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nem favor, nem quem os proteja. O governo deve ter sempre em mira velar pela conservação d'estes, e por que lhes não falte o necessario, e deve-lhes procurar trabalho; se vê que o trabalho que são forçados a fazer é com sacrificio da propria existencia, tem obrigação restricta de procurar que elles possam haver o necessario para a sua sustentação e conservação.

Portanto não era preciso que o illustre deputado cá viesse (riso)... Isto foi uma aberração de phrase. Quero dizer — não era preciso que o illustre deputado se levantasse a pedir a discussão dos arrozaes, porque eu estava certo (faço justiça ao governo) de que elle havia de ser o primeiro a olhar para este objecto; mas entretanto entendo tambem que muitas vezes ha objectos de alta importancia, que não sei porque... por uma d'estas eventualidades que se não podem explicar, correm despercebidos, e apesar de se apresentarem sempre em relevo, o tempo corre e passa, e as cousas ficam, mas em pessimo estado, e os povos continuam a soffrer (apoiados).

Terminarei pois dizendo — que estimo muito que o illustre deputado se lembrasse de vir tomar a iniciativa n'um objecto d'esta ordem, e fique certo de que eu estarei sempre ao seu lado. E muito estimo que da parte da maioria appareça este pensamento: um pensamento em partindo da maioria estou certo de que vae por diante, porque a maioria e o governo são a mesma cousa.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Mendonça: — Mando para a mesa um requerimento de um official do exercito.

O sr. Quaresma: — Estimei muito ouvir o illustre deputado; mas pedi unicamente a palavra para me justificar de uma especie de censura que me fez; porque disse que eu no principio da sessão passada tinha instado muito pela discussão do projecto, e que depois afrouxei.

Pelo que eu insisti no principio da sessão passada, foi por que o projecto saísse da commissão: por isso é que eu insisti, e emquanto elle não saíu de lá não me calei (apoiados). E saíu o projecto da commissão quando? No fim da sessão. Ora, eu que não approvo o projecto, se concorresse para que elle então se discutisse, havia de me sujeitar a uma de duas cousas, ou abrir-se a discussão larga, e não se aproveitava o tempo, porque o não havia para discutir, ou o projecto havia de passar, como passam muitas cousas á ultima hora, e isso é que eu achava altamente prejudicial. Comprehende o illustre deputado? Eis-aqui está a rasão por que eu no fim da sessão afrouxei, porque desde que o projecto foi apresentado na mesa até que a sessão fechou mediava muito pouco tempo, e creio que era inteiramente impossivel discutir-se um projecto de tão grande magnitude com aquella serenidade de espirito e de discussão que entendo que é preciso. É um projecto que, pela minha parte, desde já digo que reprovo; por que se visse que era susceptivel de se approvar, se se conformassem as doutrinas do projecto com as minhas, insistiria por que viesse á discussão, e não me importava que passasse em uma ou duas sessões; mas como não queria que passasse, e nos ultimos dias de sessão ha sempre o perigo de passar uma medida que não queremos, eis-aqui a rasão por que me oppuz. E oppuz-me sempre, porque eu antes quero a legislação que está em vigor do que o projecto; porque o projecto dá muito mais latitude á cultura dos arrozaes do que as instrucções actuaes sobre essa cultura.

Portanto está justificado o meu procedimento, sem d'ahi se poder concluir que afrouxei por qualquer outro motivo. Eu já então declarei que sou maioria e ministerial; mas que me afastaria n'este projecto do ministerio, se porventura elle não adoptasse as idéas que eu entendo que são da maioria. E ainda agora posso n'esta questão continuar a ser ministerial; existe ahi um projecto do governo, que eu approvo, e não approvo o da commissão. O sr. duque de Loulé apresentou aqui um projecto que eu approvo, e prefiro-o ao da commissão.

Eis-aqui tem o illustre deputado a rasão por que afrouxei: é porque via que todo o zêlo que empregasse, era prejudicial á causa da salubridade; portanto calei-me.

Estou por consequencia ao lado do illustre deputado, e recebo as suas observações com toda a consideração.

O sr. Sieuve de Menezes: — Mando para a mesa dois requerimentos pedindo esclarecimentos ao governo.

O sr. F. M. da Cunha: — Mando tambem dois requerimentos pedindo esclarecimentos ao governo.

O sr. Presidente: — Não havendo mais quem peça a palavra, passa-se á

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

ELEIÇÃO DE UM MEMBRO QUE FALTA NA COMMISSÃO DO ULTRAMAR, E DE OUTRO QUE FALTA NA COMMISSÃO DE LEGISLAÇÃO

O sr. Presidente: — Os srs. deputados queiram preparar as suas listas. No entretanto tem a palavra o sr. ministro da justiça.

O sr. Ministro da Justiça (Gaspar Pereira): — É para mandar para a mesa uma proposta de lei que vou ler.

É a seguinte:

PROPOSTA DE LEI N.° 6-K

Senhores. — Quando entrava em discussão o capitulo 7.° do orçamento do ministerio a meu cargo, poucos dias antes do encerramento da passada sessão legislativa, um illustre deputado, pronunciando um eloquente discurso contra a conservação da pena de morte no nosso codigo penal, apresentou incidentemente um projecto de lei para a sua completa suppressão.

Ouvido n'essa occasião sobre este assumpto, declarei que concordava com o pensamento do projecto, porém que tinha duvidas ácerca da sua opportunidade. Parecia-me com effeito que a occasião o modo como elle vos fóra submettido não tinham sido talvez os mais opportunos para que, sendo preparado com o cuidado e meditação, que eram necessarios, fosse discutido com a placidez que uma questão d'esta ordem exige, e que difficilmente se póde obter nos ultimos dias de uma sessão legislativa.

O projecto apresentado obteve parecer da respectiva commissão de legislação, mas apesar da boa vontade e reconhecida illustração d'esta, foi tal a precipitação com que ella teve de proceder ao seu exame, que approvando o principio proposto da suppressão da pena de morte, nem uma só regra chegou a formular quanto ao modo de substituição da pena supprimida, nos varios casos em que ainda a admitte a nossa legislação penal actualmente em vigor.

Foi encerrada a sessão antes que o referido projecto chegasse a ser discutido, e o governo vendo tanto em harmonia com os seus proprios sentimentos o desejo evidentemente manifestado pela camara, não hesitou um instante em adoptar tão generoso pensamento. Desde logo eu me propuz a dar ao estudo d'esta questão, mais da minha competencia, todo o cuidado de que elle é merecedor, em rasão dos elevadíssimos interesses que na solução d'ella se acham empenhados. Se por um lado se trata da existencia do homem, o primeiro e um dos mais sagrados dos seus direitos absolutos, trata-se por outro lado da segurança e existencia da sociedade civil, garantia de todos os direitos e condição tão necessaria para a existencia e desenvolvimento do homem considerado na sua vida de relação, como o são os direitos absolutos para o desenvolvimento do homem considerado no seu modo de ser pessoal.

Prestei pois a este objecto a devida attenção no intervallo dos trabalhos parlamentares, e é um curtissimo resumo do estudo que fiz, o que vae servir de relatorio á proposta de lei que tenho a honra de vos apresentar.

No anno que ha pouco principiou termina um seculo depois que Beccaria publicou o seu Tratado dos delictos e das penas, em que a legitimidade da pena de morte foi contestada pela primeira vez. Foi Beccaria o primeiro que protestou contra esta violação do dever social; e meio seculo mais tarde já este protesto de uma grande intelligencia era repetido na tribuna das assembléas legislativas e na barra dos tribunaes, onde a lei, cujo pensamento dominante era o terror, e a vindicta foi substituida por outra a cujas disposições preside a idéa da regeneração moral do culpado pelo castigo que não infama, e pela educação, de cuja falta o crime é tantas vezes consequencia.

Passou mais outro meio seculo, é já a execução de uma sentença de morte não só indigna os espiritos elevados, mas horrorisa os povos nos paizes onde a educação não contraria os instinctos naturaes do homem. O patibulo fugiu do meio do povoado, ou se occultou no recinto das paredes de uma prisão; e o que n'outro tempo era quasi uma festa e uma solemnidade publica, hoje é como uma acção cobarde e villã que a sociedade como que se envergonha de praticar em publico e á luz do dia. É o instincto da humanidade que condemna o que a lei não tardará a condemnar, porque espero que não será mister que decorra outro meio seculo para que seja necessario, que se vá fóra da Europa, se ainda se quizer encontrar a pena de morte escripta nas paginas do codigo penal de alguma nação culta.

Eu não levantarei de novo aqui uma questão já terminada em toda a parte — a da legitimidade da pena de morte. A esse respeito bastará dizer que esta pena ataca um direito absoluto, e como tal inviolavel. Porém quando tal pena de per si mesmo não fosse illegitima, uma só consideração bastaria para a condemnar: é absolutamente irreparavel. As penas irreparaveis são moralmente impossiveis, emquanto a infallibilidade não for uma das mais vulgares qualidades do espirito humano, bem como a rectidão absolutamente invariavel uma de suas mais caracteristicas feições.

Um dos mais notaveis criminalistas modernos que ainda defendem a legitimidade da pena de morte, conclue com estas notaveis palavras:

«Recapitulemos estas differentes reflexões. A pena de morte não tem em si propria o cunho da illegitimidade; cabe no direito da sociedade. Mas o exercicio d'este direito está dependente de duas condições: a sua efficacia e a sua actual necessidade. A efficacia da pena de morte a respeito de certa classe de crimes, cuja causa determinante nasce do interesse, e ainda mesmo da paixão, é incontestavel; mas até nesses casos a sua applicação póde dar logar a terriveis arrependimentos. Finalmente a sua necessidade actual é vivamente negada; e é forçoso confessar que factos graves e novas circumstancias dão a essas negativas um valor que de dia para dia augmenta. A duvida tem-se apoderado de muitos espiritos; porém o legislador antes de conceder definitivamente a suppressão d'aquella pena, deve aguardar que essa suppressão não vá destruir o socego de todos, e que seja adoptada pelos costumes. Não deve preceder a sociedade; deve limitar-se a segui-la.»

Nas phrases que ahi ficam transcriptas está a mais formal condemnação da pena de morte lavrada não ha muitos annos por um dos poucos criminalistas para quem nem a propria illegitimidade d'ella chegou a encontrar duvida. Podemos pois, sem receio, tomar para ponto de partida as conclusões d'aquelle illustre escriptor, e indagar se a suppressão da pena de morte em Portugal:

1.° Será adoptada pelos costumes;

2.° Será perigosa para a segurança publica.

Examinemos cada um d'estes pontos.

Ha dezoito annos que em Portugal não é executada uma sentença de morte pronunciada por tribunaes civis. A ultima execução que houve foi em Lagos a 22 de abril de 1846. E é justo que tambem se diga que desde o definitivo restabelecimento do governo liberal no paiz, nunca as execuções capitaes foram muito numerosas. Assim nos treze annos que decorreram desde 1833 até 1846 em 99 réus condemnados á morte houve apenas 32 execuções, sendo commutada a pena aos 67 restantes.

E comtudo é mister confessar tambem que relendo-se os processos d'esses poucos réus executados não fica o espirito fóra da duvida de que algum d'elles haveria em que a applicação de tão grave pena devesse ser substituida pela de outra susceptivel de reparação, se de futuro se mostrasse, como talvez não fosse impossivel em alguns casos, ou a menor criminalidade do réu, ou a inimputabilidade dos factos que praticára em rasão do estado de desordem de suas faculdades mentaes. Não quero com estas reflexões fazer censura a alguem. Quero só mostrar com o que aconteceu no meio de um tão pequeno numero de execuções quanto são perigosas as penas irreparaveis e quão pequena é a distancia que na execução d'ellas separa a sociedade do criminoso. Póde acontecer, e mais de uma vez tem acontecido em todos os paizes, que sobre os degraus do patibulo o maior criminoso não é o réu executado; é a sociedade que o assassina pela mão do carrasco.

Ainda outra observação. Era uma das sobreditas execuções, que teve logar no Porto em 23 de julho de 1838, a impressão que o apparato da execução fez sobre o povo, que tinha affluido ao logar d'ella, foi tal que a multidão por duas vezes fugiu espavorida! Na execução que teve logar em Lisboa em 26 de abril de 1842 o sacerdote que acompanhava o padecente caiu fulminado por uma apoplexia, ao chegar com elle aos degraus do patibulo. Estes e outros factos, que ainda depois tiveram logar em outras execuções, foram pouco e pouco produzindo tal impressão no espirito publico, que os differentes governos, que desde 1846 têem gerido os negocios do paiz, têem preferido auxiliar com seus conselhos a disposição natural do animo dos monarchas portuguezes, sempre inclinado á clemencia, a renovar aquelles espectaculos não menos repulsivos para o governo que os ordena, do que para a sociedade que os presenceia.

É pois o nosso paiz o unico da Europa em que a pena de morte está ha dezoito annos supprimida de facto. O costume precedeu a lei; e esta, expungindo de suas disposições aquella pena, longe de se antecipar á sociedade, não fará mais do que sanccionar um facto ha muito aceito pelos costumes publicos, que hoje seria difficil contrariar. Se a pena de morte continuasse inscripta na nossa legislação penal, eu creio poder affirmar que não seria possivel encontrar um ministro da justiça, que ousasse aconselhar a El-Rei a denegação do uso do poder moderador, e tivesse coragem para mandar novamente cravar as escoras de um patibulo no sólo de Portugal.

Vejamos se a outra condição havida pelos partidarios da pena de morte, como indispensavel para a sua suppressão, se verifica igualmente entre nós.

A suppressão da pena de morte será perigosa para a segurança publica? Por outros termos: deverá haver receio de que supprimida a pena de morte augmente a criminalidade?

Infelizmente não possuimos elementos estatisticos dignos de seria confiança até ao anno de 1850. Não só esta ordem de trabalhos esteve até então, e ainda um pouco depois, em estado de grande desorganisação, mas tambem ninguem ignora que ainda, quando organisados estivessem os seus resultados, não podiam dar-nos indicações seguras ácerca do estado normal do paiz com relação á criminalidade.

Todos sabem quanto na criminalidade de uma nação póde influir, por um lado a falta de força repressiva por parte da auctoridade publica, e por outro a excitação das paixões politicas, quasi sempre em luta occulta, mas cheia de malquerenças e odios, que umas vezes resfolgam pela vingança isolada, outras vezes pela porta mais larga que lhes abrem as lutas civis e as publicas discordias intestinas. É n'essas occasiões impossivel distinguir os crimes, ou sejam contra as pessoas ou contra as propriedades, que resultam das paixões politicas, que actuam no momento, e que d'ahi a alguns mezes ou annos estarão acalmadas, d'aquelles que tem a sua origem na preversão moral dos individuos; cancro social a que as leis penaes, coadjuvadas pela educação publica, são chamadas a dar remedio.

Foi o que entre nós aconteceu. Largos annos se gastaram a assentar a organisação administrativa do paiz sobre as ruinas do antigo regimen derrocado e proscripto. A excitação produzida pela longa luta civil, que o estabelecimento do regimen constitucional tinha custado; a falta de vigor da administração publica emquanto não se achou definitivamente organisada; e finalmente o estado de revolução quasi permanente, em que o paiz esteve até 1851, não permittiriam, ainda que houvesse trabalhos estatisticos regulares, discriminar a parte, que nos resultados por elles offerecidos pertencia ás causas ordinarias, da que sómente a causas extraordinarias se deveria attribuir.

Em 1852 os trabalhos de estatistica criminal receberam uma certa organisação pelo ministerio a meu cargo, principiando-se logo a reunir os factos relativos ao anno immediatamente anterior. E por esta occasião seja-me permittido declarar que, em resultado dos elementos preparados pelo decreto com força de lei de 19 de agosto de 1859, espero que pouco tempo decorrerá antes que os trabalhos de estatistica criminal attinjam entre nós a perfeição com que são executados na Austria, na Inglaterra, em França e na Hespanha. Os trabalhos relativos ao anno de 1861 estão quasi concluidos, e muito adiantados os de 1862.

Portanto pelos motivos expostos aproveitarei sómente os dados que me fornece a estatistica dos dez annos decorridos entre 1850 e 1860.

São resumidamente os seguintes: