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Discurso que devia ser transcripto a pag. 627, col. 1.ª, lin. 46 do Diario de Lisboa, na sessão de 1 de março

O sr. Castro Ferreri: — Principio por declarar á camara que vou entrar n'esta questão com toda a imparcialidade, com toda a franqueza, conforme é meu costume, porque não submetto a minha opinião a pessoa alguma, a nenhuma consideração de qualquer ordem que seja.

Este meu procedimento data de longa era, e digo longa era fallando parlamentarmente, porque ha já quinze annos que alternadamente tenho a honra de ter assento n'esta casa.

N'uma d'essas epochas, pertencendo eu á maioria da camara, votei contra ella n'uma questão importantissima. Tratava-se de uma indemnisação que o governo pedia á camara para os contratadores do tabaco em virtude dos prejuizos havidos pelos acontecimentos de 1846 e 1847; entendi que os contratadores do tabaco tinham direito a uma indemnisação por alguns prejuizos que tinham soffrido, mas entendi tambem que essa indemnisação não devia ser tão subida como elles requeriam; por isso votei contra essa exigencia, por a julgar excessiva, e por me parecer por consequencia que não devia ser approvada.

Em outra occasião, pertencendo eu á maioria da camara, e sendo o nobre duque de Saldanha presidente do conselho de ministros, eu votei contra elle n'uma questão de que dependia a conservação e estada do governo, segundo dizia o mesmo nobre duque. E quer v. ex.ª saber que questão era essa de que se dizia que dependia a estada do governo? Era querer o governo arrendar a uma companhia o rendimento da alfandega das sete casas, para obter um adiantamento de 600:000$000 réis. Pois n'essa occasião, pertencendo eu á maioria, não só votei contra, mas conspirei com ella para que a parte menos saliente dissesse ao governo que não aceitava a sua proposta. E o resultado foi que o governo não se retirou, mas retirou a proposta.

Portanto já se vê que eu em todas as occasiões tenho sido sempre o mesmo. Não me fascina certa atmosphera, que muitas vezes, por assim dizer, nos annuvia e faz com que votemos de uma fórma differente d'aquella que porventura votariamos se nos não deixassemos envolver em tal atmosphera.

Esteja pois a camara certa que eu em qualquer questão que seja hei de sempre franca e lealmente dizer o que sinto; tratar os assumptos como os entendo, embora a minha opinião não satisfaça; isso depende da minha medriocre intelligencia e dos meus limitados conhecimentos. Mas a intelligencia dá a Deus, e nem todos os homens podem ter talento para poderem discernir a verdade, o merito e a conveniencia dos assumptos importantes da lide publica.

Declaro mais á camara que vou tratar esta questão livre da politica, porque não sou politico. Á politica é a arte de governar os estados, e os homens politicos são os estadistas que têem conhecimentos profundos dos negocios publicos. Não sou portanto politico; não me acho com capacidade para isso, nem nunca aspirei a subir á eminencia d'aquelles logares (apontando para o banco dos srs. ministros); não me julgo com a intelligencia necessaria para occupar uma posição tão elevada quanto espinhosa. Mas ha um facto que eu noto. A politica parece estar só daquelle lado (apontando para a esquerda da casa), e não d'este (apontando para a direita). Quando d'aquelle lado se apresenta qualquer proposta ou moção, diz-se logo — é politica; a maioria apresenta o que quer, censura o governo, pede explicações sobre factos, ou chama a sua attenção, ás vezes com acrimonia, sobre qualquer objecto, não ha politica; é uma cousa natural, diz a maioria, advertir o governo.

Desejava ser politico porque desejava ser estadista; existem porém cavalheiros d'aquelle lado da camara (apontando para a esquerda), que são estadistas; que se têem assentado no banco dos ministros, que têem dado provas da sua intelligencia, e deixado mesmo vestigios da sua administração, que têem provado que são politicos, e que são homens d'estado. Eu não invejo a posição dos cavalheiros que se assentam n'aquelles bancos, por mais brilhante que pareça. Não admira que haja quem nutra ambição de ali subir, tal é a natureza humana, e mesmo que empregue todos os esforços justos e rasoaveis para chegar ao alvo dos seus desejos; mas o que me espanta é que haja quem, subindo ao alto d'aquella montanha Íngreme e escabrosa, e que tenha d'ella descido, tente de novo assalta-la.

Eu vou contar á camara o que imagino que é um ministro d'estado, que sáe da vida privada e chega aquelle ponto culminante do poder; isto é, se não enfado a assembléa...

Vozes: — Não enfada; diga, diga.

O Orador: — O homem que aspira a elevar se ao logar mais eminente da republica, apodera-se d'elle essa idéa, essa ambição e não poupa meio algum para ali chegar. Depois de tantas fadigas e tantos esforços chegou emfim ao ponto eminente. Uma doce illusão o offusca, e julgou encontrar a sua felicidade! Effectivamente a passagem de uma situação privada a um grande logar tem um certo brilho, um certo lustre, emfim parece um momento agradavel como todas as transições da vida. Entra o novo ministro na sua secretaria, apparecem-lhe os aduladores, os homens fingidamente affectuosos, mostrando por elle um interesse e uma dedicação falsaria; enchem n'o de attenções e comprimentos. A imaginação lhe serve ainda, os comprimentos, os respeitos, les impressements, entretêem a sua perturbação, e parecem garantir que elle se não enganou, e que é verdadeira a falsidade que elle tem encontrado. Emfim entra no seu gabinete; o trabalho e a inquietação se assentam junto a seu lado; empregados precedidos de immensas pastas vem successivamente avisa-lo do embaraço dos negocios. Esta multidão que corria á casa do ministro, e que lhe tinha animado a sua ambição; estes respeitos que de longe lhe pareciam tão agradaveis a receber, tão faceis a supportar, todo este brilhantismo exterior se troca para elle em uma successão de pedidos, aos quaes é impossivel satisfazer, e o ministro não é mais que espectador das aberrações do amor proprio e das suas pretensões desregradas.

O ministro principia a ver que tem uma posição embaraçosa, principia a ver quanto a sua situação é desagradavel; emfim que aquella felicidade é um pouco chimerica. Pucha pelo relogio (riso), vê que horas são, e diz — são horas de ir para a camara. Sáe e entra na camara, immediatamente se vê cercado dos seus amigos politicos — uns pede-lhem a resolução de um negocio para a sua localidade (apoiados), que muitas vezes vae de encontro aos interesses geraes do paiz (apoiados); outros a resolução de negocios de interesse individual, que suppõem muito justos, e que o não são. O ministro vê-se contrariado, e portanto não póde estar satisfeito. Depois mette-se na carruagem, vae ao paço, e ahi troca a affirmativa pela negativa, e a negativa pela affirmativa. A dizer a verdade parece incrivel que haja quem queira ser ministro! É necessario uma grande dedicação, um grande zêlo pela causa publica, para ter a gloria de grangear, ao menos quando chegar o momento de se retirar dos negocios publicos, a consolação de trazer comsigo a estima geral, o unico sentimento que o póde alliviar no seu retiro da perda d'esse logar eminente, e que elle possa dizer — o que fiz, ainda faria. Para isso é preciso que o ministro se torne incansavel no seu posto pelo zêlo e empenho nos interesses do paiz; porque aquelle que assim não praticar, o que lhe acontece é que, quando se retira do poder, os que até ali se diziam affeiçoados e amigos, quando o vêem fazem grande esforço em comprimenta-lo, e se o fazem é já como um acto heroico de generosidade e grandeza de alma (apoiados); e vê-se abandonado. Fica pois em peior estado do que estava antes de subir ao poder. Sendo isto assim, não sei como os cavalheiros que já foram ministros ainda ambicionem se-lo, e queiram tomar sobre si uma tarefa tão ardua como espinhosa.

Já se vê que não sou politico, e que a camara não me póde considerar como tal, porque não tenho as faculdades e o talento necessario para ser homem d'estado.

O sr. Presidente: — Permitta-me o illustre deputado que, diga, que devia principiar por ler a sua moção de ordem.

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O Orador: — Mas V. ex.ª, que tem sido tão generoso e tão benevolo para deixar discutir uma celebre questão das eleições de Villa Real em seis dias, não póde deixar de consentir que eu faça uma pequena divagação (apoiados).

Vozes: — Falle, falle.

O Orador: — O meu amigo, o sr. Coelho do Amaral, diz-me (em um áparte) que isto é politica. A fallar a verdade entendo que hoje não ha politica. A politica do dia é ter um governo que governe bem, que administre bem; não vejo outra politica (apoiados).

A opposição póde dizer — o governo não governa bem; mas a maioria diz — o governo anda bem, o governo administra bem. A opposição diz — o governo não é assas economico, o governo contrahe grandes emprestimos, o governo não garante a liberdade do cidadão, o governo não garante a segurança e tranquillidade publica; a opposição póde fazer estas accusações; mas a maioria diz — o governo governa bem, o governo administra bem, o governo é bom e não póde ser melhor; e portanto cada um está no seu posto (apoiados). Como diz Emilio Gerardin: «A minoria vota, o paiz julga; a maioria conta os votos, o paiz pede as rasões» (apoiados)

Portanto não ha mais nada a discutir senão — se o governo administra bem ou mal; se outro governo póde administrar melhor; ou se póde, supponhamos, garantir mais o principio de auctoridade, e não, para assim dizer, democratisar o paiz do modo como acontece na America ingleza, onde os comícios são tudo, e a auctoridade é nada. E preciso que o principio da auctoridade nos governos monarchicos seja respeitado, para que os delegados do governo tenham sempre em si a força e a energia que lhes compete, para manterem a ordem e o respeito ás leis (apoiados).

A politica de partidos não existe entre nós. Felizmente já não existe essa politica, e d'isso dou com sinceridade os parabens ao paiz. É preciso que eu seja imparcial, como o sou sempre em todas as questões, para dizer que a desapparição d'essa politica não é devida senão á regeneração. Ella fez arriar as bandeiras a todas as fracções partidarias; ficou tremulando sómente brilhante e illesa a bandeira da liberdade.

A regeneração (posso dize lo, porque sou insuspeito, visto que não concorri para esse movimento, antes pelo contrario o combati) entendo que se mostrou progressista e politica. E eu digo que se mostrou politica, porque acabou com os partidos e com as dissidencias entre as diversas fracções liberaes (apoiados); tirou todos os pretextos a qualquer futura desavença politica, fazendo fraternisar todos os partidos entre si, e para os estreitar com um abraço fraternal promoveu a reforma da carta.

Direi de passagem que sinto que no acto addicional ficasse uma lacuna importantissima, que vem a ser a reforma da camara dos dignos pares. Nós estamos sentindo todos os dias quanto essa reforma se torna indispensavel (apoiados), porque quando não o poder legislativo será absorvido pelo executivo, e esse equilibrio e essa harmonia entre os poderes politicos do estado desapparecem.

Eu vou dar a rasão em poucas palavras do que acabo de ponderar. A camara dos dignos pares é o correctivo para as demasias da camara dos deputados e do poder executivo. Como está constituida perde toda a sua importancia. Os governos podem aconselhar ao chefe do estado a dissolução das côrtes, quando estas se opponham a alguma medida por elles proposta. Os governos podem aconselhar ao chefe do estado a creação de novos pares, quando aquella camara esteja disposta a rejeitar as suas propostas ou irrogar censura aos seus actos. Por esta fórma o poder legislativo fica ao arbitrio do executivo, e o desequibrio apparece com todos os seus effeitos (apoiados).

O sr. Presidente: — Mas o sr. deputado está fóra da ordem. Leia em primeiro logar a sua moção de ordem.

O Orador: — Vou ler a moção, mas isso é uma cousa que nada significa, porque emfim eu hei de fallar, ou leia ou deixe de ler a moção. É uma ceremonia como outra qualquer, que effectivamente não tem nada para o caso; mas eu a lerei.

Eu disse que os homens, que formaram o governo da regeneração, tinham sido politicos a progressistas.

Foi politica pelas rasões que acabei de enunciar, e foi progressista porque foi a primeira que conheceu a sua verdadeira missão, tomando a iniciativa nos progressos materiaes do paiz. Assentaram-se os primeiros carris, abriram-se novas estradas, fizeram-se reformas importantes, estabeleceram-se telegraphos electricos, e o funccionalismo mudou de situação (apoiados).

Já disse á camara que não sou regenerador, nem o fui; e pelo contrario a combati, pois que era deputado da maioria n'esta casa, era irmão do ministro que geria a pasta da guerra, e era chefe de uma repartição no commando em chefe d'El-Rei. Não recebi beneficio algum da regeneração, antes pelo contrario fui punido, porque fui exonerado da commissão que exercia, e preterido na primeira promoção que houve. Mas isto não é cousa alguma, ou não significa nada, são cousas pequenas e insignificantes, para que deixe de conhecer os relevantes serviços que aquella administração fez ao paiz. Ella traçou a estrada da politica e do progresso, as que lhe tem succedido não têem feito mais que marchar sobre seus passos, e proseguir no systema por ella planeado (apoiados).

Para dar a gloria merecida aos homens importantes d'aquella epocha, a quem a historia ha de fazer a devida justiça, é bom que um homem imparcial levante n'esta casa a sua voz, e diga toda a verdade (apoiados).

Agora me lembra referir-me ao distincto orador d'este lado da camara (apontando para a direita), o sr. Torres e Almeida, cujos dotes oratorios aprecio, cuja intelligencia

respeito. Ouvi com muito prazer o seu discurso, mas devo declarar que sinto que, tendo s. ex.ª architectado, para assim dizer, o seu discurso da maneira a mais elegante, e o quizesse depois rematar com uma cupula, á imitação de outros oradores da maioria, a qual consistiu n'uma apostrophe violenta á opposição.

Disse s. ex.ª: «Ahi estão os reaccinarios, ahi estão os conservadores, ahi estão os absolutistas; e d'aqui está o progresso hasteando a sua bandeira». Isto faz-me lembrar o que diz mr. Guizot, quando trata da justiça politica: entre la politique e la justice toute intelligence et corruptrice, et tout contact est pestilentiel. Quer dizer que a politica faz curvar a intelligencia, e submisso a ella faz desconhecer a justiça.

Foi o que aconteceu ao sr. Torres e Almeida, que se deixa seduzir pela politica, fazendo, por assim dizer, perder todo o effeito do seu bello discurso.

Pois, senhores, nós que temos conhecimento da historia antiga, nós que sabemos a Illiada de Homero, a de David e Virgilio, quero dizer, que temos noticia da historia dos gregos e dos troyanos, e ignorâmos ou fingimos ignorar acontecimentos tão recentes e tão proximos de nós? Não é possivel. Só uma fascinação indesculpavel de politica nos póde fazer soltar similhantes phrases (apoiados).

A minha proposta é a seguinte:

«§ unico. Ficam em vigor todas as disposições que pelo mencionado decreto foram derogadas.»

Talvez que isto não fosse preciso, mas sempre é bom que se declare n'este projecto de lei, que continua em vigor a legislação anterior.

Vamos á organisação do exercito, e peço desculpa a v. ex.ª e á camara de ter feito esta divagação. (Vozes: — Muito bem, muito bem.)

A questão da organisação do exercito é uma questão original e nova nos annaes parlamentares.

Toda a camara sabe a causa que moveu a apresentação da proposta de lei por parte do sr. ministro da guerra.

Em 1862 pediu o governo auctorisação para organisar o exercito, e o nobre marquez de Sá da Bandeira, que pediu essa auctorisação, não fez uso d'ella senão a respeito da artilheria; parou ahi e não sei as rasões que teve para isso.

No anno seguinte pediu o nobre marquez nova auctorisação, dizendo que já tinha colhido os dados necessarios e convenientes, e que o governo estava habilitado para fazer uma organisação do exercito. As bases para a auctorisação eram as mesmas que se tinham apresentado quando se pediu a auctorisação anterior, e a camara tornou a conceder nova auctorisação ao governo para organisar o exercito.

Logo que eu vi as bases, julguei que o nobre marquez de Sá da Bandeira não poderia fazer cousa alguma, mas votei a auctorisação porque queria ver o milagre, e mesmo porque se á minha intelligencia, que eu reconheço ser pequena e acanhada, a questão se afigurava d'este modo, apesar das bases poderia o nobre ex ministro, com a sua intelligencia superior, chegar a um resultado conveniente. Não fallei, votei mesmo pela auctorisação, mas alguns dos meus collegas hão de recordar se do que eu lhes disse, que com aquellas bases não era possivel fazer cousa alguma.

A camara deu ao nobre marquez de Sá da Bandeira a auctorisação que elle pediu, e deu-lh'a conforme a pediu sem lhe impor novas condições, porque é preciso confessar, que o parlamento teve sempre por s. ex.ª grande consideração e respeito (apoiados), e nunca s. ex.ª lhe pediu alguma cousa que elle não lhe concedesse. S. ex.ª commetteu mesmo algumas vezes actos irregulares, que todos os homens commettem, e nunca por elles foi censurado.

S. ex.ª tratou de fazer uma organisação do exercito conforme entendeu, reformou mesmo a organisação ultimamente dada á artilheria, e a nova organisação do exercito appareceu de repente publicada. E digo de repente, porque não se soube cá fóra cousa alguma extra officialmente a respeito d'essa organisação, houve um sigillo completo a respeito d'ella.

Eu sinto na verdade ter de fallar na organisação do exercito na ausencia do nobre marquez de Sá da Bandeira, se fosse possivel estimaria que s. ex.ª estivesse presente, porque effectivamente é desagradavel para mim dizer que a organisação não é boa por estas ou aquellas rasões, não estando presente o seu auctor.

Declaro a todos os lados da camara que quando votei a auctorisação julguei que o governo apenas poderia melhorar as armas especiaes, e que nada mais podia fazer, nem isso era preciso.

E por esta occasião permittam-me os nobres ministros, que estão presentes, que eu faça uma observação que talvez não lhes seja agradavel.

Eu vejo que a organisação de 1849 foi assignada por todos os ministros. Então estava a solidariedade ministerial em todo o seu apogeo. E assim devia ser, porque a auctorisação para essa organisação foi dada a todo o ministerio e não ao ministro da guerra individualmente, e se o ministro da guerra tivesse de retirar-se em consequencia dessa organisação, devia retirar se todo o ministerio, porque todo elle tinha tomado a responsabilidade da medida (apoiados).

N'uma cousa muito secundaria, como é a reforma do hospital de Runa, eu vejo que essa reforma foi tambem assignada por todo o ministerio. Ahi estão todos os ministros assignados; e se isto é assim n'uma medida de pequena importancia, quanto mais o não deve ser na organisação da força publica, medida de grande monta, que não póde deixar de ser questão governamental; n'esta entendo eu que o governo devia ser solidario (apoiados).

«Mas o sr. ministro da guerra não propoz alterações á reforma, annullou-a». Como não havia de ser assim se o nobre marques de Sá abandonou a sua obra?

E que significa não querer o nobre marquez de Sá pugnar pela reorganisação que publicou? De duas uma — ou considerou que não tinha elementos solidos para se sustentar diante das apprehensões que havia, e que nasciam da opposição que soffria a sua obra, ou s. ex.ª julgou que havia, não digo symptomas de insubordinação, mas descontentamento na sua milicia politica, e que ella se achava um pouco abalada.

S. ex.ª já declarou na camara alta que = se retirára a tempo para salvar o ministerio =. Mas s. ex.ª, como ministro da corôa, depois de ter publicado a sua medida, não devia abandona-la senão parlamentarmente. O homem valoroso no campo da batalha, o homem que tem affrontado tantos perigos, receiar caír n'uma questão no parlamento, custa a admittir, porque não corresponde isso ao digno caracter do nobre general.

Eu, se fôra ministro, viria sustentar a minha obra; cairia sim, mas apresentaria os fundamentos por que tinha publicado aquella organisação; mostraria as rasões que tivera para a fazer, e depois, se a camara votasse contra, sairia por aquella porta fóra. Mas sem isto, retirar o general do campo da batalha aos primeiros tiroteios, retirar sem fazer um reconhecimento em fórma, sem combater com o inimigo, nada, não póde ser. Um general deve dar a batalha; se perdeu ou se ficou no campo, paciencia. Aqui a batalha era com a maioria, mas devia da la, e se a maioria a quizesse vencer, então devia retirar o nobre general, e com elle o general em chefe e todo o exercito (riso).

Assim é que eu entendo — solidariedade inteira; meia solidariedade, não póde ser; ou toda ou nenhuma (apoiados). Mas o sr. marquez de Sá não quiz combater no campo parlamentar, no campo legal, e depois retirar-se se ficasse vencido; abandonou a sua obra dizendo: «Não é boa, deixá-la.» Não teve este amor da paternidade que se costuma ter ás proprias obras; deu-lhe o ser e abandonou a.

Ora, se isto assim é, como a camara não póde duvidar, como querem que eu sustente a reorganisação do exercito? Eu digo — o nobre marquez condemnou-a, eu condemno-a tambem; o nobre marquez disse que ella era má, eu digo que é pessima; o nobre marquez diz que ella se não póde sustentar, eu digo tambem que se não póde sustentar.

E o nobre marquez não se escandalisa com isto; porque me contou outro dia um individuo que, tendo fallado com elle e tendo lhe dito «sinto que v. ex.ª tivesse esse desgosto», elle respondêra: «não me importa nada d'isso». Eu tambem fazia o mesmo; tambem dizia — não me importa nada d'isso (riso).

E está visto que, tendo sido a obra abandonada pelo seu proprio auctor, julgando elle que aquella obra não podia preencher os seus fins, o nobre ministro da guerra actual não tinha outra cousa a fazer senão reprova-la e propor a sua annullação.

Ouvi dizer ao nobre deputado, o sr. Sá Nogueira, que = a commissão de guerra devia dar o seu parecer =. Mas se o proprio auctor a condemna, para que é que a commissão de guerra ha de dar parecer? Se a commissão de guerra quizesse indicar todos os pontos em que ella não é boa e quizesse discuti-la aqui em uma sessão legislativa, não dava conta d'isso, era obra para duas sessões legislativas. Já vê o illustre deputado que a commissão de guerra não póde fazer o que elle quer; e cá para mim não preciso do seu parecer e da discussão para fazer o meu juizo; elle está feito.

O meu amigo, o sr. Camara Leme, fallou em effeito retroactivo. Não ha tal effeito retroactivo.

A lei de 1835 garantiu as patentes; mas aonde estão aqui patentes? Major general é uma denominação que confundiu os dois postos de brigadeiro e marechal.

A lei de 1835 é uma lei ordinaria que podia ser derogada por outra. Aonde estavam os direitos dos brigadeiros para terem um posto superior? Alem de que, a lei só poderia ter execução no dia 10, segundo se estabelece no mesmo decreto. A nomeação de majores generaes é do dia 7; logo foram promovidos quando não havia lei; despacho illegal e nullo. A retroactividade dá-se em quasi todas as leis; dá-se nas dos vinculos e n'outras mais aonde houver direitos, quanto mais n'estes que não existiam. Nas leis penaes é que não póde haver retroactividade.

O meu illustre amigo, o sr. Camara Leme, annulla e não annulla a organisação; porque, por um lado offerece umas novas bases para ella, e por outro lado diz querer que ella venha á discussão. Offerecer umas novas bases é destruir os alicerces, e mesmo os cabôcos em que assenta todo o edificio; e querer depois discutir o projecto, tirando-lhe as bases, não é possivel! Ha uma desharmonia em querer estudar a questão e em apresentar ao mesmo tempo novas bases para uma nova organisação.

O nobre deputado podia apresentar uma nova organisação completa, podia dar-se a esse trabalho e está muito habilitado para isso. De outro modo não sei como possa levar por diante os seus desejos.

Vamos á organisação.

Nós não precisâmos de organisar o exercito. A organisação de 1849 tem todos os elementos de uma boa organisação.

E tanto assim é, que o nobre marquez, dizendo que a machina organica do exercito tem andado perfeitamente, que o serviço publico não tem sentido paralysação, mostra no seu relatorio que não havia necessidade de alterar a organisação antiga, segundo a sua propria confissão. Leia-se o relatorio.

Do que nós precisámos é de soldados, cavallos e armamento, segundo as novas invenções, material de guerra, e mais nada.

Os quadros são bons; o que falta é isto.

Se a cavallaria não tem instrucção é porque lhe faltam cavallos; se a infanteria a não tem é porque lhe faltam sol-

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dados; se a artilheria a não tem é porque lhe faltam soldados, cavallos e trens.

E n'estas circumstancias qual é a organisação que possa ser boa?

Satisfeita pois esta necessidade, do que nós precisámos é de um ministro da guerra com energia, mas um ministro da guerra com quem os outros ministros estejam de accordo.

O ministro da guerra está sempre sujeito á contingencia de, ou largar a pasta, ou fazer a vontade aos outros ministros. É esta a triste verdade.

Os officiaes do exercito estão espalhados por grande quantidade de commissões: uns commissionados nas obras publicas, outros nos pesos e medidas, outros nos telegraphos, outros nas administrações dos concelhos, outros nos governos civis, outros nas malas-postas.

Se o ministro da guerra diz que quer que estes officiaes venham servir no exercito, o ministro das obras publicas responde: «Eu não posso passar sem elles», e o do reino responde o mesmo, Ahi está o ministro da guerra em luta com os outros membros do gabinete, e na necessidade de annuir a esta desordem. De outro modo é obrigado a largar poder.

Outro que venha substitui-lo ha de achar-se no mesmo conflicto.

Se o ministro da guerra diz: «Eu não posso passar sem os officiaes que estão nas commissões, venham para as fileiras; os de infanteria venham servir na infanteria, os de cavallaria na cavallaria, os de artilheria na artilheria»; os seus collegas oppõem-se immediatamente e dizem: «Não é possivel, param as obras publicas, param os pesos e medidas, param os concelhos e param as malas postas». Pára tudo; fica o mundo parado! (riso. — Apoiados.)

O que fez então o nobre marquez? Quiz fazer muita cousa, mas não pôde fazer nada.

O nobre marquez viu se muito embaraçado, e disse comsigo — o quadro é composto de tantos officiaes; eu não posso tirar das commissões os que lá estão, e n'este caso ou hei de deixar as cousas como estão, ou hei de preencher as vacaturas. -Se não preencho as vacaturas, os officiaes que fazem serviço nos corpos queixam se de que os outros estão em commissões pingues, em commissões rendosas, e elles têem de carregar com o trabalho incommodo de guardas, destacamentos, exercicios, etc. Se as preencho e considero em commissão activa os outros officiaes, aqui temos dois quadros de officiaes e duplicada despeza, e assim consome-se o orçamento sem termos exercito, ou um exercito em esqueleto.

É preciso pois saber o que convem mais ao paiz, se ter um exercito bem organisado, os quadros preenchidos e com a instrucção necessaria, ou ter os officiaes espalhados por todo o paiz em commissões estranhas ao ministerio da guerra, e o exercito desorganisado. O resultado d'estas commissões preenchidas pelos officiaes do exercito indemnisará o; paiz da falta de uma força publica bem organisada?

O sr. ministro da guerra tinha tenção de fazer muitas cousas, mas a final não fez nada. Desenganem se que não ha ministro algum da guerra que seja capaz de fazer alguma cousa, emquanto tiver officiaes empregados no ministerio das obras publicas, outros «em administradores de concelhos, e outros em commissões «inteiramente alheias ao exercito (apoiados); e é isto a causa principal do cahos em que existe o exercito. Note-se que dizendo isto, a minha intenção não é de maneira alguma querer que as obras publicas parem; quero a viação publica em todas as suas ramificações; desejo o movimento accelerado para os grandes fócos de povoação, aonde haja commercio e industria. Farei aqui uma diversão.

No outro dia tive o gosto de ir á experiencia da exploração do caminho de ferro de Beja, e vi uma charneca de vinte e tantas leguas, que contristava todo o coração portuguez; e no meio d'este deserto ha apenas uma povoação chamada Cuba. Eu disse para mim, o que ha de vir por este caminho de ferro? Quem o ha de percorrer? A camara sabe perfeitamente que um caminho de ferro custa muito dinheiro, e todas as vezes que elle não seja concorrido, ou por passageiros eu com mercadorias, não se poderá sustentar senão com grande sacrificio da parte do governo.

O governo já sabe quanto lhe custa a exploração do caminho do Barreiro ás Vendas Novas, e a perda que tem a soffrer annualmente. O actual director faz todas as economias para ver se rende alguma cousa. E o seu estado? Os meus illustres collegas verão a differença que havia quando nas Vendas Novas entrámos nos wagons inglezes era passar de uma carroça para uma bella carruagem de mollas. O caminho pois carece de grandes reparos para se pôr nas condições do outro. Mas o que ha de vir pelo tal caminho?

O sr. Thomás Ribeiro: — Com o tempo e com a colonisação.

O Orador: — Com a colonisação. D'onde vem ella? Desejo pois a viação publica, como acabei de dizer; mas vamos a ver como ella se póde fazer sem desorganisar o exercito.

Entendo que o que se tem praticado até hoje é um grande desacerto, não lhe quero chamar abuso. Nas obras publicas póde estar um certo numero de officiaes do corpo de engenheiros, do estado maior de artilheria e do corpo do estado maior, podendo servir nas obras publicas com vantagens ou prejuizo do exercito, mas nunca os officiaes pertencentes á arma de infanteria e cavallaria, porque isto vae fazer com que aquelles que ficam nas fileiras tenham mais serviço, menos vantagens e menos liberdade; e note-se que esta circumstancia é muito attendivel, porque basta o cerceamento da sua liberdade; de maneira que o militar não usufrue as garantias da constituição do estado; porque o cidadão

quando é mandado para alguma parte, pergunta para onde vae, e para quê, e por ordem de quem? O que não acontece com o militar.

Agora vae abolir-se a pena de morte, mas pergunto — se porventura tambem se extingue a pena de morte para o militar que vae para uma batalha? Quem é que lhe garante a sua vida? E perguntarei aos philosophos como combinam estas duas cousas — a extincção da pena de morte para os altos criminosos e a pena de morte para os innocentes que vão defender a patria sacrificando a sua vida; isto é uma verdade que se não póde questionar.

Emquanto este estado de cousas continuar, emquanto se não crear o pessoal technico das obras publicas, emquanto se forem buscar officiaes ao exercito para estes differentes serviços, tenham a certeza de que não ha organisação do exercito.

Ora, uma das prescripções consignadas na organisação do nobre marquez de Sá, vem transcriptas na organisação de 1849, e não era preciso mais do que pô-las em execução, sem necessidade alguma de medida legislativa. Lá vinha consignado quaes eram as commissões activas, que se restringiam a muito pequeno numero, E não sei porque circumstancias se revogou essa medida salutar e se declarou que commissões activas seriam todas aquellas que o governo considerasse como taes, porque assim se abriu um quadro, ou se estabeleceu um campo immenso ás commissões activas, de modo que os governos ficaram com o arbitrio de poder empregar em toda e qualquer commissão, não militar, todos os officiaes que quizessem, e com todas as vantagens que lhe parecesse.

Já se vê que nós precisâmos de organisar o exercito, mas organisar o exercito entendo eu augmentar a força do exercito, augmentar o numero de soldados; precisámos de cavallos, precisâmos de artilheria; em uma palavra, precisâmos augmentar o material de guerra, e nada d'isto se póde fazer senão com dinheiro. Eis-aqui em que consiste a organisação.

Nós precisâmos organisar a força publica de uma maneira conveniente, não é sómente o exercito permanente; precisâmos organisar uma segunda linha, uma força auxiliar, que é um objecto importante, a que o governo deve muito attender; uma linha auxiliar, sem a qual o exercito permanente é quasi nada, é muito pouco para sustentar a nossa autonomia.

Uma força auxiliar estava já decretada na reserva; roas essa reserva annulla se por si, porque os soldados que acabam -o seu tempo de serviço, e que devem passar para a reserva, são empregados nas guardas municipaes, de fórma que a reserva desapparece completamente.

Quando se convocou a reserva, não me lembra quando foi. Ah! Sim, para suffocar o movimento de Braga. Veiu o governo pedir ao parlamento auctorisação para esse fim. Quando no estrangeiro se lesse o governo portuguez mandou chamar a reserva do seu exercito ás armas, imaginaria que havia no nosso paiz uma conflagração geral, e que a reserva constava de 20:000 ou 30:000 homens. Não, senhores, a reserva correspondia muito menos ao regimento sublevado, estou certo que não appareciam 100 homens. Ora eis-ahi o nosso estado de reserva e força auxiliar.

Já se vê que o exercito assim, sem reserva, é muito limitado, e o governo tem necessidade absoluta de organisar regularmente uma força complementar de 30:000 a 40:000 homens.

Esta idéa desgraçada, que andou em moda entre nós, de que não precisavamos de exercito, já desappareceu; os factos subsequentes provam exuberantemente que ella já não existe. Hoje todos sabem que o mais forte é que resolve sobre a sorte do mais pequeno. E nós temos neste momento o exemplo no que está acontecendo na Dinamarca. Uma nação pequena a braços com duas nações fortissimas. Onde estão os tratados de alliança? Onde estão as relações diplomaticas? Que vemos nós? Uma nação pequena sacrificando-se e lutando contra duas nações poderosas para sustentar a sua independencia, e completamente desajudada de todos! (Apoiados.)

Em visto d'isto, que temos nós a esperar? Em que podemos confiar para defender a nossa independencia, se for atacada, senão nos peitos dos nossos soldados?

Parece-me pois de absoluta necessidade que não adiemos para mais tarde a nossa organisação militar, e que devemos organisar o paiz militarmente segundo a nossa posição, os nossos recursos e a nossa area.

Este objecto deve merecer pois a attenção da camara, e entendo que é preciso não adiar de dia para dia; não é só trabalhar para o dia seguinte; é preciso, por assim dizer, que o governo se esforce a pôr a pedra no angulo, cujo edificio seus successores devem construir.

Nós queremos uma linha de fortificações para salvar de um golpe a capital. Não sei qual é o perymetro d'essa linha de fortificações, ainda não vi esses trabalhos, porque é preciso que a força do nosso exercito esteja em relação com ella para não acontecer como acaba de succeder aos dinamarquezes, que tiveram de abandonar as suas fortificações de Danewik, pelo receio de serem cortados pela sua retaguarda, e verem perdido o seu exercito, tendo de retirar se á ilha de Alsen. A artilheria d'aquella linha de defeza ficou toda em poder dos inimigos! E não sei mesmo se a demolição será decretada.

É necessario pois sujeitar as fortificações aos defensores, e não estes aquellas, para que se não possa dar um tal revez. Ainda que o peito de soldados valorosos é a melhor muralha quando se defende a integridade do paiz; entretanto ha casos em que muito convem ter uma base de operações segura, que possa dar tempo ao armamento geral do paiz.

N'esta epocha em que se invadem as nações sem mesmo

declaração de guerra; que a diplomacia se torna impotente, ou quando ella pensa ter segura a paz, de repente rebenta a guerra, é preciso que os povos que amam a sua independencia estejam alerta, e que contem sómente sobre os seus recursos, e que não digam nós não imaginávamos taes successos, os acontecimentos precipitaram se, faltaram as formulas dos principios estabelecidas pelo direito das gentes. É preciso que nos lembremos do que disse o nosso Camões:

Eu nunca louvarei ao capitão Que diga — eu não cuidei.

Portanto é um negocio que merece uma seria attenção da parte do governo.

Entendo que nós devemos augmentar a nossa força publica; devemos armar o paiz convenientemente, devemos organisar-nos militarmente. Esta é a organisação de que o paiz carece, e não deve este importantissimo assumpto ser olhado com indifferença por qualquer homem que occupe um logar n'esta casa, e muito principalmente por aquelles que se sentam nos bancos do governo.

E devo declarar a rasão por que em outra occasião não concordei com uma proposta apresentada pelo sr. Fontes, a quem muito respeito pelo seu grande talento, e pela sua intelligencia e dedicação que sempre mostrou pela causa publica.

E aproveito a occasião para dizer a s. ex.ª que já muito antes lhe tinha feito um pequeno serviço, e não o digo para que m'o agradeça, que foi quando aqui se discutiu a sua eleição. Alguns meus collegas se pronunciaram então contra elle, e eu não votei a favor, mas pedi a muitos collegas que a approvassem, porque eu aprecio a sua intelligencia e os seus dotes oratorios. Eu e alguns dos meus amigos, que eram da maioria, votámos contra o parecer, e por consequencia a favor da validade da eleição, e o illustre deputado sabe que quando se discutem pareceres sobre eleições, quasi sempre se resolve no sentido que é indicado pela commissão, principalmente quando essa commissão saíu da maioria. Estou muito satisfeito de ter assim procedido, porque foi uma bella acquisição.

O sr. Fontes, quando foi ministro, apresentou aqui um projecto de lei para se crear uma segunda linha, que era uma especie de milicias. Não gostei d'esse projecto, porque entendi que elle não era o mais conveniente, e porque não satisfasia aos fins que se deviam ter em vista.

S. ex.ª queria um alistamento geral, e eu oppuz-me a essa idéa, porque entendi que o alistamento não significava o que se devia fazer.

Portanto já se vê que deve ser pensamento de todos os homens publicos o procurar organisar o paiz de uma maneira que possamos manter a nossa independencia, sem estarmos subordinados a soccorros estranhos que porventura nos possam vir.

Uma força auxiliar bem organisada e o exercito são a vanguarda para quando se tratar da independencia da patria. Estou certo que, dadas essas circumstancias, o paiz se havia de armar como um só homem (apoiados); mas é preciso ter este apoio, porque o povo armado sem principios de organisação militar não presta, não obstante o seu valor e patriotismo.

Esta questão é fastidiosa eu bem o sei, mas é necessario, dizer as cousas como ellas são, é necessario que estas verdades fiquem bem especificadas, e que a camara se compenetre bem da idéa de que o paiz precisa de uma força respeitavel, porque o paiz precisa estar ao abrigo de qualquer aggressão (apoiados) E isto não se póde fazer no papel.

Não ha duvida que os exercitos em todos os paizes são o cancro das finanças.

Que seria da França se não tivesse em armas 500:000 homens! São 500:000 empregados que absorvem sommas importantissimas, mas é uma necessidade. O exercito é uma necessidade em todos os paizes bem organisados, portanto nós precisâmos de o ter. E é preciso não só augmentar a força numerica do exercito, mas o seu material, e tudo quanto pertence ao seu armamento.

Tambem se fallou nos vencimentos do exercito. O nobre marquez de Sá entendeu que devia augmentar uma certa somma aos soldos dos generaes, porque entendeu que tinham um soldo muito diminuto em relação á sua posição, e approvo esse augmento que s. ex.ª lhes concedeu. E nem se creia que esse soldo é muito elevado. Ainda outro dia o sr. ministro da fazenda veiu pedir que se votassem os vencimentos dos empregados da junta do credito publico, e ali vemos que todos os empregados ou são coroneis, brigadeiros -ou marechaes, e ha um tenente general, que é o thesoureiro pagador; refiro-me aos vencimentos. De fórma que qualquer d'estes empregados é feito de um rasgo de penna, emquanto que um official para chegar ao generalato conta muitos serviços e gasta muitos annos, e poucos são os que lá chegam (apoiados).

Ora uma cousa que me maravilhou foi apresentar-se nas commissões activas noventa e quatro officiaes de infanteria. Perguntaria ao nobre marquez de Sá da Bandeira para que era preciso conservar sómente para commissões de infanteria grande numero de officiaes. Ignoro quaes sejam essas commissões. Com a importancia dos soldos d'aquelles noventa e quatro officiaes augmentava o soldo aos generaes, alargava o quadro de engenheiros e do corpo do estado maior sem augmento de despeza.

Já mostrei que em todos os assumptos fallo sempre com a maior ingenuidade que é possivel (apoiados). Votei a auctorisação ao nobre marquez de Sá, apesar de entender que s. ex.ª não podia fazer cousa alguma; mas sempre esperei que s. ex.ª fosse dar mais accesso aos officiaes do corpo dó engenheria e estado maior que não tinham. S. ex.ª disse á camara dos pares que = se as obras de fortificações estavam atrazadas era porque não tinha engenheiros militares =.

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Pois se s. ex.ª conhecia a falta de engenheiros, porque não havia de promover o alargamento d'esse quadro? Sempre julguei que o sr. marquez de Sá trataria d'este ponto; mas s. ex.ª limitou-se a ordenar que os officiaes que estavam nas escolas fossem introduzidos no quadro do corpo de engenheiros. É na verdade esta uma boa maneira de dar accesso.

Estas observações que faço não se podem julgar offensivas para o nobre marquez de Sá, porque ninguem mais do que eu respeita o seu caracter e a sua intelligencia; mas s. ex.ª foi infeliz na organisação do exercito; aconteceu lhe n'esta organisação o que aconteceu a Napoleão I na batalha de Waterloo, onde perdeu todos os seus louros ganhos em outras batalhas, ganhos com grande gloria. Portanto digo que foi infeliz. Voto contra.

Napoleão I, o Grande, que vencendo tantas batalhas, derrotando tantos exercitos e senhoreando-se de tantos estados, por fim foi vencido na batalha deWaterloo. O nobre marquez, mostrando sempre valor, coragem e decisão no campo da batalha, energia, acção e intelligencia superior nos negocios publicos, foi infeliz n'esta sua producção.

Quando se quer attender a tudo, separando-se do ponto principal, o resultado ha de ser Sempre negativo, sejam quaes forem os esforços de intelligencia que para isso se empreguem. Bem sei que em tempo de paz o accesso é tardio. Já em França, sendo Soult interpellado na camara por causa do pouco adiantamento da officialidade do exercito, elle respondeu: «C'est la guerre, qu'ouvre la carrière á nous jeunes guerriers». Mas no nosso paiz ha uma desproporção nas armas especiaes em relação ás outras, que se vêem tenentes de engenheria com vinte annos d'este posto, emquanto os de infanteria com a mesma data de assentamento de praça se acham nos postos superiores. Uma tal desigualdade revolta e o serviço soffre, porque se serve mal quando se dão differenças d'esta ordem, e com relação a officiaes com grandes habilitações scientificas. O mesmo acontece com os officiaes do corpo do estado maior do exercito. S. ex.ª acabou com a organisação da artilheria como ella tinha sido organisada em 1849. Havia artilheria a cavallo, que era muito mais conveniente do que da fórma que ultimamente foi organisada. Podia ter feito algumas modificações na organisação que existia, mas não acaba-la completamente.

Tinha muitos outros pontos sobre que fallar, mas se o fizesse seria um nunca acabar, e a camara talvez já esteja dizendo — que massador aquelle (riso); mas quem entra na discussão d'estas materias não póde deixar de dizer tudo que entende, mas singelamente; não póde haver bellezas oratorias, nem eu sou orador; sómente um bom orador poderia em um assumpto tão asado prender a attenção da assembléa por um estylo brilhante de phrases, brilhante de imagens, brilhante de figuras, emfim d'aquelles discursos que n'esta casa temos ouvido, que nos enlevam, nos encantam e nos extasiam.

Ora n'esta questão dá-se um facto muito importante, e peço á camara que o note. Eu n'esta questão estou com a maioria, e o sr. Sá Nogueira, deputado da maioria, está com a opposição. Eu fui para a direita, e elle veiu para a esquerda; não é de todo (riso). Houve um movimento, mas sustenta-se o equilibrio do fiel da balança. E creio que os meus amigos não me levarão isto a mal (riso), tanto mais quando lucram com a mudança, porque emfim passa para lá um illustre deputado irmão do ex-ministro o sr. marquez de Sá, e por esta qualidade deve ter uma maior importancia, alem das outras qualidades que o distinguem.

Fallou-se aqui em reserva. Ora eu devo dizer que não ha reserva, e seria curioso, como já disse, ver chegar a reserva composta de meia duzia de soldados. Já que fallei nos soldados direi duas palavras sobre a sua situação. Eu não preparei o meu discurso e vou fallando segundo as idéas que vão succedendo umas ás outras.

Os nossos soldados, senhores, são mal retribuidos, a sua paga e seu pret é insignificante, e portanto a sua alimentação é má.

Diz-se, e é verdade, que os generos alimenticios são caros, e todos os funccionarios têem vindo á camara pedir augmento de vencimentos, e grande parte tem sido attendida, e maximè a officialidade do exercito, porém o soldado não é gente, para este não ha generos caros; pois póde elle ser nutrido com um pret, que data de mais de um seculo. E os officiaes inferiores? Pois podem estes viverem distanciados como devem dos seus subordinados com 200 réis, 160 réis e 120 réis por dia? Não é possivel. É urgente remediar este estado. Os grandes; é de ordem das cousas têem sempre quem os proteja, os pequenos ninguem se lembra d'elles. Eu, senhores, não cessarei de levantar a minha voz n'este recinto a favor dos desprotegidos, e são geralmente os que sempre têem rasão.

Não ha, senhores, exercito em nação nenhuma do mundo aonde o soldado e os officiaes inferiores sejam mais mal retribuidos que no nosso paiz. Ha pouco eu fallei da consideração que devem merecer os militares em geral pela perda da liberdade que soffrem, consequencia necessaria da disciplina militar; então referi-me á liberdade politica. Vamos a ver como a perda da liberdade moral e physica do soldado influe na sua constituição organica.

Eu tenho observado que o maltez, homem do campo, trabalhador, passa peior que o nosso soldado. Um bocado de pão, e uma magra açorda é o seu sustento. Um trabalho rude e pesado, que não tem comparação alguma com o do soldado, é a sua occupação diaria. Vamos ao seu estado physico, gordo, boa côr, bella disposição, emfim magnifica saude. E o vestuario? O mais simples possivel, braços nus, pés nus, pescoço e peito ao ar livre, e alguns apenas uma camizolla quando o inverno é forte. E o soldado? Nesta parte direi que o soldado veste regularmente, e que não ha motivo para o lamentar. Postos estes dados, que são exactos, parecia que o soldado devia apresentar uma robustez senão superior ao menos igual á do maltez.

O contrario é o que se observa. O soldado definha-se e extenua-se de forças e morre em uma idade prematura. A estatistica militar de mortalidade no exercito não se póde comparar com as outras classes do povo, porque é muito superior. D'onde provém pois esta funesta desigualdade? O recruta deixando a sua vida do campo, o seu albergue paterno, deixa ali os seus habitos, a sua vontade, e mesmo a liberdade dos seus movimentos physicos. O soldado apertado, com a cabeça levantada, o pescoço entre talas (riso), e pergunto ao nosso illustre collega e amigo, o sr. dr. Beirão, se isto é hygienico? (riso.) Se o modo como o soldado deve andar, contrariado em todas as suas acções, fazendo lhe adquirir uma nova natureza, deve de certo contribuir n'esta transição para um estado melindroso, o qual muitas vezes se desequilibra e promove a sua destruição.

Qual o meio para obviar a tão grande mal? Uma alimentação mais nutriente, uma alimentação que o indemnise das perdas que acabo de expor, e não uma alimentação que, se em outras condições é soffrivel, na do soldado é pessima.

Um soldado nutrido simplesmente a legumes, difficilmente resiste á pressão que sobre elle se exerce. Quartéis com as condições hygienicas é uma necessidade igualmente. Não agglomerem soldados em cazernas, cujo ambiente é um veneno que elle aspira e o mata.

É preciso, senhores, que restituamos aos paes os mancebos que lhe tirámos para o serviço por alguns annos, sãos e robustos, e não enfermos, debeis e incapazes de adquirir o pão do dia. O soldado sem outro incentivo, porque não tem honras nem postos, merece e é digno que com elle se tenha todo o desvelo. Serve o seu paiz, este deve ao menos vesti-lo e nutri-lo bem; se se olha para a sua apparencia, olhe-se melhor para a sua conservação (apoiados).

Agora peço á camara que seja benevola para comigo, consentindo que eu aproveite esta occasião de proferir algumas palavras sobre um negocio que me é pessoal, e que é do meu dever dar sobre elle algumas explicações, visto que a camara já d'elle tem conhecimento.

O nobre marquez de Sá na camara dos dignos pares respondeu a algumas observações que eu tinha feito por incidente n'esta casa sobre um despacho que me dizia respeito e que elle annullou. Disse s. ex.ª que = um deputado militar na outra casa lhe fizera grave censura dizendo que elle marquez tinha praticado uma grande injustiça na maneira como tinha procedido. Que elle não fizera mais que ouvir, á vista das reclamações dos lesados, as estações competentes, o procurador geral da corôa, o jurisconsulto junto ao ministerio da guerra, secção administrativa do conselho d'estado, etc. Que á vista da uniformidade das opiniões elle annullaria o despacho, e que mandava para a mesa os documentos, isto é, os informes =. Não era mais que um extracto, pelo qual se vê que os factos não estão bem mencionados. Agora a camara permittirá que eu diga algumas palavras.

O nobre marquez mandou ouvir todas as estações, e não quiz ouvir o que lhe dizia a sua intelligencia. Saiu, ficou a sua opinião, eis o modo de ver dos jurisconsultos. Pois s. ex.ª, um general antigo, cheio de merecimentos e de um talento superior precisava, para avaliar uma questão puramente militar, consultar um outro general ou alguns jurisconsultos? Um general distincto, premiado no campo da batalha, vae perguntar por um serviço identico a um letrado ou advogado, se tal militar que praticou tal feito merece tal ou tal recompensa? Mas não era isto; era saber se o premiado devia ou não gosar as consequencias d'essa recompensa? S. ex.ª não olhou para si, e não viu que em si mesmo estava o que perguntava. O procurador geral da corôa será um homem eminente em jurisprudencia, mas para entender do serviço feito no campo da batalha não o julgo competente, e mesmo não lhe cedo a palma. Os cavalheiros da secção administrativa do conselho d'estado, são na verdade elevadas capacidades, os seus serviços e os seus conhecimentos os tem elevado aquelle eminente logar; mas saber como e quando o militar pratica um acto de bravura, e como se devem regular as antiguidades dos postos por taes feitos conferidos, póde ser que não sejam, emquanto a mim, os mais competentes. Ss. ex.ª não levarão a mal (nem sei quem foram) que eu faça n'esta parte uma excepção aos seus conhecimentos. Mandar informar ás estações sobre factos, entende-se; mas perguntar a opinião sobre um objecto, no qual o ministro deve estar mais habilitado que outro qualquer, e por elle resolver, não se comprehende. E a responsabilidade do acto á quem pertence? Não é ao ministro? E persuade-se qualquer ministro que, por ouvir tal ou tal estação, a responsabilidade á menor? Se o ministro não póde resolver qualquer questão sem ouvir todas as estações, em pessimas condições está elle? Todos os podem substituir com vantagem.

E uma cousa extraordinaria o que estamos presenciando no nosso paiz. Um ministro tem um pensamento definido sobre um objecto, confecciona uma proposta, apresenta-a ao parlamento, sustenta-a e defende-a; por fim é approvada seguindo os tramites, é sanccionada e publicada. O mesmo ministro quer applica-la, mas, oh caso extraordinario!! Não sabe como, e manda consultar o jurisconsulto ou o delegado do procurador da corôa junto ao seu ministerio. Este dá-lhe logo uma interpretação a seu modo, principia a torturar as letras, e a dizer—as palavras dizem isto, mas o seu espirito é outro. O legislador não teve essas intenções, portanto o espirito está ás vezes em contradicção com a letra da lei. A lei é o corpo, e a alma o espirito ou a intelligencia do tal delegado. Vae ter com o ministro e expõe lhe a sua opinião; o ministro redargue, que a sua opinião era outra; porém o delegado diz-lhe: «V. ex.ª não teve essa idéa, e está

enganado, o espirito da lei é outro, e assim não póde ter a applicação que v. ex.ª quer». O ministro sujeita-se á opinião do delegado do procurador da corôa, e é este o que despacha e não o ministro.

Eu se estivera n'aquellas cadeiras não lhe daria muito que fazer, eu queria a responsabilidade dos meus actos, resolve los segundo a minha rasão e intelligencia, e não vir desculpar me com as opiniões dos outros, que as emittem ás vezes sem o menor estudo nem mesmo escrupulo, porque d'ellas não lhe provém o menor compromettimento nem a mais leve responsabilidade. Pois que, senhores, um estudante, porque na universidade de Coimbra foi premiado em direito romano, póde resolver uma questão militar? Um outro, que foi premiado em direito publico, póde resolver uma questão de fazenda? Outro, porque teve o accessit em direito das gentes, póde emittir o seu parecer sobre objecto de viação publica?

O nosso paiz ainda se resente da antiga magistratura, aonde o juiz de fóra era tudo; elle superintendia as alfandegas; elle cobrava impostos, fazia recrutamento, etc. Os delegados do procurador da corôa junto aos ministerios sabem de tudo e resolvem tudo. Estas entidades foram creadas no tempo do ministerio do sr. Fontes Pereira de Mello. S. ex.ª julgou que os ministros não podiam passar sem aquelles conselheiros; considerou os ministros como juizes ordinarios, que careciam de um assessor, e elles effectivamente assim se julgam, porque não decidem nada sem que o homem de lei seja ouvido. O nobre marquez de Sá, não obstante a sua elevada intelligencia, mandava remetter tudo ao jurisconsulto, ainda nas cousas mais simples.

Eu pedi ao nobre marquez a minha exoneração de chefe da repartição d'aquelle ministerio, porque a minha opinião nada valia sem a sancção do tal jurisconsulto, e o meu amor proprio não consentia que eu me sujeitasse a um desaire de tal ordem. Se as cousas assim se passam, o jurisconsulto é o que despacha. Que consideração dão os srs. ministros ao seu saber e á sua intelligencia? E de que lhes servem os chefes e directores, se as suas opiniões e informações nada valem? Bem sei ou imagino que tal creação proviesse da mania de mandar ouvir o procurador geral da corôa sobre todos os assumptos; e não podendo este dar solução rapidamente sobre tão variados negocios, o expediente tornava-se menos expedito e mais nocivo. O procurador geral então despachava para todos os ministerios, agora são os seus delegados.

Eu não entro na minha questão, porque é sempre difficil sustentar uma questão pessoal sem que se suspeite parcialidade. Ainda que eu dissesse bocadinhos de oiro, como se costuma dizer, a camara presumiria interesse proprio; e a argumentação, por mais vigorosa e convincente que parecesse, na bôca do interessado perdia parte da sua intensidade. Na camara está um cavalheiro distincto pelo seu caracter, pela sua probidade, pela sua intelligencia; tem assento no lado da maioria, é uma das suas illustrações. A injustiça que eu julgo ter praticado o nobre marquez de Sá é uma grave censura ao decreto por aquelle cavalheiro apresentado á assignatura regia do infeliz monarcha que já não existe. E ao illustre deputado Belchior José Garcez que compete repellir a censura como acto injusto, illegal e arbitrario, que, como tal, se traduz a annullação d'aquelle decreto, assignado pelo novo Rei que felizmente nos rege.

Desejo que o sr. ministro da guerra me explique quaes as idéas que tem a respeito das modificações que cumpre fazer na antiga organisação do exercito, e me diga se tenciona apresenta-las ainda n'esta sessão, como é de necessidade.

Mando para a mesa a minha proposta, e peço á camara desculpa de lhe ter tomado tanto tempo com as considerações que tenho feito (apoiados).

Vozes: — Muito bem, muito bem.

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