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SESSÃO N.º 40 DE 10 DE DEZEMBRO DE 1906 507

Porto Rico é uma ilha de origem hespanhola; conserva evidentemente a tradição economica da sua origem. Da mesma maneira que Cuba, ha de por certo inclinar-se para os productos da antiga nação metropolitana.

Com o tornar-se extensivo a Porto Rico o regimen dos favores e beneficios de que goza, a partir de 1899, a Republica dos Estados Unidos, não vejo, não comprehendo, que advenham vantagens para Portugal.

Dir-me ha S. Exa. que nada se oppõe ao facto, pois já o relatorio da proposta governamental é n'isso que se funda.

Não haverá inconvenientes, — mas não vejo nenhuma vantagem que recommende esta convenção.

A chancellaria portugueza não se fez para beneficiar com accordos com merciaes os paizes relativamente aos quaes o mais que se pode dizer é que são estrictamente correctos comnosco.

Necessitamos de compensações.

Reservemos esses favores para os paizes que, alem de manterem para comnosco a maior correcção diplomatica, nos servem, nos acodem nas horas de perigo, nos auxiliam em momentos verdadeiramente difficeis.

Não devemos fazer concessões sem a compensação respectiva.

Não devemos dar sem receber.

E o tratado em discussão não observa esta doutrina.

O tratado de 1895 foi já um erro, um completo desacerto para os interesses de Portugal: deu uma diminuição nos rendimentos aduaneiros e não acrescentou correspondentemente o movimento commercial.

Atrás d'esse tratado veio o de 1899 com os Estados-Unidos, que trouxe egualmente uma diminuição de rendimentos alfandegarios, e não nos deu compensadora differença no movimento commercial.

O tratado de 1895 é de responsabilidade regeneradora, o de 1899 de responsabilidade progressista, e não foram senão dois assignalados erros que os partidos do rotativismo commetteram.

Mas eu não podia pensar, quando na ultima sessão me entretinha a descrever a obsessão de arrependimento, de que estava tomado por uma especie de monomania o chefe do Governo Sr. João Franco, não podia pensar que tres dias volvidos, n'este singelo projecto que pretende estender a Porto Rico varias vantagens que foram concedidas aos Estados-Unidos, eu viria encontrar em materia de economia mais uma pagina frisante e saliente d'essa obsessão de arrependimento, que hoje é quasi absolutamente impossivel deixar de encontrar quer em problemas financeiro-economicos, quer em materia de politica ou de administração.

O Sr. João Franco não dá hoje um só passo que não seja em diametral opposição com o seu passado.

Ora, se isto coincidisse apenas com os problemas de administração, ainda se podia explicar como um processo de viver, de obter uma falsa popularidade, uma maneira de interessar o paiz pela exhibição de um novo figurino.

Mas que um homem de Estado, e com elle um Governo inteiro, até em projectos de secundario valor se apresente em contradicção com o que disse hontem, oh! Sr. Presidente, já é crueldade da sorte e negra sina!

Corria o mez de junho do anno da graça de 1899, o Sr. Beirão trazia ao Parlamento um projecto de lei, que tendia a alcançar a ratificação do instrumento diplomatico que approvava a convenção feita entre Portugal e os Estados-Unidos.

Então estava na opposição o partido regenerador, e o seu leader parlamentar era o Sr. João Franco.

Abriu a discussão, sabe V. Exa. quem ?

Quem saiu de lança em riste a combater, foi o meu amigo, illustre economista e distincto ornamento do partido regenerador-liberal o Sr. Mello e Sousa.

S. Exa. proferiu então um dos seus bellos discursos, que não leio agora á Camara, no qual dizia que essa convenção era um completo desacerto, e, ao terminar, o illustre Deputado d'aquelle tempo, transformado no sympatico Par de hoje, exclamava: «O tratado que se vae celebrar, longe de nos trazer vantagem, nos acarretará um prejuizo consideravel.»

Pois, Sr. Presidente, sabe V. Exa. qual foi o segundo orador que se levantou de lança em riste contra o tratado com os Estados Unidos? Foi o Sr. João Franco Ferreira Pinto Castello Branco.

Levantou-se S. Exa., reeditou as considerações do Sr. Mello e Sousa, que já então era a nimpha Egéria em assumptos economicos, e pedia ao então Ministro dos Negocios Estrangeiros:

«Que se não apressasse a fazer tratados, porque, para os fazer, procurando vantagem para os nossos productos agricolas, teria de sacrificar alguma ou algumas das industrias de algodão, de lã, da seda, e metallurgicas, ficando assim perdidos os grandes esforços que se teem empregado para nos elevarmos a este respeito, e ficando sem trabalho, e na miseria, milhares de operarios».

Assim, pois, o Sr. João Franco, actual Presidente do Conselho, recebeu na ponta da sua espada flammejante esse tratado, depois do Sr. Mello e Sousa, o mesmo sympathico Digno Par que nós temos presente, haver applicado uma tremenda sova ao projecto; e assim a opposição regeneradora-liberal, com o Sr. João Franco á frente, com o Sr. Mello e Sousa como propheta, combatia e votava contra a tratado.

O mesmo Sr. João Franco, agora transformado em chefe de situação, vae á Camara dos Senhores Deputados e apresenta um acto que é a forma indirecta de adherir em doutrina e em ideias á existencia e manutenção do tratado com os Estados Unidos, porque evidentemente não ha melhor maneira de promover á sua sustentação do que applicá-lo á ilha de Porto Rico.

De modo que, a altitude do Sr. João Franco, que em 1899 era de absoluta contradicção com esse tratado, sete annos volvidos, depois da respectiva propaganda messianica em todo o paiz, e da crise moral de arrependimento, apresenta-se defensor do que em 1899 reputava um prejuizo sensivel para os nossos interesses; sete annos volvidos, o tratado com a Republica Norte-Americana é cousa tão boa, que até se deve estender á ilha de Porto Rico. Cousa tão boa! Lembra-me a zarzuela, de que o Sr. Luis de Magalhães tambem deve lembrar-se; lá se dizia:

El que quiera comprar cosa buena Que se venga aqui.

(Hilaridade).

V. Exa. vê que, não me alargando em demasia de considerações, não posso ser considerado como tendo incorrido nesse vicio do obstrucionismo, que tanto provoca as iras maximas do Sr. João Franco.

Vou terminar, mas não o quero fazer sem exprimir perante a Camara um voto.

Quando um Governo, desde as cousas grandes até ás cousas minimas, desde os importantes problemas da administração até o detalhe de um pequeno projecto, não é senão uma contradicção viva entre o que fez e o que faz, entre o que disse e o que diz, esse Governo está ferido de morte.

É claro que á semelhança da baleia, que, depois de arpoada, pode ainda espadanar com as suas barbatanas, o Governo procurará aguentar-se e mover-se no revolto oceano politico, mas o arpeu lá está.

E creia V. Exa. que mais dia, menos dia, havemos de ver o Sr. João Franco, com o seu batel, abordar, Deus lhe dê boa hora, ás plagas da desesperança.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente: — Está extincta a inscrição. Vae votar-se o projecto.

Foi approvado.