657
Discurso que devia ser transcripto a pag. 627, col. 1.ª, lin. 46 do Diario de Lisboa, na sessão de 1 de março
O sr. Castro Ferreri: — Principio por declarar á camara que vou entrar n'esta questão com toda a imparcialidade, com toda a franqueza, conforme é meu costume, porque não submetto a minha opinião a pessoa alguma, a nenhuma consideração de qualquer ordem que seja.
Este meu procedimento data de longa era, e digo longa era fallando parlamentarmente, porque ha já quinze annos que alternadamente tenho a honra de ter assento n'esta casa.
N'uma d'essas epochas, pertencendo eu á maioria da camara, votei contra ella n'uma questão importantissima. Tratava-se de uma indemnisação que o governo pedia á camara para os contratadores do tabaco em virtude dos prejuizos havidos pelos acontecimentos de 1846 e 1847; entendi que os contratadores do tabaco tinham direito a uma indemnisação por alguns prejuizos que tinham soffrido, mas entendi tambem que essa indemnisação não devia ser tão subida como elles requeriam; por isso votei contra essa exigencia, por a julgar excessiva, e por me parecer por consequencia que não devia ser approvada.
Em outra occasião, pertencendo eu á maioria da camara, e sendo o nobre duque de Saldanha presidente do conselho de ministros, eu votei contra elle n'uma questão de que dependia a conservação e estada do governo, segundo dizia o mesmo nobre duque. E quer v. ex.ª saber que questão era essa de que se dizia que dependia a estada do governo? Era querer o governo arrendar a uma companhia o rendimento da alfandega das sete casas, para obter um adiantamento de 600:000$000 réis. Pois n'essa occasião, pertencendo eu á maioria, não só votei contra, mas conspirei com ella para que a parte menos saliente dissesse ao governo que não aceitava a sua proposta. E o resultado foi que o governo não se retirou, mas retirou a proposta.
Portanto já se vê que eu em todas as occasiões tenho sido sempre o mesmo. Não me fascina certa atmosphera, que muitas vezes, por assim dizer, nos annuvia e faz com que votemos de uma fórma differente d'aquella que porventura votariamos se nos não deixassemos envolver em tal atmosphera.
Esteja pois a camara certa que eu em qualquer questão que seja hei de sempre franca e lealmente dizer o que sinto; tratar os assumptos como os entendo, embora a minha opinião não satisfaça; isso depende da minha medriocre intelligencia e dos meus limitados conhecimentos. Mas a intelligencia dá a Deus, e nem todos os homens podem ter talento para poderem discernir a verdade, o merito e a conveniencia dos assumptos importantes da lide publica.
Declaro mais á camara que vou tratar esta questão livre da politica, porque não sou politico. Á politica é a arte de governar os estados, e os homens politicos são os estadistas que têem conhecimentos profundos dos negocios publicos. Não sou portanto politico; não me acho com capacidade para isso, nem nunca aspirei a subir á eminencia d'aquelles logares (apontando para o banco dos srs. ministros); não me julgo com a intelligencia necessaria para occupar uma posição tão elevada quanto espinhosa. Mas ha um facto que eu noto. A politica parece estar só daquelle lado (apontando para a esquerda da casa), e não d'este (apontando para a direita). Quando d'aquelle lado se apresenta qualquer proposta ou moção, diz-se logo — é politica; a maioria apresenta o que quer, censura o governo, pede explicações sobre factos, ou chama a sua attenção, ás vezes com acrimonia, sobre qualquer objecto, não ha politica; é uma cousa natural, diz a maioria, advertir o governo.
Desejava ser politico porque desejava ser estadista; existem porém cavalheiros d'aquelle lado da camara (apontando para a esquerda), que são estadistas; que se têem assentado no banco dos ministros, que têem dado provas da sua intelligencia, e deixado mesmo vestigios da sua administração, que têem provado que são politicos, e que são homens d'estado. Eu não invejo a posição dos cavalheiros que se assentam n'aquelles bancos, por mais brilhante que pareça. Não admira que haja quem nutra ambição de ali subir, tal é a natureza humana, e mesmo que empregue todos os esforços justos e rasoaveis para chegar ao alvo dos seus desejos; mas o que me espanta é que haja quem, subindo ao alto d'aquella montanha Íngreme e escabrosa, e que tenha d'ella descido, tente de novo assalta-la.
Eu vou contar á camara o que imagino que é um ministro d'estado, que sáe da vida privada e chega aquelle ponto culminante do poder; isto é, se não enfado a assembléa...
Vozes: — Não enfada; diga, diga.
O Orador: — O homem que aspira a elevar se ao logar mais eminente da republica, apodera-se d'elle essa idéa, essa ambição e não poupa meio algum para ali chegar. Depois de tantas fadigas e tantos esforços chegou emfim ao ponto eminente. Uma doce illusão o offusca, e julgou encontrar a sua felicidade! Effectivamente a passagem de uma situação privada a um grande logar tem um certo brilho, um certo lustre, emfim parece um momento agradavel como todas as transições da vida. Entra o novo ministro na sua secretaria, apparecem-lhe os aduladores, os homens fingidamente affectuosos, mostrando por elle um interesse e uma dedicação falsaria; enchem n'o de attenções e comprimentos. A imaginação lhe serve ainda, os comprimentos, os respeitos, les impressements, entretêem a sua perturbação, e parecem garantir que elle se não enganou, e que é verdadeira a falsidade que elle tem encontrado. Emfim entra no seu gabinete; o trabalho e a inquietação se assentam junto a seu lado; empregados precedidos de immensas pastas vem successivamente avisa-lo do embaraço dos negocios. Esta multidão que corria á casa do ministro, e que lhe tinha animado a sua ambição; estes respeitos que de longe lhe pareciam tão agradaveis a receber, tão faceis a supportar, todo este brilhantismo exterior se troca para elle em uma successão de pedidos, aos quaes é impossivel satisfazer, e o ministro não é mais que espectador das aberrações do amor proprio e das suas pretensões desregradas.
O ministro principia a ver que tem uma posição embaraçosa, principia a ver quanto a sua situação é desagradavel; emfim que aquella felicidade é um pouco chimerica. Pucha pelo relogio (riso), vê que horas são, e diz — são horas de ir para a camara. Sáe e entra na camara, immediatamente se vê cercado dos seus amigos politicos — uns pede-lhem a resolução de um negocio para a sua localidade (apoiados), que muitas vezes vae de encontro aos interesses geraes do paiz (apoiados); outros a resolução de negocios de interesse individual, que suppõem muito justos, e que o não são. O ministro vê-se contrariado, e portanto não póde estar satisfeito. Depois mette-se na carruagem, vae ao paço, e ahi troca a affirmativa pela negativa, e a negativa pela affirmativa. A dizer a verdade parece incrivel que haja quem queira ser ministro! É necessario uma grande dedicação, um grande zêlo pela causa publica, para ter a gloria de grangear, ao menos quando chegar o momento de se retirar dos negocios publicos, a consolação de trazer comsigo a estima geral, o unico sentimento que o póde alliviar no seu retiro da perda d'esse logar eminente, e que elle possa dizer — o que fiz, ainda faria. Para isso é preciso que o ministro se torne incansavel no seu posto pelo zêlo e empenho nos interesses do paiz; porque aquelle que assim não praticar, o que lhe acontece é que, quando se retira do poder, os que até ali se diziam affeiçoados e amigos, quando o vêem fazem grande esforço em comprimenta-lo, e se o fazem é já como um acto heroico de generosidade e grandeza de alma (apoiados); e vê-se abandonado. Fica pois em peior estado do que estava antes de subir ao poder. Sendo isto assim, não sei como os cavalheiros que já foram ministros ainda ambicionem se-lo, e queiram tomar sobre si uma tarefa tão ardua como espinhosa.
Já se vê que não sou politico, e que a camara não me póde considerar como tal, porque não tenho as faculdades e o talento necessario para ser homem d'estado.
O sr. Presidente: — Permitta-me o illustre deputado que, diga, que devia principiar por ler a sua moção de ordem.