua actividade, como tem o actual n.º 5 em relação ao n.º 1 do artigo 275.º.
Portanto não digo que haja um vazio nesta matéria, e menos ainda uma inconstitucionalidade! Gostava de deixar isto inteiramente claro!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, que fique claro que, da parte do PSD, também não achamos nem dissemos isso!
Risos.
O Sr. José Magalhães (PS): - Dito isto, e o que a Sr.ª Deputada Maria Carrilho deixou em acta sobre essa matéria parece-me brilhantemente sensato, ou seja, ter uma cláusula explícita que enquadre as acções de cooperação técnico-militar em pontos flexíveis e de acordo com os princípios constitucionais não é matéria que seguramente gere divisões.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, ainda não se pronunciou sobre a sugestão apresentada pelo Sr. Deputado Eduardo Pereira com vista a eliminar a parte final do actual n.º 5, que diz: "(…) que não justifiquem a suspensão do exercício de direitos".
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, nessa matéria até esperava que o Sr. Presidente desse um contributo hermenêutico. Porque, verdadeiramente, a proposta do Partido Socialista não altera em nada o texto constitucional em vigor, e a do PSD também não.
Creio que a preocupação do texto constitucional em vigor - e a doutrina nessa matéria, tanto quanto tenho acompanhado, tem tido apreciado consenso - foi a de sublinhar que não é legítimo fazer intervir as Forças Armadas em missões que não sejam estritamente as suas e as típicas, senão num conjunto medido, preciso e limitado de situações. E essas situações estão tipificadas.
É óbvio que em situações de calamidade pública resultantes de um contexto de guerra, as Forças Armadas intervêm para assegurar serviços básicos: para regular a circulação, para assegurar luz e a água ou para impedir o seu fornecimento, enfim, para fazer o que for preciso, como é natural.
Declarado o estado de emergência, por qualquer razão - subversão, agitação interna, qualquer das razões que o justifiquem -, também aí é possível intervir em actividades. Se por exemplo os padeiros não trabalham, as Forças Armadas asseguram que haja pão; se não há distribuição de géneros elementares, os militares garantem-na. Isto parece-me absolutamente basilar!
Será imprescindível que a menção das situações de suspensão do exercício de direitos conste da Constituição? Não me parece obrigatório, de facto, ressalvada esta preocupação. Mas trata-se apenas de uma pequena correcção, uma aclaração, em relação ao texto em vigor.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, ressalvado algum excesso retórico do Sr. Deputado José Magalhães quando se referiu às virtualidades das Forças Armadas em situações de calamidade, quero fazer uma concluir da forma o seguinte.
Parece que não há convergência quanto à menção da protecção civil; há acolhimento por parte do PS à menção da questão das acções de cooperação técnico-militar, independentemente de saber de sabermos se se trata de uma simples cautela ou de algo necessário.
Estamos ainda pendentes de saber qual é a função da expressão "que não justifiquem a suspensão do exercício de direitos". Francamente, considero esta expressão particularmente enigmática, por isso retirá-la seria um elemento importante de saneamento do verbo constitucional. Mas posso estar enganado e não queria comprometer a Comissão nesta matéria.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, relativamente a alguns pontos que ainda estão a ser objecto de apreciação quanto à melhor fórmula, creio que a fórmula que existe actualmente sobre a possibilidade de colaboração em tarefas relacionadas com a satisfação de necessidades básicas ou de protecção civil, como agora aparece adquirido, creio ser mais adequado
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falar em colaboração nesta matéria do que propriamente na execução.
Digo isto, pelo seguinte: porque as actividades de protecção civil incumbem, fundamentalmente, a um outro tipo de entidades que não as Forças Armadas. Isto é, numa situação de incêndio, quem actua são fundamentalmente os bombeiros e por isso é que se fala em colaboração.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!
O Sr. António Filipe (PCP): - Portanto, é mais adequado dizer, adaptado ao caso concreto, que as Forças Armadas colaboram com os bombeiros no combate a um determinado incêndio do que dizer que as Forças Armadas executam uma missão de apagar o fogo.
A realidade é, exactamente, a de colaboração, quer no caso do incêndio, quer no caso de inundação; isto é, há entidades que estão encarregadas sobretudo destas tarefas, e creio que até seria diminuidor do seu estatuto que um artigo da Constituição incumbisse a execução dessas tarefas às Forças Armadas.
Depois aqui creio que há também um problema de saber quem coordena, quem dirige essas acções, ou seja, numa situação de incêndio em que as Forças Armadas são chamadas a colaborar, creio inequívoco que quem terá de dirigir superiormente as operações para que elas tenham eficácia é o comando dos bombeiros! Deste modo parece-me que, ao atribuir às Forças Armadas a execução directa dessa tarefa, estaríamos a criar aqui uma confusão tal, que depois já não se saberia se os responsáveis por dirigir essa missão seriam os comandos militares ou o comando dos bombeiros. Por esta razão, penso que a expressão proposta pelo PSD criaria desnecessariamente algumas confusões, onde elas até não existem. Em consequência, manter a expressão tal como está (e tal como o PS não propõe que se altere) no sentido de que as Forças Armadas podem colaborar em determinadas missões, parece-me que seria mais adequado à realidade que se pretende abranger com isso.
Quanto à interpretação e ao sentido útil que poderá ter a expressão relativa à intervenção "(…) em situações de calamidade pública que não justifiquem a suspensão do exercício de direitos (…)", considero que a ideia é esta: se observarmos o regime do estado de sítio e do estado de emergência, como previsto no artigo 19.º, faz-se aí referência, não à intervenção das Forças Armadas, mas à possibilidade de, por períodos muito limitados e de acordo com o princípio da proporcionalidade e restringido sempre ao mínimo, poder haver uma diminuição de algumas garantias (mesmo assim, terão de ser especificadas) dos cidadãos, em caso de declaração de estado de sítio de emergência.
Creio que nem mesmo nestas situações a Constituição esqueceu que o estatuto das Forças Armadas é o que é, ou seja, a defesa militar da República, e não se trata, em caso algum, de colocar as Forças Armadas a desempenhar missões relacionadas de alguma forma com limitações dos direitos dos cidadãos. Por conseguinte, terá sido a necessidade de delimitar muito bem estas situações e de clarificar em que estatuto actuam as Forças Armadas, mesmo em caso de estado de sítio de emergência, por razões de calamidade pública, ou seja, creio que terá sido esta cautela que levou à inclusão desta fórmula aqui. De facto, penso que terá alguma utilidade e sobretudo não vejo vantagem em que seja retirada esta fórmula.
Dir-se-á, e foi o argumento utilizado, que poderá haver aqui alguma suspeição relativamente às Forças Armadas. Mas creio que não! Entendo que não há qualquer suspeição, quer dizer, as Forças Armadas têm o estatuto que têm e devem ter, têm as suas missões próprias, portanto, o facto de não se lhe atribuírem outras não significa que haja alguma suspeição especial relativamente às Forças Armadas.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Marques Guedes, creio que queria referir-se à vossa proposta, em particular, no sentido de substituir a expressão "podem colaborar" pela expressão "executam".
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, é neste sentido: não só não posso concordar minimamente com aquilo que foi dito pelo Sr. Deputado António Filipe, como discordo. Devo dizer até que a interpretação, digamos assim, semântica que o Sr. Deputado fez em torno dos verbos, do meu ponto de vista, serve exactamente para demonstrar o contrário.
Ou seja, não está minimamente em causa, não faz qualquer sentido, que quando se diz "executam uma tarefa", essa tarefa tanto pode ser uma tarefa exclusiva, como uma tarefa de colaboração. Como é evidente, o seu argumento cai pela base, porque quando se diz que "executam uma tarefa", essa tarefa pode ser em conjunto com outras pessoas ou pode executar uma tarefa a solo. Portanto, isto está fora de causa, em português corrente. O contrário é que eventualmente poderá ter razão, ou seja, se a Constituição diz "colaboram", o que pode ser duvidoso é saber se o pode fazer sozinho ou se não tem que fazer sempre em colaboração! E há muitos casos, como por exemplo - está aqui o Sr. Deputado Marques Júnior que, com certeza, conhece muito mais do que eu -, situações em que a engenharia militar está a construir uma ponte para prover as necessidades básicas de uma população, fá-la sozinha, não a faz com bombeiros! A questão de lá estarem, ou não, outras entidades é que é perfeitamente aleatória. Esta é que é a verdade! A questão das Forças Armadas poderem executar determinado tipo de tarefas, sozinhas ou acompanhadas, é uma realidade evidente! E o texto constitucional ao dizer "colaboram", é que eventualmente (mas eu nem entrei por aí, só entro por aí para discordar abertamente da interpretação que o Sr. Deputado fez), mas o verbo utilizado pela Constituição é que poderia eventualmente ser equívoco.
Em qualquer circunstância, não é esta a questão. Do ponto de vista do PSD a questão é deixar claro que as instituições militares não são uma instituição que está ali à parte do Estado, ao lado, e que podem ser chamadas a colaborar, quer dizer, que não é extra, e portanto dar um enfoque maior à subordinação existente e chamar a atenção de que no exercício destas tarefas, sejam elas a solo, sejam elas em colaboração, sejam elas em cooperação, sejam elas como forem (cada tarefa pode ter a sua determinação específica de acordo com as circunstâncias), é sempre uma missão que elas executam numa lógica de subordinação. É apenas este, Sr. Deputado, e não vale a pena buscar uma interpretação semântica dos verbos utilizados, pois não é isso sinceramente o que está em causa,
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Sr. Deputado. Este argumento até pode ser reversível contra, exactamente, a manutenção do actual verbo.
Mas não foi por essa razão que o PSD propôs a alteração, mas a nossa proposta é apenas para dar um enfoque mais conjugado com aquilo que é, desde logo o n.º 3 do próprio artigo 275.º, em que se colocam claramente as Forças Armadas sob a obediência dos órgãos de soberania competentes, e portanto reforçar que, no exercício dessas funções, as Forças Armadas as executam numa perspectiva de subordinação.
Uma última observação quanto à questão da calamidade pública que o Sr. Presidente também já abordou. Sobre aquilo que o Sr. Deputado António Filipe disse, por acaso, tenho uma opinião contrária pois considero que a preocupação do Dr. António Filipe, que é legítima, fica salvaguardada pelo n.º 7. Ou seja, todos sabemos que as situações de suspensão do exercício de direitos, nos termos do artigo 19.º, apenas são possíveis no estado de sítio e no estado de emergência. Portanto, para este tipo de situações, é evidente que a intervenção das Forças Armadas tem que ser obviamente enquadrada pela lei, mas isso já está salvaguardado pelo n.º 7 deste artigo.
De facto, o que aqui está, neste inciso, "inclusivamente em situações de calamidade que não justifiquem a suspensão do exercício de direitos", é não só uma redacção equívoca, como chamava a atenção o Sr. Deputado Eduardo Pereira, e muito bem, mas até pode levantar aqui problemas um tanto impensáveis. Ou seja, o artigo 19.º não só não conceptualiza o conceito de situação de calamidade pública, como, ao determinar que a suspensão de direitos só pode ocorrer na situação de estado de sítio e de estado de emergência, poder-se-ia, a partir deste inciso, fazer a leitura a contrario no sentido de que há situações de calamidade pública que justifiquem a suspensão do exercício de direitos, o que é claramente inconstitucional, face ao artigo 19.º. Isto não pode ser, por estar em contradição com o artigo 19.º que tipifica as únicas situações em que é possível este tipo de suspensão de direitos.
Portanto, inclino-me, de facto, a concordar com o Sr. Presidente e obviamente com a chamada de atenção do Sr. Deputado Eduardo Pereira, porque a expressão "que não justifiquem a suspensão do exercício de direitos" pode ser muito equívoco e pouco perceptível.
Finalmente, eu permitia-me só acrescentar mais uma pequena dúvida: penso que mesmo em situações de calamidade pública é alguma fonte de equívoco. Na realidade, parece-me que é o único local na Constituição em que se refere este conceito de calamidade pública. Há um artigo extenso que é o artigo que é o artigo 19.º…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Marques Guedes, chamo-lhe a atenção para um equívoco da sua parte, e portanto está a laborar num erro de argumentação.
Há a calamidade pública grave que pode fundamentar a declaração de estado de sítio ou de estado de emergência. Está no artigo 18.º.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem, Sr. Presidente. Mas a minha dúvida era só de facto corroborar...
O Sr. Presidente: - Aliás, está no artigo 19.º, corrigindo equívoco meu.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Era só corroborar, esta parte final lança...
Aparte inaudível, por não terem falado para o microfone.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Miguel Macedo, peço-lhe que deixe o Sr. Deputado Marques Guedes terminar o seu argumento.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Como eu dizia, esta parte final de "que não justifiquem suspensão de exercício de direitos" parece que de facto lança alguma confusão e com a ressalva de uma "reponderação" em que, seguramente, o Sr. Presidente nos poderá ajudar, antes de uma redacção final. Salvo melhor opinião, o PSD em princípio também tenderá a concordar com o enxugar do texto nesta parte.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar uma contribuição para uma redacção, há o problema levantado pelo Sr. Deputado Moreira da Silva que me parece relevante! Há missões das Forças Armadas que de facto não estão aqui: a missão de vigilância da zona do mar territorial, zona económica exclusiva, em missões que não têm a ver exclusivamente com a defesa não estão contempladas aqui.
Tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, não estão, e entendo que não devem estar, porque senão transformam-se em acções de segurança interna.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Só para dizer que a calamidade pública está na parte final do artigo 19.º, n.º 2.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, proponho que a redacção seja a seguinte: "As Forças Armadas podem ser incumbidas, nos termos da lei, de missões de protecção civil e tarefas relacionadas com a satisfação das necessidades básicas e a melhoria da qualidade de vida das populações, inclusive em situações de calamidade pública, bem como em acções de cooperação técnico-militar no âmbito da política nacional de cooperação".
Ou seja, adopto todas as propostas do PSD; adopto a sugestão do Deputado Eduardo Pereira; e substituo a expressão executam pela "podem ser incumbidas de".
Não sei se o Partido Socialista estaria disponível para afastar as resistências que opôs à proposta do PSD…
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, parece-me preferível repetir "podem colaborar".
Quero dizer, em relação ao "colaborar" e "executar": na medida em que o que as Forças Armadas fizeram, durante o chamado PREC, foi por sua alta recreação executar, mas elas colaboram; entre ser incumbidas e colaborar, penso que "colaborar" dá mais a ideia do nível a que isso
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se faz - são os bombeiros que requerem, através do poder político; são os serviços florestais que solicitam através do poder político. Então há, na verdade, uma colaboração. Ao serem incumbidas de executar, pode haver outra mensagem…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Eduardo Pereira, permita-me chamar a atenção para o facto de que há dois problemas na proposta do PSD que, já agora, importa distinguir: um é o de não deixar margens para dúvidas de que não são as Forças Armadas que decidem se colaboram ou não, o outro é o de saber se se trata de colaborar ou de executar.
Então, refraseio a minha proposta, passando a ficar: "As Forças Armadas podem ser incumbidas, nos termos da lei, de colaborar em tarefas relacionadas (…)"; ou seja, separo as duas questões.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, creio que, nessa matéria, se limitará a verter para uma redacção constitucional aquela que suponho ser a interpretação uniforme do alcance…
O Sr. Presidente: - Sem dúvida!
O Sr. José Magalhães (PS): - Ou seja, julgo que é importante esta norma como significando que as Forças Armadas podem colaborar ou não colaborar - contanto que lhes apeteça!…
O Sr. Presidente: - Mas houve claramente…
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Podem não ter verba!
Apartes inaudíveis na gravação.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço silêncio.
O Sr. José Magalhães (PS): - É óbvio que a norma sempre foi interpretada como dizendo que a lei pode incumbir as Forças Armadas de terem um papel de cooperação no exercício de determinadas tarefas. Portanto, essa clarificação é absolutamente…
Aparte inaudível do Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Deputado Marques Guedes, a seguir o seu entendimento, isso seria inconstitucional!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Filipe, é óbvio que, se não fôssemos mexer no número por outros motivos, eu não advogaria nenhuma alteração da expressão "podem colaborar". Mas, uma vez que vamos mexer no preceito por outras razões, penso que não perdemos nada em clarificar esse ponto, que, por mim, não dava lugar a dúvidas, mas, pelos vistos, dá lugar a dúvidas ao PSD, e, nesse aspecto, podemos satisfazer o PSD sem grandes problemas.
Portanto, proporia a seguinte redacção: "As Forças Armadas podem ser incumbidas, nos termos da lei, de colaborar em missões de protecção civil e tarefas relacionadas com a satisfação das necessidades básicas e da melhoria da qualidade de vida das populações, inclusivamente em situações de calamidade pública, bem como em acções de cooperação técnico-militar, no âmbito da política nacional de cooperação".
Srs. Deputados, o PCP manifestou oposição ao expurgo da expressão "que não justifiquem a suspensão do exercício de direitos", no que me parece ter o acordo do PSD e do PS, pelo menos, pelo que tal seria dado como adoptado.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, gostaria de fazer a seguinte pergunta: consagrado que fica o conceito de protecção civil, com um alcance inequívoco, continua a justificar-se a menção específica da calamidade pública, que, no fundo, era o modus de alusão à protecção civil que a Constituição originariamente incluiu?
O Sr. Presidente: - É uma observação pertinente, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PS): - É que nem sempre… Aliás, até parece um pouco esquisito referir, a seguir a "(…) melhoria da qualidade de vida (…)", "(…) inclusivamente em situações de calamidade pública (…)"!
O Sr. Presidente: - Mas essa era uma pecha tanto da proposta do PS como da do PSD. Penso que devemos é substituir a referência à calamidade pública pela referência a missões de protecção civil e, então, o texto ficaria da seguinte forma: "As Forças Armadas podem ser incumbidas, nos termos da lei, de colaborar em missões de protecção civil e relacionadas com a satisfação de necessidades básicas e a melhoria de qualidade de vida das populações, bem como em acções de cooperação técnico-militar no âmbito da política nacional de cooperação".
Srs. Deputados, está aceite esta redacção, não é verdade?
O PCP adere também a esta fórmula?
O Sr. António Filipe (PCP): - Não, Sr. Presidente. Parece-nos que estaria melhor tal como está, isto é, com a expressão "podem colaborar", pelo que mantemos a nossa reserva, sobretudo por essas razões.
O Sr. Presidente: - Muito bem, há reservas do PCP.
Srs. Deputados, vamos passar às propostas de aditamento.
Há uma proposta de aditamento do PSD relacionada com esta. Trata-se do n.º 5 do artigo 275.º do projecto do PSD (apesar da numeração, é na verdade o n.º 4-A, isto é, um número novo), que é do seguinte teor: "Incumbe às Forças Armadas, nos termos da lei, satisfazer os compromissos internacionais do Estado português no âmbito militar e participar em missões humanitárias e de paz assumidas pelas organizações internacionais de que Portugal faça parte".
Relacionado com esta matéria, registo que num dos projectos extraparlamentares apresentados - o do Prof. Jorge Miranda - se propõe o aditamento do n.º 7, onde se diz o seguinte: "As Forças Armadas podem participar, nos termos dos compromissos internacionais assumidos por Portugal, em operações de manutenção de paz e noutras missões de carácter humanitário". As fórmulas são convergentes, só a redacção é diferente.
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo para apresentar a proposta do PSD.
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O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, com a certeza de que V. Ex.ª poderia fazer bem a apresentação da proposta do PSD, quero dizer, muito rapidamente - muito rapidamente até porque julgo que é evidente a razão de ser desta proposta incluída no n.º 5 do artigo 275.º da proposta do PSD -, que considero vantajoso, para a Constituição e para a definição clara das missões atribuídas às Forças Armadas, que fique consagrada esta disposição tal qual é proposta pelo Partido Social Democrata, aliás, com grande acuidade no momento por que estamos a passar.
De resto, queria dizer que, na justificação de motivos das propostas do PSD desta revisão constitucional, a determinada altura dizemos, em relação a esta matéria, o seguinte: "O projecto contempla ainda nesta área uma realidade hoje essencial à prossecução pelos países de políticas externas e de defesa responsáveis e credíveis: o cumprimento de missões humanitárias e de paz assumidas pelas organizações de que Portugal faz parte".
É justamente em obediência a este princípio que formulámos esta proposta e que, aliás, a inscrevemos nesta justificação de motivos da nossa própria proposta de revisão constitucional, sob a epígrafe "Uma defesa nacional moderna". Julgo que nesta dimensão - que se tem acentuado nos últimos tempos e para a qual se adivinha, como, aliás, hoje já aqui foi dito várias vezes, o recurso cada vez mais intenso por parte dos países que constituem um conjunto de organizações que têm estado envolvidas em missões do tipo daquele que está a ocorrer em vários pontos do globo e em vários países em simultâneo, até - é evidente a importância da consagração deste princípio na Constituição.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está feita a apresentação, pelo que a proposta está em discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, nesta matéria coloca-se uma questão paralela ou similar àquela que equacionei há pouco.
Neste domínio é preciso certificar que todas as explicitações são bem-vindas, sobretudo quando são meritórias na sua materialização, mas importa que não se faça dúvida, diria quase até dúvida retroactiva, sobre a existência de base constitucional habilitadora de missões que Portugal e as suas Forças Armadas têm vindo a desempenhar neste domínio, tanto no ciclo político anterior, quanto a Angola, como no quadro presente, quanto a Angola e à Bósnia.
Na verdade, na revisão constitucional de 1989, introduzimos as alterações bastantes para permitir que compromissos internacionais assumidos no quadro das relações bilaterais ou, por exemplo, no âmbito de missões das Nações Unidas pudessem ser cumpridos e honrados, envolvendo para isso os meios de carácter material e as próprias Forças Armadas na medida adequada.
Obviamente, trata-se de densificar essas normas, e é ao abrigo destas normas, desta interpretação e desta habilitação que essas intervenções têm vindo a ter lugar, sem que se suscite sobre a cláusula constitucional habilitante qualquer dúvida razoável. E, nessa matéria, "suscitar dúvida razoável", a nossa posição, obviamente, terá de ser contrária a explicitações perversas. Nós interpretamos a explicitação do PS como assentando na ideia de que, primeiro, a dúvida é irrazoável e, segundo, a explicitação é virtuosa. Estas duas coisas são bastantes e este entendimento é muito importante e é sob esta condição que nós encaramos, com toda a simpatia, obviamente, a formulação. Formulação esta que, provavelmente, tem de ser ainda quiçá burilada, porém é um exercício que não tem a mínima importância nesta sede.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, é só para arrematar esta argumentação do Sr. Deputado José Magalhães, dizendo que, por parte do PSD, obviamente não tínhamos nenhuma intenção de pôr em causa as intervenções anteriores feitas ao abrigo daquela disposição da Constituição!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, pareceu-me entender da sua intervenção que considera que actualmente há habilitação constitucional bastante para as missões de que as Forças Armadas portuguesas neste momento estão incumbidas fora do território nacional. É assim?
O Sr. José Magalhães (PS): - Absolutamente! O artigo 273.º, n.º 2, designadamente na redacção decorrente da revisão constitucional de 1989, secunda esse elemento.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, é precisamente por isso que consideramos dispensável este aditamento!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Filipe, quantas dezenas de propostas do PCP é que vieram a título de consolidação daquilo que já está na lei?
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, mas foram praticamente todas rejeitadas precisamente por isso!
O Sr. Presidente: - Isso não é verdade, não tem razão! Pode dizer quase todas, não todas!
Srs. Deputados, a proposta em análise dá-se por acolhida, com as objecções do PCP e com a reserva de eventuais precisões quanto à formulação.
Vamos passar às propostas do PCP de aditamento dos n.os 7 e 8 ao artigo 275.º, sendo que o n.º 8 está prejudicado. O n.º 7 é do seguinte teor: "As despesas de investimento a efectuar pelo Estado com vista ao cumprimento eficaz das missões das Forças Armadas constarão de lei de programação militar, a aprovar pela Assembleia da República"; no n.º 8 diz-se que "A natureza do corpo militar é exclusiva das Forças Armadas e só elas podem integrar militares".
Hoje já discutimos a questão das forças de segurança (artigo 272.º), em todo o caso, esta proposta é mais abrangente, não se limita a isso, pelo que está em discussão, independentemente de já estar prejudicada em parte.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, de facto esta proposta de aditamento do n.º 8 articula-se com as
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propostas que fizemos e que foram defendidas hoje de manhã relativamente ao estatuto militar, designadamente da Guarda Nacional Republicana, e visa dizer precisamente que a natureza do corpo militar é exclusiva das Forças Armadas e não de outras entidades, como acontece actualmente, pelo que, de alguma forma, a discussão está feita.
Relativamente à proposta do n.º 7, pouco tenho a acrescentar relativamente ao que consta do seu próprio texto. Efectivamente, parece-nos que seria importante constitucionalizar a existência de um instrumento legislativo como é a lei de programação militar, designadamente incluindo nessa definição as despesas de investimento do Estado em matéria de equipamento das Forças Armadas.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em discussão estas duas propostas, apesar de no caso do n.º 8 haver, em parte, uma duplicação de uma discussão que já foi feita de manhã a propósito das forças de segurança.
Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, começarei pelo n.º 8 do artigo 275.º do projecto do PCP precisamente porque, para o PSD, é mais simples.
Não podemos, obviamente, concordar com esta proposta, porque isto inviabilizaria aquilo que o PSD defendeu quando discutimos a exclusividade da natureza civil das forças de segurança. Como tal, liminarmente, o PSD não concorda com este n.º 8.
Em relação ao n.º 7, quanto ao princípio, o PSD obviamente está de acordo. No entanto, devo dizer que, a incluirmos uma matéria como esta na Constituição, em primeiro lugar tenho dúvidas de que a sede adequada seja esta e não, porventura, a do artigo 167.º. Ou seja, o conteúdo útil, em termos constitucionais desta proposta do Partido Comunista, é a reserva que é cometida à Assembleia da República para a produção de legislação sobre a programação militar.
Portanto, o PSD, quanto a essa questão substantiva está de acordo, de resto, como é sabido, o PSD, ao aprovar as primeira e segunda leis de programação militar fê-lo por recurso à Assembleia da República, agora o que nos parece é que a constitucionalização expressa deste conceito de lei de programação militar, a ser feito, parecer-nos-ia mais lógico que o fosse em sede da reserva de competências da Assembleia da República.
Parece-nos que é esse o conteúdo normativo útil desta proposta. Em qualquer circunstância, a única observação que deixo é que quando da apresentação da lei de programação militar, por parte do então governo do PSD, isso foi entendido pelo PSD que fazia parte daquilo que está previsto na alínea d) do artigo 167.º, ou seja, é algo que bule com as bases gerais da organização e do funcionamento das Forças Armadas.
De qualquer maneira, se for sentido, por parte dos proponentes, uma qualquer explicitação que aponte directamente para a programação de investimentos em sede das Forças Armadas, o PSD estará aberto a equacionar uma qualquer redacção, mas, de facto, mais em sede da reserva de lei da Assembleia do que aqui no artigo das Forças Armadas.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à discussão a proposta de aditamento de um n.º 7 ao artigo 275.º - já que a proposta de aditamento de um n.º 8 foi dada por prejudicada -, que tem dois elementos: um é impor um certo conteúdo à Lei de Programação Militar, outro é incluir essa lei na competência legislativa exclusiva da Assembleia da República.
Portanto, trata-se de um aditamento à proposta do PCP para o artigo 167.º, pois, de facto, aqui não constava directamente a expressão "Lei da Programação Militar", mas passa a constar um aditamento ao artigo 167.º.
Srs. Deputados, esta proposta está à consideração e o PSD manifestou-se aberto à possibilidade de considerar esse aditamento em sede de competência legislativa, mas não manifestou a mesma abertura quanto ao outro elemento, isto é, quanto ao explicitar um conteúdo obrigatório dessa lei.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se me dá a palavra, gostaria de dizer que a redacção que aqui é proposta pelo Partido Comunista, do nosso ponto de vista, tem algumas dificuldades.
Senão vejamos: o Partido Comunista refere "as despesas de investimento a efectuar pelo Estado com vista ao cumprimento eficaz das missões". Bom, em última instância, isto é tudo, inclusive o orçamento corrente!
Isto porque, o que pode estar aqui em causa é saber se a Lei de Programação Militar tem que ver não só com o tal investimento, obviamente não é só o investimento nas despesas com o pessoal, ou seja, quando eu falo em necessidades de financiamento...
Uma Voz não identificada: - Se me permite a interrupção, em termos orçamentais e em termos de finanças públicas, o termo "investimento" tem um sentido preciso.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sim, mas não sei se a Lei de Programação Militar deve ou não ir mais para a modernização e reequipamento, fundamentalmente, do que para outras despesas de investimento que podem ser consideradas externas a esta lógica da Lei de Programação Militar.
Mas, como digo, a abertura do PSD era precisamente para depois, em pormenor, se houver abertura também por parte do Partido Socialista, se encontrar a redacção certa.
Agora, o que nós não queríamos era que a Lei de Programação Militar servisse para todo e qualquer tipo de investimento, se o Sr. Deputado me compreende, porque a programação militar é fundamentalmente para a modernização e reequipamento das forças e há outros tipos de investimentos que uma instituição como as Forças Armadas tem de ter, necessariamente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PS): - Sr. Presidente, compreendo as razões do Partido Comunista relativamente à inserção deste problema, mas creio que ele, de facto, está mal conseguido quanto à sua inclusão na Lei de Programação Militar. Esta lei, que, aliás, está em vias de ser revista, é uma lei que se destina fundamentalmente ao reequipamento das Forças Armadas e, portanto, tem previstos programas plurianuais de reequipamento das Forças Armadas e não tem que ver com outro tipo de investimentos.
Portanto, dá-me ideia que, para cumprimento de missões de paz, no âmbito deste número, pode incluir-se (como inclui, aliás), por exemplo, o reequipamento especial, o
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qual tem de ser adquirido de uma forma especial, em função, por exemplo, das baixas temperaturas, que levaram à necessidade de investimentos especiais, adequados à situação, que não podem ser previstos numa lei de programação militar que tem em vista programas plurianuais de reequipamento de médio e longo prazo ao nível das Forças Armadas.
Neste momento, o que está a ser feito, e parece-me que de uma forma adequada - aliás, foi feito para a Bósnia, está incluído na lei do Orçamento, e agora na perspectiva da intervenção no Zaire -, é incluir na previsão do Ministério das Finanças uma verba provisional para, efectivamente, acorrer a situações que, naturalmente, possam acontecer e em que seja, de facto, necessária a intervenção das Forças Armadas, em missões de paz.
Portanto, não estou a ver uma ligação directa entre esta preocupação de afectar uma verba para este tipo de missões e a sua inclusão na Lei de Programação Militar, mas mais, relativamente àquilo que tem sido feito, uma previsão, em função do próprio orçamento das Forças Armadas e dentro do que é previsível - neste caso foi previsível uma verba, como sabem, de 5 milhões de contos, no ano passado foram incluídos 6 milhões de contos...
Ora, isto deve ser feito anualmente, em função das necessidades e dos problemas que se colocam em cada momento, e não numa lei destas, que é uma lei que tem prevista uma execução plurianual. Está prevista a revisão da lei, mas actualmente é uma lei que prevê cinco anos, embora com revisões de dois em dois anos e, portanto,...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não está a ser cumprida!
O Sr. Marques Júnior (PS):- Não está a ser cumprida. O governo anterior não fez aquilo que deveria ter feito, as revisões.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, não! O governo anterior fez duas! O que está em falta é a terceira!
O Sr. José Magalhães (PS): - Não vá por aí!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - (Por não ter falado para o microfone, não é possível reproduzir as palavras iniciais do Orador)... se o PSD se disponibilizou, e parece que isso aconteceu, para fazer uma menção ao instituto da programação militar, no artigo 168.º…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - No artigo 167.º!
O Sr. José Magalhães (PS): - No próprio artigo 167.º? Na reserva absoluta? Perfeito! Então, isso é, obviamente, uma incorporação e um direito de conteúdo.
Tal qual está aqui escrita, a norma não faz sentido e o Sr. Deputado Marques Júnior explicou porquê. Mas, além disso, a norma conduziria ao contrário, isto é, conduziria a uma espécie de obrigação a que todas as despesas de investimento, em Portugal, para cumprimento eficaz das missões tivessem que constar de uma Lei de Programação Militar, o que, manifestamente, não só não tem de ser como seria mau que fosse, uma vez que os orçamentos anuais têm um papel e a norma diz muitíssimo mais do que sugere.
Se também pretendia inculcar a ideia que os montantes deviam ser aqueles e nem menos um tostão do que os necessários para o cumprimento numa óptica de eficácia, tal qual é sugerida a partir de um determinado ponto de observação, por exemplo, os comandos militares num determinado momento e numa determinada fase, então, a norma teria consequências ainda bastante mais enjeitáveis do que aquelas que resultavam da primeira observação.
Mas como o Sr. Deputado nem alegou neste sentido, a norma tal qual está escrita e é interpretada mesmo num sentido mais pobre e menos constrangente, diz mais do que quer e aquilo que quer dizer diz bem inserida no artigo 167.º.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, posso interpretar isto por parte do PSD e do PS de aceitar se houver uma convolação desta proposta numa proposta de inclusão na competência legislativa reservada à Assembleia de uma menção às leis de programação militar, com a densificação que o conceito tem no respectivo âmbito? É este o sentido?
Sr. Deputado António Filipe, parece que não há abertura para mais.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, eu não tenho objecção, naturalmente, a que na reserva absoluta de competência legislativa se inclua uma menção à lei de programação militar, pelo contrário, acho que é uma benfeitoria muito útil.
Agora, creio que houve argumentos, designadamente do Sr. Deputado José Magalhães, supostamente interpretativos desta norma que manifestamente não fazem sentido. É evidente que haverá, com vista ao cumprimento eficaz de missões das Forças Armadas, despesas que não foram previstas com antecedência e que tenham de ser feitas!
Agora, evidentemente que se a Lei de Programação Militar serve para alguma coisa, é precisamente para permitir alguma programação deste tipo de despesas de investimento e não outras como foi posto aí, de algum modo, a correr!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, fica registado o acolhimento para esta proposta assim transformada, ver-se-á depois, em segunda volta, em que sítio do artigo 167.º esta matéria ficará, portanto fica aqui o registo e eu próprio tomei nota. Srs. Deputados, sendo assim, encerramos aqui a discussão do artigo 275.º.
Srs. Deputados, passamos, agora à discussão do artigo 276.º que é o último do nosso caderno de encargos, uma vez que a partir do 276.º já tínhamos encerrado a discussão. O n.º 2 já foi visto e há uma convergência, salvo afinamentos de redacção, para uma proposta do PSD corrigida, que eu li há bocado, não vale a pena voltar a ela e que diria: "O serviço militar é regulado por lei que fixa as formas, a natureza voluntária ou obrigatória, a duração e o conteúdo da respectiva prestação", seguir-se-iam, no entanto, as propostas relativas aos n.os 3, 4 e 6.
Para o n.º 3, todo este artigo estava construído na base do serviço militar obrigatório e, portanto, as propostas visam adaptar os sucessivos números deste artigo 276.º, a partir do n.º 2, à faculdade constitucional de o serviço militar não ser obrigatório. Para o n.º 3, há propostas do PS, do PSD e do Deputado Cláudio Monteiro e são essas que estão à apresentação.
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Srs. Deputados do Partido Socialista, para apresentar a proposta relativamente ao n.º 3, cujo teor diz o seguinte: "Os que vinculados à prestação de serviço militar forem considerados inaptos para o serviço militar armado, prestarão serviço militar não armado ou serviço cívico adequado à sua situação", a expressão que eu sublinhei com a voz "vinculados à prestação de serviço militar" é o aditamento que constitui a alteração.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Carrilho.
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - De facto, a intenção é muito simples e, apenas de harmonização com aquilo que foi já discutido, esta matéria destina-se a harmonizar estes artigos com a nova redacção do n.º 2 do artigo 276.º.
O Sr. Presidente: - No mesmo sentido vão as propostas do PSD, com uma diferente formulação. O PSD propõe "Os cidadãos sujeitos por lei à prestação do serviço militar e que forem considerados inaptos...".
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, penso que todas as propostas...
O Sr. Presidente: - A do Deputado Cláudio Monteiro é no mesmo sentido!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!
Só chamava a atenção do Partido Socialista para o facto de, embora confesse que também não estamos totalmente satisfeitos com a nossa formulação, parece-me que da proposta do Partido Socialista resulta uma consequência que não é desejável. Ou seja, não faz sentido se com os "vinculados à prestação do serviço militar" essa vinculação pudesse ser meramente contratual. Este sucedâneo só faz sentido não para o vínculo contratual, mas para o vínculo legal, porque se o vínculo for contratual, se for uma adesão voluntária, e houver uma inaptidão é evidente que o cidadão pode pura e simplesmente denunciar o contrato e sai da instituição; logo, não tem de ter um sucedâneo.
Chamo a atenção para essa consequência inadvertida da redacção.
Confesso que a redacção do Partido Social-Democrata também não nos agrada particularmente, mas pelo menos procurámos ultrapassar esse problema.
Também na proposta de redacção do Dr. Cláudio Monteiro, apesar de tudo, como apenas estabelece "a que estejam obrigados", também pode ser contratualmente, pelo que faço essa chamada de atenção.
Penso que podíamos deixar esta questão para a redacção final, sendo certo que me parece que aquilo em que estamos todos de acordo é que este sucedâneo é um sucedâneo que apenas ocorrerá quando haja uma obrigação legal de prestação do serviço militar.
O Sr. Presidente: - Parece-me que das três propostas a que mais se aproxima do que todos querem dizer é a do PSD, mas podíamos reservar a questão da redacção final para uma segunda oportunidade.
Srs. Deputados, em todo o caso, as propostas juntas estão à consideração.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, limito-me a registar que, em relação a estas propostas que decorrem de uma alteração da qual discordamos, evidentemente que não as acompanhamos.
O Sr. Presidente: - É adoptada a alteração do n.º3.
Para o n.º4, em que "Os objectores de consciência prestarão serviço cívico de duração e penosidade equivalentes às do serviço militar armado", o PS e o Deputado Cláudio Monteiro propõem uma alteração, também harmonizatória - coisa curiosa que o PSD não faz!
O PS propõe "Os objectores de consciência a serviço militar prestarão serviço cívico … " aditando a expressão "objectores de consciência ao serviço militar".
No caso do Deputado Cláudio Monteiro, "Os objectores de consciência prestarão serviço cívico de duração e penosidade equivalentes à do serviço militar armado a que estão obrigados". É este o aditamento final que consta da alteração.
Os autores das propostas têm a palavra para as apresentar e justificar, se for caso disso, após o que estará aberta a discussão.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Carrilho.
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Neste caso, a ideia é que, na situação de existirem objectores de consciência ao serviço militar obrigatório, haja uma contrapartida. A redacção que aqui está talvez nem seja a mais feliz. Como todos estamos de acordo sobre este ponto, aceitaremos a redacção que for mais clara e considerada consensual.
O Sr. Presidente: - Em termos paralelos… Sr. Deputado Cláudio Monteiro, a fórmula que utilizou no final foi "serviço militar armado a que estão obrigados".
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Como a universalidade nunca é alcançada, a questão é só esta: se houver serviço militar obrigatório nos termos da lei, então estará assegurado o princípio da igualdade e é preciso impor uma obrigação equivalente àquela que já existia hoje.
O Sr. Presidente: - A proposta do PS é insuficiente, porque não "é serviço militar", mas os objectores de consciência de serviço militar a que estejam obrigados, ou seja, legalmente obrigatório.
Srs. Deputados do PSD e do PCP, temos a posição tomada. Quanto à melhor fórmula, querem dar alguma contribuição?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, penso que não vale a pena perdermos grande tempo.
A solução do Dr. Cláudio Monteiro parece-me a mais lógica. A única questão eventual a harmonizar é a linguagem - o "obrigados" - como pusemos no n.º 3. Era só isso. Em vez de "obrigados" devia constar "estejam sujeitos por lei" ou algo semelhante.
O Sr. Presidente: - E porque não esta fórmula: "Os objectores de consciência a serviço militar a que estejam sujeitos por lei"?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É a mesma fórmula, assim ou no fim, como o Dr. Cláudio Monteiro pôs. É uma questão de ver como é que tem mais ritmo em termos de leitura.
O Sr. Presidente: - Parece-me que deve ser no início.
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Em princípio ficaria "Os objectores de consciência a serviço militar a que legalmente estejam sujeitos prestarão serviço cívico…". Veremos depois o apuramento da redacção e a harmonização, nomeadamente com a do n.º 3.
Para os n.os 6 e 7, existem propostas do PS que são também harmonizatórias e que consistem exactamente no mesmo. É substituir no final "serviço cívico obrigatório" pela expressão "serviço cívico a que se encontre obrigado".
Sr.ª Deputada Maria Carrilho, não sei qual é a função da alteração dos n.os 6 e 7.
A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - É a mesma coisa. É apenas uma harmonização, e a redacção também parece vir a ser aquela que resulte mais clara de uma revisão final.
O Sr. Presidente: - Muito bem.
Há um aditamento ao actual n.º 7, proposto por Os Verdes, que diz: "Nenhum cidadão pode ser prejudicado nos seus direitos civis ou políticos em virtude da sua situação militar."
Uma vez que a proponente não está, alguém adopta esta proposta para discussão?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, eu chamava só a atenção…
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Não precisa! Não está cá! Não há proposta!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas eu chamo só a atenção que esta proposta coloca muitas dúvidas face ao n.º 4 do artigo 275.º.
O Sr. Presidente: - Era sempre uma norma especial. Nesse ponto não pode colocar dúvidas. As dúvidas são outras! É de saber se ela é pertinente e tem mérito.
Srs. Deputados, vamos passar à proposta de aditamento do artigo 276.º-A, do Deputado João Corregedor da Fonseca, sobre armas nucleares. "É proibido o fabrico, o estacionamento e o trânsito de armas nucleares em todo o território nacional". Alguém adopta esta proposta para discussão?
Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Gostaria só de dizer uma coisa acerca desta proposta. Eu sei o destino desta proposta e como tal prefiro não a adoptar.
Risos.
O Sr. Presidente: - O que é uma prova manifesta de avisado juízo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de dizer muito rapidamente que ao terminarmos esta primeira leitura queria, em nome do PSD e de todos os Deputados desta bancada que participaram nestes trabalhos, reconhecer publicamente o empenho e correcção com que o Sr. Presidente conduziu os trabalhos desta Comissão de Revisão e agradecer a todos os Srs. Deputados a colaboração e a elevação com que foi possível realizar os trabalhos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para efeito similar e para assinalar que esta primeira leitura decorreu em volta de uma reflexão bastante densa e politicamente viva, como é próprio da democracia, e desenvolveu-se, ao longo de muitos meses, segundo um método e um estilo que nos congratulamos que tenha sido possível.
Por um lado, a Comissão levou a cabo um vasto ciclo de contactos - que aliás continuará a fazer na segunda fase dos seus trabalhos e, pela primeira vez, e isto é de assinalar, sem desprimor para esforços desenvolvidos noutros ciclos históricos -, que ficaram registados e foram objecto de publicação, com quem quer que seja que se tivesse dirigido a nós e com entidades às quais nós nos dirigimos.
Ou seja, esse esforço de ouvir, tanto por iniciativa dos próprios como por iniciativa nossa, sentida e apurada, é uma componente democrática de valor incalculável que importa sublinhar devidamente.
Por outro lado, em relação ao método de trabalho, a revisão fez-se aqui, como era adequado, e fez-se segundo as regras de bom esclarecimento das propostas. De facto, esta gestão parlamentar tem esse mérito, permite que em cada momento os proponentes, pensem o que pensarem, esclareçam de forma cabal aquilo que leva a propor determinadas soluções e depois o que leva a aceitá-las ou a enjeitá-las. É uma forma transparente de agir, é também uma forma muito comentada. Creio que vamos acrescentar ao acervo de actas, de documentos, que retratam o esforço parlamentar algumas páginas cuja qualidade ou interesse seguramente reconheceremos como um momento que é significativo.
Faço votos, Sr. Presidente, que seja possível superar o atraso na publicação. Estamos grandemente preocupados com isso.
Permita-me que sublinhe, em nome da bancada, como nos apraz o facto de ter sido possível, que esses trabalhos tivessem sido levados a cabo e geridos pelo Sr. Presidente nas condições em que o foram com a colaboração das várias bancadas - e aqui, francamente, não exceptuo nenhuma - e congratulo-me com o facto de ter sido possível obter de todas bancadas que participaram colaborações e explicitações cuja qualidade as actas retratarão e cuja pluralidade as actas inequivocamente vão comprovar.
Espero, Sr. Presidente, também que na segunda fase venhamos a concretizar com êxito aquilo que agora ficou em muitos casos já inequivocamente indiciado e aquilo que é preciso agora aclarar, reflectindo de forma democrática e adequada sobre as actuações a tomar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, queria também dizer que creio que os trabalhos, tal como foram conduzidos e organizados nesta primeira fase, nesta primeira leitura, corresponderam àquilo que deve ser um trabalho de revisão constitucional em sede da Comissão.
Nesse sentido, o trabalho que foi feito aqui, da nossa parte, com a contribuição que soubemos e pudemos dar, é um trabalho útil para o levantamento das questões e para o debate e análise dos problemas.
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Estimamos é que agora entre a primeira e a segunda leitura não se estrague um trabalho que estava a correr tão bem. E até estamos com algum receio que haja quem possa ser discriminado nesta fase e preocupa-nos que alguns dos que aqui estão, além de nós, possam também ser discriminados. Vemos até com muita preocupação isso, Sr. Presidente.
Tememos, portanto, que o trabalho de revisão constitucional saia da sua sede própria, que é a Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, para sedes partidárias que não correspondem àquilo que entendemos como o caminho adequado para prosseguir a análise da revisão constitucional.
Finalmente, queria só partilhar uma preocupação que foi referida e que não tem a ver com a mesa nem com o Sr. Presidente, mas que tem a ver com o funcionamento da Assembleia, que é o atraso na publicação das actas. É um problema velho da Assembleia, o antigo Presidente Barbosa de Melo, que aqui está também, ouviu muitas vezes queixas em torno disso. É um velho problema da Assembleia, repito, com o qual mais uma vez nos defrontamos e com inconvenientes evidentes, pois precisamos de ler as actas para a segunda leitura.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, gostaria de deixar algumas notas apenas, sem ser em jeito de retribuição de cumprimentos, embora obviamente agradecendo sensibilizado as referências que foram feitas à condução dos trabalhos.
Em primeiro lugar, devo dizer que penso que estamos todos de parabéns por termos conseguido, em tempo côngruo, dar conta desta primeira leitura. Da minha parte, tenho a registar com toda a satisfação o empenho dos Deputados e dos partidos nesta tarefa.
Em segundo lugar, o nosso mandato termina no dia 24 e, portanto, por maioria de razões, temos de nos congratular pelo facto de termos terminado a primeira leitura sem necessidade de ter pedido um novo prolongamento antes de terminar este.
No início dos trabalhos, depois das férias de Natal, teremos de reunir para voltar a pedir um prolongamento para iniciarmos a segunda fase dos nossos trabalhos. Fá-lo-ei logo que nos voltemos a reunir aqui na Assembleia da República.
Em terceiro lugar, quanto à transcrição das actas, não me dei ao trabalho de vos transmitir as diligências que tomei, oralmente e por escrito, sucessivas e reiteradas, para obter essa transcrição. Em todo o caso, tenho notícia de que vão ser tomadas medidas extraordinárias, inclusive a contratação externa do trabalho de transcrição.
Penso, portanto, que (aqui já sem garantias de satisfação em tempo côngruo, mas de alguma recuperação do atraso estabelecido) podemos alimentar algum optimismo nesta matéria.
Srs. Deputados, nada mais havendo a tratar, desejo um bom Natal para todos e boas férias.
Está encerrada a reunião.
Eram 18 horas e 50 minutos.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL