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23 DE MAIO DE 1992

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sindicais não se confinam a matéria estritamente profissional.

É assim que mesmo a tese aparentemente mais estrita de Bernardo Xavier vem aceitar a licitude, por exemplo, de greves políticas e de solidariedade — claramente alheias à disponibilidade do empregador.

Ora, não se reüra do preceito do n.° 1 do artigo 1.° do projecto de lei uma conclusão avessa a esta doutrina. Convém sublinhar a diferença entre a expressão por ele utilizada («promover ou defender interesses sócio-profis-sionais») e a do velho Decreto-Lei n.° 392/74.

Assim, não parece sustentável que uma correcta interpretação da disposição em causa restrinja o senüdo constitucional da amplitude dos moüvos de greve.

3 — A greve na função pública, de acordo com o artigo 3.° do projecto de lei, é remetida para legislação especial ao preceituar-se «o exercício do direito à greve dos trabalhadores da função pública».

É, aliás, o que sucede com o artigo 12.° da lei da greve em vigor.

A diferença entre os dois preceitos reside rio facto de o actual artigo 12.° enfatizar, em número autónomo, a garantia do direito à greve na função pública.

Têm sido considerações de oportunidade política e a concretização do princípio da igualdade aplicado aos trabalhadores que levam a admitir, em muitos ordenamentos jurídicos, a greve na função pública.

Esta permissão, a que Portugal adere na lei vigente em homenagem às razões apontadas (e entre as quais se sublinha o princípio constitucional da igualdade), não é posta em causa pelo artigo 3.° do projecto, embora fosse de ponderar uma melhor precisão sua.

A especificidade da Administração Pública dita, ela própria, as características da regulamentação da greve em questão, o que justifica a dualidade de tratamentos legais.

4 — Greve de empresa (artigo 5.°)— contrariamente à lei em vigor, o projecto vem considerar necessária a deliberação de greve pela assembleia de trabalhadores, sempre que o respectivo âmbito se defina por referência a uma única empresa (n.° 1 do artigo 5.°).

Este preceito vinca o carácter individual do direito à greve, cujo recorte jurídico é, no direito português, de grande subtileza.

Na verdade, a greve apresenta hoje, na lei, níveis colectivos e níveis individuais.

O direito de declarar greve identifica-se com uma permissão genérica de fazê-la, a que subjaz a liberdade de associação e de expressão; o direito de fazer greve é já um direito potestativo de adesão à declaração de greve.

O caminho de uma maior autonomia pessoal face aos sindicatos não infringe o texto constitucional.

Não pode extrair-se da Constituição um monopólio sindical de declaração da greve, como sucede relativamente à contratação colectiva (artigo 56.°, n.° 3).

5 — Pré-aviso (artigo 6°) —a lei da greve institui a figura do pré-aviso (artigo 5.°), cujo prazo mínimo é de quarenta e oito horas e atinge em certos casos os cinco dias.

Se é certo que este requisito do pré-aviso não é universalmente consagrado e representa tendência contrária à de várias outras ordens jurídicas, não o é menos não representar ele num coarctar do exercício do direito de greve.

A diferença essencial entre a lei em vigor e o projecto, nesta matéria, reside no alargamento dos prazos do pré--aviso.

Discutível no plano doutrinário, não é sustentável uma limitação ao exercício do direito à greve por esta via.

6 — Negociações prévias (artigo 8°) — alarga o projecto de lei o prazo do pré-aviso para oito dias, sempre que a deliberação do recurso à greve se insira em processo tendente à defesa ou promoção dos interesses colectivos profissionais dos trabalhadores envolvidos.

Este alargamento do prazo não vulnerabiliza o exercício do direito à greve, nem, obviamente, se reconduz a um qualquer dever de paz social.

Parece estar-lhe subjacente uma ideia de boa fé negocial, que, pese a discutibilidade da solução, assim se pretendeu juridificar.

7 — Serviços mínimos (artigo 10°) — a delimitação dos serviços mínimos tem em conta a «satisfação de necessidades sociais básicas» e é exemplificativa a enumeração das empresas que se entendem prestadoras dos mesmos.

A normalização dos «serviços mínimos» não é isenta de escolhos.

Terá sido Pera, em Lo sciopero nei pubblici servizi (Riv. Dir. Lav., 1978, h. 241), quem melhor os recortou: «Serviços utilizáveis pela generalidade das pessoas [...], cuja funcionalidade é inerente à salvaguarda de bens primários destinados a prevalecer sobre a autotutela de categoria.»

O objectivo essencial nestes casos é evitar que a satisfação de necessidades sociais impreteríveis sofra perigo e assim se possam afectar interesses básicos da comunidade.

Independentemente da bondade da solução técnico--jurídica encontrada, parece ser esta a filosofia que preside à redacção dos artigos 10." e 11." do projecto.

8 — Piquetes de greve (artigo 12.") — restringe-se a liberdade de circulação dos piquetes de greve às áreas exteriores à empresa.

O problema de saber qual o âmbito geográfico de actuação dos piquetes de greve está longe de ser pacífico, designadamente na doutrina portuguesa.

Vêm-se afirmando como limites constitucionais à sua actuação os casos em que contendam com a liberdade de trabalhar dos trabalhadores que não aderiram à greve (situação que o artigo 12.° assegura) e discute-se a possibilidade da sua actuação dentro da própria empresa.

A falta de legislação adequada tem dificultado a dogmatização do tema.

Mas, sendo certa a possibilidade de o empregador vedar, em circunstâncias normais, o acesso de trabalhadores a algumas zonas da empresa (nomeadamente a serviços que lhes não compitam), não se vislumbra como sustentar o impedimento de piquetes nessas circunstâncias.

E de nenhum modo parece haver aqui violação de norma constitucional, sem prejuízo da avaliação político--legislativa que se faça da norma.

9 — Proibição de substituição de grevistas (artigo 13°) — reporta-se aos casos limite de sobrevivência da empresa ou de prestação de serviços mínimos. Trata-se de razões de interesse geral (concretamente: a subsistência de uma sede laboral e a satisfação de necessidades sociais indiscutíveis) que justificam actuações adequadas.

Este recrutamento de trabalhadores é claramente assumido como uma ultima ratio.

10 — Efeitos da greve (artigo 14°) — aponta-se o carácter incompleto do preceito, mas não se lhe encontram regras que firam a constitucionalidade.

11 — Formas ilícitas de greve (artigo 16°) — o projecto de lei vem considerar ilícita a chamada «greve trombose».