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pre uma das maiores verbas do despeza nas explorações industriaes, absorvida pelo salario. Ora, é obvio que a alta, a baixa ou a regularidade do preço das subsistencias traz comsigo a alta, a baixa ou a regularidade do preço do salario. E qual dos systemas poderá manter dentro de rasoaveis limites a variabilidade dos preços? É sem duvida o da livre troca, que por isso é o mais conveniente para todas as industrias e consequentemente para a agricultura, que tem n'ellas o seu mais poderoso auxiliar.

Portugal avantaja-se a muitos paizes em algumas condições industriaes. Se nos faltam Certas materias primas, e porventura o carvão de pedra, temos a compensação nos variados fructos da terra; mas é preciso que elles sejam baratos, para que baratas fiquem tambem as subsistencias. Está claro que, promovendo-se por este meio o bem estar das classes operarias, excita-se forçosamente o melhoramento da fortuna agricola.

Mas com que fim se ha de dar impulso ao progresso da agricultura? Será unicamente para ella se limitar a satisfazer as necessidades do paiz? Como é que se teme a concorrencia nos proprios mercados, quando é nos estrangeiros que a luta se ha de empenhar? Pondera-se que os nossos terrenos não são dos mais proprios para a cultivação dos cereaes, e que por isso será sempre desigual a luta. É por isso mesmo que nos convem a franquia dos portos. Limite-se a arca cerealífera ás terras de primeira ordem; as inferiores aproveitem se para outras culturas. Avinha, o montado, o olival encontram no sólo e clima lusitano todas as condições do mais vigoroso desenvolvimento. Constituamos n'estas e outras culturas, protegidas pela natureza, a nossa especialidade agricola. Assim, restricta a lavoura de cereaes, póde ella aperfeiçoar-se a ponto de competir com todos os productores estrangeiros, dentro ou fóra do paiz. Pois não convirá mais especialisar as culturas, segundo as disposições naturaes dos nossos terrenos, do que força-los a produzir cereaes, que os estrangeiros nos podem fornecer em troca de outros generos, de que elles carecem, e entre nós abundam?

Alguns economistas sustentam que os cereaes são o padrão de todos os valores; mas, sem entrar na controversia, a verdade é que o preço dos cereaes é um typo, que regula muitos outros preços; e para isto se reconhecer basta reflectir na perturbação economica, que se manifesta quando os preços tocam nos extremos, maximè no da carestia, porque então a sociedade soffre profundos abalos.

E quem não vê no systema da prohibição a occasião proxima d'essa perturbação na ordem economica, e d'esses abalos na ordem social? A carestia é sempre um grave mal. Por bem attentos que estejam os poderes publicos, o remedio vem sempre tarde. Ha nove annos que o commercio tem salvado o paiz da fome. Mas por que preço? Se fosse livre a sua acção os supprimentos que temos recebido, e que nos têem custado para mais de 5.000:000$000 réis, haver-se-íam realisado por muito menor somma.

Mas este ainda não é o maior mal. A excessiva carestia é o preço da fome para as familias necessitadas, e o da mingua para todas as classes operarias. Soffre tambem com ella o grande numero de pequenos proprietarios ruraes, de que está povoado o reino, mormente nas provincias do norte. Notou-se em França que no anno de 1837 faltavam os mancebos que deviam preencher os contingentes do recrutamento; accusou-se a inexactidão dos recenseamentos, mas ultimamente verificou-se que haviam diminuido os nascimentos em 1817, anno de triste recordação, porque foi o anno da fome!

Em summa a liberdade de commercio de cereaes é uma necessidade economica e social, comprovada pelo testemunho dos factos, evidenciados pelo criterio da experiencia, e confirmados pela auctoridade das nações mais illustradas.

A Inglaterra em 1846 decretou a liberdade do commercio de cereaes, para começar a vigorar em 1849. A esta seguiram-se outras medidas analogas, e apesar da tenaz resistencia que encontraram, hoje todos as abençoam, porque sob o seu influxo benefico a prosperidade d'aquella nação progride rapidamente; tanto que o governo acaba de propor uma consideravel reducção nos impostos.

Quando se organisou o Zollwerein, adoptou-se a isenção de direitos, como bases das tarifas do commercio de cereaes; e comquanto se reservasse a cada um dos estados a faculdade de tomar medidas extraordinarias nos casos excepcionaes, desde 1846 nenhum usou d'essa faculdade, apesar das crises alimentares de 1853 e 1857.

Na Austria rege o principio da liberdade do commercio de cereaes, mediante o modico direito de 33 réis na importação, desde o principio d'este seculo.

Na Hollanda decretou-se em 1847 a livre importação de cereaes, com o insignificante direito de 12 réis por alqueire.

Em 1848 a Belgica seguiu o exemplo da Hollanda, revogando o systema da escala movel que ali regia.

Na Suissa reina o systema da liberdade commercial ha muitos annos; outrotanto acontece na propria Turquia; a Russia adoptou-o em 1857.

Em todos os antigos estados que formam actualmente o novo reino da Italia, era livre o commercio de cereaes, a não ser em Napoles, onde hoje tambem se acha estabelecido.

A França offereceu grande resistencia ao estabelecimento do commercio livre de cereaes; mas a força das idéas justas é tão poderosa e insistente que, por fim, vence todos os obstaculos. O decreto de 15 de junho de 1861, abolindo a escala movel e todas as leis restrictivas do commercio de cereaes, é o triumpho completo dos bons principios, das mais sãs doutrinas da sciencia economica.

Se a liberdade do commercio de cereaes houvesse manifestado a sua beneficente influencia em um ou outro paiz, poder-se-ía attribuir este lisonjeiro acontecimento ás disposições especiaes da localidade; porém, sendo adoptado o mesmo principio em diversos tempos, em diversos paizes e debaixo do influxo de diversas circumstancias, produzindo sempre o mesmo resultado, ou havemos de negar o rigor do criterio da verdade, e fechar os olhos á luz da evidencia, ou reconhecer a efficacia do principio e a bondade das suas consequencias.

Julgo, senhores, que as considerações, que dou por terminadas, offerecem ampla base á medida que vou propor-vos e que consiste unicamente em dar permanencia ás disposições legislativas, provisorias e excepcionaes por que se tem regido, ha bastantes annos, o nosso commercio de cereaes.

Parecerá inconsequente a medida aos que, lendo esta exposição, onde se invocam os principios da liberdade commercial, e se proclama a excellencia dos seus resultados, virem carregado um direito na importação de cereaes estrangeiros.

Não são por certo os generos alimentares da primeira necessidade os mais proprios para soffrerem a acção do fisco, mormente estando elles já affectados do direito de consumo que pagam na alfandega municipal. Estas observações deveriam ser attendidas se não preponderassem outras, que se julgaram mais imperiosas. Uma lei de caracter permanente, que vae influir sobre a primeira das nossas industrias, devo ir revestida de todas as condições que lhe grangêem, senão o applauso de todos os interessados, pelo menos a aceitação do maior numero.

Com essa não duvida o governo contar, porque os mais estrenuos partidarios da ampla liberdade commercial são os proprios que, nas manifestações do progresso, preferem a morosidade firme e segura á celeridade imprudente e arrebatada; emquanto que os principaes defensores das ideas menos liberaes reconhecem de bom grado que, no meio d'esta geral transformação das sociedades modernas, a suspensão do movimento é a extincção das fontes da vida e o torpor da morte. Sendo assim, se uns retardarem o passo, e outros se principiarem a mover, marchando pelo mesmo caminho, hão de, quando menos o cuidarem, encontrar-se, e abraçar-se irmãmente no mesmo ponto, como se abraçaram Cobden e Peel.

Para realisar este prudente intuito toma-se o periodo de quatro annos, decrescendo o direito por biennios, até se tornar permanente. Foi o que na Gran-Bretanha se praticou em 1846.

Uma das disposições mais importantes da proposta é o estabelecimento de dois depositos de cereaes, um em Lisboa, outro no Porto. Não fatigarei a vossa attenção expondo as vantagens que d'ahi hão de provir, por ser obvia a comprehensão dellas. Oxalá que a este e a muitos outros respeitos se tivessem abraçado os esclarecidos conselhos do nosso douto escriptor Duarte Ribeiro de Macedo, porque assim ter-se-íam realisado os seus patrioticos votos. Faremos Lisboa o mais rico emporio do mundo, deposito e escala de todo o commercio d'elle.

Permitti-me, senhores, que conclua, citando as notaveis palavras de Turgot, cuja memoria será sempre venerada de todos os homens de bem; palavras, que lhe concitaram o desagrado publico; que se perderam abafadas pelo temeroso som de uma revolução espantosa; e que, passados quasi cem annos, proferidas solemnemente no alto de um throno, serviram de fundamento a uma lei, que rege uma das mais poderosas e illustradas nações do mundo.

«Quanto mais livre, animado e extenso for o commercio, tanto mais prompta, efficaz e abundantemente será o povo provido; tanto mais os preços serão uniformes, e tanto menos se afastarão do preço medio e habitual, que é necessariamente o regulador dos salarios... O rei deve, a bem de seus povos, honrar, proteger e animar de um modo especial o commercio de cereaes, que é o mais necessario a todos.»

Com estes fundamentos tenho a honra de submetter á vossa consideração a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É livre a exportação de cereaes, trigo, milho, centeio, cevada e aveia, debaixo de qualquer fórma, por todos os portos seccos e molhados do reino, mediante um direito de 20 réis por 100 kilogrammas, ou 2 réis por alqueire.

Art. 2.° É permittida a importação de cereaes estrangeiros, trigo, milho, centeio, cevada e aveia, pelos portos seccos e molhados do reino.

§ unico. Os referidos cereaes, em grão, pagarão os direitos estabelecidos por biennios na tabella que faz parte d'esta lei; reduzidos a farinha, em rama, pagarão mais 10 por cento, e sendo espoada mais 25 por cento dos mencionados direitos.

Art. 3.° Os cereaes estrangeiros, admittidos na conformidade do artigo antecedente, ficam tambem sujeitos aos impostos que pagam os nacionaes despachados para consumo.

Art. 4.° No fim de quatro annos ficarão permanentes os direitos consignados na tabella com relação ao ultimo biennio.

Art. 5.° É permittido o deposito de cereaes estrangeiros em Lisboa e Porto, com previo pagamento dos direitos estabelecidos na tabella de que trata o artigo 2.° d'esta lei, os quaes direitos serão restituidos no caso de reexportação.

Art. 6.° O governo fará os regulamentos necessarios para a execução d'esta lei.

Art. 7.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 21 de fevereiro de 1865. = João Chrysostomo de Abreu e Sousa.

Tabella a que se refere o artigo 2.° da proposta de lei d'esta data

[Ver diário original]

Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 21 de fevereiro de 1865. = João Chrysostomo de Abreu e Sousa.

Foi enviada á commissão de agricultura, ouvida a de fazenda.

PROPOSTA DE LEI N.° 15-CCC

No anno de 1678 surgiram nos portos da Gran-Bretanha as primeiras 408 pipas de vinho, produzido nas margens do nosso rio Douro, e tão bem agourada foi esta tentativa mercantil, que já na era de 1728 a exportação d'aquelle valioso producto se elevou ao numero de 25:870 pipas.

Do que se deduz concludentemente que a industria vinicola do Douro, no espaço de meio seculo, superando os perigos da infancia, percorreu todas as phases da sua fundação para se constituir por fim independente e forte.

E não foi sem viva luta que ella alcançou os fóros de verdadeira industria; porque os vinhos de França lhe disputavam tenazmente os mercados britannicos que ha longos annos assenhoreavam. Só de Bordéus, para os abastecer, saíam annualmente mais de duzentos navios carregados d'aquelles vinhos.

Assignala-se este primeiro periodo da historia vinicola do Douro por uma circumstancia digna da maior attenção. Sem duvida é assas notavel que aquella industria, entregue ao seu proprio movimento, podesse surgir, crescer e prosperar sem um acto de soberania que a regulasse, sem uma medida protectora que lhe desse amparo e favor. Nasceu, creou-se e floreceu á sombra da liberdade!

A industria vinicola do Douro, depois de uma existencia de oitenta annos, tendo já exportado mais de 90:000 pipas de vinho, havendo conquistado o melhor mercado do mundo, é então declarada inhabil para ser submettida á tutela de uma suprema regencia economica!

Pelo alvará do 10 de setembro de 1756, referendado pelo insigne ministro do senhor D. José I, foi instituida a companhia geral da agricultura das vinhas do Alto Douro.

N'esta data começa o segundo periodo da historia vinicola do Douro, que se torna memoravel pelas medidas de extremo rigor que se empregaram para fazer respeitar as ordens do soberano. A cidade do Porto foi occupada militarmente, e só o terror do cadafalso pôde conter os animos irritados contra a nova instituição.

Mas o fundador da companhia não pôde auspiciar a inauguração d'ella com este cruento sacrificio, nem com o successive acrescentamento do seus privilegios e exclusivos. As devassas, as alçadas, os carceres, os degredos, o confisco não bastaram para que o alvará de 10 de setembro fosse cumpridamente observado. As suas principaes disposições nunca tiveram fiel execução. Os que eram chamados para esse fim, foram os primeiros a illudi-las e sophisma-las. O primeiro provedor da companhia ficou envolvido em processo judicial como introductor de vinhos de fóra da demarcação.

É muito para notar o insignificante augmento da exportação dos vinhos do Douro nos primeiros trinta annos da fundação da companhia, augmento que deveria ser avultado, porque os direitos sobre os vinhos francezes eram cada vez mais elevados, emquanto que os nossos eram muito favorecidos pelo tratado de Methuen; porque a população e riqueza da Gran-Bretanha se desenvolviam com ascendente progressão; e finalmente porque a companhia, dispondo a seu falante da fortuna do Douro, monopolisando os generos e os capitães, podia alargar amplamente os limites do consumo em todos os mercados conhecidos e explorar outros de novo.

O que não pôde conseguir-se pela acção das restricções e exclusivos, realisou-se pela simples eventualidade dos acontecimentos da Europa.

A revolução franceza e o bloqueio continental occasionaram uma incessante procura dos nossos vinhos. A companhia, que se instituiu para presidir aos destinos do Douro, mostrou-se impotente no momento em que podia realisar o sonho de seus fins — a prosperidade d'aquelle paiz! Foi preciso recorrer á intervenção do commercio, affrouxando-se o rigor dos regulamentos restrictos. A companhia fechou os olhos, e os agentes da fraude e do contrabando exportando, por anno, mais de quarenta mil pipas de vinho, durante a epocha decorrida de 1788 até 1810, fizeram nadar em riqueza os habitantes do Douro.

A paz geral foi um infortunio para aquelle paiz. Em 1820 ergueram-se vozes muito auctorisadas, para relatar as desfavoraveis circumstancias da lavoura do nosso paiz vinhateiro. A companhia estremeceu, e assim abalada prolongou a sua existencia, até que um decreto da illustrada dictadura do immortal Duque de Bragança lhe suspendeu o exercicio das suas funcções.

Ficou livre a producção e commercio dos vinhos do Douro desde 1834 até 1838, periodo assas curto para se manifestarem os resultados do regimen liberal. Todavia a exportação não diminuiu, e os preços do vinho, comquanto descessem, não foi tanto, como em epochas anteriores e posteriores, em que vigorava o regimen restrictivo.

A carta de lei de 7 de abril de 1838 restabeleceu algu-