O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 199

199

SESSÃO DE 5 DE FEVEREIRO DE 1873

Presidencia do ex.mo sr. José Marcelino de Sá Vargas

Secretarios— os srs.

Ricardo de Mello Gouveia

Alfredo Felgueiras da Rocha Peixoto

SUMMARIO

Apresentação de propostas de lei: por parte do sr. ministro dos negocios estrangeiros, para serem sanccionados, um tratado de extradição de criminosos com o Brazil; uma declaração addicional á convenção da extradição com a França; e uma convenção postal com o imperio da Allemanha: por parte do sr. ministro das obras publicas, para um accordo com a companhia do caminho de ferro do norte, relativamente á conclusão do mesmo caminho — É tambem apresentado o parecer da commissão respectiva sobre a proposta de lei de distribuição da contribuição predial, relativa ao anno civil de 1873— Continua a discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa: fallam o sr. deputado Rodrigues de Freitas, que apresenta uma moção de ordem, e o sr. ministro do reino.

Chamada— 58 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs. Adriano Machado, Agostinho da Rocha, Osorio de Vasconcellos, Rocha Peixoto (Alfredo), Cerqueira Velloso, Pereira de Miranda, Cardoso Avelino, Correia Caldeira, Barros e Sá, A. J. Boavida, Sampaio, Zeferino Rodrigues, Barão do Rio Zezere, Claudio Nunes. Francisco de Albuquerque, Francisco Mendes, F. M. da Cunha, Pinto Bessa, Van-Zeller, Quintino de Macedo, Perdigão, Santos e Silva, Candido de Moraes, Assis Pereira de Mello, Melicio, Barros e Cunha, J. J. Alcantara, Ribeiro dos Santos, Vasco Leão, Mamede, Matos Correia, Lobo d'Avila (Joaquim), J. A. Maia, Bandeira Coelho, Dias de Oliveira, Figueiredo de Faria, Rodrigues de Freitas, José Luciano, Lobo d'Avila (José), Sá Vargas, Mexia Salema, Teixeira de Queiroz, José Tiberio, Luiz de Campos, Pires de Lima, Rocha Peixoto (Manuel), Alves Passos, Paes Villas Boas, Mariano de Carvalho, Cunha Monteiro, D. Miguel Coutinho, Pedro Jacome, Pedro Roberto, Placido de Abreu, Ricardo de Mello, Visconde da Arriaga, Visconde de Montariol, Visconde dos Olivaes.

Entraram durante a sessão— Os srs. Adriano Sampaio, Agostinho de Ornellas, Braamcamp, Teixeira de Vasconcellos, Arrobas, Telles de Vasconcellos, Augusto Godinho, Saraiva de Carvalho, Carlos Bento, Carlos Ribeiro, Conde de Villa Real, Pinheiro Borges, Vieira das Neves, Correia de Mendonça, Lampreia, Silveira Vianna, Guilherme de Abreu, Silveira da Mota, J. M. dos Santos, Mello Gouveia, Nogueira, Pinheiro Chagas, Visconde de Moreira de Rey, Visconde de Valmór, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram á sessão — Os srs. Albino Geraldes, Soares de Lencastre, A. J. Teixeira, Pinto de Magalhães, Barjona de Freitas, Falcão da Fonseca, Sousa Lobo, Eduardo Tavares, Gonçalves Cardoso, Francisco Costa, Bicudo Correia, Palma, Jayme Moniz, Franco Frazão, Baptista de Andrade, Cardoso Klerck, Dias Ferreira, José Guilherme, Costa e Silva, Moraes Rego, Menezes Toste, Lourenço de Carvalho, Affonseca, Thomás de Carvalho.

Abertura— Á uma hora da tarde.

Acta— Approvada.

EXPEDIENTE

A que se deu destino pela mesa

Officios

1.° Do ministerio do reino, enviando o processo eleitoral do circulo n.º 98 (Lages).

2.° Do ministerio da justiça, remettendo a nota das alterações feitas no orçamento da despeza do mesmo ministerio para 1873-1874.

Para a secretaria.

Representações

1.ª De alguns moradores da freguezia de Monte Redondo, do concelho de Torres Vedras, contra a proposta de lei do real d'agua.

2.ª De alguns moradores da freguezia do Salvador do Mundo, do concelho de Arruda, sobre o mesmo objecto.

3.ª De alguns cidadãos residentes no concelho da Ponte do Sor, pedindo a formação de novas matrizes prediaes.

4.ª Do compromisso maritimo de Villa Nova de Portimão, districto do Algarve, adherindo á representação da camara municipal de Faro contra a execução e approvação do contrato celebrado entre o governo e o marquez de Niza para a exploração de ostreiras.

5.ª De uma casa fabricante de botões, pedindo um direito especial para as materias primas que têem relação com aquella industria.

Foram enviadas ás commissões respectivas.

Participação

Declaro que não pude assistir ás sessões anteriores ao dia 20 de janeiro por falta de saude. = Alves Passos.

A camara ficou inteirada.

Requerimentos

1.° Requeiro que sejam enviados com urgencia a esta camara os seguintes documentos:

Copia da acta da sessão do conselho de districto de Leiria em 6 de novembro do anno findo;

Copia da portaria expedida pelo ministerio do reino, com data de 13 de novembro de 1872, excluindo dois membros do mesmo conselho de districto, das sessões em que se discutiram os assumptos relativos ao hospital da cidade de Leiria;

Copia da correspondencia havida entre o governador civil do referido districto e a secretaria d'estado dos negocios do reino a proposito d'este objecto, e que determinou a citada portaria;

Copia da acta de quaesquer das sessões do conselho de districto posteriores a 6 de novembro de 1872, na qual se tratasse do assumpto relativo á administração do hospital.

Sala das sessões, 4 de fevereiro de 1873. = O deputado por Leiria, João Chrysostomo Melicio.

2.° Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, seja enviada, com urgencia, a esta camara, copia do decreto, portaria ou despacho que concedeu a pensão de 30$000 réis mensaes á Sr.ª D. Antonia Pusich, a titulo de possuidora da ilha das Gallinhas.

Sala das sessões, em 4 de fevereiro de 1813. = Alberto Osorio de Vasconcellos, deputado por Trancoso.

3.° Requeiro que, pelo ministerio da marinha, seja enviada com urgencia copia do decreto ou portaria que permittiu a introducção na colonia de Macau ás irmãs de caridade francezas.

Sala das sessões, em 4 de fevereiro de 1813. = Alberto Osorio de Vasconcellos, deputado por Trancoso. Mandaram-se expedir.

Notas de interpellação 1.ª Desejo interpellar o sr. ministro das obras publicas, ácerca do traçado da estrada districtal entre Mangualde e Moimenta da Beira, e bem assim ácerca dos motivos pelos quaes mandou começar no chafariz do Vento, e não em Trancoso, a estrada entre Celorico da Beira e o Pocinho.

Sala das sessões, em 4 de fevereiro de 1813. = Alberto Osorio de Vasconcellos, deputado por Trancoso.

2.ª Desejo interpellar com a maior urgencia os srs. ministro da fazenda e obras publicas, ácerca da cobrança e applicação do imposto, creado pela carta de lei de 7 de julho de 1862, nos generos e navios entrados e saídos pelo porto de Villa Nova de Famalicão.

Página 200

200

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Sala das sessões, em 4 de fevereiro de 1873. = O deputado por Silves, João Gualberto de Barros e Cunha.

Mandou se fazer a communicação ao governo.

SEGUNDAS LEITURAS

Projecto de lei

Senhores. — No relatorio que o governo voa apresentou, aberta esta sessão legislativa, lêem-se as seguintes palavras:

«Porém o governo prometteu, na discussão da lei de 13 de maio de 1872, apresentar na presente legislatura a substituição de uma parte do imposto do real d'agua por outra que fosse menos onerosa para os contribuintes.»

Esta promessa pretende o governo satisfazer, propondo-vos a proposta do lei n.º 1 que acompanha o citado relatorio.

Sem vos desviar o espirito nas variadas considerações geraes a que o confronto da reforma com a cousa reformada se presta, passo a expor-vos tudo quanto ha de impraticavel, imaginoso, injusto e impossivel na proposta de lei n.º 1.

Para isso tratarei dos artigos segundo o seu fira philosophico:

1.° Do imposto em si;

2.° Da sua productividade;

3.° Do modo de o cobrar;

4.° Da fiscalisação.

Estabelece o artigo 1.° que o imposto sobre a venda do vinho a miudo acompanhe a classificação da ordem de terras estabelecida para a contribuição industrial segundo a escala seguinte:

2.ª ordem — 7 réis por litro.

3.ª e 4.ª ordem — 6 réis por litro.

5.ª ordem — 5 réis por litro.

6.ª ordem — 4 réis por litro.

juntando 3 réis por litro na venda por grosso o imposto accumulado fica sendo

2.ª ordem — 10 réis por litro.

3.ª e 4.ª ordem — 9 réis por litro.

5.ª ordem — 8 réis por litro.

6.ª ordem — 7 réis por litro.

A ordem das terras como indicador para graduar a taxa sobre o litro de vinho subindo 1 real por cada grau no consumo por miudo e tornando-a invarivel na venda por grosso, revela a pouco solidez da base em que o governo fundou os seus calculos pelas rasões que passo a expor.

É geral a regra que a ultima ordem de terras da contribuição industrial coincide sempre com as povoações que ficam mais proximas das grandes villas e cidades.

Os lucros das profissões e officios elevam-se pelo movimento e variedade das transacções de menor para maior, a ordem das terras portanto tende a tornar mais igual a distribuição do imposto.

O litro de vinho porém é sempre o litro de vinho. O seu preço póde variar e varia em relação á qualidade; mas será bem subtil aquelle que poder provar á camara que esse preço sobe ou desce em relação á ordem das terras em que é bebido.

Se alguma rasão ha para procurar na reducção do imposto o augmenta do consumo, isso logicamente nos leva a reduzi-lo nos grandes centros consumidores, nos quaes tem de se addicionar ao custo primitivo a despeza dos transportes, conservação armazenagem e a taxa mais avultada na contribuição industrial.

Assim, senhores, a descriminação do imposto sobre o vinho por ordem de terras é uma base irrisoria, falliyel, desconhecida, sem plausibilidade que a possa justificar. Propõe-vos o governo reduzir de 50 a 47 réis o imposto sobre cada litro de bebidas alcoolicas vendido por miudo sem distincção de ordem de terras.

Sobre estes 4? réis, por miudo, recaem 3 réis pela venda, por grosso.

Mal se comprehende, senhores, esta uniformidade com que são contempladas as povoações do reino com respeito ao imposto sobre as bebidas alcoolicas, que outra cousa

não são mais do que a concentração de algumas unidades de vinho (segundo a sua força alcoolica) representadas por uma unidade de aguardente.

A não ser que o governo pretendesse collocar a verdade entre dois erros, collocando as bebidas alcoolicas, sem distincção de ordem de terras, entre o vinho e o vinagre para as quaes estabelece a distincção, mal se póde inventar pretexto que justifique a quebra do novo systema que tanta confiança parece merecer ao gabinete n'este novo labyrinto fiscal,

Sobre o vinagre recáe o mesmo imposto que taxa o vinho, segundo a ordem de terras.

O que pretende o governo, tributando o vinagre da mesma fórma que o vinho? Azedar os contribuintes?

Pois o governo descrimina o imposto sobre o vinho em cinco graus, variando de 6ª a 2.ª ordem em quatro grupos de consumidores, subindo 1 real por cada grau até tocar nas muralhas da circumvallação, e não distingue o vinagre do vinho?

Varia porventura o preço do vinho segundo o numero de moradores das povoações que bebera, e não differença o preço do vinagre do preço do vinho, para lhe lançar imposto igual?

Demonstrarei que não é tão facil como se pensa transformar theorias seductoras em pratica productiva no campo financeiro, e que mais glorioso é censurar no gabinete sem responsabilidade effectiva as administrações passadas, do que corrigir-lhes vantajosamente os defeitos em utilidade do thesouro e do paiz.

O governo calcula no seu relatorio da seguinte fórma a producção e o consumo do vinho?

Producção total media............. 450.000:000 litros

Consumo sobre que não recáe o imposto..................... 230.000:000 »

Vinho sujeito ao imposto.......... 220.000;000 »

D'esses 220.000:000 calcula o governo o seguinte:

150.750:000 litros, a 3 réis............. 452:250$000

Venda por miudo:

Terras de 2.ª ordem... 6.800:000 a 7 réis 47:600$000

Terras de 3.ª e 4.ª ordem 9.600:000 a 6 réis 57:600$000

Terras de 5.ª ordem... 4.000:000 a 5 réis 20:000$000

Terras de 6.ª ordem... 50.000:000 a 4 réis 200:000$000

Litros...... 70.400:000 Réis.. 777:450$000

Seguindo a ordem estabelecida no artigo da lei e desviando-me do relatorio que a illustra n'este ponto, para ser mais rigoroso e melhor comprehendido para as bebidas alcoolicas.

É calculado o consumo!

Por grosso..... 15.000:000 litros a 3 réis 45:000$000

Importação.... 2.035:772 litros a 3 réis 6:1070$316

Por miudo..... 1.400:000 litros a 47 réis 65:800$000

18.435:772 116:907$316

O governo calcula em 4 por cento do vinho o consumo do vinagre, e classifica esse consumo e a sua receita do seguinte modo:

Por grosso.......... 6.030:000 litros a 3 réis 18:090$000

A retalho:

Terras de 2.ª ordem... 272:000 litros a 7 réis 1:904$000

Terras de 3.ª e 4.ª ordem 384:000 litros a 6 réis 2:304$000

Terras de 5.ª ordem.. 160:000 litros a 5 réis 800$000

Terras de 6ª ordem.. 2.000:000 litros a 4 réis 8:000$000

8.846:000.31:098$000

Ou as disposições do artigo l.º da lei proposta estão confusas ou os calculos do governo profundamente errados. O artigo 1.° diz:

«Alem do imposto acima mencionado, pagarão os mesmos generos o de 3 réis por litro pela venda em grosso, o

Página 201

201

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

qual imposto de 3 réis será cobrado em conformidade com as disposições d'esta lei.»

E tanto se não póde duvidar que este é o fim e a letra da lei que o § unico do artigo 6.° manda impor 1 real por litro de multa ao vinho, bebidas alcoolicas e vinagre entradas para consumo das terras onde haja barreiras, quando o portador não provar que pagou os 3 réis por litro pela venda em grosso de que trata o artigo 1.° Teriamos pois de receita n'este imposto:

Vinho por grosso— 150.750:000 lit. a 3 rs. 452:250$000

Por miudo:

Terras de 2.ª ordem... 6.800:000 lit. a l0 rs. 68:000$000

Terras de 3.ª e 4.ª ordem 9.600:000 lit. a 9 rs. 86:400$000

Terras de 5.ª ordem... 4.000:000 lit. a 8 rs. 32:000$000

Terras de 6.ª ordem... 50.000:000 lit. a 7 rs. 350:000$000

988:650$000

Aguardente

Por grosso 15.000:000 litros a 3 réis.......45:000$000

Importação 2.035:772 litros a 3 réis....... 6:107$316

Por miudo 1.400:000 litros a 47 + 3 = 50 réis 70:000$000

121:107$316

Vinagre

Consumo por grosso 6.030:000 litros a 3 réis 18:090$000

Por miudo:

Terras de 2.ª ordem 272:000 litros a 10 réis 2:720$000

Terras de 3.ª e 4.ª ordem 384:000 litros a 9 réis 3:456$000

Terras de 5.ª ordem 160:000 litros a 8 réis... 1:280$000

Terras de 6.ª ordem 2.000:000 litros a 7 réis 14:000$000

39:546$000

Calculo rectificado:

Vinho.............................. 988:650$000

Aguardente.......................... 121:107$316

Vinagre............................ 39:546$000

Somma total... 1.149:303$316

Calculo do governo

Imposto sobre o vinho..... 777:450$000

Imposto sobre a aguardente 116:907$316

Imposto sobre o vinagre... 31:098$000

Erro para menos no calculo

do governo.......... 223:848$000 1.149:303$316

Apesar de tudo isto o imposto deveria ficar muito abaixo dos calculos do governo se a lei viesse a approvar-se.

Não sendo obrigados a tirar guia para circulação as quantidades de vinho inferiores a 15 litros, segue-se que o fornecimento por grosso ficaria todo isento do imposto de 3 réis, fazendo em vasilhas de 14,5 litros.

Assim todo o consumo dentro das terras onde se produz vinho, que são quasi todas as que não pertencem á categoria de 2.ª ordem, poderia facilmente fornecer os vendedores por miudo, comtanto que só lhe ministrasse 15 litros por cada vez, sem pagar os 3 réis e sem guias de transito.

O imposto de 3 réis no consumo das bebidas alcoolicas isso seria uma illusão completa, porque sendo a aguardente de consumo limitado, a não ser para grandes distancias, não havia necessidade de fazer o abastecimento das casas de venda em quantidades superiores a 15 litros.

Não é menos ridicula a idéa de tributar o vinagre como o vinho em todo o reino, e de lhe impor em Lisboa 70 réis pela mesma unidade, pela qual o vinho paga 280 réis.

O producto do vinagre póde dizer-se nominal.

Nas terras do reino usa-se ter cada casa a sua vinagreira, e dar ás classes pobres o vinagre que ellas necessitam.

Parece-me que o governo fez muito mau negocio substituindo pelo vinagre o azeite, felizmente sobrenadando á tempestade fiscal.

De tudo isto fica trabalho e confusão indescriptiveis nas repartições de fazenda, para as quaes já não basta o pessoal que as enche, vexames inauditos para os cidadãos, contrabando em larga escala, e com elle a immoralidade e corrupção dos costumes publicos, animadversão entre o estado e o contribuinte a um incommodo, despeza e mal estar, que deve precisamente produzir tremenda reacção da parte dos opprimidos.

Para, senhores, dar relevo a esta verdade porei na vossa presença duas disposições da mesma lei.

O § unico do artigo 3.° diz:

«São comprehendidos sol a denominação de casa de venda por miudo as hospedarias, estalagens, casas de pasto e botequins.»

O § unico do artigo 11.° estabelece o seguinte: «É prohibido aos vendedores por miudo receber nas suas lojas ou casas de venda qualquer porção de generos dos mencionados nos artigos antecedentes em transito para outro destino.»

Deixo á vossa illustrada apreciação pesar o absurdo que resulta d'estas duas disposições incoherentes.

Se o imposto em si apresenta uma base arbitraria, se a sua productividade é problema difficil de conceber, o modo pelo qual se determina a cobrança repugna ás normas triviaes da boa administração.

Em primeiro logar, sobrecarrega os particulares com a incalculavel despeza de ida e volta das estações fiscaes, onde os documentos devem ser passados para os locaes onde residem, e esse imposto recáe desigualmente sobre cada um d'elles na rasão directa das distancias que tiver de percorrer; em segundo, rouba-lhes o tempo que ha de despender-se para realisar o pagamento, e isso depende da concorrencia na recebedoria; em terceiro, supprime a liberdade das transacções sobre o genero que pagou o imposto, se no transito qualquer variação no mercado offerecer ao commerciante uma vantagem momentanea para lhe dar novo destino.

Na minha opinião, a paciencia de Job, que a escriptura sagrada nos pinta para modelo, não resistia a esta experiencia, se Job fosse commerciante de vinho.

Sobresáe, senhores, o modo pelo qual se estatue na lei a fiscalisação.

É o trabalho posto a cargo de um escripturario do escrivão de fazenda, o qual alem do ordenado (que não declara) receberá 1 por cento da liquidação do mesmo imposto.

Tres fiscaes em cada concelho, com o ordenado annual de 600$000 réis cada um, e mais 1 por cento do que se liquidar dividido pelos tres.

O concelho que cobrar 3:000$000 réis, dará aos fiscaes:

Ordenado................................. 60$000

1/3 de 1 por cento.......................... 10$000

70$000

Onde a cobrança for de 6:000$000 réis, o ordenado será de 80$000 réis.

Onde for de 9:000$000 réis, terão estes fiscaes 90$000 réis.

A area do concelho, o agrupamento das povoações, a especialidade das suas industrias, nada d'isso é tido em conta para regular o pessoal da fiscalisação. Verdade seja que a proposta n.º 9, como que vem completar estas deficiencias.

N'ella propõe o governo crear de um a quatro escripturarios ao serviço das repartições de fazenda, por concelhos, segundo a importancia de cada um.

No artigo 4.° d'essa proposta pede o governo auctorisação para classificar os concelhos em tres ordens e fixar o numero de escripturarios que cada um deve ter e rever a tabella das quotas.

No artigo 5.° propõe que a pedida auctorisação seja de effeito permanente.

Esta innocente proposta de lei n.º 9 vem cobrir o escandalo que faria na opinião da camara e do paiz a som-

Página 202

202

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ma que o governo já antevê que teria de despender na escripturação, cobrança e fiscalisação do real d'agua se fosse convertida em lei a proposta n.º 1.

N'uma parte inventaram-se os fiscaes medicantes, na outra os prebendados fiscaes e alargou-se o canal da renda particular á custa da renda publica.

Senhores, estamos diante de uma revolução que mina em toda a Europa a organisação existente na sociedade actual.

As classes que trabalham a salario revoltam-se contra a ociosidade e contra o luxo, e querem que o capital reparta com ellas os seus lucros, sem se obrigarem a indemnisa-lo das perdas.

Esta exigencia é filha de seducções dos que querem viver e vivem á custa d'essas classes.

Esta idéa porém ganha terreno comquanto seja chimerica.

Não cerremos porém os olhos á parte era que as classes laboriosas têem rasão.

No dia em que as forças, que os agentes d'essas classes dirigem, concentrarem o seu ataque contra os impostos, que artificialmente encarecem os alimentos, essas classes hão de vencer.

Então as difficuldades do governo serão taes que nem sei, nem ouso preve-las: 1867 foi uma experiencia e um estudo, 1868 foi uma lição que se não póde nem deve esquecer.

Já então foi difficil represar a torrente, rasgando a lei do consumo, mas não custou barato o dique construido para a subordinar.

Não continuemos n'estes estudos, porque o tempo de estudar passou. Tratemos praticamente de adoçar, por uma transição graduada, o desabamento que nos ameaça.

O imposto de consumo em 1867 deu vulto e alma a elementos de desordem, que sem essa lei não teriam jamais adquirido a celebridade que lhe deu 19 de maio de 1870.

Arranquemos aos especuladores os instrumentos que a nossa irreflexão ministra aos seus planos ambiciosos.

Tiremos ás classes operarias toda a rasão de descontentamento para com o governo.

Impunhamos ao rendimento os encargos que pesam sobre a vida das classes pobres; porque é contra as classes abastadas que os operarios, que soffrem, são incitados pelos que abusam da sua credulidade. E porque seria grave desacerto deixar pairando sobre o paiz a lei de 13 de maio de 1872, moralmente condemnada pelo ministerio que a propoz, e porque seria ultrajante para a camara deixar presumir que na proposta n.º 1 de 7 de janeiro de 1873, que nos foi presente, existe alguma cousa que possa aproveitar-se a não ser a eliminação do imposto do azeite, tenho a honra de vos propor o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Fica suspensa, de 1 de julho de 1873 em diante, a execução da carta de lei de 13 de maio de 1872.

Art. 2.° A cobrança do imposto denominado real de agua será feita segundo as disposições da lei de 27 de dezembro de 1870, pela tabella que faz parte da mesma lei.

Art. 3.° É revogada a legislação em contrario.

Sala das côrtes, 4 de fevereiro de 1873. = O deputado por Silves, João Gualberto de Barros e Cunha.

Projecto de lei

Senhores. — Vivem de tolerancia as sociedades modernas. O individualismo é um facto social, que se affirma cada dia mais eloquentemente, não só nos usos e nos costumes, mas tambem nos codigos e nas constituições.

Os systemas modernos fundam-se na discussão, a qual não póde existir sem que a liberdade de opinião seja mantida e respeitada como a arca santa da consciencia individual.

Para que a personalidade humana seja a representação synthetica de todas as evoluções sociaes, é necessario e indispensavel que os dogmas de uma religião official não pretendam delimitar as raias, alem das quaes é defeso levar a luz da analyse e da discussão.

Hoje, senhores, tudo se discute e tudo se sujeita ao criterio da rasão e da experiencia.

Acabaram as idolatrias politicas, e com ellas as herezias. Hoje não ha synodos nem concilios politicos por muito augustos e venerandos que sejam, e que possam decretar a fé e fundir os moldes de bronze em que ha de vasar-se a opinião, essa força immensa, que altera, demuda e affeiçoa as instituições em harmonia com as necessidades da epocha. O anathema civil é já agora em politica uma velharia irracional. O que hontem era uma necessidade, é hoje um erro; o que ámanhã póde ser uma realidade, será hoje uma utopia. Na evolução social que arrasta perpetuamente o homem pelo trilho da perfectibilidade ha o absoluto e o relativo. O absoluto é a lei deductiva e harmonica do progresso, é o que se denomina a philosophia da historia, é emfim a ligação dos factos para um fim commum e util, que no seu duplo aspecto se denomina «o bello, o bom». O relativo é a opportunidade. Na ampulheta dos tempos todas as idéas têem o seu momento necessario e logico, momento como energia, e momento como instante.

O christianismo alterou a face do mundo, o christianismo libertou a consciencia humana e quebrou as peias e os grilhões que amarravam o corpo e alma ao poste da tyrannia.

E todavia este rejuvenescimento do velho mundo, das velhas religiões e das velhas sociedades que representam uma grande caducidade, teve um momento opportuno. Seculos atrás já os profetas fallavam do Messias; mas o homem Deus só podia merecer ser humilde principe de Galiléa, quando o imperio romano abrangesse sobre a mesma lei todo o mundo conhecido. É esse o momento opportuno.

Cada epocha tem uma idéa, mas é força que os homens vão a essa fonte buscar a inspiração.

De um solitario benedictino d'esse viveiro de sabios e santos que se denominam do Monte Cassino, se conta que vendo empregado o ultimo concilio para tornar dogma o dominio temporal e a infallibilidade do papa, exclamara:

«O livro das consolações é a historia dos pontificiados. Lembro-me que S. Pedro veiu a Roma humilde pescador, sem força, sem sciencia e sem outra arma que não fosse a sua fé e a vida que trazia nas mãos.

«Lembro-me que, quando os hurbanos batiam ás portas de Roma, surgiu um homem cuja vontade era de ferro, cuja ambição não tinha limites: o pontifice Hildebrondo. Lembro-me que a Renascencia floresceu Leão X. Lembro-me que, quando Martinho Luthero proclamava a reforma religiosa, appareceu o austero Pio V.

«Virá ainda um papa que comprehenda o seculo e esse ha de ligar o catholicismo com a sociedade, Roma com a liberdade pela tolerancia.»

Este breve e eloquente discurso mostra-nos que tudo muda no momento opportuno e que, sem tolerancia, já não ha idéas sadias e moraes. A tolerancia é o ar atmospherico das instituições.

E pois em nome da tolerancia e da liberdade que eu vou propor-vos a abolição in totum do juramento politico.

Do choque das opiniões nasce a luz. O juramento politico é uma lembrança bysantina, é um dos ultimos reductos da tyrannia do direito divino.

Nos regimens livres em que cada qual interfere com o seu voto na republica, o juramento politico é uma peia absurda.

Até nos tempos da monarchia absoluta esta ceremonia não ligava a consciencia, eram tantos os juramentos quantos os perjuros, e os proprios réis faltavam solemnemente á fé jurada, segundo lh'o determinavam as circumstancias.

O juramento do homem de hoje é a sua fé e a sua honra. No povo, e só no povo, reside a auctoridade e a soberania.

Todas as magistraturas são delegações do povo e nada mais. Quando a opinião determina que uma instituição é inutil e nociva, não valem juramentos a favor d'ella; a consciencia publica derruba-a e substitue-a por outra mais

Página 203

203

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

adqueada e consoante ás necessidades do seculo e ás transformações logicas.

A investidura não está no juramento senão na consciencia collectiva, cuja expressão é o mandato, manu data, symbole da probidade.

Invocando esses generosos principios, que são a propria essencia da liberdade e da tolerancia e os perduraveis fundamentos dos codigos sociaes, tenho a honra de submetter ao vosso esclarecido exame o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.°. É abolido, em todas as instancias, o juramento politico.

Art. 2.° Fica revogada toda legislação em contrario.

Sala das sessões, em 4 de fevereiro de 1873. = Alberto Osorio de Vasconcellos, deputado por Trancoso = João Antonio dos Santos e Silva, deputado por Abrantes = Mariano Cyrillo de Carvalho, deputado pela Chamusca =Luiz de Campos; deputado por Vizeu = Antonio Augusto Pereira de Miranda, deputado por Lisboa = Augusto Saraiva de Carvalho, deputado por Lisboa = Francisco Antonio da Silva Mendes, deputado por Tondella e Mortagoa. Projecto de lei

Senhores. — O convento de S. Francisco da cidade de Portalegre, que até o anno de 1834 pertenceu aos religiosos franciscanos da provincia dos Algarves, era um dos mais antigos, não só da provincia, mas ainda do paiz.

Com a extincção das ordens religiosas foi auctorisada a ordem terceira de S. Francisco (que desde longa data já ali existia), por uma portaria da prefeitura de Evora de 9 de outubro de 1834, a servir-se da igreja com sinos e sacristia.

Aquella ordem terceira, que conta crescido numero de associados, e que gosa da geral consideração, tem não só conservado, mas melhorado o templo, e celebrado n'elle as funcções do culto catholico com esplendor e decencia.

É, pois, de inteira justiça que á mencionada ordem terceira se faça a concessão definitiva do mencionado templo para n'elle continuar as praticas religiosas, e ouso esperar que merecerá a vossa approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É concedida á ordem terceira de S. Francisco da cidade de Portalegre a igreja do extincto convento da mesma denominação e suas dependencias.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, em 24 de fevereiro de 1873. = O deputado Antonio Augusto Pereira de Miranda.

Foram remettidos ás commissões respectivas.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Andrade Corvo): — Mando para a mesa tres propostas de lei (leu).

Foram admittidas e enviadas ás commissões respectivas.

(Serão publicadas no fim da sessão seguinte.)

O sr. Ribeiro dos Santos: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Felgueiras, pedindo a prorogação do praso para o registo dos fóros e direitos dominicaes, que acaba no dia 22 de março do corrente anno.

Não tem podido a camara representante cumprir o preceito do registo por ser grande a despeza para isso.

Os fóros e direitos dominicaes nos ultimos tres annos produziram-lhe apenas a somma de 100$000 réis annuaes, e só o imposto dos sellos para o registo deve subir a mais de 1:200$000 réis, não fallando nas despezas para a sua extracção, e nas do processo do proprio registo.

D'aqui resulta que o total d'estas despezas é superior ao capital representado pelos fóros, sendo assim para o municipio mais prejudicial que proveitosa a garantia do registo, que equivalerá á perda total d'este capital.

Entende a camara representante, para obviar a este prejuizo, não obstante a concessão da reforma do praso, pedida e manifestamente necessaria para todos os senhorios directos, que muito conviria a reforma da legislação actual sobre a amortisação dos fóros, lembrando, entre outros pontos, a faculdade de se fazerem amortisações nas sedes dos concelhos em vez de ser nas capitaes dos districtos, como é. As rasões d'esta alteração são tão palpaveis que nem merecem referir-se.

Espera, pois, a camara representante que sejam tomadas pelo corpo legislativo, e na sua sabedoria, as providencias que melhor pareçam para evitar os males e circumstancias que allega.

E eu peço a v. ex.ª, mandando o requerimento para a mesa, que lhe dê com urgencia o destino que lhe pertence ter.

O sr. Francisco Mendes: — Já tive occasião de manifestar perante a camara, quando renovei a iniciativa do projecto de lei para a reforma da carta constitucional, a necessidade que temos de proceder com circumspecção no desempenho das nossas funcções, como representantes do povo.

Volto ainda hoje a lembrar essa necessidade.

Eu, sr. presidente, vejo por toda a parte umas tenues nevoas, que parecem tender a agglomerar-se e a formar grossas nuvens, de que póde saír a tempestade! (Apoiados.)

Oxalá que eu possa ser justamente taxado de visionario, e que essas nuvens, que eu entrevejo, não passem de um phenomeno commum de meteorologia! (Apoiados.) Mas o que presinto actua no meu espirito, e a minha consciencia leva-me a crer que devemos ser rigorosos no cumprimento dos nossos deveres, que devemos ser briosos e abnegados (apoiados), para que o povo não descreia das nossas instituições (apoiados).

O povo, sr. presidente, confunde muitas vezes a religião com os sacerdotes d'ella. Principia lá por fóra a crer-se que aspiramos a sentarmo-nos n'estas cadeiras como meio e não como fim, como meio de subirmos aos cargos mais elevados da sociedade, e não com o fim de virmos aqui tratar dos interesses geraes do paiz, e dos interesses particulares dos circulos que nos elegeram.

Os que assim pensam laboram por certo em erro; mas são levados a um tal erro pelo facto, felizmente não muito repetido, de ter havido quem troque o seu diploma de deputado por commissões remuneradas (apoiados).

Eu não venho censurar os que assim têem procedido. Talvez que as suas intenções sejam excellentes; não terão por ventura sido demovidos por considerações de interesse pessoal; ter-se-hão convencido de que n'outra posição prestam melhor serviço á causa publica.

A maioria dos eleitores, porém, interpreta de outro modo essas intenções; e eu sei, sabemo-lo todos, que a desconfiança lavra fundo entre as classes menos illustradas... menos illustradas, seja (apoiados).

E, sr. presidente, parece-mo que o governo representativo não póde viver sem o auxilio da opinião publica (muitos apoiados).

Com o fim de coarctar as demasias de uma certa escola, que por vezes tem insinuado as suas doutrinas dissolventes, escola que não trepida na adopção de quaesquer meios para lograr seus intentos, propuz eu um projecto de lei tendente a acabar com os chamados raptos parlamentares.

Este projecto, que era tambem assignado pelos illustres deputados e meus prezadissimos amigos os srs. Luiz de Campos, Osorio de Vasconcellos e Pinheiro Borges, foi apresentado quasi no principio da sessão passada, foi admittido á discussão, e enviado á commissão de legislação.

Mas, ou porque os seus esclarecidos vogaes não podessem relata-lo, pela excessiva affluencia de negocios, ou porque, tendo elle um tão humilde apresentante, o julgaram uma puerilidade, lá ficou o pobre no limbo da commissão, tendo a mesma sorte que têem tido muitas outras cousas, boas ou más, que são apresentadas n'esta camaras.

E comtudo, sr. presidente, na minha boa fé estava, e ainda estou cada vez mais convencido, de que era decoroso á camara electiva mostrar aos seus constituintes que,

Página 204

204

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ao aceitar o mandato popular, todos os deputados punham de parte qualquer interesse proprio, qualquer desejo, qualquer ambição (apoiados).

Sem a esperança de ser agora mais feliz, renovo a iniciativa d'este projecto, e continuarei a renova-la emquanto poder levantar a minha fraca voz n'esta camara. Póde ser que eu venha a ser attendido, mas quando o não seja, quando á sabedoria da camara pareça dever julgar de modo differente, tenho descarregado a minha consciencia, tenho protestado á face do paiz que não presto o meu consentimento a factos que, bem ou mal interpretados, possam desprestigiar as nossas instituições.

Tenho concluido, sr. presidente (apoiados).

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Melicio: — Sr. presidente, annunciei hontem n'esta casa uma interpellação ao sr. ministro do reino, a proposito de alguns abusos praticados pela auctoridade superior de Leiria, e já hoje tenho de voltar a occupar-me de outras faltas não menos graves praticadas pelo delegado do governo n'aquelle districto.

O sr. governador civil dissolveu a junta administrativa do hospital de Leiria e a mesa da misericordia da mesma cidade. Esta resolução, segundo o meu parecer, foi precipitada, por isso que tendo aquella auctoridade officiado á junta communicando-lhe que devia alterar o seu orçamento, e respondendo o presidente da mesma junta que ía proceder a essas alterações, o sr. governador civil não esperou pelo orçamento e mandou lavrar o alvará de dissolução.

Não aprecio os motivos que teve a auctoridade para substituir aquelle corpo gerente, nem me proponho a examinar os fundamentos do alvará citado. Sómente observo que mais curial seria esperar o orçamento que o sr. governador civil havia pedido, e que não podia demorar-te, do que tomar aquella resolução.

O meu fim, porém, é outro. É perguntar ao sr. ministro do reino se as leis vigentes e se as portarias referendadas por s. ex.ª, tendo execução em todo o paiz, não são applicaveis ao districto de Leiria.

O sr. governador civil dissolveu a mesa da misericordia e a junta do hospital ha mais de quatro mezes, e ainda se não sabe quando se ha de verificar a nova eleição. O nobre ministro do reino, não ha muitos mezes ainda, fez publicar na folha official uma portaria recommendando promptidão na eleição dos corpos gerentes que a auctoridade dissolver por conveniencia publica e dentro das faculdades que as leis lhe conferem; mas ou s. ex.ª fez excepção para Leiria ou o seu delegado ali não dá grande importancia ás determinações superiores (apoiados).

Tenho em meu poder um requerimento assignado por grande numero de irmãos da misericordia, que pedem que se faça a eleição da mesa. Se o sr. ministro do reino está resolvido a não attender a esse justo pedido, rogo-lhe que m'o declare promptamente para que eu devolva o requerimento aos seus signatarios, e lhes communique que na epocha presente é uma verdadeira phantasmagoria o direito de petição, e que é inutil reclamar pelo cumprimento da lei.

Aguardo a resposta de s. ex.ª O que eu desejo é saber se o governo está ou não disposto a mandar proceder á eleição a que eu me tenho referido, ou se lhe parece conveniente que não se appliquem a Leiria os mesmos principios de administração que regulam para o resto do paiz.

O sr. Ministro do Reino (Rodrigues Sampaio): —Devidamente informado hei de fazer cumprir as leis no districto de Leiria, como as tenho feito cumprir em todos os outros.

O que eu sinto é que o illustre deputado não se tivesse dirigido á secretaria do reino, ou não me tivesse interpellado mais cedo a este respeito, porque mais cedo teria eu dado as ordens convenientes.

Quando vierem á camara os documentos que o illustre deputado pediu, s. ex.ª reconhecerá que uma portaria que eu expedi está nos termos geraes de todas as leis, e que não póde ser contestada senão por aquelles que desejem ser juizes e partes nas suas proprias causas.

O sr. J. M. Lobo d'Avila: — Pedi a palavra a v. ex.ª para mais uma vez me occupar dos negocios do ultramar.

Têem sido tão raras as occasiões de tratarmos aqui d'estes assumptos, que dou os parabens a mim e á camara por os jornaes terem publicado hoje com certo alvoroço, que na camara dos dignos pares se trocaram hontem algumas palavras para tratar de negocios relativos ás nossas possessões ultramarinas.

Eu devia talvez ter tomado a palavra na discussão da resposta ao discurso da corôa, para me occupar me negocios das nossas possessões ultramarinas; não o fiz porque não desejava, como não desejo agora, dar a este assumpto um caracter puramente politico.

Lamento a ausencia do sr. ministro da marinha, porque desejava fallar na presença de s. ex.ª, mas uma vez que tomei a palavra, não obstante s. ex.ª não estar presente, usarei d'ella.

Começarei por solicitar de v. ex.ª que se digne informar-me se os documentos que pedi que com urgencia fossem enviados do ministerio da marinha, com relação á guerra dos dembos, já vieram e se estão na secretaria.

É tão vasto o assumpto que diz respeito ás nossas colonias, que eu podia por muito tempo occupar a attenção da camara, se não tivesse receio do passar por fastidioso n'esta occasião.

Convidaria a v. ex.ª e á camara para me acompanharem em uma digressão, começando em Cabo Verde e acabando na India, para se convencerem que os diversos ramos da publica administração das nossas possessões têem sido, e estão sendo até agora quasi completamente descurados;

A administração publica, tanto na parte militar, como judicial, carece ainda de importantes melhoramentos, e não são menos urgentes as reformas no serviço de fazenda e administrativo.

Proponho-me talvez ainda n'esta sessão apresentar um projecto que diga respeito á melhor organisação da força armada na India; e com isto não quero dizer que as outras possessões não careçam de iguaes medidas, mas estão competentemente representadas pelos meus dignos collegas, deputados pelo ultramar, que de certo não se esquecerão de o fazer n'esta parte, ou em qualquer outra.

Desejava chamar tambem a attenção do illustre ministro da marinha para um assumpto que é importantissimo; refiro-me á apresentação do orçamento da receita e despeza do ultramar.

O artigo 138.° da constituição e o artigo 13.° § unico do acto addicional, impõem ao governo a rigorosa obrigação de trazer ao parlamento estes orçamentos.

Lamento que despezas muito extraordinarias e não auctorisadas se estejam fazendo no ultramar; e isto tem dado em resultado que uma provincia importante, que ha pouco estava florescente, tendo um grande remanescente nos seus cofres, esteja em divida, com relação aos ordenados dos empregados, por causa de despezas que se têem feito, e que, a meu ver, se não podem justificar.

A hygiene publica está completamente abandonada no ultramar, não havendo em muitos pontos um hospital para receber os enfermos.

Na Guiné portugueza, com vergonha o digo, o hospital está n'uma casa particular em pessimas condições, e nem telhados tem!

As alfandegas, sobretudo no ponto a que me referi, carecem de uma reforma radical, tanto do material, como dos edificios em que estão.

A camara sabe, e sabe o paiz, que nos empenhámos extraordinariamente para haver a ilha de Bolama. Pois a ilha de Bolama foi-nos entregue pelos inglezes, e nós até agora não temos feito para melhorar e aproveitar os recursos d'a-

Página 205

205

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

quella importante possessão. Não tem alfandega, não tem força publica, não tem hospital, nem igreja, emfim conserva-se no estado em que estava quando veiu ás nossas mãos, talvez peior, não obstante ter rendido já 34:733$000 réis.

Não quero n'esta occasião empenhar-me n'uma longa discussão a respeito dos negocios do ultramar, porque eu tenho tenção de opportunamente apresentar uma interpellação com o fim de ouvir o sr. ministro da marinha responder sobre os differentes pontos da administração das colonias, que enunciei agora, e mais especialmente desejo perguntar a s. ex.ª com que direito ainda hoje estão suspensas as garantias no estado da India (apoiados). Ou é verdade que os salteadores ali fazem victimas, e continuam sem repressão, e por consequencia é preciso empregar medidas que nem o governo, nem o governador geral da India têem até agora empregado; ou é verdade o que disse á camara o sr. ministro da marinha, isto é, que havia ali a mais completa tranquillidade, e n'este caso não se justifica de modo nenhum a suspensão das garantias (muitos apoiados).

Como não está presente o sr. ministro da marinha não quero levar mais longe as minhas observações n'este sentido. Só peço aos srs. ministros que estão presentes, que tenham a bondade de prevenir o seu collega o sr. ministro da marinha do que eu disse.

Concluindo, peço a v. ex.ª que tenha a bondade de me informar sobre se já vieram os documentos que eu pedi ácerca da paz celebrada com os Dembos.

O sr. Secretario (Ricardo de Mello): — Já estão sobre a mesa os documentos relativos á guerra dos Dembos.

O sr. J. M. Lobo d'Avila: — Estou satisfeito.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Ainda que eu quizesse interpellar algum dos srs. ministros, que não fossem os srs. Sampaio e Avelino, não podia ou não quizera faze-lo, por isso que elles n'este momento brilham pela sua ausencia. Sou pois impellido por esta circumstancia a pedir tão sómente explicações aos srs. ministro do reino e das obras publicas.

Começarei por me dirigir ao sr. ministro do reino.

Na sessão de 21 de setembro de 1871, pouco depois de ter saldo do poder o ministerio de que v. ex.ª fazia parte e de ter sido substituido pelo ministerio actual, perguntava eu ao sr. ministro do reino se elle sabia alguma cousa ácerca de um contrato que a imprensa dizia ter sido feito entre o governo e um homem de letras, cujo nome creio que é — Senna Freitas.

Por essa occasião disse eu que não me atrevia já a definir o que era um litterato em Portugal. Acrescentei tambem que comprehendia que o governo fizesse um contrato d'aquella natureza com um homem cuja plana scientitica fosse tal que o seu nome se tornasse garante de que as obras produzidas pela sua penna valeriam o estipendio dado pelo estado, e seriam um brazão e uma gloria para a litteratura portugueza.

Mas pareceu-me, sem por fórma alguma querer discutir então, como não quero discutir agora, sem por fórma alguma querer então, como não quero agora, deprimir as qualidades do individuo que contratou com o governo, pareceu-me, repito, que ellas não eram tão brilhantes, que os seus meritos litterarios não estavam tão fundamentados, que a sua fronte não estava aureolada por uma tal fama de historiador, que á porta fechada, sem concurso, sem nenhuma d'estas formalidades que são a garantia dos contratos publicos, se devesse ter lavrado esse... não sei bem como hei de dizer... esse accordo (riso).

O tal accordo, direi assim já que é preciso dar-lhe um nome, e não me occorre agora outro, talvez a lexicographia abundante do sr. ministro do reino (riso), me possa soccorrer agora, como em outras occasiões já me tem soccorrido (riso), o tal accordo foi celebrado pelo então ministro do reino e presidente do conselho de ministros o sr. marquez d'Avila.

Uma voz: — Esse tal accordo não tem classificação.

O Orador: — Exactamente. Esse tal accordo inclassificavel veiu publicado no Diario do governo do dia 30 de setembro de 1871, em virtude de um requerimento que eu fiz n'esta camara e que foi approvado.

Diz elle no artigo 1.°:

«Bernardino José de Senna Freitas Junior obriga-se a fazer a referida obra em cinco volumes, sobre as bases que apresentou, dando á impressão um volume cada anno.»

Este contrato tem a data de 2 de setembro do anno de 1871, e estamos hoje, se a minha chronologia me não engana, e se enganar tambem lá está a abundante chronologia do sr. ministro do reino para me emendar (riso), estamos hoje a 5 de fevereiro, e parece-me que mais de um anno tem passado, e se me não falha a memoria ainda nenhum volume saíu á luz (apoiados).

Os jornaes, que por via de regra sentem um certo prurido de annunciar as obras que tendem a enriquecer e dar um novo brilho á litteratura portugueza, foram nudos d'esta vez, o que me leva a crer que de facto o tal volume não foi publicado (apoiados).

As condições 5.ª e 6.ª do contrato dão ao litterato insigne (riso), a pensão de 400$000 réis annuaes quando estiver no continente e 600$000 réis quando tiver de percorrer o archipelago dos Açores.

Pergunto eu ao sr. ministro do reino, primeiramente se os taes 400$000 ou 600$000 réis, ou o que quer que seja, têem sido abonados ao individuo de quem se trata; e em segundo logar se este distincto litterato (riso) já publicou o primeiro volume, como está obrigado, porque se não fez essa publicação o sr. ministro não podia continuar a abonar-lhe os 400$000 ou 600$000 réis.

Se porventura o sr. ministro do reino tem continuado a abonar essa gratificação, eu sinto dizer-lhe que faltou aos seus mais rudimentares deveres, e recáe sobre a sua cabeça uma accusação vehemente por não ter respeitado a lei e por ter dado dos cofres publicos dinheiro que não devia dar (apoiados).

Ora, este acto de dar dos cofres publicos dinheiro que não se póde dar, tem um nome feio que não quero citar, e tem uma accusação criminal qua eu não quero fazer por ora (muitos apoiados).

Na sessão de 21 de setembro de 1871 fazia eu algumas perguntas e diversas considerações a este respeito, e o sr. ministro do reino respondia-me com estas phrases anodynas e cheias de evasivas:

«Li esta manhã a noticia do facto, a que o illustre deputado chamou escandalo, em um jornal que tambem assim lhe chama, e vi o facto attribuido á minha administração. Não me queixei porém...»

Eu não sei se chamei escandalo ao contrato, não me lembro bem das palavras que empreguei.

Vozes: — É escandalo. Não merece outro nome.

O Orador: — Muitos collegas meus dizem que é esta a classificação que o facto merece. Não me atrevo a duvidar da boa fé das palavras de s. ex.ª Dizia, pois, que o contrato é um escandalo (apoiados). Dizia mais o sr. ministro do reino: «Quanto ao facto foi para mim uma novidade».

Note-se, que o sr. ministro do reino é um homem felicissimo; traz sempre a imaginação muito entretida; para elle tudo é novidade (riso). Ainda que se lhe pergunte por qualquer cousa muito simples e muito corriqueira, por muito publicada que tenha sido pelos jornaes, s. ex.ª diz sempre «para mim é isso uma novidade; mas esteja certo o illustre deputado que hei de providenciar como for de justiça» (hilaridade e apoiados). Desgraçado d'aquelle que jamais encontra uma novidade! Desgraçado d'aquelle que não sente estas gratas impressões do inesperado! Quem negar isto mostra que não conhece os arcanos do coração humano. Triste é quando um homem não encontra, nos páramos da vida, este lenitivo, esta consolação de imprevisto, do inesperado e da novidade (riso e apoiados).

Página 206

206

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O sr. ministro do reino não é assim. Não sei se tem angustias, cujos espinhos se cravem no seu coração, mas sei que tem o balsamo n'esta ignorancia perpetua de tudo, n'este encontra novidades no que é do dominio publico (hilaridade).

O resto da resposta do illustre ministro é, como de costume, uma vulgaridade chata, um palavreado sem relevo.

Eu respondi que não ficava satisfeito com a resposta do sr. ministro do reino.

Não quiz entrar detidamente sobre este ponto, em appellei para essa rasão soberana que domina o tempo. E o tempo deu-me infelizmente rasão.

Infelizmente, sim, que eu já por vezes tenho dito n'esta camara, que sinto amargamente, e que alguma cousa confrange cá dentro o meu coração quando tenho de fazer opposição a qualquer governo.

Como patriota, como homem que preso o meu paiz, de corto teria maior prazer em levantar a minha voz para louvar o governo do que para deprimi-lo com as minhas accusações.

E a rasão é muito simples, nós precisamos sobretudo de bom governo, e de um conjuncto de homens cuja vontade harmonica concorra para este fim grandioso, levantar a nossa patria á maior altura possivel, para que ella seja um exemplo e um luminar.

Infelizmente não tem sido sempre assim, e a rasão explicativa da opposição que faço ao actual ministerio, é que os seus actos merecem a mais solemne reprovação no tribunal da minha consciencia.

Dirijo pois as minhas perguntas ao sr. ministro do reino, e espero a resposta de s. ex.ª, para em seguida, n'esta sessão ou em outra qualquer, por meio de uma interpellação ou por meio de uma discussão antes da ordem do dia, continuar n'estas observações.

Dizia ainda agora o meu illustre collega e camarada o sr. deputado José Maria Lobo d'Avila, contando-nos em phrases singelas, sem atavios (e não quero dizer com isto que s. ex.ª não seja capaz de empregar louçanias de linguagem como aquelles que melhor sabem usa-las); dizia o sr. Lobo d'Avila, repito, em phrases desataviadas, singelas, transparentes, e que penetravam o coração, narrando nos o miserando estado a que tinham chegado as nossas colonias, que a ilha de Bolama, cuja conquista nos tinha custado tantos trabalhos diplomaticos, tantas reclamações, tantas lutas e tantos esforços, para lá estava abandonada, para lá estava, padrão tristissimo da incuria portugueza, delatando ao mundo como exemplo eloquente, o desdem e o desleixo que nos merecem todas as conquistas gloriosas das espadas dos nossos avós (apoiados).

Mas esqueceu ao illustre deputado relembrar mais um facto e é que, se a ilha de Bolama não serve lá por fóra senão para attestar eloquentissimamente o estado miserrimo das colonias portuguezas, nem por isso ao nome d'ella deixa de estar ligado um marquezado! (Apoiados.)

Para alguma cousa serve a ilha de Bolama! {Apoiados.)

A ilha de Bolama é um deserto, a ilha de Bolama é um paul, a ilha de Bolama é uma charneca, a ilha de Bolama é um areal, mas a ilha de Bolama é uma epopeia! (Riso — muitos apoiados.)

Passemos, porém, da ilha de Bolama para outra ilha fronteira, para outra ilha ainda na foz do Rio Grande. Saltemos, e para isso não é preciso um salto de acrobata, saltemos da ilha de Bolama para a ilha das Gallinhas.

Ahi temos tambem um padrão immortal, um padrão que ha de atravessar as idades, cantando, como uma epopeia granitica, as altas glorias, os grandiosos feitos, as venerandas tradições do actual sr. presidente do conselho de ministros!

Para alguma cousa servem as colonias portuguezas. Servem para marquezados e para padrões gloriosos dos ministros vaidosos.

Se ao nome da ilha de Bolama está vinculado estreita, amoravel e sympathicamente o nome do sr. marquez d'Avila, do antigo plebeu Antonio José d'Avila, que se elevou pelos seus merecimentos (e eu respeito mais o marquez que se faz a si mesmo do que o marquez que para o ser não teve senão o trabalho de nascer), ao nome da ilha das Gallinhas anda vinculado em não menos estreitos e intimos laços o nome do sr. Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello, que é hoje presidente do conselho de ministros (riso — apoiados).

Portanto, para alguma cousa servem as nossas colonias, e discordo um pouco das palavras do meu collega, sentindo, como sempre, o estado de miseria a que deixámos chegar aquelles padrões de gloria.

Ao mesmo tempo alguma cousa me serve de balsamo para curar esta ferida. Dizem que as colonias lá fóra são um deserto, mas aqui n'esta casa, sob os nossos tectos, são os elmos d'estes cavalheiros da moderna cavallaria (riso. — Vozes: — Muito bem).

Passarei do sr. ministro do reino para o sr. ministro das obras publicas, o qual não sei se ainda me concederá que eu o aperte n'este estreito amplexo moral, porque não póde ser physico.

Vou mandar para a mesa o seguinte requerimento (leu). - Eu sempre tive por artigo de fé politica, que o sr. ministro das obras publicas é incapaz de fazer politica, no que esta phrase tem de misero e de desprezivel, com os melhoramentos materiaes do paiz. Tenho isto como artigo de fé e continuo a te-lo, e custar me-ía muito que viessem os desenganos e as desillusões povoar me o espirito.

Não sei quaes as rasões que actuaram no espirito do sr. ministro das obras publicas para mandar construir esta estrada a começar no chafariz do Vento e não na villa do Trancoso.

Hontem mandei para a mesa uma interpellação, mas preciso d'estes documentos para a realisar melhor, e estimaria muito que o sr. ministro das obras publicas se dê quanto antes por habilitado para responder a esta interpellação.

Agora direi que, segundo é voz publica, no circulo que tenho a honra de representar, com esta construcção de estrada pretendia-se levar os amigos meus a cruzar os braços para não guerrear os iniciadores de taes melhoramentos.

Não acredito isto, em primeiro logar porque respeito o caracter do sr. ministro das obras publicas, e em segundo logar porque reputo esse recurso contraproducente. Os habitantes da villa de Trancoso, com toda a rasão, têem pedido a fim de que a estrada comece n'aquella villa e não em um ponto que póde, technicamente, ser mais conveniente, mas que economica e financeiramente não ha nada que lhe justifique a escolha. Fiz com que se mandasse estudar a variante por Trancoso.

Os habitantes de Trancoso, longe de seguirem o governo, creio eu, por elle ter mandado construir esta estrada, têem de o abandonar, se porventura existe lá algum regenerador, o que duvido.

Se a estrada for construida a partir do chafariz do Vento e não de Trancoso, tanto peior para os interesses não só do paiz em geral, como para o proprio governo.

Como eu quero que o governo no caso de uma dissolução, ou de ter que fazer uma eleição, que é a phrase consagrada, a phrase verdadeira, a phrase que o meu illustre amigo, o sr. Luiz de Campos pintou, porque tambem se pintam phrases (quando o colorido é tão verdadeiro, quando salta da tela, a phrase é pintada, é estereotypada, e foi exactamente o que aconteceu); digo pois, se o governo tiver de fazer uma eleição, encontra-se em grandes difficuldades se porventura a estrada for começar no chafariz do Vento e não em Trancoso. É para prevenir e acautelar essa hypothese que eu peço ao governo que não comece a estrada no chafariz do Vento, mas sim em Trancoso, porque assim muito melhor póde debellar a minha influencia

Página 207

207

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

(riso). N'isto mostro que sou amigo do governo para este effeito, porque eu, quando os interesses geraes do estado e da localidade me compellirem a collocar-me ao lado do governo, não sou homem que anteponha acima de tudo os meus sentimentos pessoaes.

Nada mais tenho a acrescentar. Espero pela resposta do sr. ministro do reino e do sr. ministro das obras publicas. Provavelmente a palavra não me chegará hoje, terei que a pedir a v. ex.ª em outro dia e proseguiremos n'esta discussão que me parece que não é desasisada nem contraria aos interesses publicos (apoiados).

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Ministro do Reino: — Achei feito o contrato a que o illustre deputado se refere, e não me envergonho de ter dito que foi para mim uma novidade a primeira voz que o li. Creio que acontece isto a toda a gente. Achei o contrato feito e celebrado e cumpri-o.

No tempo em que devia apparecer o 1.° volume, o sr. Senna Freitas fez um requerimento pedindo alterações nas condições do contrato. Não as aceitei e mandei suspender as prestações.

Creio que era isto o que o illustre deputado desejava, e foi isto o que eu fiz.

Já vê o illustre deputado que se não tivesse sido tão precipitado ter-se-ía poupado ás angustias que o tem atormentado. (Vozes: — Muito bem.)

Vê-se que ás vezes a falta de conhecimentos é mais proveitosa do que conhecer muito, porque se chega a conhecer aquillo que não existe (riso. — Vozes: — Muito bem.)

Satisfeita assim a vontade do illustre deputado, não tenho mais nada a responder. (Vozes: — Muito bem.)

O sr. Ministro das Obras Publicas: — O illustre deputado o sr. Osorio de Vasconcellos já annunciou uma interpellação a respeito do traçado da estrada de Trancoso. Em breve me darei por habilitado para responder a essa interpellação, mas aproveito a occasião para declarar desde já, e creio que o tenho dito sempre ao illustre deputado e á camara, que na resolução dos negocios do meu ministerio não attendo a interesses politicos de qualquer ordem.

E, quando eu não tivesse em favor da verdade d'esta declaração os meus actos e, permitta-me a camara que o diga, o meu caracter (apoiados), tinha no caso sujeito a propria declaração do illustre deputado.

Effectivamente, se o governo fosse levado por considerações politicas na resolução d'esta questão, teria resolvido que a estrada entrasse na villa de Trancoso e não começasse no chafariz do Vento, como querem os homens technicos.

Na occasião em que se verificar a interpellação hei de discutir esse ponto com o meu illustre amigo, o sr. Osorio de Vasconcellos.

O sr. Paes Villas Boas: — Mando para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos pelo ministerio dos negocios da fazenda (leu).

Não posso deixar de acompanhar o requerimento de duas palavras. É que eu desejo que elle tenha effeito. É esta a segunda, senão terceira vez que requeiro taes esclarecimentos, e comtudo não logrei ainda have-los á mão.

Não sei, sr. presidente, se preciso pedir a intercessão de v. ex.ª ou da mesa, se é peço-a, porque eu careço do esclarecimento pedido para formar meu juizo ácerca de uma das propostas de lei apresentadas pelo sr. ministro da fazenda.

Hontem, pelo adiantado da hora, não tive logar de usar da palavra pela segunda vez, para o que me havia inscripto, com o fim de responder ao sr. ministro das obras publicas, o que faço agora, agradecendo-lhe as explicações que me deu e a attenção com que me ouviu.

Quanto ao primeiro objecto de que me occupei, a estrada de Barcellos a Ponte de Lima, estimo muito registar a promessa categorica de s. ex.ª, e de suas palavras fio que ha de cumpri-la.

Com respeito ao caminho de ferro do Minho, tendo pedido a s. ex.ª me declarasse qual a receita com que o governo contava occorrer aos encargos da construcção no futuro anno economico, respondeu-me que essa receita a teria na auctorisação da lei de 2 de julho de 1867. Aceito a resposta de s. ex.ª; a receita está effectivamente na fallada auctorisação. Não ha duvida; observo, porém, que a justificação plena da minha pergunta e das minhas duvidas está na ultima parte do relatorio que precede a proposta do illustre ministro da fazenda, onde o governo confessa que se ha soccorrido á divida fluctuante para fazer face ás despezas da construcção.

No immenso interesse que tenho em ver aquella provincia dotada com tão devido quanto importante melhoramento, limito me a dizer que faço votos por que a auctorisada operação se realise brevemente, e da declaração do nobre ministro se vê, como era de esperar; que já sobram ao governo os elementos para isso, porque só ella póde são garantia segura de que não soffrerão interrupção os trabalhos do caminho de ferro do Minho.

Quanto aos estudos da continuação da linha disse o sr. ministro que já tinha nomeado e encarregado o pessoal competente d'esse trabalho.

Fallando depois da necessidade instante de se levar a effeito a construcção da ponte sobre o rio Douro, complemento da actual linha ferrea do norte, prometteu s. ex.ª que em breves dias, talvez hoje, apresentaria á camara um accordo com a companhia, tendente...

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Não é accordo, é uma proposta.

O Orador: — Bem, uma proposta para regular definitivamente esta questão.

Seja proposta, o que muito é para desejar é que ella venha pôr fim a tanto adiamento tanto em prejuizo do paiz (apoiados); seja accordo ou proposta, o que será para estimar é que a nova proposta não venha em desaccordo com tantos accordos, em desaccordo entre si e em desaccordo manifesto com o interesse publico (apoiados).

A camara fica esperando a promettida proposta para sobre ella emittir seu juizo.

Voltando ainda ao caminho de ferro do Minho chamo attenção do nobre ministro para o serviço das expropriações na parte das avaliações dos terrenos. Sei que s. ex.ª me poderá dizer que não tem descurado o objecto, do que póde dar significado n'uma portaria de recente data. Insisto comtudo n'este ponto, porque me constaram algumas flagrantes irregularidades.

Em concelhos limitrophes, as commissões respectivas avaliaram em freguezias confinantes terrenos da mesma natureza, de igual valor agricola, de modo differente, estimando-os em preços desiguaes.

Similhante irregularidade não deve repetir-se e para isso não deve o illustre ministro das obras publicas perder de vista este serviço.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — O illustre deputado e a camara sabem, que a lei de 6 de julho de 1867 regula o processo das expropriações de modo que nem o governo, nem os seus agentes têem intervenção alguma na expropriação amigavel ou judicial.

Um artigo d'essa lei determina que o governo nomeie commissões municipaes. São essas commissões municipaes que tratam das expropriações amigaveis; e que são as partes legitimas para pedirem a expropriação judicial, quando não poderem chegar por accordo a estabelecer a indemnisação dos predios que hão de ser expropriados para o caminho de ferro.

Não tendo pois o governo acção nenhuma n'esse processo, nem no ajuste amigavel das expropriações, a unica cousa que póde fazer é recommendar aos seus engenheiros que, pela sua parte, façam todas as diligencias para se conseguir que as indemnisações sejam o mais justas que poderem ser, em relação ao valor das propriedades. Mas no caso de haver commissões, o que não acredito, que não ze-

Página 208

208

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

lem os interesses da fazenda tanto como é de esperar e como a lei suppoz que ellas zelariam, os engenheiros são completamente inuteis dentro d'essas commissões. Elles não têem o direito, quando discordem na fixação do preço por que se ha de pagar a propriedade, de se oppor ao ajusto amigavel e de seguir o processo judicial.

Póde ser que em alguns concelhos, que a linha do Minho atravessa, se tenha feito um juizo errado da acção do governo a respeito das expropriações, mas o certo é que no caso de haver avaliações exageradas, não se deve attribuir isso á influencia do governo ou dos engenheiros (apoiados).

Agradeço ao illustre deputado o ter-me prestado esta occasião para explicar a lei, e dizer á camara que tanto o governo como os seus agentes são absolutamente estranhos ás expropriações que se fazem para o caminho de ferro do Minho, e nada podem fazer para reduzir aos limites da justiça o valor das propriedades, quando por acaso (o que ignoro) as avaliações por parte da commissão ou de quem for, se afastem do que é justo!

O sr. J. T. Lobo d'Avila: — Mando para a mesa mais quatro representações de differentes companhias e compromissos maritimos do Algarve, e uma da camara de Villa Real de Santo Antonio, contra o contrato das ostras que está pendente de resolução d'esta casa.

Não se julgue que esta materia é insignificante (apoiados) e representa um mesquinho interesse local. Trata-se nada menos que do monopolio de uma costa de 115 kilometros, n'uma area de 1:000 kilometros quadrados! Trata-se principalmente de perturbar a industria de uma provincia do paiz!

Apresentou-se na sessão legislativa passada a respeito d'este assumpto por parte da maioria da commissão de agricultura um parecer, creio que elaborado pelo meu nobre, distincto e erudito amigo, o sr. Adriano Machado, em que se reduzia a pó similhante contrato, e se mostrava até á evidencia que era contrario ao interesse publico e contrario ao senso commum! (Apoiados.)

Veiu depois um parecer da minoria, que muito respeito, em que se allegava que tendo-se queixado só Aveiro, se exceptuava a sua costa e ria do contrato e se comprehendiam n'elle as outras terras, porque se não tinham queixado! Mas agora, como apparecem representações de todo o Algarve, já se vê que o parecer da minoria não tem rasão de ser (apoiados), e que pela mesma rasão por que se retira Aveiro do contrato, tambem se deve retirar o Algarve, que tem igualmente a rasão e a justiça pelo seu lado (apoiados).

Nem o povo nem ninguem é contra a exploração das ostras ou de qualquer industria piscatoria, porque lá está o artigo 395.° do codigo civil, que garante a liberdade d'essa industria, e lá tem expressamente o regulamento de 15 de dezembro de 1868, que regula o modo de explorar as ostreiras. Portanto, explorem-se como se quizer. Se o governo, quando quiz promover a industria das ostras, que estava um pouco descurada entre nós, deu uma concessão limitada a uma pequena area ao lente de uma escola, a fim de estabelecer uma especie de exemplar d'essa industria, isso não auctorisa a dar uma concessão indefinida ao monopolio das costas, lagoas, rias e portos do paiz (apoiados); conceda uma area que seja proporcional a essa industria, e dê-a por concurso (apoiados).

Eu entendo que é melhor systema, depois de estabelecido o regulamento de 1868, que garante a conservação dos bancos naturaes das ostreiras, entregar esta industria á fiscalisação administrativa do que constituir monopolios d'esta ordem (apoiados).

O argumento de se ter feito uma concessão não tem paridade, porque as circumstancias não são as mesmas.

Em toda a parte onde se tem tratado d'esta industria, quando se tem feito alguma concessão, ou antes alguma demarcação de ostreiras, não abrange grandes areas.

Em Arcachon a maior area concedida para este effeito é de 40 hectares; nas mais o termo medio da area dada para a exploração das ostras é de 12 hectares. Na ilha de Rhé ha 202 hectares dados para exploração de mais de 3:000 concessões. Em parte nenhuma, em paiz algum se dão concessões para explorar as ostras, perturbando as outras industrias, e dando o monopolio monstruoso que n'este contrato se quer dar das costas do paiz (apoiados).

A concessão que se quer fazer valer para a exploração das ostras póde dar origem agraves conflictos (apoiados), e eu imponho a responsabilidade d'elles a quem approvar similhante contrato (apoiados); e ao governo, se patrocinar tão revoltante absurdo (apoiados), porque n'um paiz, como o Algarve, em que uma grande parte da população vive exclusivamente da pesca, onde ha 40:000 individuos que vivem d'esta industria, onde a pesca depende de se não perturbarem as aguas em certos pontos e em determinadas estações do anno, para não afugentar o peixe, sobretudo o atum e a sardinha, se esse abuso se consente e auctorisa por um contrato, e se vae impossibilitar o lançamento das armações e das artes, e tolher todo o genero de pesca a arbitrio do concessionario monopolista, isso condemna aquellas povoações á miseria, principalmente aparte mais pobre do Algarve (apoiados).

Portanto o contrato se se approvar póde dar logar a conflictos serios e lastimaveis (apoiados). Eu espero que não se consummará este acto (apoiados); que se não approvará similhante contrato (apoiados). Confio no bom senso e no espirito recto de todos os illustres deputados, e espero que elles não prestarão o seu assentimento a tal concessão (apoiados).

Se eu quizesse especular com qualquer acto do governo para lhe crear obstaculos e embaraços, pedia que se approvasse este contrato (apoiados), porque isso era um elemento de desordem e de reacção contra o governo (apoiados).

Este negocio é serio. É dar um monopolio impedindo a liberdade da industria sem necessidade (apoiados). E mais: é talvez chamar sobre o paiz uma reclamação estrangeira (apoiados), porque esta concessão póde passar a outras mãos (apoiados) e vir depois um estrangeiro apresentar reclamações, porque no contrato da concessão está estabelecido que o governo se obriga a garanti la e a não deixar perturbar o concessionario no uso que d'ella fizer (apoiados).

Por fim este contrato é uma anomalia (apoiados). Não quero com isto fazer injuria a ninguem. Creio que o ministro que o assignou não estava bem informado, era impossivel que o estivesse. Se lhe não tivessem desfigurado os factos não assignava um contrato d'esta ordem (apoiados), tão monstruoso e condemnavel (apoiados).

Peço á camara que tome estas representações em consideração; e peço a v. ex.ª que, a exemplo do que se praticou com as representações dos povos de Aveiro, que foram impressas e annexas ao parecer, sejam remettidas á commissão, sejam impressas e annexas ao parecer, a fim de que a camara possa tomar conhecimento d'ellas e resolver o assumpto como é justo, rejeitando por uma vez similhante contrato, que nada justifica e que tudo condemna. (apoiados).

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Mando para a mesa a seguinte nota de interpellação ao sr. ministro do reino (leu).

O sr. Candido de Moraes: — Mando para a mesa um projecto de lei.

Desejava acrescentar algumas considerações, mas reservo-me para quando estiver presente o sr. ministro da guerra, por me parecer ser essa a occasião mais opportuna para essas declarações.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Não tomarei muito tempo á camara.

Mando para a mesa uma proposta de lei, para o governo ser auctorisado a vir a um accordo com a companhia dos

Página 209

209

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

caminhos de ferro de norte e leste, para o acabamento da linha do norte.

Aproveito a occasião de estar com a palavra, para pedir á camara, em nome do governo, que tome sobre o negocio das ostras a deliberação que entender em sua sabedoria. O governo não póde ter diante de si um documento que tolhe a acção da administração publica, acção que precisa ter em todos os negocios, especialmente em negocios do ministerio das obras publicas.

Approve a camara ou rejeite o contrato, como entender em sua sabedoria. Não foi o governo actual que o fez. E se eu, na sessão passada, renovei a iniciativa d'este assumpto, foi porque a administração não podia estar, nem convem que esteja, parada diante d'aquelle contrato, nem de nenhum outro que lhe restrinja a acção e liberdade de que precisa para poder livremente fiscalisar ou encaminhar qualquer industria no seu desenvolvimento. Emquanto tiver diante de si diplomas d'aquelles, o governo não póde proceder.

A questão está dependente do poder legislativo. O governo aceita a resolução da camara. Eu já declarei solemnemente na sessão passada que essa resolução não tinha nenhuma consequencia politica para o ministerio.

Quando se discutir o contrato direi aquillo que entender, em nome do governo, a esse respeito. Repito, o que eu peço é uma resolução prompta. O negocio não depende do ministerio. Já fui á commissão dar as explicações que se me pediram e o contrato já tem parecer. V. ex.ª que o dê para ordem do dia.

A proposta foi admittida, e enviada á commissão respectiva.

O sr. Mamede (por parte da commissão de fazenda): — Mando para a mesa o parecer da commissão do fazenda sobre a proposta de lei para a distribuição da contribuição predial, relativa ao anno civil de 1873.

O sr. Presidente: — Peço a attenção da camara. Vae passar-se á ordem do dia.

Alem da inscripção sobre a materia, inscreveu-se hontem sobre a ordem o sr. Rodrigues de Freitas, a quem vou dar a palavra.

ORDEM DO DIA

Continua a discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa

O sr. Rodrigues de Freitas (sobre a ordem): —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

A camara lamenta que tantas vezes o governo de Vossa Magestade haja violado a lei. Esta camara porá todo o empenho em tirar ao poder executivo todas as attribuições que, sob pretexto de indispensaveis á boa administração, a tornam cada vez mais nociva ao reino, e contribuem para abreviar de modo inconveniente a duração da monarchia, e diminuir a importancia do poder legislativo. = Rodrigues de Freitas, deputado pelo Porto.

Foi admittida.

O sr. Presidente: — Peço a attenção da camara. Alem dos srs. deputados que estavam inscriptos sobre a materia, pediram hoje a palavra sobre a ordem varios srs. deputados, e está tambem inscripto o sr. ministro do reino.

O sr. Mariano de Carvalho pediu a palavra para um requerimento, mas eu lembro ao sr. deputado que não lhe posso dar a palavra senão para um requerimento.

O sr. Mariano de Carvalho: — Desisto da palavra.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. ministro do reino.

O sr. Ministro do Reino: — Antes de responder a algumas accusações que se fizeram ao governo, e a algumas referencias á minha humilde pessoa, desejo estabelecer certos principios que de certo a camara aceitará.

Reconheço a soberania do povo; entendo por povo o mais humilde cidadão até ao mais alto funccionario do estado (apoiados). Reconheço a soberania só n'elle, e sei que essa soberania é exercida pelas duas camaras e pelo Rei. Reconheço o principio da igualdade, e reconheço que n'este systema as maiorias são as que deliberam e decidem (apoiados).

Não admitto por conseguinte entre os proprios representantes da nação superioridade de uns sobre os outros (muitos apoiados).

Não posso reconhecer esta divisão dos deputados em arraia miuda e peixe grosso que se estabeleceu aqui ha poucos dias (apoiados); acho isso um rebaixamento da camara dos deputados e de cada um dos seus membros.

Sei que a maioria póde errar; reconheço isso; mas se este principio é incontestavel, não se segue que cada deputado se possa levantar, e assumindo para si o dicto de Luiz IV: diga, a nação sou eu! (Apoiados.) A nação é todo o povo; representantes são as côrtes, mas não cada um de nós.

Todos sabem que um individuo que falla póde ter rasão; mas essa é a rasão individual; a verdade social não se póde provar senão pelo voto das maiorias.

Posto isto entro na discussão.

Disseram-nos aqui que estavamos no baixo imperio. E se se julgar pelos discursos de alguns srs. deputados, digo-o sem offensa para nenhum d'elles, estamos n'um perfeito baixo imperio. Mas não ha de ser um individuo, segundo os principios que estabeleci, que o ha de julgar na sua omnipotencia; o tempo do poder absoluto, da sciencia certa acabou (apoiados).

Disseram-nos que estavamos no baixo imperio, embora os exemplos que se adduziram pertencessem á historia augusta, á epocha dos Cesares.

Estamos no baixo imperio! E porque é que estamos no baixo imperio? E porque estamos discutindo placidamente, apesar de se dizer que a patria está em perigo, que o sr. presidente do conselho estivera em Torres Vedras, que o ministro do reino sustentara a junta do Porto, que o da fazenda estivera n'um partido, e que o das obras publicas estivera n'outro.

Estas verdades revelladas á ultima hora (riso) são de uma grande conveniencia social (apoiados). Estamos sem duvida no baixo imperio!

Referiu-se depois outro desacato e outra prova de que estavamos no baixo imperio. Foi o ter eu dado um habito da Torre Espada ao sr. Mendes Leal. Este caso é grave. Estivemos em campo opposto, e os homens da minha idade, e os homens a quem eu combatia eram duros, se quizerem, uns para com os outros, eram injustos, faziam-se mutuos aggravos, mas acabada a luta reconheciam o merecimento dos contrarios e faziam justiça uns aos outros (muitos apoiados).

Nós não eramos como os arabes das fronteiras da Persia que atavam pannos á roda das palmeiras masculinas das suas tribus no tempo da florescencia, a fim de que o vento do deserto não levasse ás palmeiras femininas das tribus vizinhas a semente que as fecundasse.

Nós batalhavamos, e depois da batalha esqueciamo-nos de tudo.

Quando um official russo, finda a batalha de Austerlitz, foi pedir a Napoleão que o fuzilasse, porque tinha perdido os seus canhões, o imperador disse-lhe: consolez-vous, jeune homme. On peut être vaincu par mon armée, et avoir encore des titres á la gloire. (Vozes: — Muito bem.)

O sr. Mendes Leal podia andar contra mim em guerras fratricidas, e eu podia mais tarde reconhecer o seu merecimento e o seu valor...

O sr. Luiz de Campos: — N'essa guerra?

O Orador: — N'essa guerra, podia-lhe reconhecer o seu valor (apoiados), como o illustre deputado.

O sr. Luiz de Campos: —E o seu merecimento, e os seus serviços?

Página 210

210

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O Orador: — Também; mas não dou licença ao illustre deputado para me interromper (muitos apoiados).

O sr. Luiz de Campos: — É o sr. presidente, não é v. ex.ª que me póde dizer isso.

Vozes: — São todos que o podem dizer.

O sr. Presidente: — Peço ordem (apoiados).

O Orador: — Como o illustre deputado que pertence hoje a um partido avançado, na primeira vez que fallou n'esta casa reconheceu a honra do partido cartista a que seu pae tinha pertencido, e assim como opiniões tão contrarias de pessoas tão conjunctas se poderam fazer mutua justiça, creio que o sr. deputado não póde estranhar ver juntos alguns dos meus amigos com os de seu pae, ou com elle mesmo se vivo fosse, porque não se revoltariam uns contra os outros. (Vozes: — Muito bem.)

Argue-se até, senhores, um caso extraordinario, horrendo — o sr. presidente do conselho deu uma gran-cruz a si mesmo! E eu, meu Deus, julguei que seguindo os exemplos de alguem que me accusava, deveria ser desculpado se não apoiado pelo partido que estranhou este procedimento.

Eu fazia guerra á administração do sr. marquez de Loulé, e guerra crua, porque não costumo fazer uma guerra branda, quando estou convencido que é má a administração que combato, porque as minhas convicções são fortes, nem poupo sequer os meus proprios amigos se entendo que lh'a devo fazer.

O sr. Barros e Cunha: — Apoiado, é verdade.

O Orador: — O sr. marquez de Loulé recebeu uma gran-cruz de si mesmo; e eu não tive inveja de ver aquelle nobre peito ornado com similhante condecoração que a merecia; e querendo-me hoje trespassar o peito um amigo d'aquelle nobre caracter, foi atravessar o do meu illustre amigo o sr. Braamcamp. Vejam se são estas as tendencias do baixo imperio! É perfeitamente do baixo imperio esta opposição. Pois ha dignidade quando se vem accusar um adversario de hoje, por aquillo que os correligionarios do accusador tinham feito hontem?! Tenham pelo menos memoria. Têem muito talento, muita intelligencia, muito boa vontade, mas sem memoria podem ser injustos, e a injustiça não a fizeram a mim, fizeram-a aos seus proprios amigos (apoiados).

Mas n'este diluvio de injustiças senão de injurias fui eu o mais mimoseado. Recebi até a graça de ser equiparado a Tigelino; mas eu não sei que haja Tigelino sem haver Neros, Caligulas e Tiberios. Quem serão estes? Sem elles não comprehendo os Tigelinos...

Uma voz. — Tiberios já ha.

O Orador: — É verdade, e este tyranno não está entre a maioria, pertence á opposição (riso). E a opposição que já tem o seu Tiberio, e que quer ser absoluta, não aceita a decisão das maiorias. Isto é ainda o baixo imperio!

Mas ha mais alguma cousa do que isto. Eu glorio-me de ser alvo de tão envenenadas settas, porque algumas vinham cheias de veneno, ainda que alguns adversarios que as despediam, declaravam não ter nada contra a minha pessoa (apoiada).

Seria uma excepção que eu sentiria, se abatendo-se e insultando-se todo o paiz, declarando-se que elle não sabia eleger, que toda a eleição era falsa, que todas as maiorias eram subservientes e marcas, eu ficasse só salvo n'este diluvio (riso). Basta que os justos estejam só na opposição, que são os que hão de salvar a patria, porque assim estão livres do peccado original, e não ha receio de que o nosso contacto lh’o communique. E vejam como sendo nós todos corruptos, a virtude se foi anichar em um bando que é pena ser tão pequeno, que cada vez vae diminuindo, parecendo que caminha para uma decadencia maior do que a da velha Roma.

Mas ainda tudo isto se podia tolerar, se não houvesse casos mais graves em que os principios foram offendidos.

Sr. presidente, v. ex.ª sabe e sabe toda a camara tambem que eu fui redactor do Espectro, e honro-me com essa publicação (apoiados).

Ponham-me fóra d'esta cadeira por isso, se quizerem, que eu prefiro aquelle escripto ao facto de estar sentado agora aqui. (Vozes: — Muito bem.)

Sustentou-se em 1846 e 1847 uma guerra fratricida. Eu pertencia ao partido da junta do Porto, ao partido dos Passos, dos Aguiar, do conde das Antas, do visconde de Sá, do então marquez de Loulé, e de tantos outros caracteres illustres que seria longo nomear. A nação estava dividida, e parte d'ella em guerra aberta com a corôa, é escusado dissimula lo. Não sei se tinha rasão ou se estava em erro, sei que estava convencida de que a tinha. Defendia a minha causa, a causa dos meus irmãos, mais d'elles ainda do que minha, porque eu soffria menos do que elles. Foi por consequencia o meu acto de pura dedicação partidaria. Fui duro, fui acervo; mas no meio d'esta grande dor, porque era uma dor nacional, nunca deixei de ser respeitoso para com a soberana e seus filhos. Ella soube-o antes de morrer, e seus filhos souberam-o mais tarde, porque eu mandei encadernar uma collecção do Espectro e enviei-a ao Senhor D. Pedro V. Este Principe reconheceu que eu tinha sido duro para com o supremo magistrado, mas que ninguem tinha respeitado mais a senhora, a mãe, e a esposa. (Vozes: — Muito bem.)

Tenho na mão esse livro horrendo, que foi aqui acoimado por quem nunca o tinha lido, por quem tinha sido estranho a essas lutas, por quem vinha a sangue frio apenas com o intuito de lançar uma injuria ao ministro do reino. Pois o ministro do reino agradece a occasião de mostrar ao illustre deputado este monstro horrendo que elle nunca tinha visto, nem lido.

O sr. Luiz de Campos: — Peço perdão; eu já o tinha lido.

O Orador: — - Não era ao illustre deputado que eu agora me referia. Referia-me a quem disse que nunca o tinha visto.

Houve n'esses dias de amargura não sei quem que espalhou pelas ruas da cidade um pequeno papel em que se dizia que o povo devia ir ao paço das Necessidades, pegar pelos cabellos da Rainha, e arrasta-la por essas ruas. Haveria quem n'estas crises tremendas deixasse passar o papel immundo, por julgar que a sua reprovação enfraqueceria as forças da revolução. Não me importou nada isso. Escrevi um artigo que talvez hoje, no enfraquecimento da minha intelligencia, já não soubesse escrever. Mas honro-me, mas glorio-me de o ter escripto.

Seria longo e fastidioso ler todas as considerações que fiz até este periodo que vou ler, e que já foi aqui lido pelo meu illustre amigo o sr. Teixeira de Vasconcellos:

«O paço dos nossos réis é um foco de corrupção politica, mas não o é de corrupção moral. Não ha Rainha mais virtuosa como esposa nem como mãe de familias. A sua casa póde servir de exemplo a todas as da Europa.

«Apraz-me fazer esta justiça. Assim podesse achar que louvar no funccionario como no individuo.

«Por isso é que a nossa voz se levanta contra uma imputação injuriosa e falsa. A moral respeita-se no adversario como no amigo.»

Mais tarde houve outro papel em que se dizia o seguinte:

«Que a familia do Rei estava devassando o paço; que o esposo da Rainha se ía enchendo de vicios, e que a nossa corte seria brevemente como a de...»

O Espectro levantou-se e disse: «O partido popular, a quem a Rainha persegue, respeitou sempre a vida privada da real familia. Não merece ser Rainha, mas não merece ser calumniada. O Espectro não a póde amar, porque não póde amar a tyrannia, mas é preciso ser justo, e clamar que o Brado da Lealdade é um infame.»

Não me acobardei tambem, não me escondi, não deixei passar essa calumnia, que podia talvez dar força á revolução, se a calumnia a alguem a póde dar.

Página 211

211

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Pois, se eu defendia a mesma causa, a causa dos meus correligionarios, era porque a julgava justa.

Nada occulto; quero apresentar todos os meus escriptos, todos os meus excessos, se o foram, na sua nudez.

Não quero que venha o mexerico, nem a calumnia, allegando a sua ignorancia, infamar-me (muitos apoiados).

Nos ultimos numeros do Espectro vem a minha assignatura, porque eu nunca fui pamphletario anonymo, nunca me servi da penna occultando a minha responsabilidade como fazem muitos heroes, que depois negam os seus proprios escriptos. Nunca, (muitos apoiados. — Vozes: — Muito bem.) fossem quaes fossem as consequencias que d'ahi me resultassem (apoiados).

Pois julgam-me tão nescio que não soubesse, quando assignei o Espectro que, ou me inhabilitava a vir a este logar, ou que havia de ser atacado por aquelles que então me apoiavam?

Então eu era o idolo d'aquella gente; era o seu heroe; valia mais do que o seu exercito, e os meus escriptos iam alem do que hão de ir estes discursos do baixo imperio que se estão aqui proferindo (muitos e repetidos apoiados).

Pois, senhores, eu sabia isto e não recuei diante da responsabilidade.

Não andei em diversos campos, ora lisonjeando uns, ora lisongeando outros. E já então reconhecia o imperio dos factos consummados, devendo notar os srs. deputados, que não hão do achar aqui mais do que vou dizer.

Escrevi eu:

« Agora que a junta estipulou, convem observar as suas estipulações que são honrosas.

«Cidadãos, toca a ensarilhar armas e a descansar. O derramamento do vosso sangue seria hoje inutil. Farieis um sacrificio que n'esta hora seria agradavel a Deus.

«Dizem que tudo vae entrar na ordem regular; esperae. Se os alliados forem sinceros, podereis ainda reconquistar a vossa liberdade. A imprensa livre vos illustrará. Se ficarmos eternamente sem garantias o Espectro resurgirá de novo debaixo da sua campa, e irá com voz mais tremenda do que nunca lembrar a essa trindade infernal o cumprimento das suas promessas.

«O Espectro não falla senão quando ninguem póde fallar, mas quando a voz do homem e da lei poder chegar aos ouvidos dos que governam, é essa a unica voz que deve ser ouvida, mas uma voz amiga e leal. A voz do Espectro tem sido de forro, porque os ouvidos a que se dirigia estavam fechados e o seu coração impedernido. As suas verdades foram duras, mas sempre verdades.

Aqui estão todos os meus crimes! Quizera não ter proferido algumas phrases tão duras; quizera ainda mais não ter tido occasião de as proferir (muitos apoiados). Desejava isso.

Direi agora que tambem é de mau gosto e improprio de cavalheiros que se prezam, e que todos prezamos, essas repetições continuadas (muitos apoiados). Pois se isto fossem injurias, a repetição d'ellas seria igualmente uma injuria ainda mais aggravada (apoiados). Bom seria que esses cavalheiros se abstivessem de tal procedimento.

Havia uma ordenação do reino, creio que está revogada, e o nosso ministro da justiça no-lo poderá dizer, que dizia: «que quem vae contar a alguem o que outrem disse d'elle, esse alguem é tão culpado como o outrem que o dissera».

Pois qual é o homem decente que entra n'uma sociedade e diz a qualquer individuo: «Olhe que fulano disse de você isto, aquillo e aquell'outro?» Aquelle que repete a offensa torna-se cumplice d'ella; mas se a repetição offendeu alguem, não foi a mim.

O que é porém mais estranhavel é que me attribuam a mim estes insultos, quando elles realmente se praticaram, mas sendo eu innocente n'elles. Parte d'estes senhores que me accusam e que dizem hoje que são meus adversarios, foram quasi todos meus correligionarios n'essas lutas, talvez elles mesmos me achassem moderado. Houve um entre os meus que disse o que eu nunca poderia dizer; que disse o que eu podia agora ler se quizesse, mas que nunca o lerei, porque não quero imitar o exemplo dos illustres deputados, exemplo que eu não louvo, e porque seria um verdadeiro insulto repetir ou dar vulto á calumnia.

Eu nunca alludiria a essas palavras que tenho aqui diante de mim escriptas, se não me provocassem.

Quando eu escrevia o Espectro, considerava-me tão absoluto como o Soberano; considerava me tão fera da lei como reputava que elle estava. Esse meu correligionario a quem me refiro, havendo depois umas desavenças na familia, separou-se, e creio que é hoje o chefe do grupo reformista; mas levou comsigo uma parte da herança que lhe cabia, e n'ella iam incluidas as injurias que os illustres deputados me attribuiram. Elle é que deve responder pelas taes calumnias que a mim me assacaram. Agora sou eu que accuso a opposição. A cada um a parte da responsabilidade que lhe compete. (Vozes: — Muito bem.)

O sr. Luiz de Campos: — Mas v. ex.ª não deixa de ser réu.

O Orador — Mas o illustre deputado é que não póde ser meu juiz; não representa senão a sua pessoa, e representa muito, mas não póde pronunciar a minha sentença.

N'essa parte pois, peçam ao seu chefe a responsabilidade. Eu é que não soffro uma accusação por actos que elle praticou. Sinto muito que me obrigassem a traze-lo para esta discussão.

E eu não posso ler o que elle escreveu, apesar de ser o que os illustres deputados me attribuem a mim! (Ápartes do sr. Luiz de Campos.)

Eu estive calado emquanto o illustre deputado fallou, e mais fui injuriado (apoiados); mas serei como aquelle cidadão de quem disse um philosopho que envelhecia: injurias accipiendo et gratias agendo. (Vozes: — Muito bem.)

Mas o caso ainda não é só este. Nós vimos a representação nacional abatida, a camara desacatada; mas o cavalheiro que a offendeu pela calumnia que a mim me attribuiu, fez mais. Pois que disse elle aqui? Elle achou Tigelinos, achou Neros, achou Caligulas, mas achou ainda mais alguma cousa; eu não direi o que elle achou...

(Áparte do sr. Luiz de Campos.)

O illustre deputado provoca-me, e eu queria que me provocasse (apoiadas. — Vozes: — Muito bem); caíu no laço (apoiados — riso.)

Sr. presidente, antigamente os cavalheiros portuguezes iam a Londres desaffrontar as damas inglezas ultrajadas pelos seus patricios (apoiados); hoje, um deputado da nação portugueza diz aqui que não quer indagar nem discutir se entre nós existem, como nos velhos tempos de Roma, Livias e Poppeias! (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

(Áparte do sr. Luiz de Campos.)

Mas isso é duvidar (muitos apoiados), isso é duvidar, e um cavalheiro não vem dizer isso (muitos apoiados), porque a confissão da duvida é já uma affronta (muitos apoiados.)

Repito, os nossos antigos foram defender as damas estrangeiras, o illustre deputado vem offender as nossas princezas! (Apoiados.)

Diz que não quer discutir, que não quer indagar, mas lança a insinuação, mas lança a suspeita (apoiados), e essa suspeita está ahi lançada, e essa suspeita não é digna, e essa suspeita não é verdadeira (apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

E nós não estamos no baixo imperio, e isso é de baixo imperio, e quem argue os outros deve ter sempre bastante coragem para provar o que avança (apoiados.)

(Brados, que não se percebem, da parte do sr. Luiz de Campos.)

A inquietação do illustre deputado mostra que está algum tanto incommodado (apoiados. — Riso.)

O illustre deputado estava mais á vontade quando reci-

Página 212

212

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

tou o seu primoroso discurso, estudado ha muito tempo, e lido já mesmo em alguns logares da capital (apoiados. — Riso).

Por conseguinte é preciso que os cavalheiros se mostrem pelas palavras e pelas acções; e eu acho mau este terreno, acho-o inconveniente, acho-o de baixo imperio (apoiados); acho mau que emquanto a administração, emquanto a fazenda requerem a nossa assiduidade, o nosso trabalho e o nosso concurso, estejamos a discutir como se repartiram algumas graças, injuriando por insinuações quem não se póde defender, e quem não se póde discutir. (Vozes: — Muito bem.)

Não se notou no ministerio composto pelo sr. duque de Loulé, que era membro da junta do Porto, ou se não era membro, era um dos mais nobres caracteres que sustentavam aquella causa, não se notou, repito, que estava no mesmo gabinete o sr. Mendes Leal; o crime d'essa approximação estava reservado para mim (apoiados); e todos os erros, e até as circulares de 1845 foram lançadas em rosto a este ministerio, que combateu a administração d'aquella epocha, á qual estava ligado o pae do illustre deputado. S. ex.ª no seu primeiro discurso veiu aqui fazer a apologia d'essa administração; disse que não era tempo de ser julgada, que o havia de ser pela historia; agora nós é que somos julgados já! E fez o illustre deputado justiça aos cavalheiros d'aquella epocha. Mas quem assim procede imparcialmente, sem que ninguem o censurasse, louvando-o todos, não vem hoje notar incompatibilidades. Se as ha, é preciso concluir que necessariamente ha incompatibilidade entre o proprio deputado e o seu illustre progenitor.

Respeitemos pelo menos os nossos paes.

Se queremos... (riso).

Uma voz: — Deu a hora.

O Orador: — Eu não digo nem que deu a hora, nem que não deu, nem peço copo d'agua, nem satisfaço a nenhuma d'estas exigencias da tribuna; emquanto me deixarem fallar e me ouvirem fallo.

Vozes: — Falle, falle.

O Orador: — Não podia acabar hoje ainda que tivesse mais tempo, pelos muitos apontamentos que tirei para responder aos illustres deputados.

Foi atacado o governo por causa da viagem de El Rei.

Devo dizer á camara que o governo aceita toda a responsabilidade da viagem de El-Rei (apoiados), quer a iniciativa nascesse de Sua Magestade, quer nascesse do governo. Por todos os actos que o Soberano pratica, o governo julga-se responsavel (apoiados). Se não approvasse a viagem saía d'estas cadeiras, mas approvando-a responde por ella.

Nós não tivemos nenhum receio pela tranquillidade publica, nem de que as provincias recebessem mal El-Rei. Não receámos nunca que a miseria publica fosse perturbar a marcha dos augustos viajantes. Entendemos que não havia nas provincias quem pozesse em perigo a segurança ou a liberdade da real familia. E se ao mesmo tempo se festejavam gloriosos anniversarios, outros acontecimentos, esta alegria durou um dia, mas esse dia tinha antecedentes, teve consequentes, e as manifestações não foram n'elles menos sinceras, nem menos estrondosas.

Mas como foi que estes receios de perigo se dissiparam pouco depois, porque desde o regresso de Suas Magestades, quando ía para Cintra acompanhado por alguns soldados, já os não havia, e já se censuravam as precauções?

Como foi que n'aquelle mez, n'aquella epocha, homens de grandes recursos não se atreviam a aconselhar a El-Rei a viagem por causa dos receios; e d'ahi a pouco, no meio da conspiração, esses mesmos homens se escandalisavam por se tomarem algumas precauções n'um transito de poucas leguas?

Não se comprehende bem esta coherencia.

Pois hontem por causa de algum attentado possivel contra Sua Magestade a viagem não se devia aconselhar, porque o insulto ou os gritos podiam saír do meio das turbas affrontadas pela miseria; e hoje, depois de se ter descoberto uma conspiração, não era para receiar esse mesmo attentado?

Oh!... Como estes homens dos receios ficaram tranquillos! Como elles desejavam, não sei porquê, nem quero fazer insinuações, que o Rei não andasse acompanhado!...

Por andar acompanhado, diziam, que se podia suppor nas nações estrangeiras que em Portugal não se queria a realeza, que aqui não se estimava o monarcha!

Pois eu declaro que o que podia escandalisar as nações estrangeiras era não se cuidar de vigiar pela segurança publica.

N'uns casos toda a segurança, nos outros todos os receios, todos os medos.

E accusam-nos por isto. Accusem-nos, senhores, mas não em virtude da experiencia, não em virtude do resultado.

Se tivesse acontecido algum mal, podiam dizer-nos que não foramos previdentes; mas o resultado mostrou que tinhamos rasão (apoiados), e que aquelles que queriam obstar á viagem de El-Rei não tinham nenhum fundamento para os seus temores.

Creio que parte da camara está incommodada, e eu peço a v. ex.ª que me reserve a palavra para ámanhã.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é: na primeira parte, a eleição das commissões de marinha e do ultramar; e na segunda, a continuação da de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×