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Quinta-feira, 2 de Junho de 2005 II Série-RC — Número 3
X LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2005-2006)
VIIREVISÃOCONSTITUCIONAL (EXTRAORDINÁRIA)
COMISSÃOEVENTUALPARAAREVISÃOCONSTITUCIONAL
Reuniãode 1 deJunhode2005
S U M Á R I O
O Sr. Presidente (Mota Amaral) deu início à reunião às 21 horas e 15 minutos. Deu-se início à apreciação, na especialidade, dos projectos de revisão constitucional n.os 1/X (PS), 2/X (PCP), 3/X (PSD), 4/X (CDS-PP), 5/X (Deputados do PSD Miguel Pignatelli Queiroz e Nuno da Câmara Pereira) e 6/X (Os Verdes), tendo sido anunciada a entrada na Mesa de uma proposta de aditamento de um novo artigo 294.º-A, subscrita pelo PS, pelo PSD e pelo CDS-PP, em substituição dos projectos apresentados por estes grupos parlamentares. Usaram da palavra, a diverso título, para além do Sr.
Presidente, os Srs. Deputados Vitalino Canas (PS), Guilherme Silva (PSD), Pedro Mota Soares (CDS-PP), António Filipe (PCP), Fernando Rosas (BE), Francisco Madeira Lopes (Os Verdes), José de Matos Correia e Paulo Rangel (PSD) e José Vera Jardim (PS). Tendo sido aprovada a proposta de um novo artigo 294.º-A e rejeitadas as propostas constantes dos projectos n.os 2, 5 e 6/X, teve lugar, por fim, a discussão e aprovação do relatório final dos trabalhos da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional extraordinária. O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 23 horas e 45 minutos.
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O Sr. Presidente (Mota Amaral): — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião. Eram 21 horas e 15 minutos. A ordem do dia de hoje prevê a discussão, na especialidade, dos projectos de revisão constitucional que
ontem discutimos na generalidade. A esse respeito, quero dizer que o documento que se incluiu no dossier que circulou no princípio dos nossos trabalhos contém um texto comparativo pelo qual podemos guiar-nos para a discussão na especialidade e para a votação de cada um dos preceitos contemplados neste processo de revisão constitucional, que, como é sabido, são poucos. Portanto, vamos concentrar-nos neles.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas. O Sr. Vitalino Canas (PS): — Sr. Presidente, tendo em conta o interesse e a vontade de celeridade que V.
Ex.ª imprimiu aos trabalhos desta Comissão, que corresponde, aliás, creio eu, à vontade de todos os partidos — pelo menos, à vontade do Partido Socialista —, procurámos encontrar uma solução de consenso para trazer à discussão desta Comissão. Apresentamos, por isso, uma proposta de alteração, que substitui alguns dos projectos de revisão constitucional apresentados.
Sr. Presidente, embora o texto proposto ainda não esteja assinado – será assinado depois, até porque poderá ser introduzida uma ou outra melhoria de natureza técnica –, talvez fosse melhor dá-lo a conhecer a todos os Srs. Deputados
O Sr. Presidente: —Quer o Sr. Deputado dizer que o melhor é fotocopiá-lo para que possa ser distribuído
por todos e, então, poderemos ouvir a fundamentação que o Sr. Deputado Vitalino Canas pretende fazer. O Sr. Vitalino Canas (PS): — O documento não está assinado, mas os Srs. Deputados sabem de onde ele
provém. O Sr. Presidente: —Vamos aguardar alguns minutos, enquanto se fotocopia esse documento. Pausa. Srs. Deputados, já temos sobre a mesa o texto, por isso estamos em condições de retomar os trabalhos. O Sr. Deputado Vitalino Canas estava no uso da palavra, foi ele quem pediu que este texto fosse
distribuído e, portanto, dou-lhe a palavra, de novo, para justificar o documento que foi posto à consideração da Comissão. Pedia-lhe, também, que explicasse o seu conteúdo e quais são as propostas que faz relativamente ao procedimento posterior, nomeadamente em que termos é que ficam os projectos de revisão constitucional apresentados pelos partidos que, eventualmente, venham a subscrever este texto.
Faça favor, Sr. Deputado Vitalino Canas. O Sr. Vitalino Canas (PS): — Sr. Presidente e Srs. Deputados: O objectivo desta proposta de alteração é
manifesto. Basta lê-la para perceber que o que se pretende é a possibilidades de realização de referendo sobre o Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa, facto que é hoje proibido pela Constituição Portuguesa. Ou seja, a possibilidade de um referendo incidir, globalmente, sobre um tratado ou sobre o acto de aprovação de um tratado não é permitida.
Em relação a este caso específico, o do Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa, esta norma permitirá não só a realização de referendo como, também, que ele possa ter lugar em data coincidente com a das eleições autárquicas.
Do ponto de vista sistemático, esta proposta pretende resolver num único preceito, um preceito introduzido na Constituição… – ponderou-se a possibilidade de o fazer através de um preceito fora da Constituição, mas poderia ser algo bizarro fazer-se uma revisão constitucional que não mexesse na Constituição e se limitasse a aprovar uma lei constitucional. Portanto, e retomando, a solução (não só por isso mas também por isso) que parece ser a mais aceitável é a da introdução na Constituição de um novo preceito constitucional que resolva todos os problemas relacionados com a realização do referendo sobre a aprovação do Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa.
Este novo artigo – o artigo 294.º-A – permite concentrar num único local da Constituição a solução que, eventualmente, encontrarmos para este problema com que fomos confrontados e que pretendemos resolver.
Mais na especialidade, analisando os dois números que agora propomos, é fácil verificar que eles têm correspondência com as propostas de alguns dos projectos de revisão constitucional que foram apresentados, porque o que aqui se procura é um consenso, um ponto intermédio entre as várias ideias contidas nos projectos dos vários grupos parlamentares.
Em relação ao n.º 1, coloca-se uma questão técnica (para a qual a solução contida na nossa proposta me parece a mais adequada pelas razões que já exporei), que é a de saber se, longo no início do preceito, deve
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constar: «O disposto no n.º 3 do artigo 115.º(…)» ou, em alternativa, «O disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 115.º (…)». Esta é, repito, uma questão técnica.
Em meu entender, deverá referir-se apenas «O disposto no n.º 3 do artigo 115.º». E porquê? Porque o n.º 3 do artigo 115.º estabelece uma regra, a de que podem ser feitos referendos incidentes sobre «questões (…) que devam ser decididas (…) através da aprovação de convenção internacional ou de acto legislativo.»
O n.º 4 do mesmo artigo 115.ºestabelece excepções a essa regra: define algumas questões que, em princípio, caberiam na regra geral do n.º 3, isto é, questões que são decididas por lei ou por convenção internacional, que estão excluídas do referendo. Portanto, o n.º 4 estabelece excepções em relação ao n.º 3.
Ora, nós estamos aqui a abrir uma outra excepção em relação ao n.º 3, no sentido de permitir que um tratado globalmente considerado, ou o acto de aprovação desse tratado, possa ser sujeito a referendo. Ou seja, não estamos a introduzir uma excepção às excepções que estão no n.º 4., pelo que, do ponto de vista técnico, me parece, salvo melhor opinião, que deve ficar apenas a referência ao n.º 3 do artigo 115.º.
Uma segunda questão que deve ser salientada, ainda em relação ao n.º 1 do artigo 294.º-A, é a de que ele abre a possibilidade de realização de referendo sobre o Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa, mas também sobre eventuais alterações que venham a ser introduzidas no futuro, se esse Tratado vier a entrar em vigor.
É natural que o Tratado, no caso de entrar em vigor, venha a sofrer alterações no futuro e, portanto, este preceito — e também por esse motivo se justifica que seja um preceito introduzido na Constituição e não uma norma fora da Constituição, numa lei constitucional — valerá para este referendo sobre o Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa mas, também, para eventuais alterações a este Tratado que venham a surgir no futuro. Assim, sobre elas também poderá incidir um referendo — não forçosamente, é uma questão de decisão que venha a tomar-se.
O n.º 2 do artigo 294.º-A é totalmente claro: permite-se a convocação do referendo para data coincidente com a das eleições gerais para os órgãos do poder local, um objectivo que, creio, é partilhado por outros grupos parlamentares e que, naturalmente, sempre ocupou um lugar central na nossa proposta para esta revisão constitucional.
Por agora é tudo, Sr. Presidente. Porventura, ter-me-ei esquecido de focar um ou outro ponto mas depois, na discussão, certamente terei oportunidade de referir-me às questões que possam ter ficado em aberto.
O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva. O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, lembrando o que disse
ontem, em que reconstituí um pouco todos os antecedentes deste processo e não deixei de fazer alusão à circunstância de termos sido conduzidos para este atraso da revisão constitucional mercê da posição, que na altura lamentámos, assumida pelo Partido Socialista de não anuir a desencadearmos, desde logo, este processo (o que poderia ter permitido que este problema estivesse resolvido há mais tempo), tenho de prestar agora a minha homenagem ao Partido Socialista pela abertura que revelou, nesta fase, para se aproximar da proposta do PSD, a fim de encontrarmos uma solução nesta matéria.
Esta não é uma questão de vencidos nem de vencedores, porque quem vence, quem ganha nesta matéria é o povo português,…
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem! O Sr. Guilherme Silva (PSD): — … por termos a possibilidade de fazer um referendo com um quadro
constitucional que o proporcione. Em todo o caso, o reconhecimento desta atitude de aproximação e de boa vontade que o Partido Socialista
revela (um pouco tardiamente, mas a tempo de resolver esta questão) não deixa de merecer, da nossa parte, uma palavra de apreço e o registo do que politicamente tal significa.
Este aspecto não pode deixar de ser enfatizado. Em democracia, temos de ter a atitude de reconhecer esta abertura dos nossos adversários para encontrar soluções que são as melhores para o País e para o texto constitucional.
O quadro de excepcionalidade de que falava ontem não é traído com a solução que se encontrou. Com esta proposta, temos a possibilidade de passar a referendar, desde logo e de imediato, o Tratado Constitucional Europeu, mas a excepcionalidade ou o desvio à regra que impede este tipo de referendo em relação às convenções e aos tratados internacionais de uma forma geral, em termos directos, justifica-se plenamente para Portugal, no quadro europeu em que nos inserimos e pela importância de um Tratado Constitucional para os membros da União Europeia. E justifica-se tanto agora, com este Tratado Constitucional, como no futuro.
Nenhum de nós tem a antevisão da História, mas estamos a tratar de questões e de matérias que têm dinâmicas próprias, que atravessam conjunturas e situações de mutação, hoje de uma celeridade maior do que nunca, e, portanto, amanhã poderemos estar confrontados com alterações ao Tratado Constitucional Europeu que, relativamente ao quadro que agora ficará fixado, sejam suficientemente relevantes para justificar que ouçamos, de novo, o povo português em referendo.
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É esta excepcionalidade e esta importância específica do Tratado Constitucional Europeu que a nossa Constituição passa a acolher sem equívoco, deixando claro que as excepções têm de ter um sentido, e esta tem o sentido da História que aqui estamos a traçar.
Quanto à questão técnica que o Sr. Deputado Vitalino Canas levantou, de saber se devemos excluir ou não a referência ao n.º 4 do artigo 115.º, também me parece que a solução correcta é esta, ou seja, que não é necessário incluir uma referência ao n.º 4 do artigo 115.º no n.º 1 do artigo 294.º-A.
O n.º 2 do artigo 294.º-A vem também, dentro do mesmo quadro de excepcionalidade, permitir que se possa acumular estes referendos, e só estes, com eleições gerais para os órgãos do poder local, havendo, portanto, um quadro de restrição. Não sei se, do ponto de vista técnico, este n.º 2 não poderia, porventura, estar fora da Constituição, numa norma específica da lei de revisão constitucional, mas o acolhimento do PS a esta restrição, portanto, à possibilidade de fazermos cumulativamente com as eleições locais apenas o referendo do Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa e suas alterações, permite constitucionalizar a sua vontade, que acolhemos, deixando que este n.º 2 se insira num preceito da Constituição.
Parece-me que com este esforço de aproximação recíproco e com a redacção dos n.os 1 e 2 do artigo 294.º-A proposto em comum pelo PSD e pelo PS concluímos esta revisão constitucional.
Fizemos o que devíamos para que os portugueses possam expressar a sua vontade livremente, sem perturbação dos processos que estão a desenvolver-se noutros países e que têm tido resultados com um peso político no problema e no contexto da questão europeia que não ignoramos. De qualquer modo, a nossa obrigação, enquanto membros de pleno direito da União Europeia, vai ser cumprida, e com respeito pela vontade dos portugueses.
O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares. O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desde o início, o CDS-PP
entendeu que esta revisão constitucional visava, acima de tudo, a realização atempada de um referendo ao Tratado Constitucional. A lógica que nos levou, a todos nós, a estar nestas reuniões foi essa.
Defendemos, desde o início, que o interesse fundamental era que houvesse condições, e criámo-las, para a realização do primeiro referendo sobre matérias europeias em Portugal. Aliás, diga-se em abono da verdade, e isso já foi referido ao longo dos trabalhos da Comissão, que, desde 1996, o CDS-PP vinha propondo a realização de um referendo e que não nos chocava muito, antes pelo contrário, que a solução técnica encontrada para que ele pudesse ser realizado fosse, eventualmente, uma norma transitória.
Havia, a nosso ver, duas questões essenciais que esta Comissão tinha de resolver. Em primeiro lugar, retirar qualquer espécie de dúvida jurídica ou constitucional relativamente à formulação
de uma pergunta clara e objectiva, a que os portugueses pudessem, de uma forma directa, responder «sim» ou «não», se concordam ou não com a aprovação pela Assembleia da República deste Tratado Constitucional, parecendo-nos que a solução apresentada responde a esse desígnio.
Em segundo lugar (algo que também era muito importante para nós), que este referendo pudesse ser realmente realizado. Sabendo nós que havia um conjunto de actos eleitorais e de outros actos no calendário próximo, o que colocava muitas dúvidas quanto a essa possibilidade, desde o início defendemos que podia haver uma simultaneidade da realização deste referendo com outro acto eleitoral, nomeadamente com as eleições autárquicas.
Pensamos que, com a proposta apresentada, estas duas questões estão resolvidas. Para nós, isso era o mais importante, e não saber se tal seria encontrado através de uma disposição transitória fora da Constituição ou dentro da dela, com alteração ou não do artigo 115.º. O mais importante era encontrarmos aqui, com algum consenso, uma norma que permitisse a realização destes dois desígnios.
Um terceiro ponto muito importante era permitir-se que, no futuro, havendo qualquer alteração a este Tratado Constitucional, desde que com relevante interesse nacional, pudesse um referendo recair também sobre essas alterações. Por isso mesmo, parece-nos que esta solução é sensata e consegue responder a todas estas questões – recordo, aliás, que o Presidente do CDS-PP foi das primeiras pessoas que falou exactamente de uma norma transitória que permitisse esta resposta.
Relativamente à técnica encontrada, parece-me que ela é a mais adequada. A remissão deste novo artigo 294.º-A tem de ser, no nosso entender, única e exclusivamente para o n.º 3 do artigo 115.º, porque o n.º 4 deste artigo já permite que com carácter excepcional, por relevante interesse nacional, um referendo possa recair sobre uma convenção a ser aprovada pela Assembleia da República. Portanto, uma remissão para o n.º 4 não faria qualquer sentido; a remissão a ser feita, retirando-se daqui o carácter excepcional, tem de ser para o n.º 3 do artigo 115.º.
Parece-nos, também, que o n.º 2 do artigo 294.º-A resolve e responde, tecnicamente de uma forma correcta, ao desígnio da simultaneidade.
Sr. Presidente, há uma última nota que nos parece importante. O CDS-PP aproveitou esta revisão constitucional para também pôr em cima da mesa algo que nos é muito
caro em matéria referendária – o referendo constitucional. Como é óbvio, e tal como o Sr. Deputado Nuno
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Magalhães referiu ontem, de uma forma muito correcta e precisa, sabemos que esta é uma matéria que pode voltar à agenda numa revisão mais profunda – aliás, em 2004, o CDS-PP propôs esta matéria numa revisão ordinária da Constituição.
Percebemos que, de facto, o sítio mais próprio para o fazer é numa revisão ordinária da Constituição, mas havendo uma revisão extraordinária sobre matérias referendárias não podíamos deixar de trazer aqui esta questão. Mas compreendemos que, em nome de um consenso, esta matéria fará mais sentido numa revisão constitucional ordinária.
Neste sentido, a proposta comum do PS e do PSD merece a nossa total aceitação. Os Deputados do CDS-PP subscrevê-la-ão, uma vez que nos parece que ela responde às questões essenciais a que esta Comissão para a Revisão Constitucional tem de responder.
O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe. O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Devo dizer que é com alguma perplexidade
que vejo a proposta acordada entre o PS e o PSD e que, pelos vistos, já teve o assentimento expresso do CDS-PP. É com perplexidade porque – já me debruçarei sobre o n.º 2 –, no que se refere ao n.º 1 do artigo 294.º-A, quem apresenta uma proposta destas hoje, dia 1 de Junho de 2005, a esta hora, às 21 horas e 42 minutos, é porque não está minimamente atento ao que se passa à nossa volta.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Às 21 horas e 43 minutos! O Sr. António Filipe (PCP): — Não sei se o Sr. Deputado Guilherme Silva vai passar a contar os minutos
daqui para a frente, mas ficarei atento… Risos. Digo isto porque esta proposta de redacção para o n.º 1 do artigo 294.º-A não resolve o que está em causa.
O que efectivamente está em causa é habilitarmos o Estado português a poder submeter a referendo os tratados referidos no n.º 6 do artigo 7.º da Constituição, ou seja, os tratados mediante os quais Portugal convencione o exercício em comum, em cooperação ou pelas instituições da União Europeia, dos poderes necessários à construção e aprofundamento da União Europeia. Portanto, a habilitação que deveríamos dar em termos constitucionais era no sentido de permitir referendar os tratados que tivessem que ver com esta matéria.
O que os senhores propõem é uma disposição transitória e que se esgota na possibilidade de referendar o Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa ou suas alterações. Acontece que o Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa já não vai entrar em vigor nos termos em que ele próprio o previa, na medida em que, como se sabe, já houve dois países da União Europeia que expressivamente recusaram essa ratificação.
Os senhores dirão: «Bom, se não ratificarmos este Tratado, então, ratificamos as suas alterações». Mas como é que um tratado que nunca entrou em vigor pode ter alterações? E referenda-se o quê? As alterações? E se no âmbito da presidência britânica, que começa, creio, no mês de Julho, se decidir que vai haver outro tratado? E se em vez de ser o Tratado assinado em Roma for o tratado assinado em Londres ou numa qualquer cidade britânica, o que é referendamos?
Portanto, como é óbvio, esta proposta não soluciona nada, pelo que receio ou que estejamos nas vésperas de mais uma trapalhada política ou que seja este já o primeiro capítulo de uma trapalhada política que os senhores estão a engendrar e que não tem minimamente em conta o que está a passar-se na Europa e a necessidade de reflexão a que se apela por toda a Europa.
Há uma velha anedota sobre uma pessoa que ia num comboio, que se avariou e parou. Então, a pessoa olhou pela janela, viu que o comboio estava parado e, então, fechou as cortinas e abanou-se para trás e para frente para ter a ilusão de que o comboio continuava a andar. Ora, os senhores fazem lembrar-me essa pessoa, pois estão a fazer de conta que a carruagem…
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Quem é essa pessoa? O Sr. António Filipe (PCP): — São os senhores, precisamente! Isto é uma alegoria para representar a
vossa posição nesta matéria. Os senhores estão a fazer de conta que a carruagem continua a andar quando ela já descarrilou,
manifestamente! O importante é que o Estado português pudesse submeter a referendo o tratado previsto no n.º 6 do artigo
7.º da Constituição, seja qual for a forma que o mesmo assuma – é essa a questão. Obviamente que o n.º 1 do artigo 294.º-A, com grande probabilidade, não nos habilitará a referendar aquilo
que deve ser referendado. Relativamente ao n.º 2, creio que já ontem ficou praticamente tudo dito quanto ao absurdo de querer fazer coincidir o referendo com as eleições autárquicas, ainda por cima com uma norma
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que está redigida — vão desculpar-me — de forma um tanto absurda, porque se prevê a possibilidade de «(…) convocação e a efectivação de referendo (…) em simultâneo com a realização de eleições gerais para os órgãos do poder local.»
Não sei como é que «a convocação e a efectivação» podem ser em simultâneo seja com o que for! O que está em causa é a efectivação e não a convocação, mas os senhores, se fazem a norma, sabem o que estão a fazer e, portanto, limito-me a dizer que esta norma é absurda, não apenas pela forma que tem, que é manifestamente incorrecta, mas também pelo seu conteúdo, pois não há razão alguma para fazer esta coincidência absurda de submeter a referendo um Tratado que já não o é, fazendo coincidir esse acto com umas eleições da maior importância como são as eleições autárquicas. Mas, enfim, estamos no início de uma trapalhada…
Não contarão connosco nesta operação que é, de facto, mais uma vez, a negação ao povo português do direito a pronunciar-se genuinamente em referendo sobre as condições da participação de Portugal na União Europeia.
O Sr. Presidente: —Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas. O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, através da folha que circulou, tomámos conhecimento de
que o Partido Socialista adoptou a solução do PSD para a revisão constitucional. Dentro do mau, mesmo assim, esta solução é menos má, visto que a proposta do Partido Socialista era, a vários títulos, a pior de todas. Esta, contudo, continua a ser uma proposta, a nosso ver, inaceitável.
Antes de mais, cumpre dizer que não se revê a Constituição. É bom que se entenda este facto. Estamos perante uma pseudo-revisão constitucional, visto que se adita à Constituição um artigo transitório que deixa de existir, que deixa de fazer sentido, que fica a fazer parte, sem fazer parte da Constituição. Ou seja, este artigo deixa de fazer parte da Constituição logo que se esgotem as circunstâncias específicas e concretas para as quais ele está previsto, o que, do ponto de vista técnico, é uma originalidade.
O que se faz, portanto, é suspender, através de um novo artigo, a vigência da Constituição com o objectivo de referendar este Tratado ou as suas alterações. E, a propósito desta revisão específica, convém dizer que há aqui uma violação do carácter geral e abstracto da lei constitucional. Esta, de facto, não é uma norma com carácter geral e abstracto, mas, sim, uma excepção concreta, com a qual se diz, na realidade, que se suspende a Constituição para votar aquele Tratado. Isto é, na minha opinião, contra o espírito das leis! Referenda-se este Tratado ou as suas alterações, excepcionando a vigência da Constituição para um efeito concreto.
Como tal, neste ponto subscrevo o que disse o Deputado António Filipe, pois, na verdade, não se sabe se este Tratado vai ou não existir, se vai ter ou não alterações e, portanto, quando se utiliza esta técnica de as normas de excepção não serem gerais e abstractas, mas, sim, ad hominem, destinadas a prover a situações concretas, basta esgotarem-se as situações concretas para se abrir uma grande trapalhada, do ponto de vista técnico-jurídico, em relação a este artigo da Constituição.
Um outro efeito desta pseudo-revisão constitucional — que, na realidade, é a suspensão da vigência da Constituição para efeitos concretos — é o de fazer coincidir, para este efeito concreto (abandonando-se, assim, o único aspecto de revisão constitucional genuína que constava do projecto do PS, que era o de adoptar um novo regime constitucional, permitindo a coincidência dos referendos com as eleições), a realização do referendo com a realização de eleições. Ora, tal significa que, de uma forma tecnicamente surpreendente, se adita à Constituição um artigo que dentro de três ou quatro meses deixará de fazer sentido. Não estará lá a fazer nada, mas constará do texto da Constituição.
Como tal, parece-me que, quer do ponto de vista técnico, quer do ponto de vista político, esta é uma solução que não pode merecer a nossa concordância.
Não se optou, por outro lado, pela revisão que parecia ser consensual, ou seja, por aquela que permitiria que certo tipo de tratados internacionais pudessem ser referendados. Não se foi por aí e não há, portanto, qualquer espécie de hipótese de referendar tratados internacionais, excepto este. Tal significa que, a partir daqui, vamos começar a fazer isto para o que nos apetecer.
Quando quisermos que a Constituição não se aplique, faz-se uma norma a excepcionar a aplicação da Constituição a um caso concreto, o que é extraordinário e representa um precedente cujo carácter me espanta que ninguém destaque. De facto, suspende-se a vigência da Constituição desde que haja, numa situação concreta, uma maioria de dois terços para a suspender quanto a um assunto concreto.
As normas de excepção da Constituição não têm, assim, carácter geral e abstracto; são normas concretas para efeitos concretos, desde que haja maioria política para isso. Estou contra, completamente contra e não podia estar mais contra! Até porque esta não é uma questão de técnica jurídica, mas, sim, uma questão de saber como é que se interpreta a vigência da Constituição.
Há, contudo, um aspecto menos negativo, visto que não se criou o regime normal de coincidência de referendos com tratados — salvou-se o pior! Admite-se, porém, essa coincidência para este caso concreto, quando, ainda por cima, não se sabe como, quando ou em que condições se vai levar a cabo este referendo, visto que estamos a aprovar esta norma num momento em que tudo isto está a ser posto em causa pela
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vontade de parte significativa dos cidadãos europeus. Esta vontade pode até nem ser a nossa, mas vai ter, seguramente, uma grande influência em todo o andamento deste processo, o que representa mais uma razão para o legislador se acautelar em termos de tudo o que sejam soluções ad hominem, soluções concretas, de excepção específica com data marcada. Esta é, a nosso ver, uma má previsão.
Dizia, quanto a este aspecto de fazer coincidir a realização do referendo com a realização de eleições, que esta coincidência excepcional, para além de todos os males que tem — nomeadamente, o de prolongar a ausência de vontade política dos partidos maioritários em realizar uma verdadeira e genuína consulta referendária aos tratados europeus —, opta por uma forma concreta que cria em texto constitucional um artigo transitório (se tudo correr bem), mas que não se sabe como vai resistir às mutações que o Tratado em negociação está a sofrer.
É preciso ter em atenção que dois «não» ao Tratado Europeu abrem um processo de negociação praticamente automático para se decidir se quem vai ratificar este Tratado são só os países que dizem «sim», ficando os que dizem «não» de fora, ou se se vai negociar o Tratado para tornar a referendá-lo nos países que votaram «não». Este é um processo que está em aberto e, neste momento, prendemos a revisão constitucional a uma solução política, concreta, aleatória, o que, penso, é uma má técnica e uma má política.
Pelo que foi dito, não podemos acompanhar esta proposta de alteração. O Sr. Presidente: —Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Fernando Rosas, tem a palavra o Sr.
Deputado Guilherme Silva. O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Sr. Presidente, gostava que o Sr. Deputado Fernando Rosas nos
dissesse se, nesta questão da lei ad hominem, não está sugestionado pelo projecto de lei do Bloco de Esquerda em relação à limitação de mandatos dos presidentes dos governos regionais.
O Sr. Presidente: —Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas. O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado, isso podia ter piada, mas não tem! É que
nós prevemos a limitação de mandatos para todos os presidentes dos governos regionais, enquanto os senhores prevêem a excepção na Constituição para um tratado. O Sr. Deputado deve ter aprendido isso na faculdade! Não sei em que faculdade andou, mas na minha explicava-se bem o que eram normas gerais e abstractas!
O Sr. Presidente: —Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes. O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Sr. Presidente, temos na mesa o resultado de um acordo
entre o PS e o PSD Vozes do PS e do PSD: — E o CDS! O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — A posteriori! Ando cá há pouco tempo, mas não tenho boa memória dos acordos feitos entre PS e PSD nos gabinetes.
Recordo, inclusivamente, que a anterior pergunta que «cozinharam» acabou por ser chumbada no final do ano passado pelo Tribunal Constitucional e parece-me que já foi a segunda vez que isso aconteceu. Agora, temos de novo, salvo o devido respeito, uma asneirada legislativo-constitucional.
Desde logo, há uma questão formal, prévia, que não se compreende. Porquê criar um artigo 294.º-A? Quase que vão obrigar, nas próximas impressões da Constituição e caso esta asneirada vá para a frente, a fazer uma remissão do artigo 115.º para o artigo 294.º-A. Por que é que não se altera directamente o artigo 115.º? Não se percebe!
De todo o modo, esta é uma questão formal e menor quando comparada com a questão material que lhe está subjacente e em relação à qual não podemos estar de acordo. Quando Os Verdes concordaram com a abertura deste processo extraordinário de revisão constitucional, fizeram-no precisamente porque tal parecia vir ao encontro de uma proposta que tínhamos apresentado no anterior processo de revisão constitucional e que não mereceu a concordância do PS e do PSD. Refiro-me à atribuição aos cidadãos portugueses da possibilidade de se poderem pronunciar em referendo relativamente a qualquer tratado ligado à construção europeia.
Era isso que, de facto, se pretendia, foi com isso que concordámos e não com qualquer outra coisa. Não concordámos, por exemplo, com uma regra de simultaneidade sobre a qual já muito se disse, sendo conhecida a posição de Os Verdes. Pensamos que esta regra vai coarctar necessariamente a fundamental discussão e elucidação da população acerca de um tema que seja referendado em simultâneo com a realização de eleições.
Por outro lado, há a questão do n.º 1 do artigo 294.º-A, que, ao restringir-se apenas ao Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa, não só esquece que já houve duas rejeições de dois países que não serão, portanto, signatários deste Tratado como parece defender que a Constituição Europeia é a única
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via para a construção da Europa. Ora, nós não partilhamos desta visão, razão pela qual entendemos que a Constituição devia permitir à população portuguesa pronunciar-se sobre qualquer tratado relativo à construção europeia.
Esta Constituição já não será, de certeza, a via de construção da Europa. Eventualmente, será uma outra melhor do que esta, mas, se calhar, este processo nem vai passar por uma Constituição Europeia. Se calhar, a construção europeia vai fazer-se através de um novo tratado que se adicionará aos anteriores, o que me leva a perguntar por que é que se fecha a porta a essa eventualidade. Não faz sentido algum!
Assim sendo, não podemos concordar com qualquer dos pontos deste artigo nem, sequer, com a forma como ele é apresentado, razão pela qual, necessariamente, iremos votar contra.
O Sr. Presidente: —Encontram-se ainda inscritos para intervir os Srs. Deputados José de Matos Correia e
Paulo Rangel. No entanto, julgo que há uma questão a clarificar de imediato para o bom andamento dos nossos trabalhos.
A proposta de alteração que deu entrada na mesa e à qual dei o n.º 1 e que aqui foi apresentada e largamente discutida, no sentido de se aditar um artigo 294.º-A à Constituição da República, é subscrita por Deputados dos Grupos Parlamentares do PS, do PSD e do CDS-PP.
Gostava de saber se se deve entender que esta proposta substitui os projectos de revisão constitucional apresentados por cada um destes partidos. Ou seja, gostava de saber se esses projectos serão retirados, não sendo objecto de votação.
Pausa. Muito bem, tal significa que os projectos de revisão constitucional n.os 1/X, do PS, 3/X, do PSD, e 4/X, do
CDS-PP, são substituídos por esta proposta, não sendo submetidos à votação. Tem, então, a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado José de Matos Correia. O Sr. José de Matos Correia (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O objecto da minha intervenção é
especificamente a análise desta proposta de substituição que está em cima da mesa, porque julgo que valia a pena, sem afectar em nada o conteúdo material da mesma, fazer uma ou outra reflexão sobre o teor que ela apresenta.
Todavia, porque estas discussões são registadas em acta e ficam para consulta de quem a quiser fazer, não gostaria de deixar de repor alguns pontos que têm sido suscitados e que podem deixar a ideia de que quem subscreve este género de propostas não sabe o que anda a fazer.
Refiro-me muito particularmente à intervenção do Sr. Deputado Fernando Rosas, que já ontem inventou uma teoria que eu intitularia de «os comportamentos constitucionais inconstitucionais». Nós já conhecíamos a teoria das normas constitucionais inconstitucionais e agora passamos a conhecer…
O Sr. Fernando Rosas (BE): — Não digo que sejam inconstitucionais, mas eticamente discutíveis! O Sr. José de Matos Correia (PSD): — Não foi isso que o Sr. Deputado ontem disse! Felizmente, como dizia um célebre político, a democracia é o pior dos regimes, mas não inventaram outro
melhor. De todo o modo, a democracia tem regras… O Sr. Fernando Rosas (BE): — Mas esse é o meu ponto! O Sr. José de Matos Correia (PSD): — … e as regras são aquelas que estão definidas
constitucionalmente. Ora, nós estamos a respeitar escrupulosamente as regras constitucionais que determinam de que modo é que uma alteração constitucional pode ser feita.
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Muito bem! O Sr. José de Matos Correia (PSD): — Em nada estamos a afectar, do ponto de vista jurídico e do ponto
de vista ético, o mandato que nos é concedido e os limites que a Constituição estabelece. O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — É isso mesmo! O Sr. José de Matos Correia (PSD): — . É importante que isto fique claro! Vozes do PSD: —Muito bem! O Sr. José de Matos Correia (PSD): — Em segundo lugar, o Sr. Deputado Fernando Rosas diz que há
aqui coisas que não têm sentido, como, por exemplo, estarmos a introduzir na Constituição normas transitórias
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que prevêem a realização em concreto de um certo referendo. Eu posso até discutir — e, aliás, o Sr. Deputado Guilherme Silva, e muito bem, colocou essa questão sobre a inserção sistémica do n.º 2 do artigo 294.º-A — se esta norma ficaria melhor aqui ou no capítulo das disposições transitórias. Contudo, o que é importante saber é que a nossa Constituição já teve várias disposições transitórias, tem actualmente disposições transitórias e muitas constituições por esse mundo fora têm disposições transitórias! Isso não coloca, portanto, qualquer problema do ponto de vista técnico-jurídico.
Terceira e última questão: há muito que a doutrina constitucional abandonou a ideia de que a generalidade e a abstracção são características essenciais da lei. A nossa Constituição está pejada de normas que não têm carácter geral e abstracto. Aliás, podemos até discutir se estas o têm ou não — provavelmente, tê-lo-ão.
O Tribunal Constitucional já definiu, para efeitos de fiscalização da constitucionalidade, que a generalidade e a abstracção não são características das normas sujeitas a fiscalização. Não há nenhum constitucionalista, em Portugal, que não diga que a generalidade e a abstracção não são elementos queridos pela Constituição para definir o conceito de lei.
Posto isto, vem o Sr. Deputado Fernando Rosas dizer que nós não sabemos o que andamos a fazer porque estamos a inserir normas transitórias que não são gerais e abstractas, quando o deveriam ser, porque é esse o conceito de lei.
Desculpar-me-á, Sr. Deputado, tenho por si toda a consideração, estima e respeito intelectual, mas, nestas matérias, temos de ser sérios e correctos e as coisas são o que são e não o que pretendemos que elas sejam.
Relativamente à apreciação, na especialidade, desta proposta, o que quero sugerir, em termos de análise minuciosa destes n.os 1 e 2 do artigo 294.º-A, é se, porventura, não melhoraríamos a redacção, desde logo, do n.º 1, se, em vez de dizermos que «O disposto no n.º 3 do artigo 115.º não prejudica a possibilidade de convocação e de efectivação de referendo sobre a aprovação pela Assembleia da República do tratado (…)», dissermos «O disposto no n.º 3 do artigo 115.º não prejudica a possibilidade de convocação e de efectivação de referendo sobre o tratado (…)».
É uma questão de formulação técnica, que, julgo, do ponto de vista político, não afecta rigorosamente nada.
O Sr. Vitalino Canas (PS): — Não é a mesma coisa! O Sr. José de Matos Correia (PSD): — Mas, enfim, esta é uma opinião pessoal — não estou a falar em
nome da minha bancada, mas em nome pessoal. Julgo que, do ponto de vista técnico, ficaria melhor. O Sr. Presidente: —Fica claro, assim, que a Assembleia da República aprova. O Sr. José de Matos Correia (PSD): — Se não excepcionamos outras regras, teria sempre de ser assim.
Mas, enfim, é uma opinião… Os senhores decidirão o que entenderem ou, melhor, decidiremos aqui o que entendermos.
Quanto à questão do n.º 2, também poderíamos ponderar se, em vez de dizermos «O disposto no n.º 7 do artigo 115.º não prejudica a convocação e a efectivação (…) em simultâneo (…)», como, aliás, sugeria, há pouco, o Sr. Deputado António Filipe, não poderíamos dizer «O disposto no n.º 7 do artigo 115.º não prejudica a efectivação de referendo em simultâneo com a realização de eleições (…)».
Mas, enfim, é uma questão… O Sr. Presidente: —Convém esclarecer que há também uma restrição sobre a convocação do referendo. O Sr. José de Matos Correia (PSD): — Sim. O Sr. Presidente: —Essa é uma redacção um pouco obnóxia, mas que corresponde a não deixar de
responder aos diversos… O Sr. José de Matos Correia (PSD): — Sr. Presidente, percebo que há aqui uma questão de referência ao
n.º 7 do artigo 115.º, só que este número tem outro tipo de finalidade e de redacção. Mas, enfim, este é apenas um contributo para a discussão na especialidade, que é o que estamos aqui a fazer, e não ficarei minimamente melindrado se as minhas sugestões não forem aceites.
O Sr. Presidente: —Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas. O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado José de Matos Correia, agradeço-lhe a sua
intervenção. Sou um modesto historiador, que foi jurista em tempos que já lá vão, pelo que longe de mim estar a dar lições de Direito a quem quer que seja.
No entanto, li alguma coisa — naturalmente, não li o que o Sr. Deputado leu, nem tinha possibilidade de o fazer — sobre essa questão do carácter geral e abstracto das leis e conceder-me-á que alguma doutrina diz que o carácter geral e abstracto das leis tem de ser considerado de acordo com os direitos e as situações que
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esse carácter garante. Se vamos pejar a nossa Constituição de normas transitórias, que sistematicamente excepcionam a vigência da Constituição para casos concretos, não posso concordar que essa seja uma boa técnica.
Isso pode resolver facilmente muitos problemas, mas também pode abrir a porta a situações em que maiorias transitórias e conjunturais de dois terços suspendem a Constituição para efeitos que podem pôr em risco direitos, liberdades e garantias. Aqui, porém, não será esse o caso, pois possibilita-se a realização de uma reivindicação política, que era justa.
A minha opinião é esta: o carácter geral e abstracto das leis tem de ser apreciado de acordo com as situações e os interesses que esse carácter garante. E usar como técnica sistemática passar por cima disso para pejar a Constituição de normas transitórias que abrem excepções concretas, não me parece, do ponto de vista dos direitos, liberdades e garantias, uma boa técnica, sobretudo pelas possibilidades perversas que abre.
Este é o meu ponto de vista e estou longe de, com isto, querer abrir uma questão doutrinária — quem sou eu para o fazer!… Estou a falar como pessoa interessada em defender os direitos, liberdades e garantias das perversidades da facilidade de revisão da Constituição. Mais nada!
O Sr. Presidente: —Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José de Matos Correia. O Sr. José de Matos Correia (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Rosas, percebo
inteiramente a sua dúvida. Quero apenas dar-lhe o seguinte esclarecimento: é evidente que uma coisa são normas constitucionais ilegais que dizem respeito a direitos, liberdades e garantias, e outra são este tipo de normas constitucionais que dizem respeito a questões que não são comparáveis do ponto de vista do regime jurídico a que estão sujeitas.
Nesta perspectiva, quero chamar a sua atenção para dois pontos que, julgo, poderão esclarecer as suas dúvidas. Isto, para além de não poder concordar com o seu comentário das maiorias conjunturais de dois terços, porque essas, por natureza, são conjunturais — e são justamente de dois terços porque a Constituição quer que não sejam politicamente arbitrárias, digamos…
O Sr. Fernando Rosas (BE): — «Conjunturalidade» significa que se podem constituir maiorias de dois
terços a propósito de muitas coisas! O Sr. Presidente: —Sr. Deputado, agora, deixe o Sr. Deputado José de Matos Correia responder. O Sr. José de Matos Correia (PSD): — Sr. Deputado, para terminar o meu raciocínio, quero chamar a sua
atenção para dois aspectos que me parecem essenciais. As normas sobre direitos, liberdades e garantias constituem limites materiais à revisão constitucional e, só
por isso, a questão de as maiorias conjunturais afectarem o regime jurídico que a Constituição prevê está resolvida. Acresce que, do ponto de vista legal, por exemplo — e essa matéria, a meu ver, também tem de ser considerada protegida pelos limites materiais —, a nossa Constituição estabelece, no artigo 18.º, que as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, essas sim, têm obrigatoriamente de apresentar carácter geral e abstracto. Portanto, aí, o problema está, por natureza, resolvido. Só que a situação não é comparável àquela que estamos a discutir neste momento.
O Sr. Presidente: —Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rangel. O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Sr. Presidente, quero intervir para, de alguma maneira, chamar a atenção
dos Srs. Deputados António Filipe e Fernando Rosas para um ponto relativamente ao qual, julgo, ainda não foi totalmente entendida a perspectiva do PSD – e imagino que a do PS e a do CDS-PP sejam a mesma.
Quando se diz que estamos só a focar-nos no Tratado Constitucional e nas suas alterações e que, se calhar, daqui a 15 dias, já não há nenhum Tratado Constitucional mas um outro, totalmente diferente, de Bruxelas, de Liverpool, daqui ou dali, o que importa considerar é o seguinte: o Tratado Constitucional, que é este que temos, é que motiva esta revisão — é este! E é este por aquilo a que chamaria o seu impacto constitucional: é por se assumir como um Tratado Constitucional que ele tem impacto sobre a nossa Constituição e sobre a nossa organização política.
Nós não sabemos se outros tratados aí vêm e, por isso, não falamos de outros. Falamos deste e das suas alterações. Isto é, dentro do quadro deste, se houver alterações, naturalmente que, se este é um Tratado Constitucional, serão alterações dentro do quadro de um Tratado Constitucional. Se se abandonar a ideia de um Tratado Constitucional, porventura até a ideia de um referendo poderá já não fazer sentido, porque podem ser alterações puramente processuais ou procedimentais, que não justifiquem sequer um referendo.
Portanto, a razão pela qual nos circunscrevemos ao Tratado Constitucional e ao regime em que o seu referendo pode ser feito, foi justamente a de estarmos a considerar este Tratado Constitucional e o seu impacto — e vou dizê-lo agora — constitucional sobre a nossa ordem constitucional. E o que isto significa é que passamos a lidar com duas Constituições, ou com uma Constituição e uma para-Constituição.
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Ora, isto altera o nosso paradigma de funcionamento e, obviamente, tem de estar reflectido na Constituição. Por isso, o PSD sempre insistiu que, pelo menos o n.º 1 deste artigo 294.º-A devia constar do texto constitucional, já que ela tem obviamente de assumir essa diferença.
Assim sendo, de duas uma: ou o Tratado Constitucional vem a ser aprovado nestes termos, ou vem com alterações, mas enquanto Tratado Constitucional, e a questão está precavida. Se o cenário for outro completamente diferente, não faz sentido que estejamos aqui a raciocinar sobre um cenário que desconhecemos por completo.
Este é, pois, o contexto no qual esta revisão constitucional ocorre. E, mesmo no conhecimento do resultado dos referendos, não podemos sair deste contexto, porque é justamente ele que motiva a necessidade de uma revisão constitucional e a necessidade da alteração, para este caso, do regime do referendo — é justamente por ser este Tratado com impacto constitucional.
Se surgir um tratado sem impacto constitucional, porventura teremos todos de analisá-lo para ver qual é a sua verdadeira dimensão e se ele justifica ou não a tal consulta que todos desejamos que, um dia, seja feita sobre matéria europeia aos portugueses.
Era só isto que queria clarificar, porque parece que, às vezes, se desconhece este exacto contexto em que a questão surgiu.
O Sr. António Filipe (PCP): — Peço a palavra, Sr. Presidente. O Sr. Presidente: —O Sr. Deputado António Filipe deseja pedir esclarecimentos ao orador? O Sr. António Filipe (PCP): — Exactamente, Sr. Presidente. Se o orador quiser responder às
considerações que eu gostaria de tecer… O Sr. Presidente: —Tem a palavra. O Sr. António Filipe (PCP): — Estamos a ouvir algo novo, Sr. Presidente. De facto, é a primeira vez que
se ouve o PSD dizer que a razão que fundamenta a sua posição na realização de um referendo tem a ver com o impacto constitucional.
Mais: o Sr. Deputado Paulo Rangel acaba de dizer que o problema é que temos de conciliar aqui duas Constituições. Não temos, Sr. Deputado! Estamos a discutir a sujeição a referendo de um tratado cuja designação é «Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa» e creio que aí há unanimidade entre os constitucionalistas no sentido de considerar que estamos perante um tratado internacional e não perante uma verdadeira Constituição. Portanto, «Constituição» é a sua designação, a designação do Tratado — é essa, mas poderia ser outra.
Diz o Sr. Deputado que este Tratado tem impacto constitucional. Tem, seguramente. E tem um impacto constitucional até decisivo, que é o de se sobrepor à Constituição da República, caso seja ratificado por Portugal. Tem impacto constitucional como o Tratado de Amesterdão e o Tratado de Maastricht tiveram.
O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Depende! O Sr. António Filipe (PCP): — Aliás, os senhores até fizeram uma revisão constitucional extraordinária, em
1992, precisamente para permitir que Portugal ratificasse o Tratado de Maastricht — é óbvio que teve impacto constitucional! E é óbvio que um qualquer tratado, de entre os que estão previstos no n.º 6 do artigo 7.º, tem impacto constitucional. Aliás, este n.º 6 do artigo 7.º está na Constituição precisamente para habilitar Portugal a ratificar tratados dessa natureza. Portanto, não estou a ver como é que um tratado que se substitua a este moribundo «Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa» pode deixar de ter implicações constitucionais — creio que obviamente terá.
Agora, vamos ser confrontados com a necessidade de decidir se vamos submeter a referendo o tratado que venha a ser debatido e, eventualmente, sujeito a ratificação, passada esta fase em que este Tratado Constitucional Europeu está manifestamente posto em causa, na medida em que ele não vai ser ratificado nos próprios termos em que o Tratado o prevê. E a questão é saber se vamos aprovar uma norma constitucional que é tão transitória que provavelmente nunca vai vigorar — pode nunca servir para nada, pode nunca habilitar a coisa nenhuma — ou se vamos aprovar uma norma constitucional que permita que o tratado que tenha a ver com a vinculação de Portugal ao processo de construção da União Europeia possa ser sujeito a ratificação.
O Sr. Presidente: —Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rangel. O Sr. António Filipe (PCP): — Estava quase a terminar, Sr. Presidente, mas precipitou o fim da minha
intervenção. O Sr. Presidente: —Percebi que já tinha terminado.
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O Sr. António Filipe (PCP): — O Sr. Presidente interpretou extensivamente uma pausa na minha
intervenção. Risos. Em todo o caso, tudo o que tinha para dizer está dito, Sr. Presidente. O Sr. Guilherme Silva (PSD): — O Sr. Deputado estava com dificuldade à procura da pergunta, o Sr.
Presidente percebeu e ajudou-o. O Sr. Presidente: —Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Paulo Rangel. O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, também não queria entrar aqui
num jogo de palavras, porque não é isso que pretendo quando digo que este tratado tem impacto constitucional e, até, que ele próprio se assume com uma natureza constitucional.
A posição dos constitucionalistas sobre a matéria é bastante diversa: há quem entenda que já há Constituição Europeia mesmo sem ser escrita e há quem entenda que não há Constituição Europeia nenhuma. Portanto, no universo dos constitucionalistas, há qualificações para todos os gostos.
O que estou a dizer é que Portugal não pode desconhecer que estamos perante um Tratado que se assume, a si próprio, como constitucional. Essa é que é a novidade! Se o Tratado de Amesterdão era, ou não, constitucional, já era discutido. Repare: o facto de um tratado ter impacto na Constituição não põe o problema que aqui discutimos, porque muitos tratados têm impacto na Constituição e nunca ninguém se vai lembrar de os referendar. Não é nesse sentido.
O Sr. António Filipe (PCP): — Toda a gente se lembrou, só os senhores é que não! O Sr. Presidente: —Sr. Deputado António Filipe, deixe ouvir o Sr. Deputado Paulo Rangel. O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Sr. Deputado António Filipe, é a assunção da natureza constitucional que
justifica que para este Tratado haja um regime especial, e por isso é que a alteração que se discute não é para qualquer tratado. Se, eventualmente, aparecerem outros tratados com esta natureza, com uma natureza constitucional, ou que se assumam como tal — e, portanto, lancem a legítima dúvida se o são ou não —, cá estaremos para apreciar qual é o regime e o tratamento que constitucionalmente se lhes deve dar.
Permitam-me ainda dizer que penso que não se deve estranhar — e até me custa que se estranhe — que haja argumentos novos. Pode sempre haver argumentos novos. A capacidade para inventar argumentos…
O Sr. António Filipe (PCP): — Aliás, os Srs. Deputados vão ter muito que inventar! O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Desculpe que lhe diga isto, Sr. Deputado António Filipe, mas tenho de fazer
uma consideração à margem. Como sou um novo Deputado, há uma coisa que, às vezes, nos debates parlamentares, me aborrece: os Deputados que estão cá há muito tempo julgam que os que são novos não podem «refrescar» nada.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Não apoiado! O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Penso que podemos sempre trazer algum argumento novo. O Sr. António Filipe (PCP): — Mas o PSD está cá desde 1976! O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Com certeza, mas sempre podemos trazer argumentos novos, embora este
não seja novo! Bastava ter ouvido, ainda ontem, com atenção a exposição do Sr. Deputado Guilherme Silva para constatar que o argumento nem é novo. Mas nada proíbe que se tragam argumentos novos e até, como alguns, que se mude de posição.
O Sr. António Filipe (PCP): — Mas também não é proibido contestá-los! O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Não é proibido contestá-los, mas não com razão na novidade. É proibido
contestá-los dizendo que eles são novos. O Sr. Presidente: —Esse assunto está esclarecido. Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.
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O Sr. José Vera Jardim (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Algumas objecções vindas, ao que me
recordo, do Sr. Deputado António Filipe, pelo menos respeitantes à redacção do n.º 2 do artigo 294.º-A constante da proposta de alteração, têm alguma razão de ser – temos de o aceitar.
A redacção do n.º 2 teve, naturalmente, a preocupação de seguir a redacção do n.º 7 do artigo 115.º. Numa interpretação normal, percebemos o que se quer dizer, mas penso que temos margem para o melhorar e beneficiar.
Daí que — indo ao encontro daquela que é a vontade expressa de todos aqueles que têm apoiado esta proposta — sugeria que o mesmo fosse alterado para uma redacção como: «(…) não prejudica a convocação de referendo previsto no número anterior, a efectivar em simultâneo com a realização de eleições gerais para os órgãos do poder local».
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — E a efectivação? O Sr. José Vera Jardim (PS): — também podia constar «e a sua efectivação» ou «a convocação do
referendo a efectivar», porque se trata das duas coisas e não só da sua efectivação. Penso que o Sr. Deputado José de Matos Correia concordará comigo no sentido de que não se trata apenas da efectivação, porque nesse ponto temos de seguir de perto o n.º 7 do artigo 115.º – é a própria convocação e, depois, a efectivação.
Penso que esta redacção melhoraria – embora já esteja claro para um leitor que faça uma interpretação correcta –, tornaria bastante mais claro e, sobretudo, tecnicamente mais perfeito este artigo.
O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Mota Soares. O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, se me permite, gostaria de intervir sobre a
questão, muito pertinente, agora colocada pelo Sr. Deputado José Vera Jardim. Sr. Deputado José Vera Jardim, não me parece que esteja mal a referência à convocação e efectivação do
referendo; o que me parece que falta dizer é que tal só é compatível com a realização das eleições. Ou seja, falta aqui a referência ao acto de convocação e realização das eleições gerais para os órgãos do poder local. Essa é a solução do n.º 7 do artigo 115.º.
A contrario, o n.º 7 do artigo 115.º proíbe a convocação e a efectivação de referendos entre a data da convocação e a da realização de eleições para os órgãos de soberania, para o Parlamento Europeu e para os órgãos do poder local. Creio, por isso, que o que falta na redacção deste n.º 2 do artigo 294.º-A proposto é dizer «a convocação e a realização de eleições gerais para os órgãos do poder local». Desta forma, conseguimos uma solução que é tecnicamente muito semelhante à do n.º 7 do artigo 115.º, sendo que o fito que se deseja atingir aqui é exactamente o contrário, ou seja, o de dar permissão para que tal aconteça.
Portanto, penso que seria tecnicamente preferível manter a redacção do n.º 2 do artigo 294.º-A da proposta tal como está, apenas acrescentando na parte final «(…) em simultâneo com a convocação e a realização de eleições gerais para os órgãos de poder local.»
Esta é a solução que tecnicamente melhor responde às dúvidas que foram colocadas. O Sr. Presidente: —Srs. Deputados, vamos aguardar alguns momentos para reflexão. Pausa. Srs. Deputados, estamos em condições de retomar os nossos trabalhos. Por mútuo acordo entre os diversos intervenientes na apresentação da proposta de alteração n.º 1, o n.º 2
do artigo 294.º-A passa a estar redigido nos seguintes termos: «O disposto no n.º 7 do artigo 115.º não prejudica a convocação de referendo previsto no número anterior e a sua efectivação em simultâneo com a realização de eleições gerais para os órgãos do poder local.»
Nestas condições, e como não há mais oradores inscritos, declaro encerrado o debate na especialidade. O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, haveria possibilidade de fazer distribuir a versão definitiva
da proposta de alteração? O Sr. Presidente: —Com certeza. Entretanto, aproveito para informar que a proposta de alteração n.º 1, subscrita por Deputados do PS, do
PSD e do CDS-PP substitui os projectos de revisão constitucional n.os 1/X (PS), 3/X (PSD) e 4/X (CDS-PP). Assim sendo, votaremos, em primeiro lugar, a proposta de alteração n.º 1 – e já não os projectos que foram
substituídos – e, por fim, os projectos de revisão constitucional n.os 2/X, 5/X e 6/X. Por uma questão de correcção, vamos aguardar a distribuição da nova redacção da proposta de alteração,
na parte que se refere ao n.º 2 do novo artigo 294.º-A para, então, a votarmos.
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Pausa. Srs. Deputados, vamos, então, proceder à votação da proposta de alteração n.º 1 (PS, PSD e CDS-PP),
que substitui os projectos de revisão constitucional n.os 1/X (PS), 3/X (PSD) e 4/X (CDS-PP). O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, se me permite, essa proposta de alteração foi a última a dar
entrada na mesa e, portanto, os projectos de revisão constitucional anteriores que não foram retirados devem ser votados primeiro, pela sua ordem de entrada.
Desde logo, o projecto de revisão constitucional n.º 2/X não foi retirado, porque não nos revemos na proposta de alteração entretanto apresentada.
O Sr. Presidente: —Sr. Deputado António Filipe, estava a pôr à votação, em primeiro lugar, a proposta de
alteração porque ela também substitui o projecto de revisão constitucional n.º 1/X. Mas não vejo que haja problema algum em votarmos primeiro os outros projectos e, no fim, a proposta de alteração.
O Sr. António Filipe (PCP): — É uma questão de somenos, Sr. Presidente. O Sr. Presidente: —Nesse caso, vamos votar conforme tinha definido. Srs. Deputados, vamos proceder à votação da proposta de alteração n.º 1 (PS, PSD e CDS-PP), que é
composta por um artigo único. Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado votos a favor do PS,
do PSD e do CDS-PP e votos contra do PCP, do BE e de Os Verdes. É a seguinte:
Artigo único É aditado um artigo 294.º-A à Constituição da República Portuguesa com a seguinte redacção:
Artigo 294.º-A (Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa)
1 — O disposto no n.º 3 do artigo 115.º não prejudica a possibilidade de convocação e de efectivação de
referendo sobre a aprovação pela Assembleia da República do tratado que estabelece uma Constituição para a Europa ou de suas alterações.
2 — O disposto no n.º 7 do artigo 115.º não prejudica a convocação de referendo previsto no número anterior e a sua efectivação em simultâneo com a realização de eleições gerais para os órgãos do poder local.
O Sr. Presidente: —Srs. Deputados, vamos votar o projecto de revisão constitucional n.º 2/X (PCP). Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP,
do BE e de Os Verdes. Passamos, agora, à votação do projecto de revisão constitucional n.º 5/X, apresentado pelos Srs.
Deputados do PSD Miguel Pignatelli Queiroz e Nuno da Câmara Pereira. Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PCP, do BE, de Os Verdes e do Deputado
do PSD Mota Amaral e abstenções do PSD e do CDS-PP. Srs. Deputados, vamos proceder à votação do projecto de revisão constitucional n.º 6/X (Os Verdes). Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP,
do BE e de Os Verdes. Srs. Deputados, com este projecto de revisão constitucional chegámos ao fim das votações, na
especialidade. Tenho uma questão a pôr à Comissão, que é a seguinte: o técnico de apoio à Comissão indicou-me que
precisava de 20 minutos para concluir o relatório, o que nos permitiria votá-lo logo a seguir, dispensando assim a reunião de amanhã à noite. Gostaria de saber se todos estão de acordo que se suspenda a reunião, a fim de a retomarmos ainda hoje.
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Como ninguém se manifesta em sentido contrário, é o que faremos. Antes, porém, pergunto aos Srs. Deputados – foi-me dito que é costume fazê-lo em todos os trabalhos das Comissões Eventuais para a Revisão Constitucional – cujos projectos foram rejeitados se desejam submetê-los à apreciação do Plenário.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, o PCP quer submeter o seu projecto de revisão
constitucional à apreciação do Plenário. O Sr. Presidente: —Há mais algum grupo parlamentar que queira fazê-lo? Pausa. Mais ninguém pretende fazê-lo, a não ser o PCP. Fica registado. Srs. Deputados, vamos interromper os trabalhos por 20 minutos, para depois analisarmos o relatório. Eram 22 horas e 45 minutos. Srs. Deputados, está reaberta a reunião. Eram 23 horas e 40 minutos. Srs. Deputados, o relatório da Comissão já foi distribuído. Peço-vos que o leiam e, se tiverem alguma observação a fazer, tenham a bondade de a assinalar à mesa. Pausa. O Sr. Vitalino Canas (PS): — Sr. Presidente, peço a palavra. O Sr. Presidente: —Tem a palavra, Sr. Deputado. O Sr. Vitalino Canas (PS): — Sr. Presidente, em sede de redacção final, há que retirar um «de» que está a
mais – aliás, foi o Sr. Deputado Matos Correia que chamou a atenção para esse aspecto – na parte final do parágrafo do n.º 1 do artigo 294.º-A, que foi aprovado. Assim, onde consta «(…) ou de suas alterações» deverá passar a figurar «(…) ou suas alterações».
O Sr. Presidente: —Srs. Deputados, queria informar que, após a interrupção da reunião, o Sr. Deputado
Francisco Madeira Lopes rectificou uma falha sua, porque também queria que ficasse ressalvada a apresentação do projecto de revisão constitucional de Os Verdes em Plenário e só por causa da sua inexperiência no que respeita a estas comissões não o havia solicitado. Está, pois, feita a rectificação.
Não havendo mais nenhuma observação sobre o relatório da Comissão, considero-o aprovado. Srs. Deputados, foi um prazer presidir os trabalhos desta Comissão. Em todo o caso, a Comissão não se dissolve hoje, porque teremos a necessidade de fixar o texto final
depois da discussão desta matéria em Plenário, de maneira que voltaremos a reunir-nos. De qualquer modo, tive muito gosto nesta nossa colaboração.
Com a aprovação do relatório esta fase fica terminada. Obrigado a todos, inclusive ao secretariado pela ajuda prestimosa que nos deu. Não está presente a
comunicação social, que partiu do princípio que o relatório da Comissão seria aprovado. De facto, era previsível que assim fosse.
Srs. Deputados, está encerrada a reunião. Eram 23 horas e 45 minutos. A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.