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Discurso do sr. Ministro da Fazenda e Marinha, Mello Gouveia, pronunciado na sessão de 26 de janeiro, e que devia ler-se a pag. 265, col. 1.ª

O sr. Ministro da Fazenda e Marinha (Mello Gouveia): — Agradeço a benevolencia do illustre deputado, e vou aproveitar-me d'ella, fallando no seu logar, para fazer algumas ponderações, que me cumpre trazer a este debate, por dever dos meus cargos, pois receio que mais tarde as não possa fazer, tão incommodado de saude me sinto já.

Sr. presidente, ainda bem que estão definidas as posições! Repugnam as situações duvidosas, as posições dissimuladas aos illustres deputados que romperam o debate?! Pois eu vou mais longe do que s. ex.ªs, eu desadoro-as! (Apoiados.) e porque as desadoro é que, escrevendo o relatorio da fazenda, não soube conter o meu espirito, e deixei correr aquellas palavras descuidadas, que exprimiam o meu sentimento intimo da situação que vinha encontrar n'esta camara, palavras que foram habilmente aproveitadas por um eloquente orador, para declarar em plena audiencia o réu confesso, ou o governo por convicto da sua incompatibilidade politica com o parlamento.

E, comtudo, creio que não dei novidade a ninguem affirmando um facto pathologico, denunciado por tamanho apparato de padecimentos intimos e symptomas externos, que não se podia enganar no seu diagnostico o mais boçal dos praticantes da medicina politica! (Apoiados.)

Pois quem duvidava, sr. presidente, de que o governo havia de encontrar nesta sessão a hostilidade desta camara! Tão poucos eram os arautos, tão escassos eram os manifestos da declaração de guerra, que podessemos hesitar em acreditar na seriedade das suas ameaças?! Não, sr. presidente, nenhum dos membros do governo se fez illusão sobre este ponto; e o nobre presidente do conselho menos do que todos experimentado como é na vida publica, e habituado, como está, a ler nos astros, que desencadeiam as tempestades ou fazem as bonanças da politica!

Mas se sabiam a sorte que os esperava, para que vieram cá? Porque não derimiram a questão do modo regular por que ella se resolve? Dizem os illustres deputados.

Mas qual questão, sr. presidente? Pois o que se passa fóra d'esta casa, o que aqui mesmo acontece com a eleição

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de uma commissão, de duas commissões, de todas as commissões, póde absolver o governo de dar conta de si, de esperar que lh'a tomem e o julguem?! (Apoiados.)

São actos de hostilidade, com certeza, mas actos que não podem justificar a deserção dos ministros, nem auctorisal-os a abandonar o seu posto antes de uma declaração curial de incompatibilidade parlamentar.

Mas provocassem-a! Dizem ainda os illustres deputados.

Oh! sr. presidente, pois o papel do governo é o de provocador?! Não é, não, sr. presidente, é precisamente o opposto, é o de pacificador e o de conciliador, se o póde ser. N'esta região da auctoridade é defeza a entrada ás impaciencias, aos despeitos, aos resentimentos, e nem sequer é licita a saudade dos commodos pessoaes. Aqui não póde estar senão a serenidade da justiça, o sentimento do dever e a resolução de o cumprir até ao fim. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

Sr. presidente, nós queremos, eu, pelo menos, quero ser discipulo aproveitado do illustre publicista, o sr. Dias Ferreira, que nos ensinou aqui, ha dias, que são sempre fracas e insufficientes para a governação publica as soluções illogicas das crises ministeriaes; queremos prestar homenagem á sua doutrina constitucional. Se não tivemos a fortuna de trazer para a organisação d'este gabinete a força de uma solução logica, por consequencia fatal e necessaria da desmembração tambem illogica d'aquelle que o precedeu; queremos, ao menos, dar essa vantagem aos nossos successores, prestar a força de uma solução logica ao gabinete que nos succeder, morrendo aqui, se morrer devemos, com os sacramentos constitucionaes, para nos levarem por aquella porta fóra com todas as ceremonias da pragmatica parlamentar. (Apoiados.)

Estamos pleiteando agora o funesto caso de vida ou de morte com os olhos no céu e a mão na consciencia, como victimas resignadas, que se preparam para o incruento sacrificio a que as chama a injustiça dos homens e a sua triste sina.

Mas se, á vista da cruel impaciencia com que a maioria nos quer immolar... (O sr. Thomás Ribeiro — Immolar não!) devo já considerar me in extremis, permittam-me que eu aproveite os ultimos momentos, para recommendar á caridosa compaixão dos meus nobres collegas esses pobres filhos, que ahi deixo, n'essas propostas de fazenda, que, orphãos de pae, vão de certo encontrar o desamor de estranhos, que já tiveram a dureza de me annunciar o seu repudio.

Sr. presidente, eu fui tão infeliz na minha estreia financeira, que até o Diario do governo se poz do lado dos meus inimigos para inverter na publicação a ordem das minhas propostas; começando pelas que não foram referidas no relatorio da fazenda como meios de receita, e eram (desculpem me a vaidade) como que uma especie de supplemento da minha diligencia fiscal, para as offerecer logo á primeira vista do illustre deputado, o sr. Dias Ferreira, e leval o a notar o vago das auctorisações pedidas e a necessidade de serem definidas em pontos determinados, para se não impôr ao parlamento uma abdicação das suas prerogativas.

Não eram, como disse, as propostas summariadas no relatorio como meios de receita, comquanto possam concorrer poderosamente para a beneficiar, por effeito das reformas do serviço interno e externo das alfandegas, a que ellas se destinam; mas como foram estas as que mereceram a attenção do illustre deputado, eu quero responder ao objecto da sua critica, fazendo notar á camara, que a auctorisação geral para estas reformas tinha pontos obrigados nos respectivos relatorios, sufficientemente explicados, que o exame na commissão com assistencia do governo poderia definir no respectivo projecto de lei, se n'isso concordassemos, suppostas as duvidas da commissão em confiar ao governo ampla auctoridade para executar aquelle pensamento.

Assim, senhores, a auctorisação pedida para reformar o serviço interno das alfandegas, notava:

«Que o numero dos empregados das alfandegas da raia era excessivo e mal remunerado, mostrando a necessidade de se reduzir e pagar melhor; e a de se mudar a situação de muitas d'estas casas fiscaes;

«Que a uniformidade e a efficacia da direcção das alfandegas de 1.ª classe exigia que se convertessem em delegações das alfandegas de Lisboa e do Porto as alfandegas maritimas de 2.ª classe e a de Elvas, devendo tambem constituir-se em delegações da alfandega do Porto a de Valença, onde termina o caminho de ferro do Minho, e a da Barca d'Alva, onde começa o serviço de transito pelo Douro das mercadorias hespanholas; que se attendesse particularmente ao serviço das delegações das alfandegas de Lisboa e do Porto nos caminhos de ferro; e muito especialmente ao serviço de contagem e conferencia d'estas alfandegas, que cumpria fosse feito por pessoas competentes, augmentando o numero dos verificadores e reduzindo o de outras classes;

«Que se provesse a que as verificações nas ilhas e em Faro fossem feitas por quem soubesse verificar;

«Que era indispensavel reduzir o praso da armazenagem; incompativel hoje com o desenvolvimento commercial;

«Regular as aposentações com mais equidade e mais proveito do serviço;

«Compor a administração superior e o conselho das alfandegas com elementos proprios, para attender a especialidade d'este serviço;

«E, emfim, reformar o regimento de multas em termos mais conformes á gravidade dos delictos e á importancia das infracções, que anda em desharmonia com o merecimento dos casos, exagerado ou relaxado sem fundamento racional.»

A proposta de reforma da fiscalisação externa das alfandegas notava:

«A insufficiencia normal do quadro d'esta fiscalisação;

«A falta de estimulo para se procurar este serviço pelo mesquinho vencimento dos guardas de 2.ª classe e pela difficuldade do accesso á 1.ª, procedente do limitadissimo quadro desta classe; o impedimento actual de mais de quatrocentos guardas sem serviço nem idade para se reformarem;

«A inutilidade da fiscalisação no interior do reino;

«A necessidade de reforçar a fiscalisação na raia, na costa e nos portos com pessoal sufficiente, bem armado, auxiliada por barcos guarda costa e por um serviço telegraphico accommodado ao uso das estações fiscaes da costa e da raia;

«A necessidade absoluta de uma linha de circumvallação no Porto.»

Creio, sr. presidente, que tinhamos aqui pontos bem definidos de reformas necessarias e urgentes, declarados nas propostas, que mereciam bem o exame da commissão de fazenda, com assistencia do governo, para se concordar no que podia ser amplamente auctorisado ou cumpria que fosse restricto a bases determinadas; e que a critica do illustre deputado foi uma habilidade oratoria para conclusão do effeito do seu brilhante discurso, mas não foi justa com as intenções e espirito do governo. (Apoiados.)

Nem era para estranhar que estas propostas aqui viessem em fórma de auctorisação geral, porque do mesmo modo cá têem vindo outras, e muitas de maior alcance.

Meus senhores, ou tenho a desvantagem de ser o decano d'esta casa na inscripção parlamentar. Entrei aqui pelas eleições indirectas de 1847. Não está aqui outro deputado d'essa data. Sei, portanto, desde muito as formulas por que aqui nos dirigimos.

Nada direi sobre a urgencia d'estas reformas. Tenho aqui diversos apontamentos sobre as desordens e inconvenientes d'estes serviços, que não lerei á camara para a não enfadar, e mesmo porque os colligi para elucidar a commissão e a

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camara na discussão das propostas, e não para este debate, onde não têem logar, e só poderão servir para o irritar, o que eu não desejo.

Mas sempre lembrarei á camara, porque já o indiquei como ponto de attenção, que temos mais de quatrocentos guardas impedidos, sem idade nem tempo de serviço para serem reformados, para que a camara ajuize do enfraquecimento e perturbação que deve ter occorrido no serviço da fiscalisação, procedente d'este facto, que tem de certo origem em algum vicio radical das admissões que muito importa extirpar. (Apoiados.)

Mereceu ainda as honras da attenção do s. ex.ª a proposta para a cobrança coerciva dos impostos em atrazo.

S. ex.ª notou que se pedia auctorisação para crear magistraturas e jurisdicções, o que de certo não seria caso estranho nem exorbitante, porque as magistraturas e as jurisdições dá-as a lei, e a lei faz-se aqui. Mas a proposta não chega a tanto, sr. presidente; a proposta não quer crear empregadas novos para julgarem nas execuções dos impostos, a proposta pede lei para se entregar a jurisdição n'estes processos a auctoridades judiciaes ou administrativas já creadas, como for mais conveniente. E a rasão dá-a a mesma proposta — os administradores de concelho, que entendem n'estes processos, estão de tal modo cheios de trabalho, que as cobranças atrazadas sujeitas a relaxe accumulam-se até á somma de mais de 5.000:000$000 réis (20 por cento das nossas receitas!) E o contribuinte que paga bem os seus encargos tributarios ha de naturalmente reparar em que se deixem chegar as cousas a este ponto, do que no fim de contas é elle que ha de solver a responsabilidade, pagando as falhas, que são certas e crescem com a demora das cobranças, e supportando o acrescimo de imposições que as difficuldades do thesouro, procedentes d'esta origem, hão de levar-lhe. Ora se os embaraços das obrigações da administração civil impedem muitos administradores de concelho de attender ao serviço fiscal, que remedio temos senão dar auctoridade a outros agentes, que possam melhor desempenhar-se d'esta obrigação?

As auctoridades judiciaes podem em muitos logares satisfazel-a, e os substitutos dos administradores de concelho têem do mesmo modo muito tempo para a attender.

É singular! Esta proposta tem aqui sido trazida por differentes ministerios, com mais ou menos modificações, todas de pequena importancia, e ainda d'aqui não pôde saír! Vejo todas as probabilidades de que d'esta vez tambem lhe vae succeder o mesmo.

Notou finalmente o illustre deputado, que as propostas não diziam o que se podia alcançar por ellas no augmento de receita. N'esta parte referia-se s. ex.ª evidentemente ás que o relatorio de fazenda summariava, porque as de que s. ex.ª havia tratado não levavam essa intenção directa. Foi este um reparo em que s. ex.ª passou levemente, por lhe parecer talvez que essa avaliação, sempre conjectural, sujeita a numerosas contingencias, não era essencial. Não disse o governo o que esperava obter de cada uma das suas medidas fiscaes, limitando-se a affirmar, como affirma hoje, que hão de cobrir o deficit orçamental, porque não tinha por necessario dizel o desde já; principalmente não sendo o seu proposito lançar ao paiz uma collecta de somma determinada, desse aonde desse, mas aperfeiçoar o systema de lançamentos e cobranças, de modo que pague quem deve e o que devo; resultado mais que sufficiente para o equilibrio orçamental.

Mas não pense v. ex.ª, sr. presidente, que este ponto seja muito obscuro nas propostas, e que não esteja ao alcance de toda a gente, que conhece um pouco a situação e o movimento economico do paiz, calcular sobre ellas o producto provavel da sua execução, convertidas em lei. Pois que, se começarmos pela contribuição predial e seguirmos pela industrial, comparando as disposições propostas com as das leis actualmente em vigor, bastará um simples calculo de numeros, que não sobe da esphera das quatro operações, para vermos que não é exagerado esperarmos 500:000$000 réis da primeira e 200:000$000 réis da segunda.

Os resultados das propostas da contribuição sumptuaria e decima de juros são mais difficeis de computar, mas os que conhecem os abusos que estas propostas vão corrigir, não terão repugnancia em admittir, que aquella poderá acrescentar a receita em mais 20:000$000 réis, e esta em 40:000$000 réis.

Ninguem ignora que a grande massa de papeis commerciaes anda subtrahida ao imposto do sêllo (Apoiados.); e se isto é um facto sabido e notorio, quem tiver alguma idéa do movimento da nossa industria e do nosso commercio interno e externo não se poderá admirar de que este imposto suba mais 300:000$000 réis (comprehendido o sêllo dos arrendamentos, que tambem anda muito defraudado), por effeito das providencias da respectiva proposta, que tendem a acautelar estes desvios.

A rigorosa fiscalisação da contribuição de registo e as novas bases de collecta sobre que ella se alarga, nos termos da proposta apresentada, devem dar ao thesouro mais de 100:000$000 réis do que agora se cobra.

Nas contribuições indirectas temos a proposta de substituição da taxa complementar de 1 por cento ad valorem por 4 por cento addicionaes ao direito de importação, que a mesma proposta calcula em 116:000$000 réis de augmento de receita, contados sobre dados conhecidos. A proposta que sujeita os direitos de exportação a uma tabella de valores officiaes, revista todos os quatro mezes, lá diz que é providencia para obter 140:000$000 réis mais de receita, comprehendido o direito proposto para a cortiça.

E, finalmente, a proposta sobre o real d'agua tem em si os elementos de informação sufficientes, e uma exposição de factos concludentes para nos convencer de que apertada a fiscalisação, como se propõe, é impossivel que não dê muito mais de 500:000$000 réis de augmento de receita. Affirmam-nos os factos experimentados da fiscalisação d'este tributo, e afiança-nos a larga extensão do consumo dos generos sujeitos ao imposto a grande elevação da receita d’esta procedencia, que, se fóra calculada pelas estatisticas conhecidas do consumo, e suppondo só metade d'elle sob o alcance fiscal, dispensaria o auxilio que fomos procurar ao producto de outros tributos.

Tenho fé em que estas propostas podem encher, e bem calcado, o vacuo financeiro. E ficam-nos de reserva as da cobrança coerciva das contribuições em atrazo e da troca da moeda subsidiaria de cobre e bronze, para attender á amortisação da divida fluctuante pelas liquidações d'aquella e beneficios d'esta.

Devo, porém, advertir que não ponho em grande altura os beneficios financeiros, da troca, em cunhos novos, da moeda subsidiaria de cobre e bronze. Não quero fazer uma moeda demasiadamente fraca. Recuso as exagerações de valor nominal com que nos pretendem fascinar os pretendentes á empreza d'este fabrico, offerecendo ao thesouro fingidos lucros de milhares de contos, guardando para si beneficios muito verdadeiros de centenas d'elles, como se nós ignorassemos o valor dos materiaes de que se faz esta moeda e o seu custo de mão de obra; e fossem elles, e não nós, que lhe damos o valor da circulação. (Apoiados.)

Já vê v. ex.ª, sr. presidente, e a camara, que o governo não estava ás escuras na apreciação do resultado das suas propostas.

Poderá talvez enganar-se em alguns pontos, não se engana de certo em todos; mas em todo o caso, é esse um negocio que o estudo nas commissões e a discussão aqui havia de liquidar.

Tenho respondido ás observações do illustre deputado, o sr. Dias Ferreira, e devo agora conversar um momento com o illustre deputado, o sr. Lopo Vaz; mas antes de me despedir do sr. Dias Ferreira quero dar-lhe aqui um solemne testemunho do meu agradecimento pelas palavras obsequio-

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sas com que me honrou no seu discurso, e á camara toda pelo applauso espontaneo com que o acompanhou.

Sr. presidente, não sairei d'aqui, como disse o illustre deputado, com o estygma de intolerante ou de perseguidor, que nunca levei de parte alguma (Muitos apoiados.); mas sáio com certeza profundamente commovido e infinitamente reconhecido a essa demonstração estrondosa de sympathia, que me deram os meus nobres collegas, de que conservarei sempre memoria agradecida como um dos mais gratos successos da minha vida publica. (Vozes: — Muito bem.) Note, porém, a camara que não póde na sua expansiva approvação separar-me do nobre presidente do conselho, porque sou ministro com elle, e não o poderia ser se s. ex.ª professasse outros principios. Seria até um sacrilegio attribuir-lhe outros sentimentos, aqui debaixo d'estas abobadas aonde desde tão longo tempo e tantas vezes tem vibrado a sua potente voz a favor de todas as liberdades e contra todas as tyrannias! (Apoiados.)

Sr. presidente, aggrediu o illustre deputado, o sr. Lopo Vaz, o governo com uma certa vivacidade, que mereceu os applausos dos seus amigos politicos, como era natural, expondo em um estylo, que não direi ameno, porque o não foi para nós, mas seguramente elegante, uma serie de argumentos de ordem politica e financeira, que me parece brilharam mais pelo colorido da phrase do que pelo vigor do raciocinio, e que se resumem n'um certo numero de accusações, cabalmente respondidas, na parte politica, pelo nobre presidente do conselho, que tambem respondeu a muitas das arguições financeiras, o que me não dispensa a mim, por decoro do meu cargo, de as lembrar de novo todas, e de as contestar com a verdade dos factos, e com a racional e legal apreciação que lhes compete.

O illustre deputado pretendeu:

1.° Que o governo retardára a negociação do emprestimo das £ 6.500:000 com prejuizo do thesouro;

2.° Que dera em Londres por contratos de supprimentos umas cauções falsas ou illegaes, ou como quer que fosse que o illustre deputado as classificou e me não lembra, mas era em todo o caso um abuso de confiança;

1.° Que tomára compromissos antecipados por contratos a fazer;

4.º Que pagára commissões exageradas nas emissões feitas;

5.° Que fizera um contrato illegal e desvantajoso com o banco de Portugal para supprimento das classes inactivas;

6.° Finalmente, que gastára n'uma certa epocha, mais do que os seus antecessores, uns 300:000$000 réis. Do que s. ex.ª deduzia que eramos nós mais gastadores do que os nossos antecessores, e aggravava a sua critica com a observação do que fizemos quatro emprestimos em um anno (provavelmente para sustentar estes desperdicios), contando por emprestimos as emissões dos quatro milhões esterlinos da 5.ª serie de obrigações dos caminhos de ferro do Minho e Douro, o contraio de supprimentos em Londres e o do banco de Portugal para pagamento das classes inactivas.

Eu realmente sinto dizer ao illustre deputado, que em todas as suas arguições financeiras, se alguma cousa ha de importante é tudo contra a intenção do illustre deputado.

Sem me apressar, irei por sua ordem dizendo o que me occorre sobre cada um dos capitulos da sua accusação, e lá chegarei aquelles que me parece s. ex.ª encarou com mais desfavor da sua causa.

Sr. presidente, não é só o illustre deputado, a quem respondo, que lembrou a prejudicial e supposta inercia em ficámos sobre a negociação do emprestimo das £ 6.500:000 até o compromettermos na guerra da Russia. Outros cavalheiros nos tem feito a mesma arguição, e a todos desejo dar aqui satisfação.

A lei que auctorisou o emprestimo foi promulgada em 7 de abril, e o contrato com Baring Brothers é de 26 de junho. Mediou um espaço de dois mezes e meio entre a auctorisação e a negociação.

Sr. presidente, eu não me lembro de operação alguma d'esta natureza, feita no estrangeiro por outro paiz, que se realisasse em praso mais curto, depois da auctorisação legal. Não digo isto como argumento de importancia, que nenhuma tem, mas só para notar que todos passam pela mesma serie de trabalhos a que estamos sujeitos com estes negocios.

Parece-me que, se os illustres deputados considerassem bem as delongas necessarias dos preliminares d'estas negociações — informações da capacidade dos concorrentes — exame da situação dos mercados em que se faz a emissão, para avaliar as probabilidades do seu exito — debates de condições com os banqueiros, que naturalmente defendem os seus interesses — demoras que elles mesmos põem na resolução final, emquanto não estão certos da acquiescencia de outros com quem se associam, porque nenhuma casa toma sobre si a responsabilidade d'estas sommas: se s. ex.ªs attendessem á conveniencia de afastar, mais ou menos, a epocha da emissão, para alliviar, quanto possivel, o encargo do coupon, que n'ella tem de ser contado, e tambem á de a adiar para um certo praso de tempo, quando se tem, como nós tinhamos, contratos de supprimentos, que o producto da emissão devia amortisar, a fim de que as entradas das prestações viessem a approximar-se do vencimento das letras dos supprimentos, e pagal-os, para não ficarem coexistindo, por muito ou por pouco tempo, dois creditos com onerosa e inutil repetição de juros, visto que queriamos amortisar um pelo outro — o da divida fluctuante pelo da consolidada, estou certo que não estranhariam tanto essa demora de dois mezes e meio entre a auctorisação e a negociação.

Assentado, pelo que fica dito, que o governo não podia, nem convinha, ter contratado a emissão para epocha mais proxima da auctorisação, e que não é culpado de negligencia alguma n'este negocio; eu ainda quero observar aos illustres deputados, que a questão do Oriente actuou sempre do mesmo modo nos mercados monetarios durante o declarado periodo de tempo, o que a guerra receiada, ou declarada, produziu n'elles as mesmas oscillações, podendo até affirmar-se que depois que ella rompeu, e se conheceram as suas tendencias a localisar-se, as cotações, comquanto baixas, permaneceram mais firmes.

Eu tenho na mão as cotações diarias da bolsa de Londres desde 7 de abril, data da auctorisação, até 26 de junho, data do contrato.

Vejam-as os illustres deputados, e convençam-se por ellas de que até ao meiado de maio não podiam contratar senão em termos inferiores ao contrato de 26 de junho, porque as cotações dos nossos fundos oscillaram entre 50 e 51, mais ou menos oitavos, que não podiam ir aproveitar essa alta fugitiva, que os levantou a 53, nos ultimos dias de maio e primeiros de junho, porque os banqueiros não crêem n'essas ephemeras variantes, nem por ellas fazem obra; e que finalmente tinham de se fixar, como nós nos fixámos, na cotação de 52, que ficou firme e regulou o contrato.

Creio, portanto, que esta arguição cáe pela base, e não acha esteio que a sustente. (Apoiados.)

Passemos á segunda arguição. S. ex.ª accusa-nos de darmos cauções falsas ou illegaes, o que seria o mesmo, em contratos de supprimentos feitos em Londres, porque nelles empenhámos o producto da 5.ª emissão dos caminhos de ferro do Minho e Douro ainda não realisada.

Eu sinto realmente que um cavalheiro, tão illustrado e tão rico de dotes intellectuaes, viesse ao parlamento do seu paiz fazer ao governo que o representa no estrangeiro tão feia accusação; que não vexa os ministros, que bem se defendem d'este aggravo, mas que compromette uma nação briosa, sempre leal no desempenho das suas obrigações, no conceito dos estranhos que tratam com ella em boa fé. É

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na verdade penoso ter de discutir questões d'esta natureza, mas é indispensavel esclarecel-as e com a maxima brevidade para as deixarmos depois em prepetuo esquecimento.

Sr. presidente, não ha cauções illegaes nos contratos alludidos, mas bons e seguros penhores para os credores; e o que ainda é mais admittido por elles com perfeito conhecimento do que valiam e representavam.

A camara sabe que estavamos auctorisados por lei das côrtes a fazer a emissão da 5.ª serie das obrigações dos caminhos de ferro do Minho e Douro. Desde que tinhamos a auctorisação legal o facto da emissão era um acto de pura e simples administração dependente da auctoridade do governo. Chegou a occasião de pagarmos obrigações contrahidas pelos nossos antecessores, o que é o mesmo que se fossem nossas, porque o governo da nação é só um e não tem solução do continuidade, e procurámos supprimentos, que caucionamos com valores da 5.ª emissão dos ditos caminhos de ferro, por não termos para dar titulos de divida funda da, sem embargo de parecer ao illustre deputado muito simples fazel-os em dictadura. Esta caução foi dada em scrips de que v. ex.ªs aqui têem presente a formula representando um certo numero de obrigações, que seriam trocadas pelos scrips quando emittidas.

Os negociadores conheciam bem o valor d'este penhor e para que a camara não duvido d'isso bastará dizer-lhe que o primeiro d'esses prestamistas foi o banco Lisboa & Açores, que pelo seu correspondente em Londres negociou nestes termos. Depois seguiram-se outros. Aqui estão os contratos, veja-os a camara, e faça juizo completo da lealdade com que tudo foi tratado de parte a parte. A emissão dos quatro milhões esterlinos veiu pagar estes supprimentos. Os contratos caducaram, os scrips annullaram-se: e eu deixo aqui este negocio, certo de que a camara não precisa saber mais d'elle.

Vem o illustre deputado com a terceira arguição, e accusa-nos de tomarmos compromissos antecipados para a negociação de dois e meio milhões esterlinos, e commenta largamente este caso sobre todas as hypotheses que elle lhe suggeriu.

Sr. presidente, eu serei aqui ainda mais breve do que fui nas outras respostas, porque não tenho para dizer aqui senão o que tenho dito lá fóra a toda a gente. Eu sou o ministro da fazenda, e não me reconheço obrigado senão a zelar os interesses do thesouro. Não tenho nem conheço compromissos que me contrariem n'este proposito. (Apoiados.)

Faz-nos tambem o illustre deputado o favor de nos chamar o governo das commissões — é a sua quarta accusação.

Contou a commissão de 1 1/2 por cento dada a Barings (O sr. Lopo Vaz: — É ainda mais!) pela negociação dos quatro milhões esterlinos, a que se deu ao banco Lisboa e Açores de 1 por cento sobre metade da emissão da 5.ª serie dos caminhos de ferro do Minho e Douro, e pretendeu extasiar a camara com estes algarismos, como se ella fosse estranha a esta ordem de negocios.

Depois passou em revista outros emprestimos e as respectivas commissões, e concluiu que o governo era desperdiçado, porque dera ao banco Lisboa e Açores mais 1/2 por cento do que lhe dera o governo anterior pela 4.ª emissão; e pessimo gerente, porque dera mais do que 1 por cento a Barings, cousa sem exemplo antes e depois do contrato Gochen.

De sorte que, no entender do illustre deputado, as commissões são arbitrios dos governos (talvez sejam de alguns, póde ser, mas o que posso affirmar com certeza é que o não são dos governos portuguezes de todas as escolas politicas), não são condições dos contratos debatidas como as outras, ao parecer do illustre deputado, julga que são faculdades que se podem usar á vontade de quem pede, com que o que dá tem de conformar-se.

Na ordem de idéas do illustre deputado parece que a commissão é a clausula reguladora do negocio. O resultado da operação não o aprecia — o encargo que d'ella vem ao thesouro é indifferente, o caso é que a commissão seja pequena.

O illustre deputado nem attendeu a que os banqueiros em condições favoraveis dos mercados podem ser pouco exigentes com as commissões, porque obtêem uma larga indemnisação no papel que guardam para si, especialmente se alcançam que o typo da emissão tenha uma margem de appetite. (Apoiados.)

Mas o que não devia escapar, nem de certo escapa á sua penetração, é que a 5.ª emissão dos caminhos de ferro do Minho e Douro com 1 por cento de commissão foi mais vantajosa para o thesouro dando-lhe o encargo de 6,4 por cento do que a 4.ª emissão com 1/2 por cento do commissão, que lhe legou o encargo de 6,5.

Agora deixo ao cuidado de s. ex.ª comparar o encargo de 6,23, que nos traz a operação contratada com Baring Brothers com a sua commissão de 1 1/2 por cento com o que resultou de todos os outros emprestimos dentro e fóra do paiz; e quando achar algum mais pequeno dar-me-hei por vencido dos seus argumentos.

Pelo que respeita á quinta accusação de havermos feito um contrato desvantajoso e illegal com o banco de Portugal, para pagamento das classes inactivas, confesso que não pude render-me á demonstração de que 6 1/2 eram mais do que 7.

Ora, senhores, o negocio é de uma extrema simplicidade.

Pelas leis de 1 de julho de 1867 e 22 de março de 1872, e contratos n'ellas fundados, o banco concorria com supprimentos para o pagamento das classes inactivas, e o governo pagava-lhe 7 por cento de juro dos seus adiantamentos, liquidados mensalmente, sendo 4 pagos a dinheiro e 3 capitalisados vencendo o mesmo juro. E sabem v. ex.ªs, o que agora fez o governo? Disse ao banco que não queria mais capitalisações, que lhe amontoavam dividas, com que não contava, e que o assoberbavam; que continuaria o contrato dos supprimentos pagando integralmente o juro annual de 6 por cento com 1/2 por cento de commissão, por uma só vez, pelos adiantamentos do banco para este destino.

A desvantagem está n'isto; agora a legalidade não sei realmente se foi offendida pagando-se 6 por cento de juro annual com 1/2 por cento de commissão por uma só vez pelo que a lei auctorisára pagar-se 7 de juro permanente.

Mas, diz o illustre deputado, o governo deu-lhe tambem a isenção do imposto pelos lucros d'este negocio. E eu digo que lhe não deu nada. Essa isenção está na lei de effeito permanente de 9 de maio de 1872, artigo 3.° § 5.º, e d'ella gosam todos os bancos que têem contratos similhantes.

Este negocio ainda tem outra face, que tambem foi commentada pelo illustre deputado. É a restituição dos réis 2.300:000$00O, liquidados e pagos aos bancos ex vi dos seus contratos e que o governo tornou a receber, pagando por elles 6 por cento de juro annual e 1/2 por cento de commissão por uma só vez.

Este contrato foi um verdadeiro negocio de supprimento de fundos, supprimento de fundos excepcionalmente conveniente, porque não tem praso de reembolso, mas uma amortisação lenta pelo excesso do valor das prestações do governo sobre o pagamento effectivo ás classes inactivas; emquanto que a nossa divida fluctuante, por onde se obtém esses supprimentos, anda representada em letras a tres mezes; e os contratos anteriores com o banco de Portugal fixavam um periodo determinado para liquidação e pagamento, como fixam os que ainda existem com outros bancos para o pagamento das classes inactivas.

Parece que s. ex.ª preferia que se renovassem os contratos do banco de 1867 e 1872 nos termos primitivos, e que aquella somma liquidada e restituida ao thesouro continuasse a vencer o juro de 7 por cento. Deixo ao bom

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juizo dos illustres collegas que me ouvem decidir sobre o merecimento do alvitre.

Chegámos emfim á sexta e ultima arguição de gastadores — que excederam nos mezes de... em 300:000$000 réis as despezas dos seus antecessores em igual epocha; e que para estes esbanjamentos já fizeram quatro emprestimos durante a sua gerencia — os 4 milhões esterlinos, a quinta emissão dos caminhos de ferro, o contrato de supprimento em Londres e o do banco de Portugal.

Com esta critica não sei por que o illustre deputado se prendeu em tão pouco. Se me conta os supprimentos por contratos de emprestimos, porque não diz que fizemos cem, trezentos ou quinhentos, ou quantos queira; podia contal-os pelas letras de divida fluctuante interna e externa que renovâmos todos os tres mezes! São tudo contratos. Cada letra reformada extingue um contrato e fórma outro!

É extraordinario! Encontrâmos uma divida fluctuante de 15.300:000$000 réis, e sobre a mesa uma proposta para a consolidar, que a não podia cobrir; achámos o thesouro empenhado nos adiantamentos feitos, e obrigado a continual-os para os caminhos de ferro do Minho e Douro, e outras obras diversas em andamento, sem receita propria, que poderiamos ter suspendido em nome da legalidade, e não suspendemos, associando a nossa á responsabilidade dos nossos antecessores, reconhecendo com elles a utilidade e necessidade d'ellas — vencem-se as letras da divida fluctuante que nos passam, é preciso pagal-as para sustentar a honra do paiz, procurando para isso outros supprimentos, e vem o nobre deputado affrontar-nos com a censura de que fizemos quatro emprestimos no anno! É original! Se não se ouvisse não se acreditava.

Não deixa tambem de ter seu peso a observação de que somos gastadores, como provam os taes 300:000$000 réis gastos a mais em certa epocha, e já andámos fóra das auctorisações!

Eu presto homenagem á alta intelligencia do ilustre deputado, e sei que é para muito mais do que comprehender que gastar n'uma certa epocha 300 ou 400 e mais contos não significa nada. O que era preciso era notar o erro, o desvio, ou a inutilidade d'essa despeza; antes d'isso não é precisa defeza para tal reparo.

Agora quanto a andarmos fóra das auctorisações, vejo que o illustre deputado está em veia de ingratidão. Quando eu esperava que s. ex.ª nos agradecesse o termos continuado as obras dos nossos antecessores, que, como já disse, podiamos ter suspendido em nome da legalidade, vem exprobrar-nos, que andámos fóra das auctorisações, como se elles andassem dentro d'ellas! (Apoiados.) Sim, senhor, é verdade, nós é que creámos todas essas despezas extra-orçamentaes, que vamos legalisar pelo orçamento rectificativo; e tambem aquellas que aqui viemos legalisar na sessão passada. Só eu, á minha parte, trouxe mais de 1.500:000$000 réis para legalisar de despezas não auctorisadas no ministerio da marinha; e repare o illustre deputado que não proferi uma palavra de censura ao meu illustre antecessor, nem disse que o dinheiro fóra mal aproveitado ou despendido arbitrariamente.

Acceitei o facto como util e necessario, e tomei-o á minha responsabilidade, submettendo-o á sancção legal da camara. Mas porque não arguimos o governo passado por estes factos, argue-nos hoje por elles o illustre deputado. Faz nos carga com os seus proprios feitos. É excellente! (Apoiados.) Fico por aqui, que não tenho mais a dizer aos capitulos de accusação de s. ex.ª

Eu queria responder agora aos reparos do illustre e talentoso deputado, o sr. Julio de Vilhena, sobre a administração ultramarina, mas tive a infelicidade de o não poder ouvir no segundo dia em que fallou, e não sei os pontos precisos que se offereceram á critica do seu cultivado espirito. Ouvi, porém, o argumento do seu discurso, exposto por s. ex.ª no dia antecedente, e lembra-me por elle que um dos motivos da sua opposição ao gabinete, que s. ex.ª se propunha a justificar, era o não ter continuado o vigoroso impulso dado pelos seus antecessores aos interesses coloniaes.

Ora, se o illustre deputado me fizer a honra de me dar o braço para fazermos um passeio pelo ultramar (O sr. visconde da Arriaga: — É muito longe!) a ver até onde irradiou o grande impulso e os vestigios que encontrâmos d'elle, investigando aonde desappareceram, como o porque se apagaram, creio que terei occasião de lhe mostrar até que ponto auxiliámos as intenções dos nossos antecessores; e é mesmo provavel que n'esta digressão se nos offereçam á nossa observação e critica os assumptos do que s. ex.ª tratou no segundo dia em que fallou e eu o não pude ouvir.

Sr. presidente, eu continuei resolutamente os trabalhos iniciados pelo meu illustre antecessor, não só porque me inspirava absoluta confiança a alta capacidade de s. ex.ª, mas porque elle teve uma longa gerencia do ultramar para os estudar e preparar, e isso era certeza de que estavam perfeitamente meditados e vistos sob todos os aspectos.

A grande obra do ultramar realisada pelo gabinete anterior e por esta legislatura é a lei de 29 de abril de 1875, que extinguiu completamente o trabalho servil. (Apoiados.)

É esta a medida de geral e decisivo alcance, que nos promette a transformação radical da vida social das colonias, é o seu activo e efficaz desenvolvimento economico; medida que estava no espirito da nação, e que teria ganho alguns annos de tempo se aqui tivesse sido acceite em 1872 ou 1873, quando a camara dos dignos pares a mandou a esta casa, votada lá, quasi por acclamação, sobre proposta do illustre marquez de Sá da Bandeira.

Não pôde então aqui passar, mas passou em 1875.

Ainda bem! Congratulemo-nos pelo facto, e principalmente porque a transição do trabalho servil para o trabalho livre se vae operando sem as perturbações da ordem publica, que ensanguentaram outros paizes aonde se applicaram providencias similhantes. (Apoiados.)

Mas não creia v. ex.ª, sr. presidente, nem a camara, que a execução d'esta medida corre franca e livremente, ajudada pela boa vontade de todos, e que não encontra muitas e ponderosas difficuldades, que eu me tenho desvelado em remover, cooperando assim efficazmente na grande obra dos meus antecessores.

Eu posso aqui invocar o testemunho do nosso digno vice-presidente, muito dedicado director geral do ultramar, que eu tenho a satisfação de apontar á camara como um dos mais benemeritos e respeitaveis chefes de serviço que podemos encontrar em as nossas repartições publicas (Apoiados.), para que diga se me tem visto applicado sempre a este trabalho, aonde nenhuma duvida tem ficado sem resolução, nem tem faltado providencia aonde precisa, para se completar de vez esta fecunda reformação. (O sr. Costa e Silva: — Apoiado.)

Continuemos, seguindo o impulso alludido pelo illustre deputado, e vejamos as obras publicas do ultramar.

Sr. presidente, quando entrei no ministerio, tinha partido a expedição de Moçambique, e estava engajada a de Loanda com adiantamentos recebidos. Preparou-se esta como a tinha ordenado o meu antecessor, o partiu. Coube me a organisação das de Cabo Verde e S. Thomé, e tratei de as compor mais economicas e consegui-o. (O sr. Costa e Silva: — Apoiado.) Ahi está a prova sobre a mesa. Partiram ambas, e lá estão todas a esta hora trabalhando, e seja dito de passagem, em obras que sempre se fizeram lá, quando as provincias tinham recursos. Agora que os não tinham, mandámos-lhes homens e dinheiro. Espero, porém, que o tempo ha de trazer-nos decididas vantagens d'estes sacrificios, e que os expedicionarios hão de realisar obras de maior

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alcance, que andam estudando, de viação publica principalmente, que é o mais urgente e fecundo melhoramento material que esperam aquellas regiões.

Temos a expedição scientifica da exploração africana, cuja proposta, apresentada pelo meu illustradissimo antecessor, achei sobre a mesa o fiz votar nas duas casas do parlamento. Depois: não me viram todos na presidencia da commissão central permanente de geographia sinceramente empenhado em orgarnisar e preparar a expedição (Apoiados.), que emfim partiu e começou, já o seu penoso itinerario? E a proposito vem dar d'ella noticias á camara, que ha de desejar conhecel-as, chegadas ha poucos dias por um officio do governador geral de Angola, que vou ler (leu e continuou); disse-se, segundo me informaram, que tinhamos abandonado os exploradores africanos.

Aqui tem a camara, n'este documento, a formal contradicção d'essa arguição. Não os abandonámos, sr. presidente, demos para o ultramar as ordens mais energicas para serem auxiliados e protegidos por todos os modos e maneiras que coubessem nos recursos da nossa auctoridade (O sr. Costa e Silva — Apoiado.) como encarregados de uma commissão, que póde resolver-se em factos muito importantes para a honra e gloria da patria e para o progresso da civilisação colonial.

Sr. presidente, eu queria ir mais longe, mas não posso. Queria ir á India e a Lourenço Marques ver em que se tinham embaraçado os projectos dos caminhos de ferro do Mormugão á região algodoeira da India ingleza, e de Lourenço Marques ao Transwall. Faria tambem uma visita á missão evangelica do lago Nyassa, e atravessaria o continente para vir ao Zaire, por me dizerem que o illustre deputado tratou estes dois pontos, com quanto ignore o que sobre elles ponderou. Estimaria tambem dizer alguma cousa sobre a marinha militar e mercante, no que tem de commum com os interesses coloniaes.

Mas estou muito fatigado, não posso já articular uma palavra, tão incommodado me sinto. (Apoiados.) Se tiver de vir para uma d'essas cadeiras, e houver occasião; então me explicarei, e com mais liberdade e franqueza do que o posso fazer d'este logar. (Apoiados.) Peço desculpa á camara, e termino aqui.

Vozes — Muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados de todos os lados da camara.)

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