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SESSÃO N.° 24 DE 17 DE FEVEREIRO DE 1903 5

ORDEM DO DIA

Discussão do projecto de lei n.º 6, reorganizando todos os ramos dos estudos navaes

Leu-se na mesa. É o seguinte

PROJECTO DE LEI N.° 6

Senhores: - A vossa commissão de marinha foi presente a proposta, de lei n.° 2-F, que tem por fim reorganizar todos os ramos dos estudos navaes. A commissão entende que e de necessidade urgente a approvação da referida proposta, pois que, apesar das successivas reformas por que tem passado o ensino naval nestes ultimos quinze annos, nada menos de cinco, mais ou menos completas, deixa ainda muito a desejar a educação militar e technica dos individuos que se destinam ás diversas carreiras maritimas e muito principalmente a dos que aspiram a entrar na corporação dos officiaes da marinha militar.

Quando em 1840 foi supprimida a Academia dos Guardas-Marinhas e criada em sua substituição a Escola Naval, destinava-se esta exclusivamente a educar os aspirantes a officiaes da marinha militar; mais tarde porem as exigencias progressivas do material naval e a falta de recursos para o estabelecimento de escolas especiaes fizeram com que se fossem successivamente criando na Escola Naval outros cursos para a educação technica dos individuos que se destinavam aos serviços auxiliares da marinha de guerra, e assim foi que em 1864 foram na Escola Naval estabelecidos os cursos de engenheiros navaes e de pilotos da marinha mercante, em 1868 os de machinistas e engenheiros hydrographos e em 1887 os de aspirantes a officiaes da administração naval e o curso complementar para os aspirantes a medicos navaes.

Desta multiplicidade de attribuições e de objectivos resultou muito naturalmente perder-se de vista o fim principal para que fora criada a Escola Naval e afrouxar um pouco o cuidado indispensavel na educação militar e technica dos aspirantes a officiaes da marinha militar que, por constituirem o elemento principal ,e predominante, por serem elles quem imprime caracter á marinha de guerra, precisam de uma educação militar e technica particularmente e escrupulosamente cuidada.

O projecto de lei que temos a honra de submetter á vossa apreciação remedeia este grave inconveniente, separando completamente, estabelecendo-a em escola independente, a educação militar e technica dos aspirantes a officiaes da marinha militar do ensino ministrado aos individuos que se destinavam ás outras classes da armada e á marinha mercante.

Não é porem este o unico nem o mais importante merecimento da proposta do Governo, que submettemos á vossa approvação convertida em projecto de lei. Outros tem ella de maior valia. A educação militar e technica dos aspirantes a officiaes da marinha militar é completamente remodelada e orientada em novos principios, de que é licito esperar muito beneficos resultados. Os inconvenientes do estabelecimento da Escola Naval em edificio no centro da cidade, sob o regime do externato, são obvios; é, por assim dizer, impossivel, sob o regime do externato, incutir aos aspirantes o amor pela sua carreira e o espirito militar que tão indispensavel é ao desempenho das sua futuras funcções de officiaes da marinha de guerra; sujeito durante algumas horas do dia, apenas, á influencia benefica dos seus educadores, elles, entregues a si mesmos de pois, esquecem muito facilmente, no meio da convivencia variada e por vezes perniciosa que lhes offerece a cidade a sua qualidade de militares, sobressaindo somente em sua consciencia a sua qualidade de estudantes

É que a frequencia, sob regime de externato, de um
curso, puramente militar, não é de molde a impressiona-os sufficientemente sob este ponto de vista, pois que pouco ou nada differe do regime dos cursos que frequentaram nos lyceus e nas escolas superiores, com a mesma caminhada quotidiana para as aulas e a volta para casa findos os trabalhos escolares, na mesma liberdade de acção da vida civil; isto constitue um defeito fundamental muito grave da educação militar dos nossos aspirantes de marinha, cuja adaptação ao meio militar em que mais tarde são brigados a viver se torna, por esse motivo, sempre muito difficil e se apresenta, por vezes, incompletamente realizada. Por isso o regime do internato durante o curso da Escola Naval é geralmente adoptado nas marinhas estrangeiras e por isso tambem o projecto de lei que temos a honra de submetter á vossa apreciação se propõe estabelecê-lo, melhorando consideravelmente as condições do ensino e da educação militar dos alunmos, porque se alarga consideravelmente o intervallo de tempo disponivel para o estudo e exercicios praticos o se exerce sobre os alumnos uma constante e benefica vigilancia.

Em algumas marinhas é o internato estabelecido a bordo de um navio adequado, mas, embora possa, á primeira vista, parecer que deve ser este o melhor processo de educação de futuros officiaes de marinha, está elle irremediavelmente condemnado.

O internato a bordo de um navio deu magnificos resultados no tempo da existencia da marinha de vela, em que o meio, por estranhamente diverso em condições de vida d'aquelles em que habitualmente decorre a vida dos individuos, e por falta quasi absoluta das mais vulgares commodidades da existencia individual, exigia uma longa adaptação, começada em verdes annos; mas hoje, que os progressos realizados no material naval modificaram profundamente as condições de vida no mar, tornando-a relativamente commoda e agradavel, essa longa adaptação é absolutamente desnecessaria; alem disso, a simplicidade dos conhecimentos necessarios ao official da marinha de vela permittia, e aconselhava mesmo, que o seu estudo se fizesse a bordo, pois que, sendo os mais importantes e, por assim dizer, fundamentaes aquelles que diziam respeito á manobra do apparelho do navio, só com uma longa permanencia a bordo podiam ser adquiridos. Hoje succede o contrario; a vastidão e complexidade dos conhecimentos exigidos ao official da marinha moderna, em relação directa e intima com as sciencias mathematicas e physicas, fazem com que se ponha de parte o processo de internar os alumnos a bordo de um navio, por ser este, qualquer que seja a sua tonelagem e a sua disposição interna, um meio acanhado e improprio para o estudo proveitoso d'aquellas sciencias.

Assim é que todos os paises que possuem marinhas novas, marinhas que se desenvolveram e se expandiram quando já os progressos do material naval tinham operado a transformação profunda realizada no modo de ser da marinha de guerra, estabeleceram as suas escolas navaes em amplos edificios á beira-mar, como a Allemanha, a Italia, a Russia, os Estados Unidos da America, e brevemente lhes seguirão o exemplo a França e a Inglaterra, cuja demora em tomar tal resolução provém apenas das difficuldades que sempre surgem quando se trata de romper com uma velha tradição.

Assim é tambem que o presente projecto de lei estabelece que o internato será instai lado em edificio adequado, á beira-mar, fora da area de Lisboa.

É certo que dessa installação resultará aumento de despesa, que ainda assim não poderá ser muito grande, pelo compensação promovida pela suppressão do subsidio até agora fornecido aos alumnos, mas não é menos certo que não hesitamos um momento em propor-vos esse aumento de despesa, convictos de que d'ahi advirão largos beneficios para o país.

É preciso que nos lembremos de que a nossa marinha