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142 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

vros de direito publico; todos me diziam que aã constituições se deviam respeitar. E comtudo não me saia do espirito esta duvida, e pensava eu, mas não será preciso ás vezes violar as constituições para as salvar, não teria o governo rasão?

Se isso é assim, para que serve o estudo do direito publico?

Confesso a v. exa. o meu mau humor n’aquelle mo mento.

Repelli os livros, caíram no chão, e um d’elles, o de Benjamin Constant, abriu-se como para me castigar.

Sabe v. exa. o que elle respondeu ao modo áspero como eu o tinha tratado? Com estas palavras, que eu encontrei nas paginas em que elle se abriu:

«Um governo constitucional cessa do direito de existir logo que a constituição não existe; e uma constituição não existe desde que é violada. O governo que a viola, rasga o seu titulo; a datar d’esse mesmo instante póde subsistir pela força, mas já não subsiste pela constituição. Notae-o bem, estudae os factos e vereis que todas as vezes que as constituições foram viciadas o que se salvou não foram as constituições, mas os governos.»

É Benjamin Constant que o diz.

De certo que o argumento de violar as constituições para as salvar já vem de longe, já se conhecia.

O governo no seu relatorio ia estando de accordo com o que diz Benjamin Constant, pois começou assim o relatorio:

«Senhor. — Feita a reforma da lei eleitoral, e remodelada a constituição da camara dos senhores deputados da nação portugueza, o governo de Vossa Magestade, compenetrado do indeclinavel dever de se manter...»

Dir-se-ia que o proprio governo ia confessar toda a verdade.

Eu não quero alongar a discussão da generalidade do projecto. Desejo dizer alguma cousa sobre os differentes artigos, mas para não enfastiar a camara fallarei depois ou ainda na generalidade, conforme correr a discussão, ou depois na especialidade. Não devo occupar hoje tantas vezes a attenção d’esta camara, que receio cansar. Como v. exa. viu, ou pedi a palavra por ver que não havia ainda ninguem inscripto, e que o projecto ia ser posto á votação. Demais tenho abusado hoje da attenção da camara.

O sr. Presidente: — Estão sobre a mesa os documentos requeridos pelo sr. conde de Thomar, que vieram agora mesmo do ministerio das obras publicas.

Tem a palavra o sr. conde de Thomar.

O sr. Conde de Thomar: — Sr. presidente, trata-se da generalidade do projecto. Sobre ella farei algumas considerações, visto que, concordando com diversas disposições d’elle, todavia o modus fadendi do governo não póde ter a minha approvação.

Quando se tratou do bill declarei que não podia dar o meu apoio ás medidas da dictadura promulgadas pelo governo.

Se o governo entendeu dever tocar na constituição do estado, e n’um dos seus pontos mais delicados, reformando a camara dos pares, tivesse convocado camaras com poderes constituintes e essas camaras que decidissem qual a fórma como devia ser reformada esta camara.

Entendeu o governo fazer larga dictadura e n’esse caminho entendeu não dever respeitar o modo de ser d’esta camara.

Disse o nobre relator da commissão que este projecto é como outro qualquer.

Permitta-me s. exa. que lhe diga que um projecto que ataca a constituição, que reforma a camara dos pares, não é como outro qualquer. É de uma grande importancia e lamento ver as cadeiras dos dignos pares quasi completamente desertas e que não tenhamos hoje um jubileu como succedeu por occasião da discussão do projecto do bill de indemnidade e de resposta ao discurso da corôa.

Por essa occasião esta camara tomou um aspecto imponente e que fazia lembrar os bons tempos, mas passada essa discussão ficámos reduzidos ao grupo regulamentar dos 19.

Sr. presidente, o parlamento tem por assim dizer abdicado completamente os seus direitos.

Antes da ordem do dia um digno par, meu amigo, levantou a questão de não se ter reunido ainda a commissão de guerra para dar parecer sobre um projecto apresentado pelo mesmo digno par a quem me refiro, o sr. conde de Lagoaça.

Ha mais de mez e meio que funcciona o parlamento- e ainda não está constituida a commissão de guerra, e ha quasi um mez que tive a honra de mandar para a mesa um projecto que a camara acceitou com a classificação de urgente.

O projecto era da minha iniciativa, não vinha recommendado pelo governo, ainda que o sr. presidente o acceitasse; a commissão porém, não se constituiu apesar da resolução que tinha tomado a camara.

Porque?

Porque o projecto não partia das cadeiras ministeriaes, mas de um dos membros d’esta camara!

Aqui tem v. exa. a que está reduzida a camara dos pares! E a que decadencia chegou!

Mas, v. exa. verá o que ha de succeder quando chegar a esta camara o projecto de iniciativa do governo sobre as recompensas a dar aos expedicionarios.

É como se carregasse n’um botão electrico, apparecerá logo a commissão, parecer e tudo quanto o governo quizer.

A commissão respectiva reunir-se-ha immediatamente para dar parecer sobre elle e ha de até haver alguem que peça para lhe serem aggregados alguns membros se outros eleitos faltarem, para ella não deixar de se reunir.

Isto, sr. presidente, não é censura á commissão de guerra, é unicamente um aviso ao governo, e especialmente ao sr. ministro do reino, para saber o muito que tem a esperar da sua reforma.

Não concordo com muitas das medidas de s. exa.; é todavia innegavel que s. exa. é hoje um dos homens de mais iniciativa e de mais alta capacidade que nós temos.

Não tenho duvida alguma em prestar-lhe esta homenagem, que é sincera e que não obedece aos cumprimentos da praxe.

Sobre o prurido das reformas direi que continue s. exa. n’este caminho, comparado a um rio caudaloso que leva adiante de si tudo quanto encontra, continue, sr. ministro do reino, que v. exa. póde fazer o que quizer, que o paiz pacientemente tudo soffrerá.

Póde v. exa. ámanhã propor a dissolução d’esta camara, que ha de ser muito bem acceita e recebida, porque não vejo por parte da camara iniciativa alguma de opposição ás medidas de dictadura e ao ataque feito á constituição da camara.

Que a camara approve a dictadura com relação ás medidas de administração, comprehende-se; mas approvar o acto praticado pelo governo com relação á propria camara, é ter muita dedicação ministerial e pouco amor á vida e á independencia, que lhe cumpre defender.

Sr. presidente, aqui cita-se sempre o que se faz lá fora; pois parece que os srs. ministros não lêem o que se passa nos outros paizes.

Vejam s. exas. o que se passa na Itália n’este momento? Lá não são só os membros da camara que se dirigem ao chefe do gabinete; são os proprios collegas que reagem contra o presidente do conselho, e que lhe dizem: «a constituição antes de tudo; respeite-se a constituição; convoque-se o parlamento».

O presidente do senado dirige-se ao presidente do conselho e diz-lhe:

«A primeira cousa a fazer é reunir a camara no tempo