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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 185

Ha mais ainda. Ha favores, ha beneficios que um homem de honra não póde acceitar sem se deshonrar, e que o seu brio, o seu pundonor obrigam a empregar todos os meios para os repellir, e os poderes publicos devem respeitar estes elevados sentimentos, que na ordem civil são germen de grandes virtudes civicas, e na ordem militar de acções grandes e até heróicas; não devem desattendel-os e saltar por cima d'elles; antes devem reconhecer o direito que o homem tem de os defender.

Já eu disse que era grande a importancia dos sentimentos de brio, honra e pundonor na classe militar. Por elles vae o militar á brecha de uma praça cercada, com a quasi certeza da morte, sobe, entra a praça e toma-a. Quem o obrigou a correr tão grande risco? Foi o brio e pundonor, e não querer passar por fraco e cobarde.

As leis militares protegem estes elevados sentimentos de honra. Não vemos todos os dias os militares pundonorosos, quando se lhes censura uma falta de disciplina, correrem a pedir conselho de guerra para se justificarem e tornarem illibada a sua reputação? Pois bem, foram estes nobres exemplos que levaram o sr. ministro da guerra a rejeitar o bill e a correr o risco de lhe ser decretada a accusação, e de vir sentar-se no banco dos réus diante d'esta camara, constituida em tribunal de justiça, para entrar em processo e poder defender-se, mostrando a legalidade do acto, de cuja responsabilidade se trata.

Ainda ha poucas dias n'esta casa um digno par, que tem sido ministro muitas vezes, e até presidente do conselho exclamou com toda a energia, em caso muito analogo não quero favores de ninguem, quero ir sentar-me no banco dos réus, ser processado e julgado. Lá me defenderei.

Eu applaudi a declaração d'aquelle digno par, e só senti que elle no dia seguinte não continuasse o seu discurso com o mesmo vigor, e com o mesmo tom com que o tinha começado na vespera; por isso eu peço que se reconheça ao sr. ministro da guerra o mesmo direito de preferir ao bill o ir para o banco dos réus, porque é isto o que quer dizer não acceitar o bill de indemnidade.

Já disse que não havia na carta artigo nenhum que resolvesse esta questão; mas temos a pratica e os estylos parlamentares. O anno passado aproveitei uma occasião que julguei opportuna para declarar n'esta casa que essas praticas é esses estylos constituem uma parte integrante da constituição do estado, pois que qualquer constituição é apenas uma pequena collecção de principios, e deixa ás leis regulamentares o desenvolvei os e marcar-lhes os verdadeiros limites, segundo as regras da hermeneutica juridica; e á jurisprudencia politica, guardados aquelles principios fundamentaes e o systema que elles estabelecem, regular os casos omissos. Na Inglaterra, que é mestra do governo parlamentar, reconhecem-se e respeitam-se estas praticas e estylos como partes integrantes da constituição, como se fossem artigos da carta de João Sem Terra.

E que dizem os estylos é praticas do nosso parlamento?

Levantada a questão da responsabilidade, se se entende que deve de ter logar o bill, o ministro responsavel traz á camara dos senhores deputados uma proposta á pedir o bill. Esta petição envolve a idéa da acceitação do bill. Se, porém, o ministro não pede ò bill, os oradores que tomam parte na questão da responsabilidade, costumam lembrar ao ministro que o peça. E ninguem, que eu saiba, propoz um bill de indemnidade sem se assegurar previamente da acceitação do ministro responsavel. Esta é a pratica que tenho observado, ha perto de quarenta annos, que ando pelas duas casas do parlamento. O que nunca vi, nem ouvi, é que se désse um bill a algum ministro, declarando este que o não acceitava.

A questão do ultimo bill, que se ventilou n'esta camara, foi sendo ministro o digno par, o sr. Antonio de Serpa; o sr. conde de Casal Ribeiro lembrou e convidou este ministro a pedir o bill, e este prometteu levar á camara dos senhores deputados a proposta para isso. O sr. Serpa demorou-se alguns mezes, e o sr. conde do Casal Ribeiro, sabendo que elle o acceitava, propoz o bill. O sr. Serpa acudiu então com a proposta á outra casa do parlamento. Levantou-se então a questão se esta camara devia sustar a discussão do bill proposto pelo sr. conde do Casal Ribeiro. Não me lembra que resolução se tomou; nem isso importa para aqui. O que importa é ver que a pratica d'esta camara é que o bill de indemnidade parte sempre da acceitação do ministro responsavel, e que nunca se concedeu bill contra vontade do ministro, declarando que o não acceita. Esta é, pois, a lei tradicional do nosso parlamento; lei fundada nos verdadeiros principios de direito publico, que já expuz.

Do exposto concluo, sr. presidente, que o projecto e muito mais o parecer da illustre commissão de guerra approvando o bill de indemnidade, depois do sr. ministro da guerra declarar que o não acceita, é uma grande novidade, contraria aos estylos das nossas côrtes.

Sr. presidente, de tudo isto se conclue que a minha questão previa deve ser approvada. Na verdade, não còmprehendo como se póde conferir ao sr. ministro da guerra um bill de indemnidade, quando elle, guiado por um alto e elevado sentimento de brio e pundonor, proprios da nobre classe a que pertence, teve a coragem de dizer n'esta casa que o não acceitava, preferindo ao bill de indemnidade, que, apesar de o relevar da responsabilidade, deixava sempre uma sombra uma nodoa de illegalidade na sua reputação, o poder ser accusado, processado e julgado pelo tribunal dos pares, para ahi provar que obrára legalmente.

Não posso comprehender como esta camara pôde; concedendo o bill, privar o sr. ministro da guerra do direito da defeza que é de direito natural.

Não comprehendo, finalmente, como esta camara póde impor silencio ao sr. ministro, e fechar a porta do tribunal dos pares; onde elle tem direito de se defender, forçando-o, sem uma sentença, a carregar com o odioso de ter obrado illegalmente ou usurpado um poder que não tinha! Não seria uma tyranniá? (Apoiados.)

Sr. presidente, por emquanto fico por aqui. Peço desculpa á camara do tempo que lhe tomei, e confio que ella notará que tratei a questão com a placidez que convem a uma questão puramente juridica. (Apoiados.)

O sr. Presidente: - Ha uma proposta sobre a mesa, que mandou o digno par o sr. Ferrer, que, segundo a disposição do regimento, deve entrar em discussão conjunctamente com a materia principal.

Com relação á questão prévia, o regimento da camara não tem, como o da camara dos senhores deputados, disposição especial; segue-se, portanto, a disposição geral relativa ás differentes moções de ordem, entra em discussão com a materia principal, sendo votada antes das outras propostas.

Vou, pois, consultar a camara se admitte á discussão a proposta do sr. Ferrer;

Foi admittida.

O sr. Ferrer: - Julguei que v. exa. tinha posto em discussão a direcção que devia ser dada á minha questão previa, e por isso pedi a palavra; mas vejo agora que fui admittida á discussão, para ser, depois de discutida conjunctamente com a materia principal, votada em primeiro logar, quando se fechar a discussão na generalidade do projecto.

Eu; sr. presidente, não me opponho a esta resolução, ainda que já n'outra occasião mostrei que este methodo não era logico. Se a minha proposta como questão previa, fosse discutida e votada separadamente e primeiro do que as outras questões do projecto, haveria mais clareza, pela sua simplicidade, e poupar-se-ia o tempo que se ha de gastar em discutir outras questões.

Apesar d'isto, não me opponho a que v. exa. siga a pratica d'esta casa.

O sr. Presidente: - Como informação, eu devo dizer