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8 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Ahi, no auge do maior enthusiasmo, alguns dos eleitos da nação treparam ás carteiras, os vivas estrugiram estrepitosos, e a vozearia foi tal, que a sessão teve de ser interrompida.

Esse foi, repito, o mais feliz e mais glorioso dia da vida d'esse Ministerio e aquelle em que mais e melhor affirmou o seu amor á liberdade alliado ao respeito devido ao prestigio do poder e das instituições.

A força de maravilhosos e eloquentissimos discursos, no dizer da imprensa do bloco liberal, que diariamente os celebrava em frases de desvanecido pasmo, o chefe d'essa situação conseguiu arrancar do Parlamento, dominado pelo seu poderoso e flammejante verbo, tudo quanto quis, obrigando a nossa Camara a um verdadeiro trabalho exhaustivo discutindo, votando e approvando, no brevissimo espaço de tres curtas sessões, dezoito projectos de lei, entre os quaes o Orçamento Geral do Estado.

Ausente por motivo superior e bem alheio á minha vontade, eu não deixaria, se tivesse assistido a essas sessões, de juntar o meu protesto ao dos meus collegas que porventura o tenham feito.

Trabalhando sob tão alta pressão, ao chefe do Governo sobrava ainda tempo para, como era o seu dever, preparar e organizar as visitas regias, que são uso, de longa data estabelecido, fazerem os Soberanos no começo dos seus reinados, aos Chefes de Estado das nações a que os seus paises, ou os proprios Soberanos, estão mais ligados, Protocollo de que os nossos Reis se não podem afastar, que os proprios Presidentes da Republica Francesa seguem e a que só a Suissa, como é sabido, faz excepção por não ter propriamente o Conselho Federal um Presidente com qualidade e caracter de Chefe de Estado.

Como se annunciou porem essa viagem?

Na mais completa ignorancia das mais simples regras protocollares. Assim annunciava-se, como o Discurso da Coroa plenamente o confirma, que a visita a Madrid não era mais que a simples paga da visita particular que Sua Majestade o Rei D. Affonso XIII, num impulso do seu bondosissimo coração, tinha feito a Sua Majestade El-Rei em Villa Viçosa.

E a visita a Sua Majestade o Rei Eduardo VII apenas a obrigante acceitação de um amabilissimo convite feito por esse Augusto Soberano.

Logo, porem, os jornaes de Madrid, como obedecendo a um mot d'ordre, e até no proprio dia da chegada de Sua Majestade El-Rei á Villa Coronada, em grosso normando se felicitavam por ser feita á corte de Espanha a primeira das visitas officiaes que Sua Majestade El-Rei emprehendia por motivo da sua ascensão ao throno, acrescentando e accentuando que essa visita não era, não podia ser, a paga da visita particular feita por Sua Majestade o Rei D. Affonso XIII a Villa Viçosa.

Quanto á Inglaterra, na propria mensagem (não ha nada mais official) com que Sua Majestade o Rei Eduardo VII, logo a seguir á visita de Sua Majestade El-Rei, encerrava o Parlamento do seu país, clarissimamente se lê:

«My Lords and Gentlemen

The official visit which His Majesty the King of Portugal has paid to, me, on the occasion of his accession, has afforded to the Queen and myself great pleasure, and has Consolidated the bonds of friendship which have so long and happily united the two allied nations».

Quer dizer:

«A visita official que Sua Majestade El-Rei de Portugal me fez por occasião da sua ascensão ao Throno causou á Rainha e a mim o maior prazer, e consolidou e fortaleceu os laços de amizade que desde muito e felizmente unem as duas nações alliadas».

As visitas dos Chefes de Estado são sempre, Sr. Presidente, ninguem o ignora, precedidas de previas negociações e Sua Majestade o Rei Eduardo VII, o grande e fiel amigo do nosso país e de Sua Majestade El-Rei D. Carlos I, de saudosissima memoria, tão depressa foi presentido para essa viagem protocollar, logo amabilissimamente se apressou a escrever a carta a que já uma vez n’esta Camara se fez referencia.

D’aqui o deploravel equivoco tão lamentavelmente posto em evidencia no Discurso da Coroa, com que se abriu a presente sessão legislativa. Mette-se pelos olhos.

Esta flagrante contradição entre o que a viagem regia realmente foi e o que o Discurso da Coroa erradamente affirma deve-a o Governo á sua incondicional e cega confiança nas subtis diplomacias do anterior Presidente do Conselho, consagrado Tayllerand e Richelieu de todos os partidos, e á falta de attenção com que tão importante documento foi redigido sem sequer ter havido a curiosidade de ver a parte da mensagem que ha pouco tive a honra de ler á Camara!

Ao mesmo tempo que a viagem regia por esta enviezada forma era annunciada, e por isso mesmo sem duvida, assoalhava-se pelas esquinas das ruas e nas columnas dos jornaes uma outra razão determinativa, sendo o mais alto negocio de Estado de uma monarchia hereditaria dado em pasto á bisbilhotice indigena, com a mesma semcerimonia e leviana inconsciencia com que na nossa terra é de uso deixar correr todos os boatos politicos.

E o Governo, pela sua attitude, dava alento ao que, por tantas razões, podia ser uma realidade e principalmente por se ver que Sua Majestade El-Rei estaria ausente no festivo dia do seu anniversario.

Só por um motivo jubiloso e feliz, de alegria e ventura para toda a nação, se podia comprehender a ausencia de Sua Majestade no dia dos seus annos. Nunca, Sr. Presidente, para se dar ao mundo a falsa e mentirosa ideia de ser essa feliz data tão absolutamente indifferente ao povo português, que o Governo, sem razão que o explicasse, levava Sua Majestade El-Rei a passar tão solemne dia longe da sua patria.

E não se diga, não nos venham dizer que havia uma data prefixa a respeitar. Não. Uma simples e justificadissima observação, que digo? uma singela indicação ou mera suggestão, feita aqui pelo Sr. Presidente do Conselho ao illustre representante da Côrte de S. James, seria o bastante para se antecipar ou retardar, de poucos dias apenas, a viagem projectada, por forma a Sua Majestade não estar ausente no faustoso dia dos seus annos.

Entretanto feliz e abençoada viagem essa em que a nação póde ver e sentir, com reconhecimento e commoção, a carinhosa atmosphera de saudosa simpathia e respeito pela sagrada memoria do Rei barbaramente assassinado e a de seu amantissimo Filho, que por toda a parte, na cavalheirosa Espanha como ha livre Inglaterra e na França republicana, sempre envolveu e cercou o nosso Augusto Soberano. E pudemos ver ainda Sua Majestade El-Rei, liberto da oppressão dos seus primeiros Ministros, na plena posse de si mesmo e dos seus nobilissimos sentimentos, referir-se a seu Augusto Pae com o amor, o respeito, a devoção e a saudade, que todo o filho, seja imperante ou seja cavador, deve á memoria de seu Pae.

Os discursos e as pequenas allocuções pronunciadas por Sua Majestade El-Rei durante toda a viagem resgatam-nos, a todos nós portugueses, da carta publicada no Diario do Governo e do primeiro Discurso da Coroa, tristissimos documentos da inteira, unica e exclusiva responsabilidade dos primeiros Ministros neste reinado.

Abençoada viagem, Sr. Presidente, abençoada viagem!

E agora, para as subsequentes visitas officiaes que Sua Majestade El-Rei tem que fazer, fiamos que o Sr. Mi-