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Quinta-feira, 27 de Janeiro de 2011 II Série-RC — Número 8

XI LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2010-2011)

VIII REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
Reunião do dia 26 de Janeiro de 2011

SUMÁRIO O Sr. Presidente (António Filipe) deu início à reunião às 16 horas e 43 minutos.
Foram aprovadas as Actas n.os 5 e 6.
Concluiu-se a discussão do artigo 13.º (Princípio da igualdade), tendo usado da palavra, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Luís Fazenda (BE), Celeste Correia (PS), Bernardino Soares (PCP), Jorge Bacelar Gouveia (PSD) e Vitalino Canas (PS).
Procedeu-se à apresentação do projecto de revisão constitucional n.º 2/XI (2.ª) (PCP), relativamente ao artigo 14.º (Portugueses no estrangeiro). Pronunciaram-se, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados João Ramos (PCP), Vitalino Canas (PS), Guilherme Silva (PSD), Filipe Lobo d’ Ávila (CDS-PP), Luís Fazenda (BE) e Jorge Bacelar Gouveia (PSD).
Foram ainda apresentados os projectos de revisão constitucional n.os 2/XI (2.ª) (PCP), 4/XI (2.ª) (BE) e 9/XI (2.ª)

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(PS), relativamente ao artigo 15.º (Estrangeiros, apátridas, cidadãos europeus), tendo usado da palavra os Srs. Deputados António Filipe (PCP) — que se fez substituir na presidência pelo Sr. Vice-Presidente Paulo Mota Pinto, durante a discussão deste artigo — , José Manuel Pureza (BE), Celeste Correia (PS), José de Matos Correia (PSD), Vitalino Canas (PS), Filipe Lobo d’ Ávila (CDS-PP), Luís Marques Guedes (PSD), Jorge Bacelar Gouveia (PSD) e Luís Fazenda (BE).
Por último, foram apresentados os projectos de revisão constitucional n.os 2/XI (2.ª) (PCP) e 4/XI (2.ª) (BE), relativamente ao artigo 20.º (Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva). Pronunciaram-se, além do Sr.
Presidente, os Srs. Deputados João Oliveira (PCP), Luís Fazenda (BE), Filipe Lobo d’ Ávila (CDS-PP), Luís Marques Guedes (PSD) e Filipe Neto Brandão (PS).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 19 horas e 18 minutos.

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O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 16 horas e 43 minutos.

Srs. Deputados, o primeiro ponto da nossa ordem do dia consiste na apreciação e votação das Actas n.os 5 e 6, respeitantes às reuniões de 5 e de 12 de Janeiro de 2011. Pergunto se há alguma objecção.

Pausa.

Não havendo objecções, consideram-se aprovadas.
Passando ao segundo ponto da ordem do dia, vamos retomar a discussão no ponto em que ficámos na última reunião. Tinham sido apresentadas todas as iniciativas relativas ao artigo 13.º e estavam ainda inscritos para intervir no debate os Srs. Deputados José Moura Soeiro e Ana Catarina Mendonça. Como nenhum dos dois Srs. Deputados está presente, pergunto se algum Sr. Deputado dos respectivos grupos parlamentares pretende intervir.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, o Sr. Deputado José Moura Soeiro está doente.
A intervenção que se pretende, neste momento, é um pouco em resposta às observações do Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
Na verdade, quando procuramos acrescentar no artigo 13.º a expressão «género» ou quando queremos substituir a expressão «raça» por «etnia» não se trata de criar novas clivagens do ponto de vista políticoideológico. O Sr. Deputado José Moura Soeiro, na última reunião, tentou exemplificar que isso poderia servir como a melhor prevenção de valores democráticos na Constituição. No entanto, a nossa ambição é exactamente aquela que nos pareceu que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes tinha entrevisto, ou seja, a da modernização de conteúdos e formas no texto constitucional.
Alguém entendeu erradamente que procurávamos substituir a expressão «sexo», mas não. Queremos é que seja, de facto, cumulativo e complementar: «sexo» e «género». «Género» é uma autodeterminação de cariz psicológico que vai para além da questão objectiva da sexualidade de cada cidadão, ou seja, é o chamar a si a sua personalidade social, o seu ser social.
Portanto, creio que é algo que ajudaria a consolidar o «Princípio da igualdade» e a não discriminar de uma forma errada qualquer concidadão português.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Celeste Correia.

A Sr.ª Celeste Correia (PS): — Sr. Presidente, também não queremos substituir o conceito «sexo» por «género».
Em relação ao conceito «raça», ao contrário do que me pareceu entender da discussão na reunião anterior, não é por cedência ao politicamente correcto nem ao ar do tempo que queremos fazer a sua substituição pelo conceito «etnia». É por uma convicção profunda, que decorre do facto de sabermos todos que, ao longo do tempo, esta etiqueta, como dizem os linguistas, foi negativamente contaminada, tornando-se mesmo quase maldita. De facto, o mito da superioridade de algumas raças sobre outras tem trazido sofrimentos incalculáveis a milhões de seres humanos.
Quero frisar que, ao fazer esta proposta, levamos em conta posições de organismos internacionais e revisitámos estudos de cientistas sociais que abordaram esta questão.
Com a nossa proposta, não pretendemos substituir um termo por outro ou inserir um termo mais neutro, mascarando a mesma realidade, e também sabemos que eles podem não recobrir totalmente a mesma realidade. Contudo, não duvidamos que há hoje uma maior relevância social e política da etnicidade, há uma outra consciência étnica.
É por isso que fazemos esta proposta.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr. Presidente, apresentei de início a proposta do PCP para este artigo, mas quero agora pronunciar-me, muito brevemente, sobre as outras propostas.
Registo como positivo que a proposta que o Bloco faz não pretende retirar o conceito «sexo» da Constituição em matéria de análise do acesso a direitos e do não prejuízo no acesso a direitos, que é o aspecto de que trata o «Princípio da igualdade» neste artigo 13.º.
Estamos abertos a esta discussão, compreendendo a forma como ela é colocada. No entanto, é preciso haver uma grande segurança para se dar o passo de introduzir um novo conceito e isso tem de ter em conta, neste momento, por um lado, que há uma diferença entre a garantia do acesso a direitos, que trata este artigo, e outras situações de pressão social ou de outro tipo igualmente censuráveis, mas que não se reconduzem, na sua totalidade, àquilo de que trata este artigo 13.º. Este é um primeiro aspecto.
Por outro lado, importa também reflectir sobre o seguinte: tendo tido o conceito «género» uma origem como categoria analítica — o que está certo, não há nenhum problema quanto a isso — , o facto é que hoje evoluiu para outro tipo de configuração e ainda tem alguma volatilidade. Isto é, sendo ele um conceito que vem de uma área da sociologia, dos estudos sociais relativos a políticas anti-discriminatórias e outras matérias, tem ainda interpretações muito diversas. Nesse sentido, era importante que conseguíssemos vislumbrar, com clareza, exactamente que conceito se vai incluir na Constituição, porque ele tem diversos entendimentos e perspectivas. Naturalmente, isso acontece também com outros conceitos que estão plasmados na Constituição, mas este, pela sua relativa novidade, pela sua ainda volatilidade em matéria de reflexão sociológica e, neste caso, jurídico-constitucional, precisa de ver bem definido o seu conteúdo para que, se o viermos, eventualmente, a incluir na Constituição, tenha o rigor concreto do que pretende atingir.
É essa a preocupação que também manifestamos em relação a esta proposta, reforçando abertura para que ela possa ser discutida.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Bacelar Gouveia.

O Sr. Jorge Bacelar Gouveia (PSD): — Sr. Presidente, como não tive ocasião de estar presente na última reunião, quero também dar o meu contributo em relação ao artigo 13.º e frisar dois aspectos importantes de natureza geral, que não sei se já terão sido referidos na última reunião.
O primeiro tem que ver com o facto de este artigo ter um alcance muito superior ao que aparenta. Diz respeito a «Direitos e deveres fundamentais» — ou mais a direitos do que a deveres fundamentais — , mas, na verdade, é um artigo central em toda a Constituição, porque o «Princípio da igualdade» é operacionalizável não apenas no âmbito dos direitos fundamentais, como também no âmbito das competências do Estado, dos poderes públicos. Portanto, é uma medida de pensamento jurídico que se aplica em qualquer norma jurídica e não apenas no direito constitucional ou, mais restritamente, em matéria de direitos fundamentais. Até se pode dizer, num certo sentido, que o seu lugar poderia ser numa «prateleira» especial reservada aos princípios gerais da ordem jurídica e não ficar acantonado nesta sistematização específica que diz respeito aos «Direitos e deveres fundamentais».
A segunda nota é para referir também algo que é muito importante e que pode relativizar um pouco a discussão que estamos a ter em relação ao acréscimo de novos factores de não discriminação.
Embora o n.º 2 do artigo 13.º não o diga de um modo textual, porque não comporta qualquer adjectivo do género «nomeadamente» ou «designadamente», toda a doutrina e jurisprudência têm considerado que este conjunto de factores que proíbem uma discriminação positiva ou negativa — portanto, dar mais direitos ou retirar deveres — é uma lista exemplificativa, não é fechada.
Nesse sentido, é preciso tomar em consideração que haverá outros factores que não estão aqui referidos que podem sempre ser considerados como factores que induzem num resultado ilegítimo de desigualdade e que não é pelo facto de eles estarem omissos nesta listagem que vão deixar de ser operativos. Por outro lado, também é evidente que, sendo esta lista exemplificativa, num certo sentido será uma tarefa quase inglória encontrar todos os factores possíveis de discriminação, porque haverá sempre algum que vai faltar.
Portanto, entre uma escolha que é necessário fazer, porque esta lista nunca poderá ser fechada, é evidente que aqueles que aqui devem figurar serão os mais importantes ou os mais consensuais, na certeza de que é quase impossível encontrarmos todos os factores que levam a um resultado de desigualdade.

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Era este segundo ponto que também gostaria de referir.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, sem abusar da paciência da Comissão, o que quero dizer coincide com o que disse o Sr. Deputado Jorge Bacelar Gouveia, mas há alguns outros factores que devem emergir na consideração do que está ou não constitucionalizado. Ou seja, a Constituição deve acompanhar a contemporaneidade e a contemporaneidade tem vindo a apontar pelo desuso da expressão «raça» e pela utilização frequente e vantajosa da expressão «etnia», sendo ambas construções abstractas, e também para que, para além das considerações de «sexo», haja considerações de «género». Creio que elas são socialmente objectiváveis. Já nem falo aqui da tradição anglo-saxónica, onde há uma coincidência entre «gender» e «sex» absoluta. A tradição latina não tem tido essa concepção, tem feito alguma diferenciação.
Assim, deve abrir-se algum espaço a uma construção abstracta no que tem a ver com a autodeterminação da personalidade, o que não descola totalmente do factor «sexo» e, por isso, mantemo-lo, como já tínhamos dito na última reunião da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional. No entanto, como referi, há a consideração de que há um espaço de autodeterminação da personalidade individual.
Portanto, sendo verdade que não é lista fechada, sendo verdade que todos estes factores podem vir a ser observados no direito e na administração da justiça, há a preocupação de acompanhar os tempos e de que estes conceitos possam estar mais a par do que é a exigência de cidadania dos nossos concidadãos.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas.

O Sr. Vitalino Canas (PS): — Sr. Presidente, vou intervir muito brevemente, uma vez que se abriu aqui um debate provocado pela intervenção do Sr. Deputado Jorge Bacelar Gouveia no sentido de saber se o n.º 2 do artigo 13.º contém ou não uma cláusula exemplificativa e, portanto, não taxativa.
Admito que haja circunstâncias para além das que estão no artigo que não permitem o privilégio, o benefício, o prejuízo ou a privação. No entanto, entendo que não devemos considerar que esta cláusula é totalmente aberta. Ou seja, só poderá haver discriminação positiva ou discriminação negativa ou proibição dela em relação a outros aspectos desde que isso tenha uma base constitucional segura noutros preceitos.
Portanto, apesar de não estar neste artigo 13.º qualquer expressão que nos permita concluir que é meramente exemplificativo, como «designadamente» ou «nomeadamente», não me parece que se possa concluir, pela sua textura, que é um artigo totalmente aberto. Poderá admitir alguma abertura, mas é uma abertura a outras disposições da Constituição e, portanto, teremos sempre de encontrar noutras zonas da Constituição fundamento para impedir o que este artigo 13.º não impede ou para permitir o que ele não permite.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, damos por concluída a discussão do artigo 13.º. As propostas serão votadas no momento oportuno.
Passamos à discussão do artigo 14.º — Portugueses no estrangeiro, para o qual há uma proposta de aditamento do PCP de um n.º 2, constante do projecto de revisão constitucional n.º 2/XI (2.ª) (PCP).
Para apresentar a proposta, tem a palavra o Sr. Deputado João Ramos.

O Sr. João Ramos (PCP): — Sr. Presidente, o PCP retoma aqui uma proposta que já tinha efectuado na revisão de 2004 que se prende com a constitucionalização do direito de os cidadãos residentes no estrangeiro serem ouvidos em termos de um conselho consultivo.
A nossa proposta pretende constitucionalizar um princípio, que nos parece colher consenso nesta Assembleia, que é o direito de os portugueses residentes no estrangeiro serem consultados sobre matérias que lhes digam respeito. Aliás, existe já o Conselho das Comunidades Portuguesas, que é o órgão que, neste momento, tem estas funções.
Esta constitucionalização garante um direito a um grupo importante de portugueses que, sendo uma parte do todo nacional, têm como especificidade o facto de não residirem em nenhuma das três porções do território nacional. Entendemos que esta especificidade deve levar a que seja tratado de modo diferente aquilo que não

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é igual, pelo que a não constitucionalização de outros órgãos consultivos não justifica a não constitucionalização deste órgão.
Por outro lado, julgamos que o facto de a Constituição incluir este importante órgão pode dar garantias para o seu funcionamento, que, neste momento, muitas vezes, não é possível reunir.
A nossa proposta pretende constitucionalizar o princípio, mas deixa em aberto a forma de organização deste mesmo procedimento.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a proposta está em discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas.

O Sr. Vitalino Canas (PS): — Sr. Presidente, esta não é uma proposta nova. Já foi discutida noutras ocasiões.
Respondendo à última parte da argumentação do Sr. Deputado, creio que, na verdade, a base legal que já existe para o Conselho das Comunidades Portuguesas, que é a Lei n.º 66-A/2007, de 11 de Dezembro, é suficiente. Não me parece que devamos exagerar na constitucionalização de órgãos, particularmente de órgãos consultivos, o que, obviamente, não retira importância ao funcionamento desse órgão — aliás, o Partido Socialista tem responsabilidades directas na sua existência.
Não parece que possamos, portanto, desvalorizar substantivamente a importância desse órgão, mas não me parece também que ele deva receber consagração constitucional. Não se deve proceder à cristalização excessiva de estar a introduzi-lo na Constituição, inviabilizando até alguma evolução que ele deva vir a ter no futuro.
Portanto, entendemos que esta proposta do Partido Comunista Português não será de aceitar.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Sr. Presidente, fundamentalmente, queria secundar o Deputado Vitalino Canas na sua apreciação desta proposta do PCP.
Estamos na Parte I da Constituição, que diz respeito aos «Direitos e deveres fundamentais», dentro da qual estamos a apreciar os «Princípios gerais». A Constituição proclama no artigo 14.º o princípio da protecção que é devida aos portugueses que residam ou que se encontrem no estrangeiro. Trata-se, obviamente, de um dever do Estado e, por isso, a Constituição fez bem em fazer a sua proclamação nesta sede e parece-me que a sua redacção está bem como está. Contudo, em termos da própria Constituição, já não me parece que tenha sentido — parece-me até perigoso — entrarmos na banalização de colocar praticamente em pé de igualdade este órgão com os órgãos de soberania, que têm a sua sede, antes de quaisquer outros, na Constituição.
A ideia de que a constitucionalização deste órgão pode ser mais dignificante, mais protectora e mais dirigida aos portugueses residentes no estrangeiro, ou seja, de que estaríamos, através desta proposta, a darlhes uma protecção, uma sede e um acarinhamento acrescido, penso que não tem esse efeito e pode até, perversamente, ter o efeito contrário. Não me parece que devamos, nesta sede, cristalizar determinados órgãos e determinada forma de funcionamento ou de estruturação desses órgãos. A lei garante uma flexibilidade que a Constituição não garante e poderá permitir adaptações sem uma rigidez constitucional, ao longo do tempo e em função da evolução que as coisas têm nestes domínios, particularmente tratando-se de portugueses residentes no estrangeiro, ou seja, ainda mais expostos às evoluções das sociedades várias em que se inserem e que não são desprendidas do seu estatuto, do seu papel e do seu lugar.
Assim, penso que estaríamos a diminuir, de certo modo, o impacto que o artigo 14.º tem, na sua redacção actual, como proclamação constitucional adequada e bastante para a protecção dos portugueses no estrangeiro. O Conselho das Comunidades tem sede legal e deve manter-se nessa sede com a possibilidade de flexibilização que um colete constitucional, na redacção que se pretende, não dá. Percebo a redacção que o PCP propõe, mas conformamo-nos perfeitamente com a redacção actual do artigo 14.º.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Lobo d’Ávila.

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O Sr. Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP): — Sr. Presidente, como princípio genérico e como tendência geral, o CDS concorda com tudo o que signifique um reforço da participação dos emigrantes.
No entanto, temos dúvidas relativamente a esta proposta para um n.º 2 do artigo 14.º, ou seja, temos dúvidas que a criação de estruturas sobre estruturas ou a consagração constitucional de determinadas estruturas, por si só, signifique esse reforço da participação ou um aumento da participação dos emigrantes.
Por isso mesmo, entendemos que o enquadramento constitucional actual, assim como o enquadramento legal actual são suficientes e que a redacção actual, tal como está, é satisfatória.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, o Bloco de Esquerda acompanha a proposta original.
Houve aqui críticas de diversa índole: ou porque seria um excesso constitucional, o que não me parece, dada a importância da comunidade portuguesa na diáspora; ou porque o artigo não estaria bem inserido no ordenamento da Constituição; ou porque seria demasiado estruturativista.
No entanto, o que está aqui, antes do conselho consultivo, é um princípio de consulta aos portugueses residentes no estrangeiro sobre matérias que lhes digam respeito, e esse é um princípio importante para os princípios fundamentais da Constituição.
Portanto, podendo outros partidos entender que não será esta a melhor formulação, que não será a melhor inserção sistemática na Constituição ou que não deverá ser através deste mecanismo que é proposto pelo PCP, penso que poderíamos ir ao essencial, que é o princípio de consulta e que merece dignidade constitucional.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Ramos.

O Sr. João Ramos (PCP): — Sr. Presidente, o PCP também considera que não se deve meter tudo na Constituição e que a Constituição não servirá para acolher tudo.
No entanto, como referi na intervenção inicial, entendemos que esta matéria tem uma especificidade relevante e que, por isso, é importante inseri-la na Constituição, apesar de sabermos que a constitucionalização do princípio não resolve todos os problemas que neste momento existem no Conselho das Comunidades.
Quanto ao argumento da cristalização, confesso que não conseguimos perceber, porque a proposta é muito clara e diz apenas que devem ser «consultados, sobre matérias que lhes digam respeito». A não ser que, quando se fala em cristalização, se refira à questão de ser «eleito por sufrágio universal». É este o aspecto mais «cristalizado» que pode aparecer na nossa proposta.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Bacelar Gouveia.

O Sr. Jorge Bacelar Gouveia (PSD): — Sr. Presidente, em relação a esta proposta do PCP, fico com mais dúvidas do que certezas relativamente ao seu sentido e gostaria, por isso, de pedir esclarecimentos ao proponente quanto a dois pontos importantes que são aqui referidos.
Em primeiro lugar, gostaria de saber qual o alcance das matérias sobre as quais os cidadãos residentes no estrangeiro devem emitir a sua opinião. A proposta diz «sobre as matérias que lhes digam respeito», mas isto, na prática, é capaz de ser muito difícil de definir. São matérias legislativas? Matérias políticas? Matérias administrativas? Quem é que pede? É qualquer órgão de soberania? «Digam respeito» em que sentido? Não sendo cidadãos residentes em Portugal, mas no estrangeiro, só pelo facto de serem nacionais tudo lhes diz respeito? O que é que lhes diz respeito? Sinceramente, penso que é muito pouco claro para constar da Constituição nestes termos.
Por outro lado, há ainda outro problema. Do ponto de vista da existência de órgãos constitucionais consultivos, que são raros, o grande órgão constitucional consultivo é o Conselho de Estado, um órgão consultivo do Presidente da República. Este órgão, por um lado, não é eleito por sufrágio directo e universal, tem uma composição variada e, por outro lado, é um órgão que concentra a unidade de possibilidade de consulta por parte do Presidente da República. Portanto, haveria aqui uma concorrência, a meu ver, estranha

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entre o órgão de consulta do Presidente da República — o Conselho de Estado — para os órgãos de soberania, ou seja, para tudo o que dissesse respeito ao Estado, e um órgão paralelo, que seria um órgão consultivo constitucional para os assuntos que dissessem respeito aos cidadãos portugueses que estão no estrangeiro. Como é que se articulariam as legitimidades e as funções destes dois órgãos consultivos? Deixo, portanto, estas minhas duas dúvidas para, se possível, ser esclarecido.

O Sr. Presidente: — Como não se tratou de um pedido de esclarecimento directo, vou dar, agora, a palavra ao Sr. Deputado Vitalino Canas.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Vitalino Canas (PS): — Sr. Presidente, vou aproveitar esta onda dos pedidos de esclarecimento, porque também tenho uma dúvida que não foi resolvida pela segunda intervenção do Sr. Deputado do PCP.
Trata-se de saber o que significa «um conselho consultivo eleito por sufrágio universal». Ou seja, qual é o universo eleitoral que aqui poderá estar em causa. É o sufrágio universal de todos os cidadãos portugueses? Apenas de todos os emigrantes? Com que critério? Já expusemos a nossa objecção de princípio, que é, pura e simplesmente, a de entendermos que não se deve constitucionalizar um conselho consultivo, mas, como a questão também foi suscitada pelo Sr. Deputado do PCP, gostaria de saber o que entende o PCP por «um conselho consultivo eleito por sufrágio universal».
Ou seja, o que significa, neste contexto, «eleito por sufrágio universal».

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Ramos.

O Sr. João Ramos (PCP): — Sr. Presidente, quero esclarecer algumas questões que foram colocadas.
Quanto à questão colocada pelo Sr. Deputado Jorge Bacelar Gouveia, entendemos que colocar as matérias a abordar na proposta é que seria cristalizar. A nossa proposta é clara e remete a regulação das competências para a lei, que terá essa função.
No que se refere à possível confusão entre órgãos, este órgão consultivo, que tem o objectivo claro de consultar sobre matérias que digam respeito às comunidades, terá a sua intervenção na área legislativa, uma vez que é ao Governo que compete actuar sobre esta matéria.
Quero lembrar que o conselho consultivo já existe e não tem havido até agora qualquer confusão com o Conselho de Estado.
Relativamente à questão do sufrágio universal, quero recordar ao Sr. Deputado que esta matéria se insere no artigo 14.º, que tem como epígrafe «Portugueses no estrangeiro». Logicamente que o conjunto dos portugueses que elegem este órgão tem de ser integrado e visto sob o ponto de vista deste artigo, não obstante a possibilidade de regulação que a lei também terá sobre essas matérias e que deixamos em aberto na nossa proposta.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, não havendo mais inscrições para o artigo 14.º, concluímos a sua discussão.
Vou pedir ao Sr. Vice-Presidente Paulo Mota Pinto que me substitua, porque gostaria muito de intervir mais activamente na discussão do artigo 15.º.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Paulo Mota Pinto.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos passar à discussão do artigo 15.º — «Estrangeiros, apátridas, cidadãos europeus», para o qual há três propostas de alteração constantes dos projectos de revisão constitucional n.º 2/XI (2.ª) (PCP), 4/XI (2.ª) (BE) e 9/XI (2.ª) (PS).
Para apresentar a proposta do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, pedi para me fazer substituir na presidência, porque não quero fazer apenas um comentário ou uma observação sobre um artigo ou uma intervenção, mas apresentar a proposta do PCP.

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Vou começar por apresentar a proposta para o n.º 2 do artigo 15.º e, numa segunda fase, poderemos discutir as propostas, quer do PCP quer de outros partidos, para os números seguintes, porque são, de facto, matérias distintas.
Para o n.º 2 propomos substituir a expressão constitucional «exercício das funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico».
A Constituição estabelece hoje o princípio da igualdade de direitos entre os cidadãos portugueses e os cidadãos estrangeiros e apátridas que se encontram ou residam em Portugal. Essa equiparação tem, como excepções, «os direitos políticos» e «o exercício das funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico». Há alguma dificuldade — reconhecida, aliás, pela doutrina constitucional — em definir o que sejam funções que não tenham «carácter predominantemente técnico». Inclusivamente, há uns anos — creio que essa situação estará relativamente ultrapassada — , existia legislação que estabelecia que a nacionalidade portuguesa era um requisito de acesso à função pública. Felizmente, os tribunais sempre consideraram essa disposição legal como inconstitucional, por violadora, precisamente, do n.º 2 do artigo 15.º da Constituição, dado que seria inconstitucional haver uma limitação com carácter geral do acesso à função pública, na medida em que a Constituição só exceptua «o exercício de funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico».
A questão coloca-se, pois, em saber o que são funções que têm «carácter predominantemente técnico».
Se nos socorrermos da Constituição anotada dos Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira, eles interpretam a expressão «funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico», precisamente, como o exercício de funções públicas que envolvam poderes de autoridade, o que ajuda a delimitar um pouco mais as questões. Ou seja, estes cidadãos estrangeiros não poderão exercer funções, designadamente, como autoridades judiciárias — por exemplo, como juízes ou como delegados no Ministério Público — ou nas forças policiais, havendo, evidentemente, ainda assim, alguma margem de dificuldade quanto a uma função ou outra. Por exemplo, uma questão que se coloca é a de saber se um professor exerce ou não poderes de autoridade, mas creio que entender como tal seria já uma interpretação demasiado extensiva.
Em todo o caso, quer parecer-nos que a substituição de expressões que propomos ajudaria a delimitar, de uma forma precisa, esta restrição constitucional. Dado que se trata de direitos, liberdades e garantias, qualquer interpretação deve ser restritiva, pelo que restringir a limitação de acesso a funções públicas desde que elas impliquem o exercício de «poderes de autoridade» seria mais restritivo e, porventura, mais adequado do que a expressão constitucional relativamente equívoca que está hoje em vigor.
É esse o sentido da nossa proposta.

O Sr. Presidente (Paulo Mota Pinto): — Srs. Deputados, para o n.º 2 do artigo 15.º há ainda uma proposta do BE.
Pergunto qual a metodologia que preferem para o artigo 15.º: apresentar e discutir número a número ou todas as propostas.

Pausa.

Parece que há um entendimento no sentido de que será conveniente a apresentação e a discussão das propostas para os diversos números do artigo 15.º.
Assim, volto a dar a palavra ao Sr. Deputado António Filipe, para apresentar as propostas do PCP para os n.os 4 e 5 do artigo 15.º.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, antes de mais, quero assinalar que a proposta do Bloco de Esquerda para o n.º 2 não é exactamente coincidente com o actual n.º 2 que está na Constituição, porque procede a uma fusão entre os n.os 2 e 3 e a proposta que faz até tem mais que ver com o actual n.º 3 do que com o n.º 2.
Vou, sinteticamente, referir também as propostas do PCP para os n.os 4 e 5, que, aliás, são coincidentes com as do PS para os mesmos números.

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A nossa ideia é a de que devemos avançar para uma ampliação dos direitos políticos dos cidadãos estrangeiros residentes em Portugal de uma forma gradual e entendemos por uma forma gradual, desde logo, avançarmos decididamente na ampliação dos direitos políticos a nível local.
Nesse sentido, propomos que a capacidade activa e passiva dos cidadãos estrangeiros residentes em Portugal em eleições para os órgãos das autarquias locais não fique dependente do princípio da reciprocidade.
Entendemos que esse princípio pode fazer sentido no que se refere à eleição para os titulares dos órgãos de soberania e, por isso, é que dizemos que fazemos uma proposta gradual, ou seja, não propomos a abolição desse princípio com carácter geral e não propomos que se avance já em matéria de eleição de órgãos de soberania. No entanto, em matéria de eleições locais, quer parecer-nos que o que deve ser relevante para decidir da atribuição de capacidade eleitoral passiva e activa aos cidadãos que residam em Portugal não deve ser a sua nacionalidade, mas o facto de eles fazerem parte, precisamente, de uma comunidade local.
A exigência de reciprocidade para que sejam atribuídos direitos políticos a cidadãos de outro país tem mais que ver propriamente com critérios de política externa e de exercer pressão sobre outros Estados para que reconheçam determinados direitos aos portugueses que aí vivam e pode fazer sentido a nível dos órgãos de soberania mas, do nosso ponto de vista, já não faz tanto a nível da democracia local. Entendemos que os cidadãos que aí residam devem ter todo o direito de participar na vida local, inclusivamente de poderem eleger e ser eleitos para os órgãos das autarquias locais, porque com isso só tem a ganhar a sua inserção e a própria comunidade, ou seja, é um valor para a própria comunidade que todos os que nela residam possam ter direitos políticos, independentemente da sua nacionalidade ou do seu país de origem.
Propomos, portanto, para o n.º 4 que «A lei pode atribuir a estrangeiros residentes no território nacional, capacidade eleitoral activa e passiva para a eleição dos titulares de órgãos de autarquias locais», eliminando a expressão «em condições de reciprocidade» que hoje consta deste n.º 4.
Por maioria de razão, propomos que igual supressão seja feita no n.º 5, no que se refere à eleição dos cidadãos nacionais dos Estados-membros da União Europeia residentes em Portugal para o Parlamento Europeu.
Parece-nos que há aqui identidade de razão relativamente a ambas as propostas e, nesse sentido, é o que consta do projecto de revisão do PCP.

O Sr. Presidente (Paulo Mota Pinto): — Para apresentar a proposta do Bloco de Esquerda, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Pureza.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr. Presidente, o projecto que apresentamos procura, acima de tudo, reconhecer e dar corpo a uma abertura maior que se manifesta na sociedade portuguesa relativamente aos direitos a serem reconhecidos a cidadãos estrangeiros.
Nesse sentido, acompanhando propostas de outros grupos parlamentares, entendemos ir um pouco mais além, porque é esse, justamente, o sentimento que cada vez mais prevalece na sociedade portuguesa.
Além da exclusão da cláusula de reciprocidade, que agora mesmo foi sublinhada pelo Sr. Deputado António Filipe, o projecto do Bloco de Esquerda comporta uma linha de maior abertura do que os dos outros grupos parlamentares, na exacta medida em que reconhece a possibilidade de capacidade eleitoral activa e passiva não apenas para as autarquias locais, mas também para a Assembleia da República e para as Assembleias Legislativas das regiões autónomas.
Fazemo-lo não apenas porque entendemos que é justo e certo, mas também porque corresponde a uma materialização neste campo daquilo que é, afinal de contas, um princípio antigo de que quem reside no território, quem faz os seus descontos para a segurança social, enfim, quem paga impostos deve, por regra, ter os mesmos direitos que todos os demais cidadãos que estão vinculados ao Estado também por essas vias.
Nesse sentido, além da fusão dos n.os 2 e 3 do artigo 15.º num n.º 2, no n.º 3, correspondendo ao actual n.º 4, abrimos a possibilidade de os cidadãos estrangeiros serem eleitos e elegerem a Assembleia da República e as Assembleias Legislativas das regiões autónomas, além das autarquias locais, tendo em conta, justamente, esta fundamentação.

O Sr. Presidente (Paulo Mota Pinto): — Tem a palavra, para apresentar o projecto do Partido Socialista, a Sr.ª Deputada Celeste Correia.

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A Sr.ª Celeste Correia (PS): — Sr. Presidente, quanto ao artigo 15.º, quero relembrar que a cláusula de reciprocidade nasceu da necessidade de defesa dos direitos dos emigrantes portugueses no estrangeiro.
Por que é que propomos hoje a eliminação desta cláusula? Porque não queremos continuar a depender de decisões de outros Estados para tomar aqui as nossas próprias decisões mas, fundamentalmente, porque, a nível das autarquias locais — e a nossa proposta só abrange as autarquias locais — , estamos convencidos de que a residência deve prevalecer sobre a nacionalidade, porque as pessoas fazem parte da comunidade.
Por outro lado, também entendemos apresentar, nesta matéria, uma proposta gradual. Nesse sentido, a nossa proposta não abrange a eleição para os órgãos de soberania, porque não estamos convencidos de que a sociedade portuguesa entendesse hoje uma abertura total neste ponto.
Temos consciência de que isto muda completamente o paradigma actual que se centra numa relação entre Estados para uma relação de cidadania.
Gostava apenas de relembrar que o Professor Gomes Canotilho diz-nos que a cláusula de reciprocidade funciona como uma cláusula de pressão e de diferenciação. Uma cláusula de pressão, porque obriga os Estados estrangeiros a estabelecer um regime jurídico de igualdade de direitos entre os respectivos cidadãos e os portugueses, e uma cláusula de diferenciação para justificar a desigualdade de tratamento de cidadãos estrangeiros residentes, conforme a sua nacionalidade.
Com esta alteração, pretendemos aumentar os níveis de direitos de cidadania dos cidadãos estrangeiros a residir em Portugal e aprofundar, por consequência, a igualdade.
É esse o nosso principal objectivo com a nossa proposta.

O Sr. Presidente (Paulo Mota Pinto): — Estando apresentadas as propostas, passamos à sua discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado José de Matos Correia.

O Sr. José de Matos Correia (PSD): — Sr. Presidente, julgo que posso passar à apreciação de todas as propostas, visto que foram apresentadas conjuntamente.

O Sr. Presidente (Paulo Mota Pinto): — Exactamente, Sr. Deputado.

O Sr. José de Matos Correia (PSD): — Sr. Presidente, embora haja algumas considerações que são válidas para todas as propostas, vou seguir a listagem que foi feita.
No que diz respeito à proposta do Partido Comunista para o n.º 2 do artigo 15.º, de substituição da expressão actualmente utilizada «funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico» por «funções públicas que envolvam poderes de autoridade», julgo que é matéria sobre a qual devemos reflectir atentamente.
De facto, a expressão que actualmente consta da Constituição é de difícil densificação e de difícil concretização: saber o que é uma função que não tem carácter predominantemente técnico. A proposta do PCP utiliza um critério bastante mais objectivo, embora também não seja líquido classificar o que são «poderes de autoridade» e o que isso envolve. No entanto, se devemos procurar, tanto quanto possível, nestas matérias ao nível do texto constitucional, ser claros ou, pelo menos, caminhar no sentido da clareza, a proposta do PCP parece-nos que apresenta algumas vantagens sobre a actual terminologia utilizada e, por isso, deve merecer a nossa atenta reflexão.
Relativamente à questão da reciprocidade que vários partidos abordaram, a nossa leitura é distinta, embora também entendamos que a questão da reciprocidade que a nossa Constituição neste momento exige, nos n.os 3, 4 e 5 deste artigo 15.º, tem de ser tratada e lida de forma diferente.
Com efeito, parece-nos um pouco dispensável que a reciprocidade seja referida ao nível do n.º 5 do artigo 15.º, na medida em que exigir reciprocidade quando em causa estão direitos que decorrem directamente da aplicação das normas comunitárias, sabendo que as normas comunitárias estabelecem, por definição, a não discriminação, é um pouco tautológico, porque todos estes direitos decorrem dos tratados comunitários e são aplicáveis em todos os Países-membros. Portanto, dizer que a lei portuguesa pode «atribuir, em condições de reciprocidade, aos cidadãos dos Estados-membros da União Europeia» os direitos que decorrem dos tratados

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europeus e que, em função disso, se aplicam a todos os cidadãos de todos os Países-membros da União Europeia, parece-nos, manifestamente, tautológico e, por isso, equacionamos a sua retirada.
Quanto a retirar a referência a esta reciprocidade nas outras propostas, já não podemos aceitar, por razões que, em larga medida, foram citadas pela Sr.ª Deputada Celeste Correia e que aqui utilizo em sentido oposto.
Ainda há pouco, discutíamos a alteração ao artigo 14.º e a preocupação de defender os interesses dos portugueses emigrantes, dos portugueses que residem no estrangeiro. Ao tirar a reciprocidade, estamos a dizer que deixamos de nos preocupar com a defesa dos interesses dos portugueses residentes no estrangeiro.
Ou seja, que prescindimos do que é hoje um instrumento de pressão, como lhe chama, e bem, o Professor Gomes Canotilho, ou um instrumento de política externa, que é dizer aos Estados nos quais há comunidades portuguesas que estamos disponíveis a conceder direitos a cidadãos seus que residam em território nacional se os derem em condições idênticas aos cidadãos portugueses. Estamos, assim, a prescindir de um instrumento fundamental de defesa dos direitos dos nossos emigrantes e de um instrumento útil da nossa política externa.
Nessa perspectiva, manifestamente, parece-nos contraditório defender, por um lado, o reforço da participação e da defesa dos portugueses no estrangeiro e, ao mesmo tempo, retirar ao Estado instrumentos fundamentais para pressionar Estados estrangeiros no sentido de garantir que os direitos políticos lhes são reconhecidos.
Que fique claro que isto não tem nada que ver com a nossa ausência de preocupação com a integração dos estrangeiros residentes em Portugal e com a necessidade de lhes conferir, tanto quanto possível, direitos que não fiquem dependentes de terceiros. Contudo, aqui o problema não é esse. O problema é que estamos a abdicar da defesa dos direitos dos nossos cidadãos, sem nenhuma aparente necessidade, e a perder, como referi, um instrumento fundamental de pressão e de política externa sobre os outros países.
Portanto, nessa matéria, não podemos, manifestamente, aceitar a retirada do requisito da reciprocidade.
No que se refere à proposta do Bloco de Esquerda de fusão do n.º 2 e do n.º 3, também não a podemos acompanhar, porque não é por acaso que a nossa Constituição — e foi em momento relativamente recente — estabeleceu aqui uma discriminação positiva entre os cidadãos oriundos dos países de língua oficial portuguesa e os cidadãos oriundos de outros países, e não vemos razões para alterar essa situação. Justificase por todas as razões que os Srs. Deputados conhecem — por razões de afecto, por razões de história, por razões de partilha de um passado comum, etc. — que haja, de facto, um tratamento diferenciado para os cidadãos dos países de língua oficial portuguesa.
Esta pretensão do Bloco de Esquerda de permitir que todos os cidadãos residentes em Portugal, independentemente da sua nacionalidade, possam aceder ao exercício de direitos e deveres que a Constituição reserva aos cidadãos portugueses, com a excepção dos que estão no actual artigo 15.º, não nos parece, manifestamente, aceitável. Cito, novamente, o Professor Gomes Canotilho, que faz desta matéria uma análise muito interessante, utilizando uma teoria de círculos concêntricos em que, quanto mais distante se está do centro, menos direitos se tem do ponto de vista dos direitos políticos. Parece-me que essa análise não só ilustra bem o que hoje em dia a Constituição estabelece, como tem justificação, porque não podemos tratar de forma igual situações que são objectivamente distintas e, nessa medida, parece-nos que a proposta do Bloco de Esquerda não é aceitável.
Ainda relativamente à proposta do Bloco de Esquerda, acompanho o raciocínio da Sr.ª Deputada Celeste Correia. Não nos parece, pelo menos neste momento, que estejam criadas condições para, de um momento para o outro, passarmos a permitir que os cidadãos estrangeiros residentes em Portugal participem não apenas nas eleições para os titulares de órgãos das autarquias locais e para o Parlamento Europeu, mas directamente noutro tipo de eleições. Aliás, não é por acaso que, na generalidade dos países, como o Sr. Deputado José Manuel Pureza bem sabe, isto não acontece, ou seja, é porque o nível de participação política que tem que ver com o exercício da soberania está muito mais ligado às questões relacionadas com as eleições para a Assembleia da República do que com as eleições para as autarquias locais, onde, aí sim, se coloca um problema de integração e de participação na comunidade local em que se está integrado completamente diferente das questões relacionadas com a Assembleia da República.
No que se refere à proposta do Partido Socialista, já disse o que tinha a dizer: somos contra o abandono da reciprocidade. O Partido Socialista sugere ainda, no n.º 3 do artigo 15.º, que se adite a expressão «ou de convenção internacional»,»

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O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Por substituição.

O Sr. José de Matos Correia (PSD): — » embora, como diz, e bem, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, julgamos que por substituição com a «de reciprocidade».
Entendendo que a expressão «de reciprocidade» deve ficar, consideramos, no entanto, que deve ser ponderada a hipótese de aditar esta referência à «convenção internacional». Na verdade, se a nossa Constituição estabelece no artigo 4.º que a nacionalidade portuguesa é definida por «lei ou por convenção internacional», consideramos que, por um argumento de maioria de razão, tem todo o sentido que se contemple a hipótese de a concessão de direitos a cidadãos estrangeiros ser feita não apenas por lei, por acto unilateral do Estado português, ainda que com respeito pela reciprocidade, mas também por convenção internacional, onde, seguramente, a reciprocidade será, de imediato, assegurada.
Em todo o caso e porque não é só por convenção, é também por acto unilateral, por lei, julgamos que vale a pena equacionar este aditamento, sem pôr em causa, insisto, a referência à exigência da reciprocidade.

O Sr. Presidente (Paulo Mota Pinto): — Tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas.

O Sr. Vitalino Canas (PS): — Sr. Presidente, vou referir três questões, seguindo a ordem das propostas.
Em primeiro lugar, o PCP propõe a substituição da expressão «funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico» por «funções públicas que envolvam poderes de autoridade». Compreendo e concordo que a expressão actual exige algum esforço de interpretação que nem sempre é fácil, não apenas por causa da segunda parte, isto é, da referência «predominantemente técnico», que o PCP propõe que seja alterada, mas também pela noção de «funções públicas», que está a sofrer evoluções e até, eventualmente, a ser substituída por outras. A expressão «funções públicas», portanto, é também uma expressão que pode merecer algumas dúvidas em termos de interpretação.
O PCP, em todo o caso, pretende apenas resolver a segunda parte do problema, isto é, aquele que se prende com a utilização da expressão «predominantemente técnico», substituindo-a por «que envolvam poderes de autoridade».
Não tenho também a certeza de que esta expressão «que envolvam poderes de autoridade» seja melhor e mais clara do que a que já está vazada na Constituição há algum tempo. Por exemplo, existem empresas concessionárias, que na maior parte dos casos são empresas privadas, a quem são conferidos poderes de autoridade. Pergunto: será que esta fórmula que o PCP apresenta obsta a que um presidente de um conselho de administração de uma dessas empresas possa ser estrangeiro? Teríamos de ponderar esse aspecto, porque nesses casos os conselhos de administração podem exercer poderes de autoridade e desta forma ficaria inviabilizado que alguém que fosse estrangeiro pudesse exercer funções num conselho de administração de uma empresa que, estando-lhe feita uma concessão, também exerce, em certo sentido, funções públicas.
Por outro lado, há questões que se podem suscitar em relação às propostas do Bloco de Esquerda.
Constato que o Bloco de Esquerda alarga bastante a eliminação da impossibilidade de exercício de determinadas funções, mas também elimina a diferenciação que hoje a Constituição portuguesa traça entre cidadãos estrangeiros oriundos de países de língua oficial portuguesa e cidadãos estrangeiros oriundos de outros países.
Sinceramente, há muito poucas ocasiões de diferenciar e penso que se deve continuar a fazer essa diferenciação. Ou seja, devemos continuar a tratar os cidadãos oriundos de países de língua oficial portuguesa de uma forma diferente — pode ser ligeiramente diferente, mais ainda diferente — dos demais cidadãos estrangeiros. Portanto, neste aspecto, a proposta do Bloco de Esquerda pode ser censurada.
Em terceiro lugar, o PSD suscitou aqui a questão da reciprocidade, isto é, se a devemos ou não retirar. O argumento principal, se bem percebi, é o de que deixamos de ter um instrumento de pressão sobre os outros Estados e sobre os governos dos outros Estados no sentido de eles conferirem a cidadãos portugueses que aí se encontrem um tratamento semelhante ao que nós aqui conferimos a cidadãos desses países.
Penso que a questão do elemento de pressão é, apesar de tudo, rebatível. Ele não existe nos casos em que os outros Estados sejam, por exemplo, Estados onde não existam eleições democráticas e livres, porque

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um governo que não confere a todos os seus cidadãos o direito de votar democrática e livremente não estará minimamente preocupado em que esses cidadãos em Portugal tenham esse direito. Portanto, é um argumento que, nesse caso, não faz sentido.
Por outro lado, também não tenho a certeza de que mesmo nas democracias plenas esse seja um argumento ponderoso, ou seja, não tenho a certeza de que um poder legislativo de um Estado onde há eleições livres e democráticas se vá apressar a conferir a cidadãos portugueses que aí vivam o direito de voto para conseguir que os seus cidadãos em Portugal tenham também o mesmo direito de voto.
Portanto, a questão do elemento de pressão não me parece que seja um argumento ponderoso: por um lado, repito, é um argumento que não tem qualquer valor no caso dos países que não sejam democracias»

O Sr. Jorge Bacelar Gouveia (PSD): — Também são poucos!

O Sr. Vitalino Canas (PS): — São poucos, diz o Sr. Deputado Jorge Bacelar Gouveia, mas poderíamos encontrar, certamente, alguns exemplos de países grandes, com comunidades imigrantes importantes em Portugal, onde não existe ainda democracia. Não vale a pena estar aqui a citá-los pelos nomes, certamente, porque todos nos recordaremos de alguns.
Em relação aos outros países, também não creio que haja algum governo que se vá apressar a mudar a respectiva lei eleitoral para conseguir que os respectivos cidadãos em Portugal tenham também o direito de voto.
Portanto, insistimos na ideia de que é melhor ser Portugal a decidir quem é que vota e quem é que deixa de votar, em vez de deixarmos essa decisão na mão dos outros Estados.

O Sr. Presidente (Paulo Mota Pinto): — Tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Lobo d’Ávila.

O Sr. Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP): — Sr. Presidente, as propostas apresentadas para este artigo 15.º versam sobre diferentes matérias e vou começar por fazer duas considerações relativamente ao n.º 2 e ao n.º 5 da proposta do Partido Comunista Português.
De facto, quanto ao n.º 2, percebo e concordo com a retirada da expressão «carácter predominantemente técnico». Trata-se de um conceito que, se não é indeterminado, anda bem perto ou, pelo menos, é de difícil densificação. Julgo, no entanto, que este esforço de retirada de conceitos indeterminados deveria ser alargado e abranger toda a Constituição.
Por outro lado, tenho também dúvidas de que a expressão que a substituiu não cause também algumas perturbações no que diz respeito à sua interpretação.
Relativamente ao n.º 5, goste-se ou não, trata-se de uma matéria que cai no âmbito da política europeia e, nessa lógica, percebo a retirada da expressão «em condições de reciprocidade», até porque, de facto, pouco efeito útil produz.
Quanto à proposta do Partido Socialista, tomamos devida nota que tem o cuidado de remeter para a lei em vários dos números que propõe, mas entendemos que este artigo, como tese geral, tem funcionado e, em função dos argumentos que foram apresentados, não parece justificar-se grande alteração.
Aliás, neste âmbito, julgo que Portugal não tem qualquer motivo para se envergonhar da lei que tem e do artigo que tem relativamente à participação de estrangeiros em Portugal. Por isso mesmo, não há, nesta matéria, qualquer clamor público que faça grande pressão na alteração deste artigo, o que, julgo, por algum motivo será.
Sem prejuízo disto, Sr. Presidente, quero apenas dizer que ouvimos todas as intervenções e tomámos devida nota dos diversos argumentos que foram produzidos, pelo que não deixaremos de analisar com cuidado estas propostas e de as apreciar no devido momento.

O Sr. Presidente (Paulo Mota Pinto): — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, quero apenas fazer um breve comentário e pedir um esclarecimento.

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O breve comentário que pretendo fazer é à intervenção do Sr. Deputado Vitalino Canas, para dizer duas coisas.
Em primeiro lugar, o argumento utilizado pelo PSD não é o de que perderíamos um instrumento de pressão, é o de que desprotegeríamos a defesa dos interesses das comunidades portuguesas no estrangeiro.
Ou seja, não se trata do problema de ser um instrumento de pressão, mas de desprotecção das comunidades portuguesas no estrangeiro.
Em segundo lugar, registo, com agrado — mas isto, às tantas, tem o seu quê de exagero — , a evolução quase «cibernauta» do Partido Socialista nesta matéria. Como o Sr. Deputado Vitalino Canas sabe, na grande revisão de 1997, o Partido Socialista obstaculizou — e foi o único, porque foi votado, favoravelmente, pelo PSD, pelo CDS, pelo PCP e por Os Verdes, não tendo o Bloco de Esquerda, na altura, representação parlamentar — uma alteração a este n.º 3 do artigo 15.º, que só veio a ser consagrada na revisão de 2001.
Pretendia-se, já na altura, colocar o que actualmente está na Constituição, ou seja, alargar aos cidadãos de língua portuguesa o mesmo regime que existia, por exemplo, no Brasil. De resto, a proposta foi retirada da Constituição da República Federativa do Brasil, que tinha sido aprovada, há pouco tempo, no Brasil. O Partido Socialista, em 1997, inviabilizou essa alteração, só a veio a aceitar na revisão de 2001 e agora quer esquecer a protecção das comunidades portuguesas no estrangeiro. É, de facto, uma evolução espantosa»! Se, do ponto de vista teórico e conceptual, não tenho nada a apontar ao que o Sr. Deputado Vitalino Canas referiu, ou seja, subscrevo o que disse do ponto de vista teórico, em termos práticos, tendo Portugal as comunidades no estrangeiro que tem, com a dimensão que têm e prezando muito essa sua vertente, adoptar uma norma deste tipo — que não é reclamada por ninguém e que, objectivamente, desprotege os interesses das comunidades portuguesas no estrangeiro — parece-nos, de facto, um pouco avant-garde, para não dizer outra coisa.
Quero ainda fazer um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado António Filipe, que, presumo, está inscrito para usar da palavra novamente, senão peço que o faça.
Gostaria de lhe pedir para densificar melhor, porque há pouco não consegui entender, os contornos que coloca a substituição, no n.º 2, da expressão «carácter predominantemente técnico» por «poderes de autoridade».
Mais concretamente, peço-lhe que me esclareça do seguinte: o texto actual deixa claro — e tem sido feita essa densificação na aplicação desta norma constitucional — que não há qualquer problema que os estrangeiros residentes em Portugal possam ser técnicos superiores dos serviços da Administração, porque são funções de «carácter predominantemente técnico», mas já não podem exercer funções que tenham, por exemplo, poderes de direcção, isto é, não podem ser dirigentes. Ou seja, para dar um exemplo concreto, podem ser técnicos superiores de qualquer serviço, de qualquer direcção-geral ou de qualquer ministério, mas não podem ser directores-gerais da justiça, directores-gerais dos impostos, etc.
A minha dúvida é se o PCP, quando propõe «poderes de autoridade», está a referir-se a poderes de autoridade em termos de linguagem comum — ou seja, os poderes de direcção também são poderes de autoridade no sentido de que se dirige um serviço — ou está apenas a referir-se a poderes de polícia, a poderes de autoridade no seu conceito jurídico mais estrito que tem que ver com o exercício de poderes de autoridade em nome do Estado.
Peço-lhe, Sr. Deputado, que esclareça esta diferença de conceito, porque alterará muito o que tem sido a leitura e a densificação actual do texto constitucional. Para nós, era importante perceber os contornos e o alcance exacto da proposta do PCP para ajudar na reflexão que, como foi dito pelo Dr. José de Matos Correia, o PSD está aberto a fazer, por uma certa vacuidade da terminologia actualmente utilizada na Constituição.

O Sr. Presidente (Paulo Mota Pinto): — Estão ainda inscritos os Srs. Deputados Jorge Bacelar Gouveia, José Manuel Pureza e António Filipe.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Bacelar Gouveia.

O Sr. Jorge Bacelar Gouveia (PSD): — Sr. Presidente, quero apenas fazer um pedido de esclarecimento em relação à nova proposta para o n.º 5 do artigo 15.º.

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Já foi aqui referido o problema relacionado com a reciprocidade e concordo, evidentemente, com a ideia de que não faz sentido impor esta cláusula no âmbito de um espaço uniformizado do ponto de vista das regras aplicáveis ao direito de voto e ao direito de ser eleito no âmbito na União Europeia.
No entanto, olhando para o n.º 5 do artigo 15.º tal como está na Constituição, creio que as perplexidades podem ainda ser de outra índole e, portanto, faço este pedido de reflexão aos respectivos proponentes.
Ao ler-se o n.º 5 do artigo 15.º pode gerar-se o equívoco de pensar que o legislador ordinário português tem um qualquer poder discricionário — seguindo a proposta, já não em condições de reciprocidade — de conferir aos cidadãos de outros Estados-membros da União Europeia esse direito de votar e de ser eleito para o Parlamento Europeu. E, na verdade, esse poder discricionário não existe, porque não só a Constituição, através da cláusula europeia, constitucionalizou as regras do direito da União Europeia e, nesse caso, as regras sobre o direito de voto e o direito de ser eleito, como, nesta matéria, as normas de direito da União Europeia são superiores às normas do legislador ordinário. Portanto, o legislador ordinário não tem aqui qualquer faculdade ou poder discricionário de conferir ou não esse direito de voto ou esse direito de ser eleito.
Está, pelo contrário, vinculado a atribuir esse direito de acordo com as regras do direito da União Europeia, que, em certo sentido, até podem ser supraconstitucionais.
Portanto, a minha pergunta é no sentido de fazer reflectir esta proposta também em relação ao tipo de verbo que é utilizado, que é o verbo «poder», em vez de um verbo que implique uma vinculação.
É evidente que compreendo o n.º 5 no seu contexto histórico. Não é um número inicial da versão primitiva da Constituição, mas surge numa altura posterior, quando Portugal passou a fazer parte da União Europeia.
No entanto, se pretendermos actualizar as coisas, devemos fazer essa actualização em termos globais e não apenas em termos parciais.

O Sr. Presidente (Paulo Mota Pinto): — Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Pureza.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr. Presidente, o evoluir do debate à volta destas propostas permite perceber ao que elas estão razoavelmente destinadas. Ainda assim, não deixo de tentar esclarecer algumas questões que foram suscitadas pelas intervenções dos Srs. Deputados a propósito das propostas do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.
Parece-me óbvio que o espírito do artigo 15.º é, acima de tudo, prospectivo e preventivo, no sentido de que se trata de uma norma que procura não tanto ter um olhar retrospectivo de reconhecimento, mas muito mais um olhar prospectivo de prevenção de tensões na sociedade portuguesa. E é, justamente, nesse sentido que o reconhecimento de direitos de participação e de direitos de representação é feito.
No entanto, creio que a dúvida que aqui se suscita é a de saber se deveremos manter ou não a diferenciação que o actual artigo 15.º faz entre cidadãos estrangeiros nacionais de países de língua oficial portuguesa e restantes cidadãos estrangeiros. O Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda apresenta esta proposta para o artigo 15.º justamente porque entende que se trata não de uma questão de afecto ou de memória histórica, mas, muito para além desses laços históricos e afectivos, de reconhecer níveis de integração e de participação e, até, dimensões de comunidades estrangeiras residentes em Portugal na perspectiva do reconhecimento de direitos de participação, ou seja, de direitos civis e políticos.
Creio que, olhando com rigor e com frieza para a realidade à nossa volta, podemos perfeitamente reconhecer que há inúmeras comunidades estrangeiras no nosso País cujo nível de integração e de participação é pelo menos igual ao de muitas outras comunidades oriundas de países de língua oficial portuguesa na actualidade portuguesa.
Nesse sentido, seguimos um critério mais aberto, que, aliás, não é exclusivo da nossa parte. Estou a lembrar-me, por exemplo, da reflexão publicada pelo Dr. Feliciano Barreiras Duarte a este respeito e que vai, significativamente, ao encontro das nossas propostas, agora apresentadas.
Por isso mesmo, a teoria dos anéis concêntricos de que se falava aqui não é rígida, ou seja, os anéis concêntricos têm o número que têm e hoje são, eventualmente, quatro ou cinco anéis e nada nos impede de «derrubar» o terceiro anel, para utilizar uma imagem próxima do mundo desportivo. Portanto, creio que é justamente essa a questão que se coloca neste artigo.
Uma última nota para dizer o seguinte: creio que andaríamos bem se fossemos no sentido de reconhecer que o envolvimento da sociedade portuguesa, através do cumprimento dos deveres cívicos essenciais e da

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participação em mecanismos, que são, aliás, de escala diversa» Devo dizer que a observação de que a integração é muito mais local do que nacional parece-me ser tão construída como outra visão qualquer das coisas. Mas, como estava a dizer, andaríamos bem se reconhecêssemos direitos a comunidades que cumprem os seus deveres cívicos essenciais, que participam na vida activa, política e cívica, em Portugal.
Com isso, estaríamos a alterar o actual numerus clausus da democracia em Portugal, a trazer mais participação e, por esse meio, a prevenir eventuais tensões que se possam gerar no futuro.
É esta a proposta que deixo para deliberação, proposta que não é de agora e que já apresentámos em revisões constitucionais anteriores.

O Sr. Presidente (Paulo Mota Pinto): — Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, irei procurar responder a uma questão que foi suscitada pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes e aproveitarei, também, para pronunciar-me sobre as outras propostas e as questões fundamentais que estão em discussão.
Em primeiro lugar, registo a abertura de todos os grupos parlamentares para poder equacionar a substituição da expressão relativa ao «exercício de funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico». Creio que todos reconhecerão a dificuldade de dar um conteúdo rigoroso, preciso a esta expressão, por isso o que propomos é uma tentativa de tornar esta expressão mais precisa ou mais rigorosa, obviamente com toda a abertura para discutir se esta será a melhor solução ou se, porventura, haverá outra.
Recordo que esta formulação que está em vigor não impediu, por exemplo, que, há uns anos, tenha sido contratado um cidadão brasileiro para presidir à administração da empresa pública TAP. E essa contratação, ao não ter sido questionada, significa que se terá entendido que a função de presidente do conselho de administração da TAP tinha «carácter predominantemente técnico»!? É duvidoso. Tal como considero que seria duvidoso considerar que se tratava do exercício de «poderes de autoridade».
Ou seja, não é nessa acepção de autoridade hierárquica sobre um serviço que propomos esta expressão, porque haverá instituições públicas nas quais podemos considerar que o exercício de poderes de direcção, ou mesmo que não sejam poderes de direcção, representam um exercício de poderes de autoridade, noutros casos não tanto. E, no exemplo que dei, não me parece que ser presidente do conselho de administração da TAP envolva o exercício de poderes de autoridade, embora a questão possa ser discutível.
O uso desta expressão «poderes de autoridade» vai um pouco no sentido em que, tantas vezes, ouvimos os Deputados do PSD falar na autoridade do Estado. Lembro-me que, há uns anos, também quando estavam na oposição, criticavam muito o governo da altura, acusando-o de não exercer a autoridade do Estado. A nossa expressão vai um pouco nesse sentido que os senhores usavam. Ou seja, no fundo, estamos a pensar em funções públicas, inequivocamente — excluindo aqui qualquer tipo de função privada — , que envolvam, em representação do Estado, o exercício de poderes que sejam vinculativos para terceiros ou envolvam algum tipo de poder coercivo.
Quer dizer, não temos qualquer dúvida em considerar, designadamente, o exercício de funções policiais como envolvendo poderes de autoridade — o exercício das funções políticas já está, à partida, noutro patamar, portanto nem as colocamos aqui. O sentido geral é esse, uma actuação que, em representação do Estado, envolva algum poder de coerção sobre a generalidade dos cidadãos.
Portanto, falamos aqui de autoridade relativamente a terceiros e não tanto no sentido hierárquico de exercer funções de tutela relativamente a outros funcionários públicos, embora, obviamente, essa questão venha a suscitar-se nalgumas entidades públicas.
De facto, não estamos a imaginar um cidadão estrangeiro poder ser director nacional da Polícia Judiciária, ou comandante da GNR — por maioria de razão, porque é um militar — , ou mesmo director nacional da PSP.
Mas, por exemplo, que ele seja funcionário civil da PSP já não nos faz qualquer confusão, porque não tem os mesmos poderes de autoridade que são próprios das autoridades policiais; já ser agente da PSP parece-nos que envolve o exercício de poderes de autoridade.
Creio que esta é uma alteração que vale a pena discutir. Porventura, não será tão difícil de densificar como aquela que está em vigor neste momento.

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Relativamente à proposta do Partido Socialista, sobre a qual não me pronunciei há pouco, de inserir no n.º 3 a expressão «convenção internacional», propondo que passe a constar: «Aos cidadãos dos Estados de língua portuguesa com residência permanente em Portugal são reconhecidos, nos termos da lei ou de convenção internacional, direitos não conferidos a estrangeiros», em vez de «nos termos da lei e em condições de reciprocidade», não defendemos que sejam eliminadas as «condições de reciprocidade», mas parece-nos que inserir aqui a «convenção internacional» não acrescentará muito, porque mesmo que o Estado português, por convenção internacional, reconheça estes direitos a outros cidadãos de um outro país de língua portuguesa, depois esses direitos políticos têm de ser transferidos para a lei eleitoral respectiva. Quer dizer, à partida, não me parece que a convenção internacional, só por si, tenha condições para ser directamente aplicável se a lei eleitoral não for alterada na parte relativa ao universo eleitoral. Creio que poderíamos criar aqui um problema.
Além de que penso que a expressão «nos termos da lei» seria suficiente, mas não há qualquer questão da nossa parte que nos leve a considerar que é errado. Se esta alteração é apenas uma forma de retirar a expressão «reciprocidade», consagrando-a por esta via, porque na convenção internacional, obviamente, o Estado português acautelará esse princípio, aceito, embora não faça grande questão nisso. À partida, pareceme que não adianta muito, mas não é por isso que haverá objecção da nossa parte.
Relativamente à questão mais geral da reciprocidade, gostaria de dizer o seguinte: actualmente, a Constituição consagra a reciprocidade a todos os níveis, até ao nível dos países de língua portuguesa.
Portanto, há aqui vários patamares de direitos conferidos a cidadãos, havendo uma discriminação positiva relativamente aos cidadãos originários de países de língua oficial portuguesa, que não nos parece mal que se possa manter, desde que isso não signifique — como não significa, do nosso ponto de vista — uma restrição excessiva aos direitos dos outros cidadãos. Ou seja, é importante que seja um «mais» para os cidadãos da CPLP e não seja entendido como um «menos» para os demais.
Acresce, depois, a exigência de condições de reciprocidade para todos os cidadãos e a todos os níveis.
Ora, nós não defendemos — e aí divergimos da proposta do Bloco de Esquerda — que o Estado português abdique, sem mais e a qualquer nível, do princípio da reciprocidade, porque parece-nos que ele faz sentido ao nível dos órgãos de soberania — já não fará tanto ao nível local.
Há pouco, o Sr. Deputado José de Matos Correia reconheceu que a questão coloca-se de uma forma diferente ao nível dos órgãos de soberania e ao nível local, mas, depois, não retirou daí consequência alguma.
Ou seja, diz que são situações diferentes, mas entende que o texto deve continuar igual, contrariando, aliás — permitam-me que o diga — , posições que o PSD tem vindo a exprimir ao longo dos últimos anos.
Ainda no tempo do governo PSD/CDS, participei em debates com membros do governo, designadamente com o secretário de Estado Feliciano Barreiras Duarte, em que ele, em nome do governo PSD/CDS, manifestou disponibilidade para, em futura revisão constitucional, prescindir do princípio da reciprocidade em eleições locais. Portanto, verifico que há, neste momento, uma inflexão do PSD num sentido conservador relativamente a este princípio constitucional.
De facto, consideramos que faz sentido que esse princípio seja retirado da Constituição no que se refere às eleições europeias e às eleições locais, mas já não no que se refere aos órgãos de soberania, até por uma razão: a nível local, a questão da falta de democracia» Aliás, creio que foi o Sr. Deputado Vitalino Canas que se referiu a Estados que não reconhecem direitos democráticos, nem aos seus cidadãos quanto mais aos cidadãos portugueses que lá residam! Mas creio que a realidade, ao nível dos órgãos de soberania, aconselha a que o princípio da reciprocidade se mantenha.
Nas eleições locais, o caso nem é esse. Há alguns países de língua oficial portuguesa que não têm uma organização de poder local semelhante à nossa e que, por isso, não têm eleições locais. Portanto, não há reciprocidade possível! É por essa razão que a lista de cidadãos que beneficiam da possibilidade de votar, hoje em dia, é diminuta: da CPLP, são só cabo-verdianos e brasileiros; os cidadãos angolanos, moçambicanos ainda não têm essa possibilidade e, do nosso ponto de vista, faria todo o sentido que tivessem.
A nossa divergência relativamente à proposta do Bloco de Esquerda, e com isto termino, Sr. Presidente, tem a ver com o facto de acharmos que faz sentido, em todo o caso, diferenciar.
No fundo, o que a proposta do Bloco de Esquerda faz — com aquela fusão dos n.os 2 e 3 — é considerar que o regime que vigora actualmente para os cidadãos da CPLP deve vigorar para todos os cidadãos, só que, depois, o n.º 3 acaba por funcionar um pouco como uma limitação a isso, ao exigir os quatro anos de

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permanência em Portugal e ao acrescentar, no período seguinte que, relativamente às autarquias locais, este prazo pode ainda ser reduzido.
Portanto, não nos parece que seja uma alteração feliz, mesmo do ponto de vista técnico — aqui, a questão técnica é o menos, porque o texto seria apurado. Mas, a questão de fundo é que, relativamente à capacidade eleitoral para os órgãos de soberania, Presidente da República e Assembleia da República, defendemos a manutenção do princípio da reciprocidade. É esta a diferença fundamental.

O Sr. Presidente (Paulo Mota Pinto): — Tem a palavra o Sr. Deputado Vitalino Canas.

O Sr. Vitalino Canas (PS): — Sr. Presidente, uso da palavra ainda sobre o tema das funções que envolvam «poderes de autoridade» versus funções com «carácter predominantemente técnico», para dizer o seguinte: esta intervenção do Sr. Deputado António Filipe fez-me reflectir e ficar até mais convencido de que esta é uma expressão que poderá trocar o relativamente incerto, mas, apesar de tudo, já estudado e analisado, pelo totalmente incerto.
Não tenho a certeza de que a fórmula que o PCP aqui apresenta, por exemplo, não inconstitucionaliza a possibilidade de o actual Presidente do Conselho de Administração da TAP continuar a sê-lo.

O Sr. António Filipe (PCP): — Já é português!

O Sr. Vitalino Canas (PS): — Então, não inconstitucionaliza nesse caso, inconstitucionalizaria enquanto continuasse a ser brasileiro, porque é uma função pública (de uma empresa pública) de carácter predominantemente técnico e, portanto, não há dúvida de que qualquer que seja a sua nacionalidade poderá ser exercido por um estrangeiro. Mas o Presidente do Conselho de Administração da TAP, que é uma empresa pública, tem alguns poderes de autoridade e, por essa via, poderíamos estar aqui a inconstitucionalizar — se ainda mantivesse apenas a nacionalidade brasileira — o exercício das suas funções.
Ainda mais flagrantemente possível é a situação de alguns agentes ou funcionários que exercem poderes de autoridade, designadamente poderes de polícia, como é o caso, por exemplo, de um delegado de saúde.
Um delegado de saúde tem poderes de autoridade, poder de polícia, mas exerce uma função predominantemente técnica. O delegado de saúde pode cuidar e praticar actos de polícia, que são actos administrativos e produzem efeitos jurídicos de autoridade; o delegado de saúde pode praticar, portanto, actos administrativos e exerce um poder de autoridade, tem uma função predominantemente técnica, Ou seja, actualmente não é impossível, nada obsta a que o delegado de saúde seja estrangeiro, mas ele não poderia ser estrangeiro, de acordo com a proposta do PCP.
Em suma, temos de ter em conta que poderemos estar a entrar em situações de alguma turbulência que talvez não sejam desejáveis.

O Sr. Presidente (Paulo Mota Pinto): — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, não tencionávamos intervir mais sobre este artigo, mas gostaria de responder, muito sucintamente, ao Sr. Deputado António Filipe, dizendo o seguinte: do ponto de vista do Bloco de Esquerda, ao alargarmos aos órgãos de soberania — não a todos, apenas à Assembleia da República — a capacidade de os estrangeiros residentes em Portugal poderem eleger e ser eleitos, a questão essencial tem a ver com a necessidade da coesão da vida cívica e social no nosso País, não tem a ver com uma análise acerca da soberania do Estado, que não creio que esteja aqui minimamente questionada.
Não podemos ter algumas centenas de milhares de estrangeiros em Portugal que não têm qualquer tipo de representação política. Este é que é e há-de ser o problema.
Por outro lado, quando se faz uma diferenciação dos cidadãos com origem em países de língua oficial portuguesa, isso não tem qualquer consequência na legislação ordinária. Além de que temos comunidades de outras nacionalidades no nosso País que têm muito mais pessoas residentes do que aquelas que são originárias de países de língua oficial portuguesa. Portanto, terá de haver um reequilíbrio acerca dessas determinações.

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Também colocamos a necessidade de quatro anos para poder eleger ou ser eleito para a Assembleia da República, que é o tempo de uma legislatura, é o tempo de uma escolha, de uma vivência — não se trata de chegar num dia e no outro dia poder ter já capacidade eleitoral. Se o fizéssemos dessa forma, creio que seríamos justamente criticados por irresponsabilidade ou por leviandade, do ponto de vista do exercício dos direitos políticos. Esta é, portanto, a explicação para essa necessidade.
Para as autarquias locais, já há acordos entre Estados que prevejam um tempo que residência menor e, portanto, nada obsta a que seja dessa forma que possa ser concretizado.
Creio, contudo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que não vai haver qualquer evolução neste «travão», que é o da reciprocidade, visto não haver aqui, visivelmente, uma maioria para rever esse dispositivo, em nome de uma folha de parra, que é a protecção da comunidade portuguesa no estrangeiro, que precisa de outras coisas que não exactamente desta reciprocidade, que não lhe serve para nada nos países onde se encontra e que aqui, sim, prejudica fortemente os poderes públicos.

O Sr. Presidente (Paulo Mota Pinto): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Celeste Correia.

A Sr.ª Celeste Correia (PS): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, ainda relativamente à cláusula da reciprocidade, também queremos registar as contradições do PSD nesta área, porque, como disse o Sr. Deputado António Filipe, o antigo Deputado Feliciano Barreiras Duarte e ex-governante para esta área defendeu sempre, em nome do PSD e junto das comunidades imigrantes, a eliminação do princípio da reciprocidade nas autarquias locais. Aliás, não só defendeu como comprometeu-se, em nome do PSD, na eliminação da cláusula da reciprocidade.
Relembro até os dois principais argumentos com que ele sempre avançou: o primeiro era o de que a reciprocidade tinha nascido para defender os emigrantes portugueses, mas que, a prazo, a cláusula tinha-se revelado inútil; o segundo era o de que Portugal não podia ficar sujeito à discricionariedade política de outros Estados para efectivar o exercício aqui de direitos democráticos.
Apenas queria registar, Sr. Presidente, que estamos de acordo com estes argumentos do antigo Deputado Feliciano Barreiras Duarte.

O Sr. Presidente (Paulo Mota Pinto): — Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, em relação a esta questão, creio que a discussão está feita e as divergências estão claras, mas queria fazer um brevíssimo comentário à observação do Sr. Deputado Vitalino Canas.
Se o Sr. Deputado diz que, se a Constituição se referisse aos poderes de autoridade, isso poderia inconstitucionalizar o facto de o Presidente do Conselho de Administração da TAP ser um cidadão estrangeiro, penso que funções com «carácter predominantemente técnico» mais facilmente inconstitucionalizaria, porque, manifestamente, definir quais são as prioridades para a transportadora aérea nacional, que linhas deve ter e tudo mais, «predominantemente técnico» é que não será, seguramente! Portanto, houve aqui uma interpretação que foi sendo feita no sentido de suavizar o rigor que esta expressão poderia ter se fosse interpretada restritivamente.
Admito que o argumento é válido para um lado, mas também é válido para o outro.

O Sr. Presidente (Paulo Mota Pinto): — A mesa não regista mais inscrições, pelo que dou por concluída a discussão deste artigo 15.º.
Antes de prosseguir com os trabalhos, pedia que houvesse de novo a substituição da presidência, ou o regresso do Sr. Presidente António Filipe.

Neste momento, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, António Filipe.

O Sr. Presidente: — Agradeço ao Sr. Vice-Presidente Paulo Mota Pinto ter tido a amabilidade de dirigir os trabalhos.

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Srs. Deputados, vamos prosseguir com o artigo 20.º (Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva), para o qual existem propostas de alteração contidas nos projectos de revisão constitucional n.os 2/XI (2.ª) (PCP) e 4/XI (2.ª) (BE). A proposta do PCP altera os n.os 1, 2 e 9 e a proposta do BE o n.º 3.
Para fazer a apresentação das propostas do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As propostas que o PCP apresenta para este artigo 20.º foram já anteriormente apresentadas noutros processos de revisão constitucional e dizem respeito, fundamentalmente, a alguns constrangimentos que julgamos que são de suficiente importância para encontrarem resposta no texto constitucional.
A primeira consiste em alterar o n.º 1 do artigo 20.º, no sentido de incluir a onerosidade da justiça como um conceito a ter em conta na proibição de denegação da justiça, garantindo que não pode ser negado o acesso à justiça a qualquer cidadão, não só por esse cidadão se encontrar numa situação de insuficiência económica como também por força de a onerosidade da justiça ser uma limitação no acesso ao direito e aos tribunais. É uma proposta que diz respeito a uma realidade muito concreta com que, infelizmente, hoje se confrontam os cidadãos portugueses e que resulta das alterações operadas não só às regras do apoio judiciário, em particular das alterações introduzidas ainda na vigência do anterior governo PSD/CDS, como por via do aumento crescente dos encargos com a justiça que se vai verificando, inclusivamente por força da revisão das custas processuais.
Confrontamo-nos hoje com uma situação, que é a de termos cidadãos que se vêem impedidos de recorrer aos tribunais para exercerem os seus direitos: uns, porque se encontram numa situação de insuficiência económica que não é devidamente acautelada pela lei — mas essa é uma matéria de regulação pela lei ordinária e, obviamente, não é em sede constitucional que tem resposta — , outros que, não se encontrando numa situação de insuficiência económica, acabam por estar impedidos de aceder aos tribunais porque, de facto, os encargos que são obrigados a suportar com o custo desse recurso aos tribunais são incompatíveis com a sua situação económica, que, apesar de não ser de insuficiência económica, é de insuficiência para suportar esses encargos que são colocados, entre muitos outros instrumentos, também por via do Regulamento das custas processuais.
Esta é a justificação da proposta que apresentamos para o n.º 1 do artigo 20.º.
Relativamente ao n.º 2, o Grupo Parlamentar do PCP tem apresentado esta proposta em anteriores revisões constitucionais, prevendo a consagração de uma «acção constitucional de defesa contra actos ou omissões dos poderes públicos que lesem directamente direitos, liberdades e garantias». Esta acção configura, em abstracto, uma figura de recurso de amparo ao Tribunal Constitucional, como uma reacção a que os cidadãos devem ter possibilidade de aceder contra actos ou omissões de poderes públicos que ponham em causa direitos, liberdades e garantias, com a consideração particularmente relevante que estes merecem no quadro constitucional.
Portanto, o que se pretende é encontrar uma via de reacção directa contra a lesão desses direitos, liberdades e garantias.
Por último, a alteração que propomos para o n.º 6 traduz-se, no fundo, numa nova redacção para o actual n.º 5. Esta é, também, uma proposta recuperada de outras apresentadas pelo PCP em anteriores revisões constitucionais, que procura não limitar apenas aos direitos, liberdades e garantias pessoais a possibilidade de a lei assegurar aos cidadãos procedimentos judiciais céleres e prioritários de modo a garantir a tutela efectiva, em tempo útil, contra ameaças ou violações desses mesmos direitos mas alargar esta garantia a todos os direitos, liberdades e garantias, que não só os de natureza pessoal, que deve ser assegurada pela lei ordinária.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda, para fazer a apresentação da proposta do Bloco de Esquerda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta iniciativa do Bloco de Esquerda, que altera o n.º 3 do artigo 20.º, consiste em criar em Portugal uma nova entidade pública. A proposta que aqui apresentamos tem conexão com uma outra, a que adita um novo artigo 221.º-A, sobre as funções e o estatuto do defensor público.

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Entendemos que a ninguém pode ser negado, em processo penal, um patrocínio judiciário eficaz; não cremos que o que tem vindo a ser contratualizado entre o Estado e a Ordem dos Advogados, apesar das recentes melhorias, seja suficientemente consistente para garantirmos que ninguém deixa de ter uma defesa adequada e eficaz em processo penal. Estamos a tratar de penas privativas de liberdade, de situações muito difíceis para cidadãos e todos nós vamos sabendo, aqui e além — do senso comum e da experiência social —
, que há pessoas que acabaram por ser condenadas a penas privativas de liberdade na ausência de uma defesa adequada.
Portanto, contra este tipo de proposta costuma opor-se os custos de uma entidade pública. Mas ela pode ser mais modesta e, de facto, restringimos esta garantia apenas à defesa em processo penal. Não creio que haja uma sentença eterna de não criar entidades públicas — temos muitas entidades públicas que, realmente, deviam extinguir-se mas esta, provavelmente, seria uma daquelas que deveria ser criada.
Normalmente, também é invocado o desemprego de advogados e outras difíceis realidades que andam à volta da profissão de advogado. Não creio que a circunstância e os direitos de um cidadão devam ser aí postos em contraste com aspectos que têm a ver com o preenchimento de uma actividade profissional.
Existem institutos deste género noutros países — no Brasil, por exemplo, onde é assinalado que funciona com bastante eficácia — e nós queremos que, com esta medida, a República Portuguesa dê um passo em frente no sentido de diminuir as condições económicas no acesso à justiça em determinadas situações-limite.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Lobo d’Ávila.

O Sr. Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, queria começar por dizer que este é um dos artigos mais importantes no actual contexto não só económico como do estado da justiça em Portugal. Por isso mesmo, julgo que é preciso ter todas as cautelas nas alterações que se pretendem introduzir.
Queria tecer algumas considerações, começando pela proposta do Partido Comunista Português, uma vez que há uma pequena alteração no n.º 1 que não foi referida. Aliás, a propósito desta alteração «não podendo o acesso à justiça ser condicionado ou denegado pela sua onerosidade ou por insuficiência dos meios económicos», é curioso que o Sr. Deputado João Oliveira, na apresentação que fez, tenha falado sempre no condicionamento ou na denegação da justiça e não no condicionamento ou na denegação do «acesso à justiça», que é o que consta da proposta que apresentam.
Ora, julgo que o texto actual do n.º 1 «não podendo a justiça» é mais abrangente do que a expressão «não podendo o acesso à justiça». E parece-me que esse condicionamento ou essa denegação pela insuficiência dos meios económicos diz respeito não apenas ao acesso à justiça mas a todo o processo na justiça.
Por outro lado, se em relação a outros artigos da Constituição, designadamente o anterior, se nota que o Partido Comunista Português pretende retirar alguns conceitos indeterminados, a verdade é que neste introduz alguns conceitos que julgo difíceis de densificar.
Por exemplo, o que é o condicionamento do «acesso à justiça»? E como é que se densifica o que é a «onerosidade» da justiça? É em termos de custas judiciais? Como bem referiu o Sr. Deputado João Oliveira, é evidente que as custas judiciais hoje são elevadas, mas como se quantifica este critério da onerosidade no acesso à justiça? Parece-me que esse é um critério difícil de quantificar, uma vez que depende sempre do que é a suficiência ou insuficiência dos meios económicos.
Portanto, diria que, neste aspecto específico, a actual redacção é mais feliz. Pelo menos, é essa a minha opinião.
Ainda quanto à proposta do PCP, mais concretamente a alteração do n.º 2, queria dizer que devemos falar do que se pretende objectivamente e que a questão do recurso de amparo tem de ser discutida com grande profundidade; por isso, não posso deixar de criticar a técnica legislativa que é introduzida com a expressão «Há acção constitucional de defesa». Desde logo, confesso que me faz alguma confusão o próprio nome «acção constitucional de defesa» e que uma nova fórmula processual seja introduzida nestes termos.
Por outro lado, calculo que esta «acção constitucional de defesa», a ser aceite por todos ou pela maioria constitucional necessária, tenha de ser objecto de regulamentação e, portanto, não sei se faltará aqui algo.

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Relativamente à proposta do Bloco de Esquerda, registo o facto curioso de o Sr. Deputado Luís Fazenda, na intervenção que fez de apresentação, já ter procurado blindar alguns dos argumentos que sabe que serão usados quanto a esta questão.
De facto, no Direito Comparado há inúmeras experiências em matéria de projectos de defensoria pública — existe esse instituto no Brasil, como referiu. Mas queria dizer-lhe que é preciso analisar muito bem esta proposta na medida em que a questão do custo, sobretudo no actual contexto económico, em particular do próprio Ministério da Justiça, não deixa de ser preocupante.
O Sr. Deputado contrapõe que esta figura poderia ser introduzida numa lógica mais modesta, designadamente apenas no âmbito do processo penal e apenas para arguidos. Mas a verdade é que, hoje em dia, a questão do apoio judiciário, do patrocínio oficioso é extremamente relevante nas diferentes jurisdições.
Aliás, deixe-me dizer-lhe que, quando se fala de justiça nos debates políticos, muito em particular nesta Casa, há muito a tendência de olhar apenas para o processo penal — o CDS, nesse aspecto, também tem dado o seu contributo!

Risos do BE.

Srs. Deputados, penso que esta não é matéria que provoque risos. Pelo contrário, é uma matéria suficientemente importante.
Todos sabem que os principais constrangimentos no sistema de justiça não estão no processo penal, mas, sim, no âmbito da jurisdição civil, onde também há patrocínio oficioso, apoio judiciário e onde estão as principais verbas que o Instituto de Gestão Financeira do Ministério da Justiça tem para pagar e que não consegue pagar.
A verdade é que, com esta proposta, estão a consagrar sistemas diferentes de defesa e isso, Sr. Deputado Luís Fazenda, suscita-me enormes dúvidas, para não dizer mais.
Uma vez mais, utilizando o argumento que referi em relação à proposta do PCP, de criação de um conselho consultivo, parece-me que não é através da criação de estruturas sobre estruturas que conseguimos obter melhores resultados; pelo contrário, é agilizando procedimentos e fazendo com que o Estado cumpra as suas obrigações — como sabemos, as verbas do apoio judiciário estão consecutivamente em atraso. De facto, é difícil pedir seja a quem for que presta este serviço um melhor serviço quando o Estado paga mal e tarde.
São estes os contributos que queria dar, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, começando pela proposta do PCP, devo esclarecer que parte do que ia dizer já foi dito pelo Sr. Deputado Filipe Lobo d’Ávila. Portanto, não vou referir-me à questão do acrescento da palavra «acesso», que, seguramente, até pela apresentação que foi feita pelo Sr. Deputado João Oliveira, não teve qualquer intuito redutor da parte do PCP. De qualquer modo, não deixa de ser um lapso redutor, do meu ponto de vista.
Mas o objecto essencial da proposta do PCP é o acrescento da ideia da justiça condicionada pela sua «onerosidade». Ora, não posso concordar com o PCP, porque esta proposta radica numa lógica de a administração da justiça ser gratuita para os cidadãos, e não me parece que isso seja viável, pura e simplesmente.
É uma ideia generosa, mas perfeitamente utópica. O termo «onerosidade» vem de «oneroso» e, juridicamente, o contrário de oneroso é gratuito — ou é oneroso ou é gratuito! Portanto, se esse acesso não pode ser condicionado pela sua onerosidade é porque não pode ser pago e, então, se não pode ser pago, é gratuito.
O resultado a que levaria uma proposta desta natureza era o da gratuitidade da justiça, que é uma ideia profundamente generosa, mas completamente utópica. O que a nossa Constituição estatui, e bem, é que a nenhum cidadão pode ser denegada a justiça por insuficiência de meios económicos — e aí todos estamos de acordo. Ou seja, quem não pode pagar nem por isso vai deixar de ter justiça, cabendo ao Estado, através dos mecanismos legais, seja de patrocínio, seja de apoio judiciário, seja do que for, a obrigação de se substituir a essa insuficiência e permitir que a justiça seja administrada também àqueles que não têm meios económicos.

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Solução completamente diferente é estender isto a quem tem e a quem não tem — que é o que resulta objectivamente da proposta do PCP. Ou seja, quando se estatui que a justiça não pode ser condicionada pela sua «onerosidade», o que se está a significar é que a justiça não pode ser paga, tem de ser gratuita. E isto, sem mais, do meu ponto de vista, não é possível.
Peço que o PCP não tome isto como um insulto. Aliás, penso que essa é uma ideia profundamente generosa, sem dúvida, e, eventualmente, todos gostaríamos de uma sociedade ideal que pudesse funcionar assim. Objectivamente, não é possível, é profundamente utópico e irrealista.
O mesmo se diga, de certa forma, relativamente ao recurso de amparo — a proposta de alteração do n.º 2 — , que é uma questão recorrente nas revisões constitucionais e já foi longamente abordada. Quem se deu ao trabalho de analisar e estudar as actas de revisões constitucionais anteriores, desde o 25 de Abril, verificará que, amiúde, esta questão tem sido longamente debatida.
Do meu ponto de vista, a razão pela qual o recurso de amparo ainda não foi adoptado na Constituição, hoje em dia, mantém-se não apenas totalmente válida como, porventura, reforçada. O grande argumento é que o recurso de amparo, pura e simplesmente, paralisaria o Tribunal Constitucional.
Portanto, o que seria apresentado aos cidadãos como uma mais-valia na administração justiça redundaria, inevitavelmente, numa frustração dessa administração da justiça. No passado, já não tinha quaisquer dúvidas — falo pessoalmente, mas o PSD também tem revelado essa posição — e, hoje em dia, estão ainda mais reforçadas essas certezas de que acrescentar, de uma forma generosa mas ligeira, a consagração deste princípio na Constituição, que depois teria de ser concretizado na lei, iria entupir completamente o funcionamento do Tribunal Constitucional. Por essa razão, o PSD mantém a posição que tem tido relativamente a esta matéria.
Do ponto de vista teórico e doutrinário, esta é uma questão largamente debatida e é, sem dúvida, uma ideia válida e generosa, mas que se confronta com problemas de ordem prática inultrapassáveis, do nosso ponto de vista.
Antes de pronunciar-me sobre a proposta do PCP de alteração do n.º 6, diria que todas as propostas do PCP, para este artigo 20.º, estão enfermadas do mesmo problema.
Nesta proposta de alteração do n.º 6, ao retirar a caracterização «pessoais» dos direitos, liberdades e garantias para efeitos de celeridade e prioridade processual, o que o PCP faz, na prática, é acabar com a prioridade e a celeridade processual, porque a prioridade e a celeridade especial só existem quando têm, como contraponto, uma normalidade processual. Ora, é pressuposto dessa prioridade que ela só se aplica a certo tipo de situações, e não a todas, porque se se aplica a todas, então não há prioridade alguma! Portanto, que «raio» de prioridade e de celeridade é que haveria se todos os direitos, liberdades e garantias beneficiassem de procedimentos caracterizados pela celeridade e pela prioridade?! É o mesmo que dizer que não há celeridade nem prioridade, são todos tratados de igual maneira! Mais uma vez, penso que a ideia do PCP é generosa, mas os cidadãos sairiam profundamente frustrados com uma alteração deste tipo, porque deixava de haver, pura e simplesmente, qualquer tipo de prioridade.
Por último, relativamente à proposta do Bloco de Esquerda de acrescento da figura do defensor público, que também não é uma questão nova — não é matéria que não tenha sido já discutida em revisões constitucionais anteriores, porventura não propriamente com formulações concretas, como agora acontece — , para alçm do que foi dito pelo Sr. Deputado Filipe Lobo d’Ávila, em que me revejo, devo acrescentar que não entendo muito bem, a não ser por razões económicas, esta selecção que a proposta faz apenas para o processo penal, porque, de facto, o problema da administração da justiça é muito mais vasto e toca muito mais cidadãos relativamente a outro tipo de justiça que não a penal.
É certo, reconheço — aliás, reconhecemos todos — , que o actual sistema de patrocínio e de apoio judiciário funciona mal, mas tenho seriíssimas dúvidas de que a solução de criar um outro subsistema para o processo penal, através da figura do defensor público, eventualmente com a criação de um corpo especializado dentro da Administração para tratar deste subgrupo da justiça penal, viesse resolver o problema.
E não tenho quaisquer dúvidas de que iria criar uma distinção.
Poder-se-á dizer que é na justiça penal que estão os valores de direitos, liberdades e garantias mais fortes ou mais pesados para a cidadania, o que é verdade. Mas não é só do lado dos arguidos que estão esses valores, eles também estão do lado das vítimas, e eu tenho dúvidas de que o Estado deva fazer este esforço

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suplementar para com os arguidos em processo penal quando, hoje em dia, todo o modelo de patrocínio e de apoio judiciário aos cidadãos está a funcionar mal e a carecer de uma atenção especial da parte do Estado.
Portanto, o problema existe, é bem identificado por esta proposta, mas está mal resolvido, do meu ponto de vista, porque não acredito que esta seja uma solução adequada para esse problema, que é bem real.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Neto Brandão.

O Sr. Filipe Neto Brandão (PS): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, as intervenções que me antecederam quase tornam redundante a minha intervenção, por isso procurarei ser telegráfico.
Relativamente à proposta do PCP, partilho das objecções que já foram referidas e pedia ao Sr. Deputado João Oliveira que concretizasse ou especificasse a sua proposta neste sentido: uma vez que a redacção actual do n.º 1 do artigo 20.º já estatui que não pode a justiça ser «denegada por insuficiência de meios económicos», pergunto se o acréscimo do inciso «condicionado» tem, ou não — a meu ver, aparentemente tem! — , como consequência estar em causa a propositura da gratuitidade do acesso à justiça, na medida em que, a não ser assim, o actual texto constitucional já responderia a essa questão.
Quanto à questão da «acção constitucional de defesa», todos nós que vamos acompanhando a jurisprudência constitucional concordaríamos que a sua consagração se traduziria, inevitavelmente, na sobrecarga do Tribunal Constitucional, sobretudo atenta a redacção que é proposta, já que o PCP propõe, como redacção do n.º 2 do artigo 20.º, uma «acção constitucional de defesa contra quaisquer actos». Ou seja, não há aqui qualquer tipo de restrição que pudesse, de algum modo, remeter para a lei ordinária a possibilidade de introduzir os filtros que fossem tidos por adequados.
No que se refere à proposta do Bloco de Esquerda, devo dizer que a considero, ainda que generosa, irrazoável.
Ela padece, desde logo, de um vício formal, pois penso que há uma deficiente inserção sistémica, na medida em que é o próprio Bloco de Esquerda que refere que não estamos a falar do acesso ao direito, mas, sim, de um acesso qualificado — o acesso à justiça criminal, ao processo criminal. Ora, uma proposta desta natureza teria a sua inserção no artigo 32.º, que se ocupa precisamente das garantias de processo criminal.
Esta seria, então, uma garantia do processo criminal em caso de não constituição de advogado: o patrocínio judiciário passaria a ser garantido pela intervenção do defensor público. Mas esta é apenas uma objecção de natureza adjectiva, que não seria determinante, obviamente.
Porçm, partilhando as objecções que o Sr. Deputado Filipe Lobo d’Ávila referiu — e quem acompanha o mundo judiciário sabe que, neste momento, os verdadeiros bloqueios da justiça não se situam na justiça criminal — , a verdade é que a consagração desta norma iria bloquear a justiça criminal.
O Bloco de Esquerda relaciona ainda esta sua proposta para o artigo 20.º com o aditamento de um novo artigo 221.º-A (Funções e estatuto), que remete, e bem, para a lei a densificação desse estatuto — o modo de recrutamento, etc. Porém, na proposta para o artigo 20.º, o Bloco de Esquerda impõe a intervenção constitucional. Ou seja, qualquer processo criminal, não tendo havido constituição de advogado e, eventualmente, não haja intervenção de defensor público, padeceria de uma inconstitucionalidade. Isto é manifesto.
Portanto, dando de barato que esta solução seria adequada, por que não remeter para a lei ordinária? Queria recordar que nada obsta na Constituição a que a lei ordinária consagre a figura do defensor público. O artigo 32.º estabelece que «o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso», podendo a lei ordinária determinar quais são as formas de garantir essa defesa, nomeadamente através da consagração da figura do defensor público. Mas impor constitucionalmente, como propõe o BE, a intervenção do defensor público quando não haja constituição de advogado, faz com que em todos esses processos — caso esta norma pudesse ser aprovada, o que não virá a acontecer, seguramente — , não havendo intervenção de defensor público, haja uma violação constitucional.
Sobretudo, queria recordar, a terminar, que, apesar do propósito de alguma generosidade, o de assegurar uma melhor qualidade na defesa, estamos a falar de milhares de processos onde seria necessária a intervenção do defensor público. Portanto, não há qualquer solução minimalista, porque esta solução implicaria milhares de defensores públicos (obviamente, está fora de causa um defensor para um processo)

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que assegurariam mais de duas centenas de comarcas, muitas delas com vários juízos ou varas criminais, num universo de mais ou menos mil e poucos juízes para 1300/1400 ministrados do Ministério Público.
Quer dizer, a mais minimalista das soluções apontaria para a necessidade imediata de criação de um organismo com mil e poucos defensores públicos. E, repito, seria sempre necessário um número maior do que o de magistrados do Ministério Público ou de juízes para assegurar as pretendidas condições de defesa.
Dou de barato que o legislador ordinário poderia avançar nesta matéria — é uma questão a discutir — , mas consagrá-la com esta natureza no texto constitucional penso que teria exactamente o efeito contrário ao que é pretendido pelo seu proponente.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, creio que a crítica ao mecanismo do recurso de amparo feita pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes aplica-se igualmente à proposta do PSD/Madeira — o recurso de amparo previsto no artigo 23.º-A — ,»

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sem dúvida!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — » que, embora não apresentada, está discutida e eliminada!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Até chamei a atenção do Sr. Presidente de que devia ter sido discutida em conjunto!

O Sr. Presidente: — Não foi possível, Sr. Deputado, porque estão ausentes os proponentes.

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Pondo de parte os argumentos «tremendistas» do Sr. Deputado Filipe Neto Brandão em relação à proposta do Bloco de Esquerda, gostava que me dissesse a quantos advogados paga o Estado para o apoio judiciário.

O Sr. João Oliveira (PCP): — A quantos não paga!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Talvez aí, quando começarmos a falar de milhares de pessoas, tenhamos bem a noção do que estamos aqui a pôr na balança.
Além de mais, se a sua ameaça «tremendista» seria a paralisação de processos enquanto não estivesse instituído o defensor público, chamo a atenção de que na Constituição há disposições transitórias, há um tempo para o legislador ordinário. Ou seja, tudo isso pode ser previsto na Constituição e, como disse — e muito bem — , até pode nem estar constitucionalizada a figura do defensor público. Simplesmente, o que aqui se quer imprimir é a necessidade de constitucionalizar, porque se trata de um nó górdio muito grande na sociedade portuguesa.
Deveriam merecer a nossa preocupação as pessoas que são indevidamente presas — é disto que estamos a falar. Porquê? Porque, por insuficiência económica, não tiveram uma defesa adequada. É por isso que, embora agradeça as críticas do PSD e do CDS, que procuraram abordar o conteúdo da proposta, devo dizer que existe uma contradição nessas críticas.
Vejamos: se o Bloco de Esquerda tivesse proposto um defensor público para o acesso ao direito, irrestrito, geral e universal, diriam que era uma despesa incomportável para o Estado; mas a proposta do Bloco de Esquerda resume-se apenas às situações que podem levar as pessoas à cadeia, solução que argumentam também ser cara, além de que ficaríamos com dois sistemas, porque já temos um apoio judiciário e patrocínio para outras situações de acesso ao direito. Claro que sim! Esta é uma tentativa de salvaguardar apenas o núcleo essencial de um problema, que é o de pessoas — arguidos, evidentemente, porque não estamos a querer tratar de toda a justiça criminal — que acabam por ser presas, toda a gente aqui o reconheceu, porque não tiveram uma defesa adequada.
É isso que se procura ultrapassar.

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O Sr. Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP): — Eu não reconheci isso!

O Sr. Filipe Neto Brandão (PS): — Eu também não!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Como reconheceram que o sistema funciona mal, retiro a interpretação, que não creio ser abusiva, de que o facto de funcionar mal tem consequências.

O Sr. Filipe Neto Brandão (PS): — E pode continuar a funcionar mal com o defensor público!

O Sr. Luís Fazenda (BE): — Sim, Sr. Deputado. Mas, a partir desse momento, os poderes públicos têm outras condições para exigir.
Neste momento, há uma circunstância protocolada com a Ordem dos Advogados. Mas como é que esta situação se avalia? Como é que os poderes públicos são exigentes perante as prestações da Ordem dos Advogados? Creio que este assunto, no mínimo, deveria merecer uma preocupação maior, porque estamos a falar de concidadãos que não tiveram, em processo penal, direito a uma defesa adequada. Não são assim tantos, mas a verdade é que a insuficiência judicial acontece, o erro judiciário acontece, e é disso exactamente que estamos a tratar.
Portanto, neste aspecto, a nossa tentativa é vã, não colhe, mas fica a intenção.
Já agora, creio que deve ser registada a abertura do Partido Socialista para, em legislação ordinária, se pronunciar sobre um mecanismo diferente de protecção das pessoas nestas circunstâncias. Nesse âmbito, a proposta não carecerá de dois terços e veremos o que podemos fazer com maioria absoluta de Deputados em efectividade de funções.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, queria dar resposta a algumas das objecções e questões que foram colocadas.
Em primeiro lugar, devo dizer que fiz uma recuperação dos anteriores debates constitucionais e, obviamente, muitas das objecções agora levantadas já o foram antes, mas há uma nova, que queria registar com agrado, que é a da «excessiva generosidade» das propostas do PCP, levantada pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes! Ou seja, as nossas propostas são todas generosas e, por serem tão generosas, não merecem o acolhimento por parte do PSD!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Infelizmente!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Quando o Sr. Deputado Luís Marques Guedes diz que são propostas generosas e que, certamente, todos gostaríamos de viver numa sociedade onde estas propostas fossem uma realidade, o que lhe posso dizer é que, da parte do PCP, é para essa sociedade que todos os dias trabalhamos também aqui, na Assembleia da República.
Relativamente às questões concretas que foram colocadas, vou procurar responder seguindo a ordem dos números do artigo 20.º.
Sobre as objecções colocadas em relação ao n.º 1, começo pela referência ao conceito de «acesso à justiça». Este conceito, que já hoje faz parte da norma constitucional em vigor, obviamente, tem de ser interpretado em confronto com o conceito anterior de «acesso ao direito e aos tribunais». E a verdade é que este conceito de «acesso à justiça» é bem mais amplo e abrange, inclusivamente, mecanismos de resolução de litígios e de conflitos que não passam pelo acesso aos tribunais. Basta lembrar aos Srs. Deputados o acesso a mecanismos alternativos de resolução de litígios; basta lembrar o recurso a mecanismos de resolução de litígios que hoje não passam, obrigatoriamente, pelo recurso aos tribunais.
Ora, também ao nível dessas formas de resolução dos litígios e de exercício dos direitos dos cidadãos, nem a insuficiência económica nem a onerosidade do tal acesso à justiça, que é um conceito mais amplo que o do acesso ao direito e aos tribunais, devem poder ser justificações para que os cidadãos não possam

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exercer os seus direitos. Daí que este conceito que aditamos — o da «onerosidade» — tenha a ver com um conteúdo concreto e com uma outra concepção.
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, o que se pretende com esta norma constitucional, em concreto, é definir critérios que vão, obrigatoriamente, enquadrar a legislação ordinária. E a verdade é que a legislação ordinária que temos hoje, dando execução a esta norma constitucional, só tem em consideração uma dimensão do problema: a da insuficiência económica daqueles que recorrem à justiça.
Contudo, a realidade da vida tem-nos trazido à evidência que essa dimensão só traduz metade da realidade, porque há uma outra dimensão: a dimensão onde se incluem aquelas pessoas que não conseguem recorrer ao direito e aos tribunais, que não conseguem ter acesso à justiça, não porque estejam numa situação de insuficiência económica — porque não estão — , mas, sim, porque esse acesso à justiça é oneroso, de tal forma oneroso que as impede de exercer os seus direitos. Se quiserem, posso concretizar esta situação com alguns casos concretos que conheço.
Por exemplo, um casal de funcionários públicos viu-se impedido de intentar uma acção contra a Brisa, por força de um acidente rodoviário, porque as despesas que tinha de suportar com aquela acção judicial eram de tal forma significativas que, mesmo sendo funcionários públicos (que têm um nível salarial que os deixa muito longe de uma situação de insuficiência económica), eles não podiam fazer face às despesas com o processo.
Portanto, deixaram de exercer um direito que tinham, não porque estivessem em situação de insuficiência económica, mas porque a justiça era, de facto, onerosa.
Ora, a proposta do PCP é que este conceito de «onerosidade» da justiça seja uma das dimensões a ser considerada obrigatoriamente na legislação ordinária.
Obviamente, também conseguimos retirar da realidade da vida as situações que densificam outros conceitos, em particular o do «condicionamento» do acesso ao direito e aos tribunais. Certamente, as Sr.as e os Srs. Deputados já tiveram variadíssimas oportunidades de se confrontarem com relatos, até de operadores judiciários, que dão conta de exemplos de pessoas que, tendo possibilidade de aceder aos tribunais para obter uma decisão em 1.ª instância, não têm, depois, hipótese de recorrer da decisão que obtém nessas acções, porque isso significa um encargo económico que não têm possibilidade de suportar.
Ora, isto é uma forma de condicionamento. Não significa uma denegação total do acesso à justiça — porque, em parte, o acesso à justiça acaba por ser permitido — , mas não deixa de ser um condicionamento no acesso, de forma completa e eficaz, ao direito e aos tribunais, e também à justiça. Este é o tipo de condicionamento que impede as pessoas de exercerem os seus direitos por força ou da onerosidade da justiça ou por considerações de insuficiência económica.
Em relação ao n.º 2 deste artigo 20.º, sobre a «acção constitucional de defesa» junto do Tribunal Constitucional, queria começar por responder ao Sr. Deputado Filipe Neto Brandão.
O Sr. Deputado colocou a questão de a abrangência da norma que o PCP propõe ser demasiado ampla, porque se refere a «quaisquer actos ou omissões dos poderes públicos». Só que é preciso continuar a ler a norma, e a parte final da norma estatui que se tratam de actos ou omissões «que lesem directamente direitos, liberdades e garantias». Ora, o conceito de «direitos, liberdades e garantias» não é abstracto, nem pode dizerse que não tenha uma densificação jurídico-constitucional.
O conceito de «direitos, liberdades e garantias» refere-se a um conteúdo muito concreto de direitos dos cidadãos. Portanto, não são todos os direitos dos cidadãos que são susceptíveis de justificar uma acção constitucional de defesa junto do Tribunal Constitucional; são aqueles que constam do elenco de direitos, liberdades e garantias previsto na nossa Constituição quando directamente lesados — repare, a norma refere «que lesem directamente». Não é uma lesão indirecta ou conexa de direitos, liberdades e garantias que pode justificar o recurso a este tipo de acção, é uma lesão directa e que possa justificar o recurso directo à acção constitucional de defesa, junto do Tribunal Constitucional.
Nesta matéria, a objecção que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes referiu merece particular atenção. Diz o Sr. Deputado que, a ser aprovada esta proposta do PCP, tal significaria a paralisação do Tribunal Constitucional.
Desde logo, esperamos que não haja assim tantas lesões de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos que justifiquem a paralisia do Tribunal Constitucional por força do recurso a esta acção!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — O problema não é a lesão, é a queixa!

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O Sr. João Oliveira (PCP): — O Sr. Deputado Luís Marques Guedes já está a ir no sentido correcto, quando diz que o problema não é haver lesões, mas, sim, queixas no Tribunal Constitucional. Mas, para resolver essa questão, basta que a lei ordinária defina as condições de recurso ao Tribunal Constitucional, no âmbito desta acção constitucional de defesa, garantindo que o Tribunal Constitucional não será paralisado com acções que são inúteis, porque não se dirigem a lesões directas dos direitos, liberdades e garantias.
O Sr. Deputado Luís Marques Guedes está a ir no sentido correcto, porque essa é uma discussão que precisamos de fazer. Ou seja, para além de aprovar esta norma constitucional que o PCP propõe, é necessário dar-lhe densificação através de lei ordinária, regulando o processo que garanta o acesso a esta acção constitucional de defesa de direitos, liberdades e garantias. O PCP está mais do que disponível para fazer essa discussão se, da parte do PSD e do PS, houver abertura para aprovar a proposta que apresentamos.
Em relação ao n.º 6 do artigo 20.º, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes levantou a seguinte objecção: com esta norma, o PCP estaria a propor que para todos os direitos dos cidadãos estivessem garantidos na lei um processo célere e um carácter prioritário e, com essa perspectiva de que tudo seria célere e prioritário, deixaria de haver verdadeira celeridade e prioridade. Não é verdade, Sr. Deputado, porque, uma vez mais, a norma do n.º 6 refere-se a um conteúdo muito concreto, o dos direitos, liberdades e garantias. E os direitos, liberdades e garantias não são todos os direitos dos cidadãos.
Lamentavelmente, a redacção actual da Constituição refere-se apenas ao Capítulo I do Título «Direitos, liberdades e garantias», ou seja, ao Capítulo dos «Direitos, liberdades e garantias pessoais».
Gostava de dar alguns exemplos concretos para que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes pudesse responder se está ou não de acordo com a necessidade de garantir processos céleres e prioritários relativamente à violação de outros direitos, liberdades e garantias, que não só os direitos, liberdades e garantias pessoais.
O primeiro exemplo, muito concreto, até tem a ver com uma questão em relação à qual o PSD foi particularmente duro com o Ministro da Administração Interna. Refiro-me a uma situação que ocorreu no passado domingo, a da impossibilidade de muitos cidadãos portugueses votarem nas eleições presidenciais.
O PSD assumiu uma atitude de alguma dureza — permita-me a consideração — no confronto com o Sr.
Ministro da Administração Interna.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — É verdade!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Deputado Luís Marques Guedes, o direito de sufrágio está previsto no artigo 49.º, é um direito, liberdade e garantia de participação política, mas que já não está abrangido por esta norma constitucional que obriga a lei a assegurar aos cidadãos procedimentos caracterizados pela celeridade e pela prioridade. O Sr. Deputado está ou não de acordo que a lei deveria assegurar, para casos como o que aconteceu no domingo, procedimentos judiciais particularmente céleres e prioritários, tendo em conta a natureza dos direitos que são postos em causa? No caso, por exemplo, de violação do direito à greve — artigo 57.º da Constituição da República Portuguesa — , um direito, liberdade e garantia que não é pessoal, o Sr. Deputado não acha que a lei deveria assegurar procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e pela prioridade, para reagir contra violações deste direito, liberdade e garantia?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Não, não acho!

O Sr. João Oliveira (PCP): — É disso que estamos a falar. A proposta do PCP não visa transformar todas as acções de exercício de direitos dos cidadãos em acções céleres e prioritárias, mas, sim, fazer com que todas as acções que visem a defesa contra violações de direitos, liberdades e garantias — um conceito preciso, concretizado na nossa Constituição — tenham garantido, por lei, um procedimento judicial que permita que haja uma resposta célere e prioritária do sistema judicial.
Para terminar, queria tecer algumas considerações sobre a proposta do Bloco de Esquerda e sobre as observações que foram feitas por vários Srs. Deputados.

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Queria começar por trazer à discussão uma distinção que infelizmente, nem sempre é feita, mas que é necessária. Aliás, já nos confrontámos com este problema aquando da revisão do Código de Processo Penal, mas, uma vez que está colocada a questão neste âmbito, julgo que é importante fazer esta distinção para que possamos fazer a discussão nos termos adequados.
Há uma diferença grande entre o defensor oficioso e o patrocínio judiciário, por via do apoio judiciário.
Designadamente, há que distinguir, por um lado, as situações em que os cidadãos não têm advogado porque não o constituíram e o Estado nomeia-lhes um e, por outro lado, aquelas em que os cidadãos, por não terem recursos económicos, não têm advogado, recorrem ao apoio judiciário e o Estado garante-lhes o patrocínio judiciário, gratuito ou pago em parte, consoante as suas condições económicas. São duas situações completamente distintas.
Por exemplo, no âmbito do processo penal, em determinadas diligências em que seja obrigatória a assistência do arguido por um advogado, sempre que o arguido não tenha um advogado constituído, há escalas de advogados disponíveis para o acompanhar, mas isso não significa que, no final do processo, o arguido não vá pagar os honorários ao advogado, porque paga de acordo com uma tabela que está fixada.
Ora, esta situação não tem rigorosamente nada a ver com o apoio judiciário, nem com a consideração de situações de insuficiência económica; tem a ver, sim, com o facto de, em alguns actos processuais de natureza penal, estar prevista na nossa legislação processual, em particular no Código de Processo Penal, a necessidade de os cidadãos (constituídos arguidos, neste caso) terem de ser obrigatoriamente defendidos por um advogado, para que os seus direitos não sejam postos em causa. Obviamente, é por isso que o Código de Processo Penal se refere a situações em que possam estar em causa, com particular melindre, direitos dos cidadãos.
Outra situação completamente diferente é a que tem a ver com a organização de um modelo de patrocínio judiciário que o Estado deve garantir para apoio e defesa dos cidadãos que não têm condições económicas para garantir a sua própria defesa a suas expensas. Nestas situações, aqui sim, já entram as considerações relativas ao apoio judiciário e ao que é o quadro do defensor público, tal como existe noutros países do mundo.
A proposta que o Bloco de Esquerda apresenta acaba por fazer uma relação de convergência entre estas duas situações que são distintas. Da parte do PCP, não vemos objecção a que ela possa ser feita, mas temos algumas dúvidas se deve ser a Constituição a definir os termos em que ela é feita. Nós julgamos que ela deve ser feita por via de lei ordinária, sem prejuízo de estar assumido na Constituição um princípio de obrigatoriedade de nomeação de um defensor pelo Estado aos arguidos que não constituam advogado em situações que são de particular melindre.
Sobre a objecção que levantou o Sr. Deputado Filipe Lobo d’Ávila relativamente a outras dimensões da justiça, que não só a do processo penal, onde os direitos dos cidadãos são postos em causa e têm de ser assegurados por advogados, diria que essa análise é correcta, mas falta acrescentar-lhe uma outra questão, a de que, no âmbito do processo penal, há, de facto, especificidades que têm de ser tidas em conta, porque estão em causa direitos tão fundamentais dos cidadãos quanto a privação da liberdade ou a imposição de outras medidas que põem em causa direitos fundamentais dos cidadãos.
Portanto, é óbvio que, em relação ao processo penal, tem de haver uma particular atenção e salvaguarda do que é o exercício dos direitos que, também na Constituição, estão garantidos aos cidadãos portugueses.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, já estamos para além da hora a que costumamos terminar os trabalhos. No entanto, a mesa registou a inscrição do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, a quem dou a palavra, pedindo-lhe alguma brevidade.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Serei muito breve, Sr. Presidente.
Apenas gostaria de deixar duas pequenas notas em relação à explicação que agora deu o Sr. Deputado João Oliveira, porque percebi que a argumentação que usou radica num erro de pressuposto.
De facto, o Sr. Deputado confunde «onerosidade» com «carestia», com ser caro; então, se quer significar «carestia», propunha que constasse do texto constitucional a expressão «excessiva onerosidade», porque o carácter oneroso, juridicamente, contrapõe-se a gratuito — ou é oneroso ou é gratuito!

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Percebi agora que o Sr. Deputado pretende incluir na Constituição uma referência à natureza «excessivamente onerosa» da justiça. Portanto, trata-se de um conceito de quantificação, só que, para esse efeito, já consta desse artigo a «insuficiência de meios económicos».
Se é um problema de quantidade do custo, de peso desse custo, de carestia, por se tratar de uma justiça demasiado cara, com custas demasiado caras — de facto, só agora percebi que, afinal, não quer dizer «onerosidade», mas, sim, «excessiva onerosidade» — , então, esse acrescento é inútil, porque esse elemento de quantidade, de peso do custo já está consagrado, a contrario, na expressão «insuficiência de meios económicos».
Insuficiência de meios económicos é isso mesmo: uma pessoa pode ter meios económicos para pagar até um certo ponto, mas não ter para pagar todo o processo e, portanto, há uma insuficiência de meios.
Quanto à segunda questão, a do recurso de amparo, chamo a atenção do Sr. Deputado João Oliveira — aliás, já o tinha dito ao Sr. Presidente — que a proposta de aditamento de um novo artigo 23.º-A, apresentada por Deputados do PSD/Madeira, que também aponta para o recurso de amparo, fá-lo nuns termos bastante mais equilibrados. Mas, mesmo assim, o PSD é contra! Quero deixar isso claro.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Então, não é só uma objecção à «excessiva onerosidade»!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Deputado, quando digo que essa proposta o faz em termos muito mais equilibrados, refiro-me ao facto de aí o recurso de amparo — na esteira, aliás, do que foi sendo discutido sucessivamente, em anteriores revisões constitucionais — apenas ter aplicação naquelas lesões de direitos, liberdades e garantias, ou putativas lesões de direitos, liberdades e garantias (o Tribunal Constitucional depois decidirá se houve ou não lesão), que sejam insusceptíveis de recurso para os outros tribunais. Ora, o PCP nem sequer põe essa limitação.
Historicamente, o recurso de amparo é residual, aplicando-se apenas às situações cuja impugnação não é susceptível de recurso para os demais tribunais. Ora, na proposta do PCP, já nem se coloca esse «travão»; pura e simplesmente, estatui-se que «Há acção constitucional de defesa contra quaisquer actos ou omissões dos poderes públicos que lesem directamente direitos, liberdades e garantias».
Portanto, independentemente de poder recorrer para os tribunais comuns, recorre-se para o Tribunal Constitucional. Se me permite, seria o desastre total! Respeito a sua opinião, mas esta é a minha.
Mesmo em relação ao conceito tradicional de recurso de amparo, que é, repito, apenas para as situações que são insusceptíveis de impugnação junto dos tribunais comuns, mantenho a posição que tinha e que tem efeitos relativamente à tal proposta de aditamento de um artigo 23.º-A, que o Sr. Presidente não pôs à discussão por não estar presente nenhum dos seus autores.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, não havendo mais pedidos de palavra, dou por concluída a discussão do artigo 20.º.
Na próxima reunião, dia 2 de Fevereiro, iremos dar início à discussão do artigo 23.º e de um novo artigo 23.º-A e, com isso, concluímos o Título I (Princípios gerais) da Parte I — Direitos e Deveres Fundamentais.
Chamo a atenção dos Srs. Deputados de que vamos inscrever na ordem de trabalhos da próxima reunião, para além dos artigos 23.º e 23.º-A, os artigos referentes ao Capítulo I (Direitos, liberdades e garantias pessoais) do Título II — Direitos, liberdades e garantias, ou seja, os artigos 26.º-A a 46.º.
Portanto, na próxima reunião, não passaremos, seguramente, do artigo 46.º, mas podemos ir até lá!

Risos.

Srs. Deputados, está encerrada a reunião.

Eram 19 horas e 18 minutos.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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