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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso do sr. deputado Sousa Lobo, pronunciado na sessão de 17 do corrente, que devia ler-se a pag. 67, col. 2.º d'este Diario

O sr. Sousa Lobo: — Julgome obrigado a fallar sobre este assumpto, que aliás me parece de maxima importancia, principalmente para explicar como, tendo eu na sessão legislativa passada votado n'um sentido, hoje votei n'um sentido inteiramente opposto.

Até ao fim da sessão passada eu entendi que as circumstancias do paiz eram umas, hoje entendo francamente que as circumstancias o paiz são outras.

Ao contrario do sr. visconde de Arriaga, que ha pouco, acompanhando o partido regenerador, entendeu que o espirito do seculo tinha recuado, eu estou convencido de que, se em 1872 era occasião propria para se apresentar uma proposta para a reforma da carta, hoje a occasião é ainda mais opportuna para se tratar d'essa reforma.

Mas, occupando-me d'esta questão, não tenho unica e exclusivamente em vista explicar o meu voto de ha pouco; tenho tambem por fim explicar a minha posição n'esta casa, a qual é de opposição ao governo.

Eu e mais alguns collegas n'esta camara estamos resolvidos a fazer opposição ao governo, estamos decididos a fazer-lhe uma opposição franca e tenaz a elle a quem por tantos annos acompanhámos com a maior lealdade e aquém com a mesma lealdade declarámos que guerreámos agora.

E a rasão, por que retirámos ao governo o nosso apoio, parece-me que é facil de conhecer; explica-se esse procedimento pelo facto de que a missão do governo é hoje inteiramente differente do que tem sido, e o governo não se quer elevar á altura d'esta.

Quando os srs. ministres foram para aquellas cadeiras, a missão de s. ex.ªs era uma missão unica e exclusivamente de ordem publica; era esse o principal papel que tinham a desempenar, e emquanto o não tivessem desempenhado a nós cumpria nos continuar a apoia-los, porque estavam satisfazendo a uma grande necessidade do paiz.

E eu peço licença a V. ex.ª para insistir n'este ponto, o que é de algum modo fazer o elogio da administração actual pelo que diz respeito a actos -seus passados.

Quando os srs. ministros actuaes foram chamados ao poder, a vida politica d'este paiz achava-se n'um estado de anarchia mansa.

Eu via, havia alguns annos a esta parte, as situações, geralmente fracas, viverem pouco tempo e não poderem portanto realisar os seus programmas, morrendo antes da hora em que naturalmente deviam morrer.

Eu vi, por exemplo, o gabinete do sr. Joaquim Antonio

d'Aguiar, o qual parecia dever ser muito duradouro, depois de fazer votar pelo parlamento medidas de alto alcance, caír quando era apoiado nas duas camaras, quando ainda na vespera tinha ou parecia ter a confiança da corôa, quando não havia na opinião publica manifestações graves contra elle, porque apenas na segunda cidade do reino uma parte do commercio se lembrou de fechar a meia porta.

Eu vi o gabinete do sr. bispo de Vizeu, cercado de popularidade, indicado pela opinião publica para realisar economias; passados alguns mezes de estar no poder, patentear o desejo de se retirar e retirar-se effectivamente pouco depois, declarando que, se fizera algumas economias, não fizera comtudo quantas desejava; que mais outras havia a fazer, mas que já não tinha força para desempenhar a sua missão.

Eu vi outro ministerio, que tive a honra de apoiar n'esta camara, o ministerio do sr. duque de Loulé, composto de homens abalisados do paiz, apoiado não só pelos elementos do partido historico, mas tambem pelos do partido regenerador, porque então os dois se achavam fundidos n'um só, realisar medidas importantissimas, trazer ao parlamento projectos de outras de não menos alcance, adquirir as adhesões de quasi todo o paiz, ter a confiança da corôa; e apesar de tudo isto, caír, de um dia para o outro, diante de um imprevisto e limitado movimento militar.

Vi o sr. marquez d'Avila, alto estadista, homem de talento consummado, chamado por duas vezes a conjurar grandes crises, atravessar rapidamente o poder e não se demorar n'elle; não porque a sua capacidade não fosse para muito, mas porque circumstancias anarchicas, independentes da sua vontade, estorvavam os seus meios de acção.

O estado do paiz por consequencia era anomalo, não havia vida constitucional e regular, e os governos não dispunham da força necessaria. Era preciso que apparecesse um ministerio que robustamente levantasse o principio de auctoridade, era necessario restabelecer o principio da ordem, trazer a evolução constitucional a uma existencia mais bem regulada.

O partido para realisar esse grande papel era, sr. presidente, o partido regenerador, não pela maioria dos homens que o compõem, não pela maioria dos ministros que actualmente se sentam n'aquellas cadeiras, mas porque um grande homem, um homem de altas e excepcionaes faculdades politicas para a missão referida, tomava parte n'esse partido.

Se este homem estivesse em outro qualquer, em logar de estar no partido regenerador, fosse chamado como foi a governar, as cousas ter-se-hiam passado exactamente como se passaram.

Não quero atacar modéstias nem quero provocar respostas: quando aqui dentro e fóra d'aqui no paiz se indica, como acabo de fazer, tal homem d'estado, todos sabem de quem se falla, todos sabem o seu nome. Esse homem cercado dos seus collegas estabeleceu por tal fórma o principio da ordem, que as causas que antigamente se davam estão, a meu ver, completamente debelladas.

Dizer-se agora que pela sua retirada do poder ámanhã as cousas voltariam ao seu antigo estado, depois' de um periodo de quatro annos, era fazer-lhe o elogio funebre. Não sou eu que lh'o farei. A missão está acabada; a ordem está restabelecida por tal fórma que ámanhã, graças áquillo que se tem feito, qualquer situação póde vir; e tenha a certeza que, se souber governar, terá vida longa e socegada.

Agora, porém, e só agora, é tempo (antes era preciso não enfraquecer esta situação) de perguntar como o governo, que tão bem serviu a causa da ordem, tem servido a causa, que não repugna aquella, antes com ella se liga infimamente, da liberdade.

Desde que empunhou o poder, promette-nos a descentralisação administrativa, a vida propria e livre para a parochia, para o municipio e para o districto; promette-nos a

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instrucção popular que leve a luz do entendimento ás mais Ínfimas camadas sociaes; e as promessas não se realizaram ainda. E para que taes promessas sejam mais irrisorias, tem-nos trazido aqui uns projectos, que ou morrem no seio das commissões, ou não chegam a discutir-se na camara.

D'antes o partido regenerador tinha opiniões avançadas, que constituiam o seu credo; apostolava-as com a força das ardentes convicções; e tudo arrostava para as converter em instituições do paiz, tudo, até a popularidade (tão querida dos partidos), quando lhe era mister perde-la, arcando braço a braço com os erros populares e com 03 preconceitos das massas.

Hoje ainda quer erguer ás vezes com mão vacillante o estandarte do progresso, mas como já não é a sua bandeira, por isso lhe escorrega dos dedos.

Os srs. ministros não se atrevem a renegar abertamente as tradições do seu partido, mas fazem-lhes a peior das guerras, a guerra surda da inercia; e procrastinam e adiam, o mais que podem, tudo quanto são medidas liberaes.

Até mesmo com relação aos melhoramentos materiaes, antigo e nobilissimo brasão do partido regenerador, perderam a iniciativa brilhante de outras eras. Ha tres annos que o parlamento luta para dotar o paiz com os caminhos de ferro das duas Beiras; ha tres annos, que foi aqui apresentado um projecto de lei n'este sentido, assignado pela grande maioria da camara dos srs. deputados; ha tres annos que combatemos palmo a palmo, para quebrarmos as resistencias ardilosas e a estrategia negativa d'aquelles, que d'antes estariam contra ellas ao nosso lado! Só agora o governo afinal deixa de pôr estorvos á realisação de tão grande idéa; e cumpre n'este ponto as promessas tantas vezes e tão solemnemente feitas!!

A rasão de que não tem havido tempo para tratar dos assumptos importantes a que me tenho referido, porque outros assumptos têem occupado a attenção da camara, é uma rasão frívola; toda a gente sabe o modo intimo por que a maioria vive com o governo, todos sabem a facilidade com que o governo dirige a maioria, e se o governo quizesse seriamente fazer passar aquellas propostas de lei, antes de milhares e milhares de projectos de pequenissima utilidade, podia perfeitamente te-lo conseguido.

Portanto, se os trabalhos não foram dirigidos n'esse sentido, foi porque o governo não quiz, foi porque o governo está muito bem com a instrucção publica que tem, com a administração publica actual, e creio que muito satisfeito com os caminhos de ferro, que já podiam estar a esta hora em construcção e que ainda não sabe se se farão ou não, porque ainda ha dois dias o projecto passou na camara dos dignos pares do reino.

Dizer-se que o governo não teve tempo material para vir á camara tratar d'esses assumptos, e que a camara tambem não teve esse tempo, é um argumento que (alem do que fica dito) se destroe por si mesmo. Pois qual a rasão por que o parlamento se encerrou logo, apenas decorridos os tres mezes marcados na carta como o minimo da duração de cada sessão legislativa?!

Parece-me que a duração da sessão legislativa deve andar em harmonia com o tempo necessario para pôr em execução as medidas que o discurso da corôa na abertura d'essa sessão nos promette.

Quando o discurso da corôa enumera uma certa ordem de medidas e melhoramentos, com que o parlamento tem

de occupar-se, parece-me que, em quanto não estivessem approvadas em ambas as casas do parlamento essas medidas, o governo não deveria aconselhar á corôa o encerramento d'essa sessão legislativa.

Mas o governo não deseja o parlamento aberto, e tem dado d'isso provas, porque desde que está no poder, logo que se completa o minimo do tempo marcado na carta, para que o parlamento esteja aberto, elle trata de aconselhar o seu encerramento. Um governo inimigo, assim, da vida parlamentar, dá-nos mais uma indicação das suas tendencias altamente conservadoras.

Agora com relação á reforma da carta, ao ponto que principalmente prende a nossa attenção, direi poucas palavras.

Fique, um pouco surprehendido de ver aqui aventar que não se devia tentar uma reforma da carta, emquanto ella não podesse ser bandeira de paz e congraçar em torno de si todos os partidos.

Esta idéa, que eu respeito pela alta capacidade que a expendeu, não póde ser a minha. Se assim fosse nós feriamos que censurar o dador da carta, porque quando elle quiz outorgar essa carta que ha tanto tempo é a nossa constituição politica e a base das instituições por que nos regemos, não esperou para isso pela paz, nem pelo aprazimento de todos os portuguezes. A carta foi trazida por uma guerra civil, mas valia tanto que mesmo depois os que se combatiam se abrigaram á sua bandeira.

As outras leis do paiz, embora não sejam constitucionaes, tambem têem importancia e valor, e se não devêssemos fazer as leis senão quando a opinião publica é tão positiva e tão clara, que ninguem as impugne, então para que serviam e3tas discussões que ha sempre nas assembléas legislativas entre a maioria e a minoria? O principio prova de mais.

A 'carta, como todas as leis, póde ser discutida logo que o parlamento conheça que é isso de necessidade: a representação nacional é suficiente para o declarar.

E como sabiam os srs. ministros que a reforma da carta não era na presente occasião uma bandeira de paz, antes de ser discutida essa reforma? Gomo sabem a priori que ella havia de ser estandarte de guerra?

O que eu posso ainda menos comprehender é a opinião de alguns illustres deputados da maioria, que sustentam que a reforma da carta seria perniciosa n'este momento. Parece-me que estes senhores negam a doutrina do progresso ou então que se a acceitam, estão em desharmonia com as opiniões do governo.

E doutrina do governo que nós ha quatro annos estavamos muito preparados para a reforma da carta, e a opinião d'estes senhores é que o paiz ainda não e3tá preparado.

E pergunto eu, o mundo não tem progredido? Eu entendo que sim, e muito; e entendo mais, que nós reformando essa carta, que conta já quarenta annos de existencia, não fazemos mais do que harmonisar o nosso codigo com o de outras nações, regidas como a nossa por monarchias constitucionaes, e que não nos póde resultar d'ahi transtorno algum.

Eis o que me convinha dizer a V. ex.ª, não só com relação ao meu voto, mas tambem com relação á posição que occupo n'esta casa (apoiados).

Vozes: — Muito bem.

Sessão de 29 de janeiro

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