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SESSÃO DE 15 DE MARÇO DE 1873

Presidencia do ex.mo sr. José Marcellino de Sá Vargas

Secretarios - os srs.

Francisco Joaquim da Costa e Silva Alfredo Felgueiras da Rocha Peixoto

SUMMARIO

Mandam-se para a mesa diversos requerimentos e representações — Ordem do dia; realisa a interpellação ao sr. ministro do reino, ácerca da annexação da freguezia de Gondifellos ao concelho de Villa Nova de Famalicão, tendo usado da palavra o srs. Manuel Paes (interpellante, ministro do reino e Cunha Monteiro — Continua a interpellação do sr. Luciano de Castro ao mesmo sr. ministro, com respeito á annexação da freguezia de Palhaça ao concelho de Aveiro, tendo usado da palavra o interpellante e o sr. ministro do reino.

Chamada — 37 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs. Albino Geraldes, Rocha Peixoto (Alfredo), Cardoso Avelino, Correia Caldeira, Rodrigues Sampaio, Telles de "Vasconcellos, Falcão da Fonseca, Saraiva de Carvalho, Vieira das Neves, Francisco Mendes, Francisco Costa, F. M. da Cunha, Carvalho e Abreu, Quintino de Macedo, Perdigão, Frazão, Candido de Moraes, Assis Pereira de Mello, Melicio, Barros e Cunha, Ribeiro dos Santos, Vasco Leão, Mamede, Matos Correia, J. A. Maia, Bandeira Coelho, Klerck, Dias de Oliveira, José Guilherme, Rodrigues de Freitas, Moraes Rego, Sá Vargas, Mello Gouveia, Mexia Salema, Teixeira de Queiroz, Lourenço de Carvalho, Affonseca, Alves Passos, Paes Villas Boas, Mariano de Carvalho, Cunha Monteiro, D. Miguel Coutinho, Pedro Jacome, Pedro Roberto, Placido de Abreu, Visconde da Arriaga, Visconde de Montariol.

Entraram durante a sessão — Os srs. Adriano Machado, Agostinho da Rocha, Braamcamp, Cerqueira Velloso, Pereira de Miranda, Teixeira de Vasconcellos, Barros e Sá, A. J. Teixeira, Pinto de Magalhães, Arrobas, Sousa Lobo, Zeferino Rodrigues, Barão do Rio Zezere, Carlos Bento, Carlos Ribeiro, Claudio Nunes, Conde de Villa Real, Pinheiro Borges, Francisco de Albuquerque, Correia de Mendonça, Silveira Vianna, Van-Zeller, Silveira da Mota, Jayme Moniz, J. J. Alcantara, Figueiredo de Faria, José Luciano, Costa e Silva, J. M. Lobo d'Avila, Menezes Toste, José Tiberio, Luiz de Campos, Pinheiro Chagas, Ricardo de Mello, Visconde de Valmór, Visconde de Moreira de Rey.

Não compareceram — Os srs. Adriano Sampaio, Agostinho de Ornellas, Osorio de Vasconcellos, Soares e Lencastre, A. J. Boavida, Barjona de Freitas, Augusto Godinho, E. Tavares, Gonçalves Cardoso, Lampreia, Bicudo Correia, Pinto Bessa, Palma, Santos e Silva, J. T. Lobo d'Avila, Baptista de Andrade, Dias Ferreira, J. M. dos Santos, Nogueira, Camara Leme, Pires de Lima, Rocha Peixoto (Manuel), Thomás de Carvalho, Visconde dos Olivaes, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Abertura — Á uma hora da tarde.

Acta — Approvada.

expediente

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Representação

Do compromisso maritimo de Ferragudo, contra o contrato celebrado entre o governo e o digno par marquez de Niza, que tem por fim a creação das ostreiras artificiaes na provincia do Algarve.

A respectiva commissão.

Renovações de iniciativa

1.ª Renovo a iniciativa do projecto de lei n.º 43 da sessão legislativa de 1864. = Augusto Cesar Falcão da Fonseca.

2.º Renovo a iniciativa de um projecto de lei, que tive a honra de apresentar á camara na sessão legislativa de 46

1870, a fim de serem promovidos os sargentos do batalhão de engenheiros para a arma de infanteria. = João Candido de Moraes.

Foram admittidos e enviadas á commissão competente.

O sr. Mariano de Carvalho: — Mando para a mesa um requerimento de Antonio Joaquim Taveira, ex-pagador do caminho de ferro de sueste, que se queixa de injustiças que lhe fizeram; outro em que peço esclarecimentos ao governo, e um requerimento, que, supponho, ha de ser submettido á votação da camara, mas que leva a clausula « não havendo inconveniente » (leu).

Leu-se na mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, a exemplo do que se praticou com o concurso para o logar de contador geral da junta do credito publico, sejam tambem publicados no Diario do governo, não havendo inconveniente, as provas, documentos, pareceres e informações, não confidenciaes, a respeito dos candidatos ao logar de secretario da bibliotheca nacional de Lisboa. = Mariano de Carvalho.

Foi admittido.

O sr. Melicio: — Ha dias votou-se n'esta camara um requerimento similhante ao que foi agora admittido, com relação ao logar de contador da junta do credito publico.

Pertenço á escola liberal, e por isso quero a ampla liberdade; mas não posso approvar o systema que se está adoptando, de se dar publicidade a todos os documentos relativos a concursos. Entendo que o unico systema a seguir n'estes casos é o adoptado no ministerio da justiça.

Quando um concorrente se julga offendido nos seus direitos pelo despacho do ministro, requer que as suas provas sejam publicadas. Mas estar a pedir a publicação de todas as provas, e vexar assim alguns candidatos que não são despachados, e que não se queixam, acho uma cousa irregularissima. E, alem d'isto, é preciso notar que nós, approvando este requerimento, deixámos de respeitar o direito de propriedade (apoiados).

Quem nos diz que os individuos que vão a estes concursos, e que não são approvados, querem depois fazer uso dos seus trabalhos, publicando-os em livro?

Portanto não approvo o requerimento feito pelo illustre deputado, o sr. Mariano de Carvalho; e entendo que se deve estabelecer o principio adoptado no ministerio da justiça, de só se dar publicidade ás provas dos concorrentes que o pedem.

O requerimento diz que o governo mandará publicar os documentos não havendo inconveniente.

Em uma das sessões passadas votou-se um requerimento nos mesmos lermos, não estando presente o sr. ministro da fazenda, mas parece que s. ex.ª não achou inconveniente em se fazer a publicação pedida. Entendo que s. ex.ª, cedendo assim, não fez bem, e, digo com franqueza, não tinha direito para mandar fazer aquella publicação.

Os candidatos que se julgavam offendidos que pedissem a publicação de suas provas, mas não se offendesse o direito de propriedade dos outros seus collegas (apoiados).

São estas as considerações que tenho a fazer para justificar o meu voto, contrario ao requerimento do sr. Mariano de Carvalho.

O sr. Ministro da Fazenda (Serpa Pimentel): — Ha dias votou a camara que se publicassem as provas do concurso que teve logar em uma repartição dependente do ministerio da fazenda, não havendo n'isso inconveniente.

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Não achando inconveniente mandei publica-los em obediencia á votação da camara; entretanto estou de accordo com o illustre deputado que acabou de fallar, em que o precedente é mau, e não se póde estabelecer de modo algum como regra geral (apoiados).

N'aquelle caso dava-se o facto de todos os concorrentes terem sido approvados; mas póde acontecer muitas vezes que alguns dos concorrentes não sejam approvados, que tenham sido infelizes na Occasião, como succede muitas vezes, tendo aliás mais conhecimentos, mas que, por circumstancias de momento, não possam dar de si a conta que poderiam dar em outra occasião, e que sejam excluidos pelo governo, n'este caso entendo que é submette-los a uma especie' de' vexame é publicar as suas provas (apoiados).

Alem d'isso o governo tem sempre o direito de escolher entre os candidatos approvados aquelle que julgar mais competente, porquê não se trata só das provas praticas para um logar importante, mas tambem de muitas outras considerações independentes d'essas provas (apoiados).

Por todas estas rasões parece-me que não se póde estabelecer, como regra geral, a publicação de taes documentos; e se o fiz, com respeito ao concurso para o logar de contador da junta, foi em' Obediencia á votação da camara, e porque n'aquelle caso especial não achava inconveniente. Mas em outros muitos casos póde haver inconveniente, e um certo Vexame para alguns dos concorrentes sem vantagem alguma para o estado.

O sr: Melicio: — O sr. ministro da fazenda quiz justificar o procedimento que adoptou outro dia, mandando publicar os documentos relativos ao concurso do logar de contador da junta do credito publico, allegando que todos os concorrentes foram approvados.

Não sei Se todos os Concorrentes foram approvados. O jury dividiu-os em dois grupos, collocando uns em primeiro logar e outros em segundo; e eu creio que o sr. ministro não tem ampla liberdade de escolha depois da classificação que o jury deu a estes individuos. Em todo o caso s. ex.ª não soube se os outros concorrentes permittiam a publicidade das suas provas.

E por isso que peço á camara que, respeitando o principio seguido no ministerio da justiça, não adopte outro systema de publicidade senão aquelle.

Quanto ao concurso a que se refere o requerimento do sr. Mariano de Carvalho, o caso é differente, houve approvados e reprovados, houve umas poucas de votações e protestos, e o negocio foi á junta consultiva de instrucção publica, que me consta que se decidiu pela regularidade do concurso e que confirmou a escolha feita pelo jury.

Consta-me tambem que o sr. ministro do reino escolheu o melhor classificado.

Estamos no caso que lembrou o sr. Antonio de Serpa; temos no concurso approvados e reprovados. Portanto veja a camara se quer vexar aquelles que ficaram reprovados e que, alem de perder o logar, passam pelo desgosto de verem publicada a insufficiencia das suas provas.

O sr. Ministro do Reino (Rodrigues Sampaio): — N'este caso especial não estou resolvido a publicar as provas do concurso. Mas, para satisfazer os justos desejos dos illustres deputados que queiram examinar aquelle processo, mando o origina] para a camara, com a condição de voltar á secretaria do reino.

Satisfaço assim o desejo de todos os srs. deputados que queiram examinar este caso singular, e guardam-se as conveniencias que o sr. Melicio apontou.

O sr. Mariano de Carvalho: — Sinto muito ver-me obrigado a entrar n'este debate ou em outro qualquer; mas faço-o unìcamente porque se trata de uma questão quasi pessoal.

Devo dizer que não me convenceram as rasões apresentadas pelo sr. ministro da fazenda e pelo sr. Melicio, quanto ao vexame que suppõem resultar para os candidatos, publicando-se as provas do concurso.

O vexame para os candidatos não está na publicidade das provas, mas sim na reprovação.

Alem d'isto, no systema constitucional, supponho que a publicidade deve ser a regra geral, com uma unica excepção, que vera a ser, quando possa haver prejuizo para a causa publica.

A respeito do direito de propriedade tambem não vejo inconveniente de especie alguma; porque a publicação das provas no Diario do governo em nada prejudica o direito de propriedade litteraria. Alem de que, n'este caso entendo mesmo que os documentos ficam sendo propriedade, não dos concorrentes, mas do estado.

Em um grandissimo numero de concursos para o provimento de logares para as escolas superiores todas as provas publicas ficam sendo propriedade do estado, e não houve quem notasse n'isso inconveniente.

Entretanto, como o sr. ministro do reino tem duvida de publicar esses documentos, embora o meu desejo não fique satisfeito, unicamente pela remessa para a camara, desisto do meu requerimento.

Consultada a cantara foi retirado.

O sr. Affonseca: —Mando para a mesa uma representação de cento e trinta cidadãos da cidade de Faro, que se occupam de pescarias.

Na representação d'estes cidadãos discutem largamente o contrato do sr. marquez de Niza e pedem a sua approvação.

Rogo a V. ex.ª se digne mandar publicar a representação no Diario do governo, e enviá-la á commissão aonde o processo estiver.

O sr. Candido de Moraes: — Mando para á mesa a seguinte nota de interpellação ao sr. ministro da fazenda (leu).

Recebi ha dias alguns documentos relativos ao facto sobre que desejo chamar a attenção do governo, sendo enviados pelo sr. ministro da fazenda. Esses documentos, comquanto falsos em uma parte, deficientes n'outra, e não conformes com o requerimento que fiz, são comtudo suficientes para demonstrar que o cidadão a que se refere a nota de interpellação, não só soffreu uma pena injusta, porque foi violentamente levado á cadeia por factos que não existiam, mas foi ainda... Eu queria dizer isto, é não sei bem como hei de dizer, mas parece-me que foi esbulhado violentamente da sua propriedade pelo escrivão de fazenda do extincto bairro Alto.

Não faço uma aggressão ao governo, nem pretendo faze-la, porque julgo que o sr. ministro da fazenda não póde de fórma alguma approvar este facto, nem aceitar a responsabilidade d'elle; o que desejo é, revelando-o á camara e fazendo a leitura dos documentos que tenho em meu poder, mostrar, quando verificar a minha interpellação, que este individuo foi preso por um facto que não existiu, por um modo illegal, e que alem d'isto viu que o seu dinheiro foi violentamente extorquido, com documentos falsos, pelo escrivão de fazenda do extincto bairro Alto.

Estou certo que o nobre ministro não póde deixar de partilhar commigo a opinião de que factos d'estas natureza são altamente criminosos e devem ser punidos de um modo exemplar, porque não se póde deixar á mercê de um pessimo empregado a fazenda e a liberdade dos cidadãos.

Portanto, creio que s. ex.ª ha de habilitar-se para responder á interpellação no mais breve espaço de tempo e que ha de prestar-me o seu auxilio, o que me parece do dever de s. ex.ª, para que factos d'esta ordem não passem sem a devida correcção.

Mando para a mesa a minha nota de interpellação.

O sr. Ministro da Fazenda: — Declaro ao illustre deputado, o sr. Candido de Moraes, que me hei de habilitar para lhe responder e que os documentos que mandei, foram os que existiam.

O sr. Melicio: — A camara resolveu ha dias que fosse enviado ás associações commerciaes de Lisboa e Porto, e

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aos verificadores das alfandegas das duas cidades, o projecto alterando a pauta geral das alfandegas.

O sr. presidente do conselho aceitou essa proposta feita pelo meu amigo, o sr. Rodrigues de Freitas, proposta que equivale a um adiamento indefinido do projecto do governo, e que denuncia o pouco interesse do sr. ministro da fazenda em levar por diante o seu apregoado plano financeiro.

Vou pedir a s. ex.ª, que logo que receba o parecer do conselho geral das alfandegas sobre aquelle projecto se digne mandar que elle seja publicado no Diario do governo. Esses documentos tambem devem servir para o estudo da questão que vão fazer as associações commerciaes e os verificadores, e quantos mais elementos lhes fornecermos mais seguro deve ser o seu parecer ácerca de tão importante objecto.

Espero que o sr. ministro da fazenda annua ao meu pedido, que considero justo.

O sr. Ministro da Fazenda: — Em resposta ao illustre deputado, direi que a minha intenção era mandar publicar não só os pareceres da maioria e minoria do conselho geral das alfandegas a respeito da reforma das pautas, mas todas as consultas, em volume separado, para ser distribuido n'esta casa antes de se discutir o assumpto.

O sr. Barros e Cunha: — O sr. Francisco José de Lima Brito, antigamente escrivão da comarca de Silves, tendo sido pronunciado, em vez de ser suspenso, conforme estabelece o decreto de 16 de maio de 1832, foi demittido. Depois, julgado e absolvido, a sua conducta declarada illibada.

Requereu, portanto, em 1862 ser restituído ao logar, conforme era de justiça e de lei. Não o conseguiu.

Em 1871, vagando outro logar n'uma das comarcas do Algarve, tornou a requerer ao governo para que se reparasse a offensa que se lhe tinha feito. Tambem o não póde conseguir.

Em consequencia, este cidadão queixa-se á camara dos senhores deputados da falta de execução da lei e de offensa, por parte do poder executivo, dos seus direitos individuaes e civis, de que não podia ser esbulhado, e pede providencias.

Requeiro a V. ex.ª que a este requerimento se dê o destino devido, e que, ou a camara dos deputados ou o governo, que se acha presente juntamente com a commissão respectiva, á qual esta petição deve ser remettida, repare o aggravo que se fez a este cidadão, se esse aggravo existe, ou justifique o seu procedimento no caso da reparação que pede não ter fundamento legal.

Muito para estranhar é que, quando se estão despachando para logares publicos contra lei individuos que se acham pronunciados (apoiados), se não restituam aos seus logares os individuos que foram demittidos quando o não deviam ser, que foram depois absolvidos, a quem se deve em consequencia d'isso uma indemnisação dos prejuizos que os poderes publicos lhes estão causando.

Peço tambem a V. ex.ª, e este pedido é feito directamente á presidencia e não á camara, que quando julgar opportuno se digne dar para ordem do dia os projectos n.º 37, de iniciativa minha, e 82 de iniciativa de um meu collega, ambos da sessão passada, e que dizem respeito aos empregados da tachygraphia d'esta camara.

O sr. Presidente: — A petição vae á commissão competente, e darei para ordem do dia os projectos a que se referiu o sr. deputado.

Só está inscripto o sr. Silveira Vianna para quando estiver presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros.

O sr. Pereira de Miranda: — Mando para a mesa um requerimento assignado por varios individuos que serviram nos corpos de segunda linha em 1846, e que pedem para ser equiparados aos militares que serviram na primeira linha, para a concessão da medalha de comportamento exemplar.

Peço que este requerimento seja enviado á commissão de guerra, e espero que a illustre commissão se dignará attende-lo, como me parece de justiça.

ORDEM DO DIA

Interpellação ao sr. ministro do reino, ácerca da annexação da freguezia de Gondifellos ao concelho de Villa Nova de Famalicão

O sr. Paes Villas Boas: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

A camara, interpretando o decreto de 15 de abril de 1869, julga que a auctorisação concedida ao poder executivo pelo mesmo decreto não comprehende a circumscripção comarca, e n'este sentido convida o governo a apresentar um projecto de lei. = Manuel Redondo Paes Villas Boas.

Foi admittida.

O sr. Ministro do Reino: — Estou summamente perplexo depois do discurso do illustre orador. Já não sei o que hei de fazer.

Prostrou-se reverente diante do decreto de 15 de abril de 1869, e pediu por fim a sua revogação!

O sr. Paes Villas Boas: — A interpretação:

O Orador: —Horrorisou-se da delegação que á camara costuma dar ao executivo, delegação que é decreto dictatorial tambem lhe deu, e fez uma proposta de delegação, fez uma proposta para a camara delegar no governo.

O sr. Paes Villas Boas: — Peço a V. ex.ª, sr. presidente, que me inscreva.

O Orador: — A minha duvida é bem fundada.

Não ha cousa mais facil do que combater os actos do governo com taes argumentos. O governo usa da auctorisação que tinha, e diz-se-lhe «mas podia não usar». E, se não usasse d'ella, accusavam-o de denegação de justiça; e eu não sei o que havia de responder a isso.

Pois o decreto de 15 de abril de 1869 diz que sempre que dois terços dos eleitores reclamarem, ouvidas taes e taes estações, o governo póde decretar a annexação. Mas póde tambem não decretar.

Mas porque havia o governo de não decretar? Porque não agrada o decreto ao illustre deputado. Não ha outra rasão. A iniciativa local foi exercida e todas as formalidades foram cumpridas e guardadas.

O que se responde a isto? E que os eleitores foram inconscientes, e o ministro foi inconsiderado. E affirma-se isto sem se provar!

Ora isto são rasões serias que se dêem n'um parlamento?

Os eleitores são inconscientes! Os fiscaes da corôa dependentes! A respeitabilidade estava só na secção administrativa do conselho d'estado

Estava sem duvida; mas não está menos nos fiscaes da corôa. E é preciso protestar contra esta exautoração que veiu aqui fazer-se dos fiscaes da corôa (apoiados). Inconsideradas são estas expressões de dependencia e humilhação d'aquelles a quem o governo é obrigado pela lei a consultar e consulta (apoiados).

Se elles não são independentes, se não entendem de direito, e se não podem informar ou deliberar sobre os casos a respeito dos quaes são ouvidos, é melhor acabar com essa instituição do que vir aqui exautora-la.

Onde se irá anichar a independencia n'este paiz? Onde? Podia dize-lo, mas não o quero fazer, porque não quero exautorar ninguem.

O governador civil de Braga foi imparcial: disse que a camara municipal de Barcellos tinha as suas rasões, que essas rasões não deixavam de ser ponderosas, mas que o seu voto era comtudo pela annexação de Gondifellos a Villa Nova. E como se argumenta então com a imparcialidade do governador civil contra o seu proprio voto? Elle era obrigado a escolher entre duas pretensões contradictorias.

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Nós sabemos que o sr. deputado por Barcellos havia de achar iniqua a desannexação; e isso é a cousa mais natural do mundo, e as camaras municipaes, cujas freguezias são desannexadas d'ellas, acham sempre iniquas as desannexações, e sem espontaneidade os votos dos que as pedem. Mas os que desejam conseguir a annexação acham sempre vantajosa a pretensão dos eleitores. Uns encurtam as distancias, outros alongam-nas. E o resultado das opiniões oppostas. Para isso é que são ouvidas ambas as partes, e o poder executivo, julgando sobre todas essas informações, é que pondera se o acto da annexação ou desannexação é justo ou injusto. Foi o que se fez n'este caso, ouvindo-se os interessados, e seguindo-se o parecer do governador civil e dos fiscaes da corôa.

E o grande embaraço por causa das comarcas?! Ora, que outro municipio allegasse essa rasão, comprehendia-se, más que Barcellos a allegue, é deploravel, é menos> que inconsiderado, é contraproducente.

Tenho aqui a resposta dos fiscaes da corôa, mas não sei se a camara quer que eu leia um voto que a opposição julga tão desauctorisado. A lei manda-o ouvir; mas desde que se nega a competencia d'elle, desde que se julga sem espontaneidade e inconveniente o voto dos eleitores, é difficil saír d'esta difficuldade e resolver o assumpto.

Esta rasão da inconsciencia é na verdade uma rasão que se deve apresentar sempre ao parlamento! Apresentada ella é escusado discutir, e eu estive até para me calar, desde que se allegava a inconsciencia dos eleitores, aos quaes, porém, o decreto de 15 de abril de 1869 quiz dar toda a importancia e toda a iniciativa local n'estes assumptos. N'aquelle tempo esta medida era uma descentralisação bem organisada; hoje não é senão uma desgraça! (Apoiados.)

O illustre deputado confessou que o processo estava todo regular, e depois d'isto eu devia sentar-me e não dizer nada. O governo usou de uma auctorisação que a lei lhe dá; não escogitou, nem se lembrou de adivinhar se os eleitores eram conscientes ou inconscientes. Para os sabios auctores d'aquelle decreto a vontade dos povos era a rasão suprema; mas agora quer-se, para sua expiação, que o governo o modifique, e elles não se atrevem: não podem com o peso da responsabilidade, têem medo do affrontar alguem!

E depois falla-se em interpretações de leis, e accusa-se o governo por isso. Mas pergunto eu: quem interpreta as leis? Doutrinalmente é a auctoridade que as executa; authenticamente é o poder legislativo (apoiados). Estes é que são os principios (apoiados).

Esta é que é a regra, o mais é absurdo (apoiados), e então diz-se: «Eu deputado da nação, que tenho uma iniciativa, delego-a no governo, para que proponha a interpretação». O governo, que julga clara a lei, é que ha do propor a interpretação d'ella!!!

Ora, cada uma das camaras informava no sentido dos seus interesses, era a cousa mais natural do mundo; dever-se-ia esperar que ellas o não fizessem?!

«A junta de parochia de Gondifellos, chamada a Barcellos, diz a conferencia dos fiscaes da corôa, mandada reunir na administração do concelho, sustenta por maioria a conveniencia da desannexação pedida pelos eleitores.»

O sr. Paes Villas Boas: — Não era essa, era outra.

O Orador: — Então Gondifellos tem duas juntas?

O sr. Paes Villas Boas: — Não tem duas juntas, foi a junta que serviu no outro biennio.

O Orador: — Eu julgava que a junta não morria; julgava que tinha sido chamada uma só junta, mas vejo que foram duas. A primeira tinha resolvido, a segunda confirmou, e se o illustre deputado quer, manda-se chamar terceira para se lhe perguntar tambem?! E se ella for tambem inconsciente e houver um terceiro voto affirmativo?! O caso depois é-ainda mais serio.

Quanto á comarca, diziam os fiscaes da corôa, que o processo estava regular, porque a comarca de Barcellos era muito maior do que a de Famalicão, e n'este caso não ha transtorno nem desorganisação alguma da comarca, pelo contrario a desannexação longo de destruir o equilibrio tendia a corrigi-lo. E não sei tambem porque inconsideração veiu para aqui um argumento d'esta ordem.

Creio que o illustre deputado me queria ajudar na minha defeza; não póde ser outra cousa. O desequilibrio das comarcas poderia existir, pode-lo ía haver em Villa Nova de Foscôa, por exemplo, em uma comarca 'que ficou mal collocada, mas em Barcellos, cuja comarca é muito maior que a de Famalicão!! Trazer isto para aqui podia ser n'outro uma inconsciência; n'elle inconsciência não, porque o illustre deputado é consciente, e não o digo por ironia.

Não sei se o decreto de 1869 é mau em si, ou se é mau pela má execução d'elle. A mira não me parece bom, apesar de ser eu já arguido de não dar opinião sobre elle, e do illustre deputado me accusar agora por eu ter mostrado claramente a minha opinião contra elle. Isso não é commigo. Mas eu fiquei perplexo, depois de tantos elogios ao decreto, por ver pedir a interpretação d'elle ou a sua revogação. Não me parece isso tambem consciente; era melhor pedir a execução sincera d'elle, e arguir aquelles que o não cumprissem bem.

Ou é mau ou não é mau, se é mau confessem toda a sua inutilidade, ou antes o prejuizo que se segue da sua execução, e revogue-se; se é bom, se a intenção d'elle é excellente, cumpra-se e arguam-se aquelles que o não cumprirem bem.

Mas que intelligencia se terá dado agora a esse decreto, diversa d'aquella que se lhe deu sempre?! Como é que o sabio auctor d'elle o interpretou?! Eu procuro sempre habilitar-me para minha defeza com o procedimento dos meus antecessores, com a auctoridade d'aquelles que some apresentam como sabios e eruditos, como exemplos de virtude o moralidade, porque quero que a sciencia d'elles cubra a minha responsabilidade. Eu reconheço nos fiscaes da corôa um tribunal competentissimo para saber se se observaram as formulas de direito.

Queriam que elles deliberassem sobre outras cousas, que ponderassem as conveniencias? Não duvido que isso fosse bom, excellente; mas eu devo saber como os auctores da lei a interpretaram, para depois saber se vou errado ou se acerto no bom caminho (apoiados).

Já citei outro dia o exemplo da Bodiosa, e sou obrigado a vir hoje a elle, visto que ouvi exaltar as garantias que deviam cercar o governo na execução d'esta lei.

A Bodiosa foi separada do concelho de Vouzella em 1871 e annexada ao concelho de Vizeu. Tinham requerido os eleitores de 1868 em abril e maio de 1869: passavam dois ou tres reenscamentos. Isso não achou reparo nenhum, esse reparo appareceu mais tarde.

O decreto cujas intenções foram boas, mas que têem sido pervertidas na pratica, diz o seguinte:

«Esta alteração na divisão territorial não poderá ser decretada sem que preceda consulta afirmativa do conselho d'estado, depois de ouvidas as camaras municipaes e juntas de parochia interessadas, e o governador civil respectivo em conselho de districto.»

O auctor do decreto foi o seu executor, e devia comprehender muito bem como se devia executar.

Desejarão os meus censores ouvir tambem ter a consulta? 0 governador civil diz que não se poderia sustentar o concelho de Vouzella se a importante freguezia da Bodiosa se lhe desannexasse.»

Tambem a secção administrativa do conselho d'estado diz o seguinte:

«E a secção administrativa do conselho d'estado de parecer, conformando-se com esta opinião do governador civil, que deve ser adiada a resolução da pretensão de que se trata, até que possa ser compensada por uma nova circumscripção territorial ao concelho de Vouzella a desannexação de uma tão importante freguezia.

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«Sala das sessões do tribunal, em 11 do outubro de 1870 = Marquez d'Avila e de Bolama = Conde de Castro = José Augusto Braamcamp = Antonio Cabral de Sá Nogueira. = Tem voto do ex.mo conselheiro Diogo Antonio Palmeiro Pinto.»

Isto é claro, é clarissimo, querem ver a execução?

(Interrupção que se não percebeu.)

Ouvi ter este memorando decreto:

«Vistas as informações das auctoridades competentes, que são accordes na conveniencia e justiça d'esta supplica (o governador civil opinava contra);

«Vista a consulta da secção administrativa do conselho d'estado (consulta negativa);»

E depois queixam-se de que os provoco. Eu não venho defender-me com este triste exemplo, venho reivindicar o direito que tenho de fazer o que fiz; outros procederam de diverso modo. ' Termina o decreto:

«Usando da faculdade concedida ao governo pelo artigo 3.° do decreto de 15 de abril de 1869.»

O governador civil dizia: «E assim, mas o concelho de Vouzella fica desorganisado com a desannexação». E as considerações que o illustre deputado por Barcellos queria, e com muita rasão, que fossem attendidas, foram-no perfeitamente, e que o foram, prova-se pela seguinte conclusão:

«Hei por bem ordenar que a freguezia de Bodiosa, do concelho de Vouzella, passe a fazer parte do concelho de Vizeu para todos os effeitos administrativos, ecclesiasticos, de justiça e fazenda. Em 4 de janeiro de 1871. = REI. =. Antonio, Bispo de Vizeu = Augusto Saraiva de Carvalho = Carlos Bento da Silva.

De que serviu ter visto a consulta da secção administrativa do conselho d'estado, se o seu voto era negativo, e a lei exigia que fosse affirmativo?

Eu creio que posso auctorisar-me com pessoas tão respeitaveis a proposito da intelligencia do decreto (apoiados).

Se outros não cumpriram o decreto, eu julguei que se tinha cumprido.

Pôde ser que tenha contrariado, e tenho de certo, a vontade dos concelhos d'onde são desannexadas as freguezias que vão para outros concelhos, de certo o tenho feito, mas tenho-a contrariado, porque não posso conciliar a vontade de todos.

O que é certo, porém, é que eu respeitei o voto das auctoridades, que são chamadas a intervir n'este negocio.

Por consequencia, senhores, desde que a minha defeza é esta, desde que a lei é esta, desde que os povos pediram, em harmonia com a expressão clara da lei, não tenho mesmo de que me defender. E a camara será agora o juiz de quem tem rasão; se eu, que observei as prescripções da lei, se aquelles que me accusam pelo acto que 1 pratiquei.

Mas diz-se que não era obrigado a faze-lo. De certo que não o era physica, mas era-o legalmente. E se o não fizesse, seria accusado por denegação de justiça (apoiados). Viria dizer-se que todos queriam a annexação, só o ministro é que não queria. E eu havia de responder com defeza tão banal? Não é obrigado! Pois a justiça não obriga a attender a quem a pede com rasão? (Apoiados.) Pois o ministro que tem diante de si a lei, ha de negar justiça, só porque um deputado diz á camara: «Esses homens não sabiam o que faziam?» (Apoiados.)

Mas a lei não suppõe isso. A lei suppõe que os eleitores quando pedem sabem o que pedem. E se elles são inconscientes, então tire-se lhes o direito de eleger. (Apoiados.) » Não vem aqui desvirtuar-se d'este modo os votos d'esses cidadãos dizendo-se que elles são inconscientes quando esses cidadãos são os que nos elegem, e d'onde vem a origem dos nossos poderes.

Ha influencias diversas. É certo. E todos sabem que o governo representativo é o embate d'essas influencias. Obedeci a alguma influencia estranha? Não. Defenda-se cada um como poder. Mas eu que estou no imperio da lei não hei de deixar de lhe obedecer o de attender a uma representação, só porque um individuo vem dizer: esses eleitores são inconscientes (apoiados).

Eu acho isso tanto abaixo da rasão que quasi me envergonho de o ouvir aqui diante dos representantes da nação (apoiados).

Não se póde vir aqui elogiar o decreto de 15 de abril de 1869 n'umas circumstancias, e desvirtua-lo n'outras (apoiados).

Agora desvirtua-se, e por que? Porque não agrada. (Apoiados). Para mim é indifferente que a freguezia de Gondifellos pertença ao concelho de Barcellos (eu sou da comarca de Barcellos) que ao concelho de Villa Nova de Famalicão. É-me indifferente isso. Mas o que me não é indifferente é a lei que me diz, que quando dois terços dos eleitores quizerem annexar a sua freguezia a outro concelho eu devo decretar essa annexação para satisfazer assim á disposição da lei, porque não se satisfazia de outro modo aos sabios e salutares principios que presidiram ao decreto; tão sabios que hoje se deseja revogar por uma delegação que se quer conceder ao poder executivo.

Não tenho mais nada que dizer, porque não fui atacado. Começou-se por dizer que o processo estava regular, mas que eu fóra inconsiderado em não attender á inconsciencia dós requerentes.

Isto não é argumento em tribunal nenhum do mundo, e ainda menos para accusar um governo (apoiados).

Vozes: — Muito bem.

O sr. Presidente: — Peço a attenção da camara.

Ha dias o sr. Cunha Monteiro pediu para tomar parte n'esta interpellação. Eu não lhe posso dar a palavra sem consultar a camara.

O sr. Alves Passos: — Requeiro a V. ex.ª que consulte a camara sobre se permitte que tomem parte na interpellação os srs. deputados que quizerem.

O sr. Presidente: — Queira mandar para a mesa o seu requerimento por escripto.

Posto á votação este requerimento foi approvado.

O sr. Luciano de Castro: — V. ex.ª tem a bondade de me informar sobre se a minha interpellação continua hoje, como foi dito na ordem do dia, ou se entende que ella acabou?

O sr. Presidente: — Como não houve reclamação entendi que tinha acabado. Alem d'isso a maior parte dos srs. deputados que tinham pedido a palavra para tomarem parte n'ella não estavam na camara quando se passou a verificar a interpellação do sr. Villas Boas.

O sr. Luciano de Castro: — Estava eu.

O sr. Presidente: — E que tinha acabado de entrar. Como tenho presente a inscripção que então se fez, depois d'esta interpellação póde continuar o sr. deputado, visto que se acha na sala.

Tem a palavra o sr. Cunha Monteiro. t

O sr. Cunha Monteiro: — Muito obrigado. E esta a expressão do meu reconhecimento, quando procuro fazer conhecer á camara o quanto lhe agradeço o ter-me concedido a palavra para entrar n'este debate.

A camara sabe perfeitamente que eu não pedi a palavra pelo desejo de fallar, mas pela necessidade de defender.

Tenho a honra de representar n'esta casa os povos de Villa Nova de Famalicão e os de Espozende. A Villa Nova de Famalicão é que foi annexada a freguezia de Gondifellos, porque os seus habitantes assim o requereram e assim o desejam.

A defeza é tenue, mas os meus intuitos são louvaveis.

Ás subtilezas e argucias, habilmente dirigidas pelo illustre deputado por Barcellos, versado como é em direito administrativo, e menejadas para nos fazer ver que houve irregularidades e parcial apreciação no processo que serviu de base á annexação de Gondifellos, contraponho eu não

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um libello com rasões irrespondiveis era direito, pensadas depois de acurado estudo, mas com argumentos mais fortes, mais judiciosos e attendiveis, a conveniencia e vontade d'aquelles povos. (Vozes: — Muito bem.)

Á minha linguagem é outra. Destoa inteiramente da do illustre deputado por Barcellos. A de s. ex.ª, vehemente e aggressiva, demonstra os seus muitos conhecimentos nas disciplinas do seu curso, a ponto de quasi conseguir a persuasão contra a lei e contra a justiça. A minha, inteiramente desauctorisada como é, não aspira a mais que a louvar o sr. ministro do reino por fazer, coherente com a lei, a vontade aquelles povos (apoiados).

Mas eu aprecio e louvo as intenções do meu illustre amigo, o sr. Paes Villas Boas. S. ex.ª, deputado por Barcellos, e para mais honra sua, e bem merecida, representante da sua terra, constante propugnador dos interesses d'ella, e vigilante fautor das suas 96 freguezias, quando viu que uma se lhe estremava, deixou as 95 para obstar a que aquella lhe fugisse; como o pastor que perdeu uma ovelha do rebanho e o deixa e corre atraz d'ella no proposito de voltar com ella ao redil. (Vozes: — Muito bem.)

S. ex.ª com a auctoridade da sua palavra em questões de direito, e com todo o fogo do seu coração em defeza da sua terra e do seu circulo, não póde deixar de confessar que as' disposições do decreto de 15 de abril de 1869 tinham sido cumpridas e observadas. E foram, e d'isso ficava eu convencido, se o não estivesse antes d'esta discussão, pela verbal informação dos interessados, logo que o sr. Paes Villas Boas, que sendo um distincto bacharel formado em direito, não deparou na execução do decreto ponto algum pára accusar o sr. ministro do reino, e por isso tratou de accusar o decreto.

O decreto sim. Esse ficou por vezes a escorrer sangue, por vezes lhe pareceu tão barbaro como o mais barbaro dos artigos do codigo argelino.

É tambem forçoso dizer, em homenagem á verdade, que por vezes s. ex.ª o adoptou tanto na sua execução como em these.' Conveniencias locaes (riso).

A aggressão dirigida ao sr. ministro do reino passou d'elle para o "decrete de 15 de abril de 1869. Depois passou aos cidadãos de Gondifellos, que foram taxados de inconscientes, é não parou aqui! Foi extensiva ao governador civil de Braga e ao conselho d'aquelle districto. Nada d'isto agrada a s. ex.ª, nada d'isto lhe serve e nada d'isto é bom para a sua consciencia clara, mas apaixonada.

Aqui não ha que discutir. Se o decreto de 15 de abril de 1869 tem defeitos, reformem-o ou substituam-o; mas emquanto elle for lei, como é, não ha que censurar a sua execução, quando n'ella se sigam as formalidades e regras que elle estatue.

Conforme com o que o citado decreto determina, a freguezia de Gondifellos requereu, por assignatura das duas terças partes dos seus eleitores, ser annexada ao concelho de Villa Nova de Famalicão, isto para os effeitos judiciaes, administrativos e fazendarios. Sessenta e tres assignaturas de eleitores competentemente authenticadas, subscreveram o requerimento e apresentaram n'elle entre outras e muito attendiveis as seguintes rasões:

Que as suas relações commerciaes são todas para Villa Nova de Famalicão.

Que á distancia para esta Villa é de 5 kilometros para os pontos mais proximos da freguezia e 7 para os mais distantes.

Que Gondifellos e Villa Nova de Famalicão estão ligadas por uma estrada real que lhes facilita o trajecto e as communicações. E que Gondifellos dista de Barcellos 10 kilometros em alguns pontos, e 12 era outros, os mais distantes, que os caminhos são intransitaveis, atravessados de ribeiras, que de inverno são impossiveis ou pelo menos perigosos de passar, e que quando são jurados, ou obrigados a outros quaesquer deveres, judiciaes ou administrativos, não podem, pela distancia e maus caminhos, ir a Barcellos e vir no mesmo dia, o que se lhes torna mais incommodo e dispendioso.

A este respeito informou o administrador e camara municipal de Barcellos, que podiam informar a seu sabor e como lhes conviesse, mesmo até sophismando, como fez aqui o seu digno representante, mas o que elles não podiam era mudar as condições do terreno, as distancias e mesmo nem poderam mudar a vontade dos povos apesar de inconscientes. (Vozes: — Muito bem) E note-se que é por isso que o digno e intelligente governador civil do districto de Braga, com estranheza para o illustre deputado, achou boas as informações da camara e do administrador de Barcellos, mas não de tanto peso, que destruissem as rasões allegadas no requerimento.

Mas o governador civil de Braga ainda mereceu ao illustre interpellante outra censura mais acrimoniosa, e com rasão mais forte; e se não ouçam, vejam a, enormidade do motivo: O governador civil de Braga concedeu apenas á camara municipal de Barcellos o espaço de dez dias para informar novamente sobre a annexação da freguezia de Gondifellos a Villa Nova; para ella informar novamente, repare-se bem no adverbio, porque indica que aquella municipalidade já tinha ou devia ter pensado no mesmo assumpto, antes e quando informou a primeira vez, ou as outras vezes, se tinha informado mais que uma. Em taes condições em que a camara de Barcellos se achava conscia do objecto estudado para dar informações anteriormente pedidas, o conceder-se o espaço de dez dias para informar novamente sobre o mesmo assumpto, é fazer quanto a mim justiça aquella camara pelo que respeita á regularidade dos seus actos, e confiança nos que importam mais maduro exame. Agora o conceito que o sr Paes Villas Boas faz da sua camara municipal, conceito que claramente manifesta quando acha o espaço de dez dias muito pouco tempo para ella pensar um assumpto já pensado... isso ella que lh'o agradeça. Nera a sua camara municipal escapou... (Riso. — Vozes: — Muito bem). Como havia pois escapar o governador civil?! Pois eu digo ao digno interpellante e affirmo á camara que o governador civil do districto de Braga é um cavalheiro probo, digno, imparcial e independente (apoiados) e abro aqui um parentheses para lhe fazer inteira justiça (apoiados), e com estes predicados nobilissimos que eu juro á camara que elle tem, está muito acima de qualquer depreciação que se pretenda fazer ás suas qualidades, assim de cidadão e de auctoridade (apoiados. — Vozes: — Muito bem).

O que disse ao illustre interpellante, o que affirmei e jurei á camara, do governador civil do districto de Braga, digo-o, affirmo o e juro-o dos cavalheiros que constituem o concelho d'aquelle districto (apoiados).

Eu não quero abusar da paciencia da camara, e por isso vou terminar.

Vozes: — Não, não; falle, falle, falle.

O Orador: — Pois então, visto que posso contar com a sua attenção, vou ainda tocar n'um ponto, que sentiria se não tocasse. Vou levantar, ao menos vou tenta-lo, o epitheto de inconscientes aos dignos cidadãos da freguezia de Gondifellos; eu já lhes chamo dignos, e logo direi porquê.

O sr. Paes Villas Boas, para nos persuadir de que os interesses commerciaes dos habitantes de Gondifellos estavam mais ligados a Barcellos do que a Famalicão, disse-nos, e creio que a camara está lembrada d'isso, porque elle disse-no-lo com toda a intimativa: que aquella freguezia devia 12:000$000 réis a differentes cidadãos ou capitalistas da villa de Barcellos, e que em Villa Nova não tinha aquella freguezia senão dois credores. É admiravel o engenho com que o habil interpellante prescruta todas as circumstancias para enrobustecer os seus argumentos; mas esta, permitta-me s. ex.ª que lhe diga que, se lhe pareceu util pelo que respeita aos interesses commerciaes, dever-lhe-ia parecer, como é, deploravel, contradictoria e contraproducente, pelo que respeita á inconsciencia e á pressão

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com que elle nos diz que foram conseguidas as assignaturas! (Riso — apoiados.)

Pois se os habitantes da freguezia de Gondifellos são inconscientes, o que eu não creio, como é que lhe fizeram a justiça de o elegerem seu representante? Seria em virtude das taes certas pressões? Tambem o não creio. Mas se alguma influencia exerce nos habitantes da freguezia de Gondifellos, a tal certa pressão não é de crer que ella proceda de Villa Nova de Famalicão, para onde elles quizeram annexar se, o que é crivel é que ella fosse exercida pelos capitães de Barcellos, de que quizeram fugir (riso — apoiados).

Repito, se houve pressão nas assignaturas quem é que a exerce? Os cidadãos de Villa Nova, que lhes não são credores, ou os 12:000$000 réis de Barcellos? Eu não quero com isto conceder que o caracter d'aquelles cidadãos seja susceptivel de amaciação, emprego tambem este termo, que muito empregado tem sido n'esta casa, e nem sempre com as melhores intenções (riso).

Não houve pressões nem inconsciencias, o que houve e o que ha, são 12 kilometros de distancia para Barcellos, ha ribeiros, ha caminhos impossiveis, e ha despenhadeiros; e para Famalicão ha menos distancia, óptima estrada, e os interesses commerciaes, afora a usura de Barcellos (riso).

Termino, louvando o sr. ministro do reino por deferir á petição d'aquelle povo, louvo o governador civil do districto de Braga e o conselho d'aquelle districto, porque informaram com justiça, estendendo a mão aos habitantes da freguezia annexada com tanto prazer, quanto é o sentimento do illustre interpellante, e felicito os meus constituintes por receberem no seu seio cidadãos tão morigerados como são os da freguezia de Gondifellos. Morigerados, disse, porque se o não fossem não se arvorava o sr. Paes Villas Boas em advogado officioso (para o que tem muito merito) (riso). Officioso, disse, porque creio que ninguem de Gondifellos o encarregou da defeza, e não vinha elle aqui darnos um tão sentido ai de dor ao soffrer tão importante amputação (riso — apoiados).

Se os habitantes de Gondifellos não fossem cidadãos morigerados, não vinha aqui por certo o seu representante lamentar tanto a sua perda; é que n'esta qualidade de amputações a malevolencia dos cidadãos tem os fóros de anesthesico.

O illustre deputado por Barcellos, no calor do seu discurso, não foi muito benevolo com o sr. ministro do reino, com o governador civil de Braga, com o conselho d'aquelle districto; mas foi regra geral, e para não fazer excepções, nem o foi comsigo mesmo. Pois que illação se tira d'aquella inconsciencia dos. eleitores de s. ex.ª? Elle que o diga. E peço a V. ex.ª me reserve a palavra (apoiados).

Vozes: — Muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Paes Villas Boas pela segunda vez.

O sr. Paes Villas Boas: — Eu não desejo ser prejudicado na discussão, porque preciso expor algumas considerações em réplica ao que disse o sr. ministro do reino; mas como creio que ha mais alguns srs. deputados inscriptos para tomarem parte n'esta interpellação, e como não sei mesmo se alguem quererá usar da palavra em favor do decreto da annexação, parecia-me mais regular que V. ex.ª lhes desse a palavra primeiro, mantendo-me o meu direito para eu fallar depois. Como auctor da interpellação tenho direito de fallar até tres vezes, e por isso depois de ouvir mais alguem pedirei de novo a palavra.

O sr. Silveira Vianna (para um requerimento): — Peço a V. ex.ª que consulte a camara se permitte que eu trate n'este momento de um negocio urgente. Sinto ter de interromper a interpellação que está pendente, mas eu gastarei muito poucos minutos. V. ex.ª sabe que quando cheguei á camara pedi a palavra para um negocio urgente, logo que estivesse presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros.

Consultada a camara decidiu afirmativamente.

O sr. Silveira Vianna: — Agradeço á camara a concessão que acaba de fazer-me, e não abusarei da sua benevolencia.

Sr. presidente, noticias chegadas pelo ultimo vapor do Pará trouxeram a Portugal a narração de um facto que ali se havia praticado, que eu não sei até que ponto é verdadeiro, mas ácerca do qual espero que o sr. ministro dos negocios estrangeiros dará á camara as informações que tiver recebido.

O facto que ali se passou é referido nas cartas particulares aqui recebidas, do seguinte modo:

Em uma festa figurava entre as bandeiras das diversas nacionalidades a bandeira portugueza; alguns individuos, entre vozerias e tumultos, arrearam a bandeira, rasgaram-na, espesinhando-a depois: houve altercação entre os individuos que pretendiam defender essa bandeira e os que tinham praticado este attentado; acrescenta-se que o consul portuguez reclamara, e que houvera algumas prisões. Isto é o que dizem cartas particulares; mas eu desejava ouvir do sr. ministro dos negocios estrangeiros a verdade d'estes factos. É possivel que elles não tenham a importancia que se lhes dá, e é possivel tambem que s. ex.ª ainda não tenha noticias officiaes do consul a este respeito. Entretanto bom era que s. ex.ª socegasse um pouco os animos dos negociantes da praça de Lisboa, que ficaram bastante assustados com estas noticias.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Andrade Corvo): —O assumpto sobre o qual o illustre deputado acaba de chamar a attenção da camara, é-me apenas conhecido pela rapida leitura, feita hontem á noite, de um officio do consul do Pará, referindo aquelles acontecimentos, e remettendo alguns esclarecimentos que eu não tive tempo de ter. Portanto a unica cousa que eu conheço é o officio do consul.

Segundo aquelle officio, o consul communicou ao nosso ministro no Rio de Janeiro um facto passado n'uma pequena terra, chamada Belem, creio eu. O facto é pouco mais ou menos como contou o illustre deputado, segundo deprehendi d'aquella rapida leitura; mas o consul assegura que as auctoridades brazileiras, em plena satisfação ao consul, mandaram prender os delinquentes. O resto d'essa questão só mais tarde o poderemos saber, quando o nosso representante junto do Brazil haja sobre ella pedido as necessarias explicações " ao governo brazileiro; explicações que eu estou certo serão completas, como já em casos analogos tem sido; devendo nós reconhecer, o isso é de grande vantagem para as boas relações entre o Brazil e os nossos compatriotas, que o governo brazileiro não se recusa nunca a dar plena satisfação de tudo quanto possa ser contrario ás boas relações e á tranquillidade dos cidadãos portuguezes ali estabelecidos (muitos apoiados).

Este facto, que é conveniente consignar, e que eu consigno com inteira satisfação, deve não só tranquillisar o espirito de todos que se interessem pela colonia portugueza no Brazil, mas deve ser tambem mais um motivo para nós estreitarmos cada vez mais as boas relações com um paiz com o qual estamos ligados por grandes interesses commerciaes, e para manter entre os dois povos a mais completa cordialidade (apoiados).

Depois de ter conhecimento dos documentos, se encontrar n'elles alguma cousa mais que deva acrescentar ao que acabo de dizer, promptamente o farei, porque eu tenho sempre o maior prazer em dar plena satisfação a qualquer membro do parlamento, e muito mais tratando-se de um assumpto que tão intimamente interessa á colonia portugueza no Brazil.

Visto que estou com a palavra, aproveito a occasião para mandar para a mesa as tres seguintes propostas de lei (leu).

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Leram-se na mesa e foram enviadas ás commissões respectivas as seguintes

Proposta de lei n.º 23-0

Senhores. — A carta de lei de 17 de junho de 1862, que approvou o contrato celebrado por dez annos, entre o governo e a companhia Lusitania, para a conducção de malas, passageiros e mercadorias, entre os portos de Lisboa e do Funchal, e para dispender com este serviço a quantia de 12:000$000 réis annualmente, teve por fundamento e sanccionou a reconhecida necessidade de, abreviando a distancia de Lisboa á ilha da Madeira, estabelecer communicações rapidas e regulares de que derivassem as consequentes vantagens que julgo desnecessario enumerar.

Terminando em julho de 1872 o contrato celebrado com a companhia Lusitania, suppoz-se que no estado actual de desenvolvimento da navegação por vapor bastaria a carreira de Africa, cujos navios fazem escala pelo Funchal tanto na ida para Loanda como no regresso á Europa, para manter a regularidade das communicações e satisfazer a todas as outras justificadas exigencias d'esta ordem, com vantagem para o thesouro, pela eliminação do subsidio votado para tal serviço. Mas se a chegada á ilha da Madeira dos vapores que vão de Lisboa para Africa é regular e em dias certos, outro tanto não acontece na volta dos mesmos navios que aportam ao Funchal em epochas não periodicas muitas vezes inesperadamente, não preenchendo portanto o principal fim que, mais que tudo, convem conseguir: a regularidade das communicações.

É isto o que a experiencia tem mostrado no lapso de tempo decorrido desde que terminou o dito contrato e conjunctamente a indispensabilidade de prover de modo que, sem onerar o orçamento do estado com uma avultada despeza, possam os povos da metropole e da florescente ilha da Madeira gosar dos recíprocos beneficios que advém da communicabilidade, não deixando esterilisar o sacrificio já feito n'este intuito.

Não é menos necessario e urgente restabelecer communicações regulares entre Lisboa e os portos do Algarve, emquanto se não construírem as estradas que unam as linhas ferreas do Alemtejo com aquella provincia.

Só navios em condições especiaes de construcção, que possam entrar nos portos principaes, são convenientes para este serviço de communicações regulares; é tambem indispensavel que sejam as carreiras frequentes, e não menos de duas em cada mez. Por estas circumstancias torna-se necessario subsidiar a navegação de Lisboa para o Algarve. Crê o governo que um subsidio que não exceda réis 7:500$000 será sufficiente para se alcançar o resultado que se pretende. Este subsidio é apenas igual a 75 por cento do subsidio que foi concedido á empreza que antes fazia esta navegação.

Por estas rasões, tenho a honra de submetter ao vosso exame e solicitar que sejam approvadas as seguintes propostas de lei:

Primeira proposta de lei Artigo 1.° E o governo auctorisado a conceder um subsidio annual até á quantia de 9:000$000 réis á companhia ou empreza que se obrigue a transportar malas e passageiros, entre Lisboa e a ilha da Madeira, por meio de navio a vapor.

§ unico. Em cada mez haverá, pelo menos, uma viagem completa de Lisboa ao Funchal e do Funchal a Lisboa.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario. Segunda proposta de lei

Artigo 1.° E o governo auctorisado a conceder um subsidio annual até á quantia de 7:500$000 réis á companhia ou empreza nacional que se obrigue a transportar duas vezes por mez, pelo menos, malas, passageiros e carga, entre Lisboa e os portos da provinda do Algarve, por meio de navios a vapor, cujo porte não seja inferior a 200 toneladas.

Art. 2.° Em cada viagem os vapores sairão de Lisboa e farão escala pelos portos de Sines, Lagos, Portimão, Olhão, Faro, Tavira e Villa Real de Santo Antonio, devendo entrar em todos aquelles que forem accessiveis á lotação do navio.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, 12 de março de 1873. = João de Andrade Corvo.

Proposta de lei n.º 23-D

Senhores. — Reconhecida pelo governo de Sua Magestade e pelo governo hespanhol a conveniencia de se modificarem algumas das clausulas da extradicção, consignadas na convenção de 25 de junho de 1867; assignaram os respectivos plenipotenciarios a 7 de fevereiro ultimo 03 artigos addicionaes á mesma convenção, que na conformidade do disposto no artigo 10.° da acto addicional á carta constitucional da monarchia venho submetter ao vosso exame.

Estipulou-se no artigo 1.º a commutação da pena de morte na immediata, para os individuos que houverem de ser entregues e que porventura possam estar incursos n'aquella pena. Estando abolida era Portugal a pena de morte, era consequencia logica d'esse facto a proposta feita em tempo por um dos meus antecessores ao governo hespanhol da commutação d'aquella pena nas circumstancias acima indicadas, e folgo de poder aqui fazer menção da maneira prompta como o dito governo não só acquiesceu ás propostas do governo de Sua Magestade, mas tambem procurou, e com bom exito, introduzir similhante estipulação no tratado de extradicção que celebrou com o Brazil.

No artigo 2.° procurou-se obviar a alguns inconvenientes resultantes principalmente da reforma da legislação penal hespanhola, que elevou as penas correccionaes de seis mezes a seis annos.

Pelo final do artigo 3.° da convenção de 1867, não se concede extradicção por crimes a que segundo a legislação de qualquer dos dois paizes corresponderem penas correccionaes, d'onde resulta que, alargando o codigo penal hespanhol a area da pena criminal, haverá desigualdade contra aquella nação, sob o ponto de vista da extradicção nos factos comprehendidos nos limites da penalidade de tres a seis annos. Do mesmo modo se accedermos á extradicção nos crimes a que correspondam o presidio e prisão correccionaes, vigorando para Portugal a exclusão da parte final do artigo 3.°, haverá desigualdade contra nós nos limites de seis mezes a tres annos de prisão.

Estes inconvenientes, que não poderão talvez remover-se de um modo absoluto, parece-me que encontram solução racional na modificação alludida. Por esse modo Portugal não pedirá extradicção por penas correccionaes, e para que haja verdadeira igualdade, conceder-se-ha extradicção á Hespanha quando se mostrar por sentença condemnatoria que a pena correccional excede a tres annos.

O artigo 3.º tem por fim substituir o vago da disposição final do artigo 12.° da convenção, por preceitos fixos e determinados. A detenção provisoria, com quanto seja menor que a extradicção, nem por isso deixa de lesar interesses mais ou menos importantes do individuo a que se applica, e a justa consideração a que tem direito, emquanto se não encontrar culpado. As disposições d'este artigo são as que estão estipuladas nos artigos addicionaes á convenção de extradicção com a França, que já n'esta sessão vos foram presentes.

Fundado nas rasões que acabo de expor, tenho a honra de vos apresentar a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° São approvados, para serem ratificados pelo poder executivo, os artigos addicionaes á convenção de extradicção entre Portugal e Hespanha, de 25 de junho de 1867, firmados em Lisboa pelos respectivos plenipotenciarios em 7 de fevereiro de 1873.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 10 de março de 1873. = João de Andrade Corvo.

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Sua Magestade D. Luiz I, Rei de Portugal e dos Algarves, e Sua Magestade D. Amadeu 1, pela graça de Deus, e pela vontade nacional Rei de Hespanha, desejando ampliar e modificar algumas das disposições da convenção celebrada entre os dois paizes em 25 de junho de 1867, para a reciproca entrega de criminosos, resolveram faze-lo por meio de artigos addicionaes á mesma convenção, e para esse fim nomearam seus plenipotenciarios; a saber:

Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves, a João de Andrade Corvo, do seu conselho, par do reino, ministro e secretario d'estado dos negocios estrangeiros, professor da escola polytechnica de Lisboa, commendador da antiga, nobilissima e esclarecida ordem de S. Thiago, do merito scientifico, litterario e artístico, e da ordem de Nosso Senhor Jesus Christo, cavalleiro da ordem militar de Aviz, gran-cruz da realce distincta ordem de Carlos 111 de Hespanha, da de S. Mauricio e S. Lazaro de Italia, da de Leopoldo de Austria, gran-cruz effectivo da ordem da Rosa do Brazil;

E Sua Magestade o Rei de Hespanha, a D. Angelo Fernandez de los Rios, senador do reino, cavalleiro de primeira classe da ordem militar de S. Fernando, gran cruz da ordem civil de Maria Victoria, e da de Izabel a Catholica, gran-cruz das ordens de Nossa Senhora da Conceição de Villa Viçosa, e da de Nosso Senhor Jesus Christo de Portugal, enviado extraordinario e ministro plenipotenciario junto de Sua Magestade Fidelissima;

Os quaes, depois de terem reciprocamente communicado os seus respectivos plenos poderes, que acharam em boa e devida fórma, convieram nos artigos seguintes:

Artigo 1.°

Os individuos accusados ou condemnados por crimes, aos quaes, conforme a legislação da nação reclamante corresponder a pena de morte, só serão entregues com a clausula de que essa pena lhes será commutada.

Artigo 2.°

Sem embargo do disposto no final do artigo 3.° da convenção de 25 de junho de 1867, conceder-se-ha extradicção por virtude de sentença condemnatoria passada em julgado quando a pena imposta na mesma sentença ao delicto consummado ou frustrado exceder tres annos de prisão ou presidio.

Artigo 3.°

Os dois governos poderão pelo télégraphe, ou por outro qualquer meio, e por via diplomatica, pedir a captura ou detenção do individuo da sua nação condemnado ou accusado, nos termos do artigo 12.°, por crime comprehendido na referida convenção.

§ unico. Não poderá prolongar-se a detenção alem de vinte e cinco dias, se n'este praso não forem apresentados ao governo reclamado os documentos mencionados no artigo 4.° da mesma convenção.

Os presentes artigos addicionaes ficam fazendo parte integrante da convenção de 25 de junho de 1867, serão ratificados, e as ratificações trocadas em Lisboa no mais curto praso possivel.

Em fé do que os plenipotenciarios respectivos assignaram os presentes artigos e os sellaram com os sellos das suas armas.

Feito em duplicado em Lisboa, aos 7 de fevereiro de 1873.

(L. S.) = João de Andrade Corvo.

Su Majestad Don Amadeo 1, por la gracia de Dios, y la voluntad nacional Rey de España, y Su Majestad Don Luiz 1, Rey de Portugal y de los Algarves, deseando ampliar y modificar algunas disposiciones de la convención celebrada entre los dos países em 25 de junio de 1867 para la reciproca entrega de criminales, resolvieron hacerlo por medio de artículos adicionales á la misma convención, y para esse fin nombraran! por sus plenipotenciarios; a saber:

Su Majestad El-Rey de Portugal y de los Algarves, á Juan de Andrade Corvo, de su consejo, par del reyno, ministro y secretario de estado de los negocios estrange-ros, profesor de la escuela politécnica de Lisboa, comendador de la antigua, nobilísima y esclarecida órden de Santiago, de merito cientifico, literario y artístico, y de la orden de Nuestro Señor Jcsu Cristo, caballero de la orden militar de Aviz, gran-cruz de la real y distinguida órden de Carlos 111 de España, de la de San Mauricio y San Lázaro de Italia, de Ja de Leopoldo de Austria, gran-cruz efectivo de la órden de la Rosa del Brazil;

Y Su Majestad El-Rey de España, á Don Ángel Fernandez de los Ríos, senador del reyno, caballero de primera clase de la órden militar de S. Fernando, gran-cruz de la órden civil Maria Victoria, y de la de lzabel la Catholica, gran-cruz de las órdenes de Nuestra Señora de la Concepción de Villa Viciosa, y de Nuestro Señor Jesu Cristo de Portugal, enviado extraordinario y ministro plenipotenciario cerca de Su Majestad Fidelísima;

Los cuales, después de haberse comunicado reciprocamente sus respectivos plenos poderes y hallarlos en buena y debida fórma, conveuieron en los artículos siguientes:

Artículo 1

Los individuos acusados é condenados por crímenes á lo3 cuales correspondiere la pena de muerte, conforme á la legislación de Ja nación reclamante, solo serán entregados con la clausula de que esa pena les será commutada.

Artículo 2

Apesar de lo dispuesto al final del artículo 3 de la convención de 25 de junio de 1867, se concederá la extradición en virtud de sentencia condenatoria pasada en autoridad de cosa juzgada, cuando la pena impuesta en la misma sentencia al delito consumado é frustrado exeda de tres años de presión é presidio.

Artículo 3

Los dos gobiernos podran pedir por telégrafo é por cual quier otro medio y por la via diplomatica, la captura é detención del individuo de su nación condenado é acusado en los términos del artículo 12, por crimen comprendido en la referida convención.

§ unico. No podrá prolongarse la detención más de veinte cinco dias, si en este plazo no fueren presentados al gobierno reclamado los documentos mencionados en el artículo 4 de la misma convención.

Los presentes artículos adicionales quedan formando parte integrante de la convención de 25 de junio de 1867, y serán ratificados y las ratificaciones cambiadas en Lisboa en el plazo más curto posible.

En fé de lo cual los plenipotenciarios respectivos firmaran los presentes artículos y los sellaran con los sellos de sus armas.

Hecho por duplicado en Lisboa, á 7 de febrero de 1873. (L. S.) = Ángel Fernandez de los Ríos.

Está conforme. — Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 10 de março de 1873. = Emilio Achilles Monteverde.

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O ar. Silveira Vianna: — Agradeço ao sr. ministro dos negocios estrangeiros as explicações que s. ex.ª deu com respeito a este assumpto. Aguardo a occasião em que s. ex.ª possa estar mais bem informado ácerca d'este negocio, e oxalá que não haja mais nada de extraordinario a participar á camara.

Aproveito este ensejo para me associar a s. ex.ª na certeza que o nobre ministro tem, e que eu tenho tambem, de que o governo brazileiro ha de manter sempre as boas relações de amisade com a nação portugueza, e por isso não deixará de conservar similhante procedimento.

O sr. Luciano de Castro: — Quando ha pouco ouvi pronunciar ao sr. ministro do reino algumas palavras com relação aos fiscaes da corôa, pareceu-me que s. ex.ª se queria referir a algumas considerações, que eu fizera na sessão de sabbado ultimo, por occasião de realisar a minha interpellação ácerca da annexação da freguezia da Palhaça ao concelho de Aveiro.

Pareceu-me que s. ex.ª quiz lançar.um certo desfavor {.obre a opinião que então emitti e attribuir-me a idéa de querer de algum modo desconsiderar o conselheiro procurador geral da corôa e os seus ajudantes.

Insinuou s. ex.ª que eu declarára esses cavalheiros pouco independentes. O que disse está dito (apoiados). Não retiro, nem rectifico uma só palavra (apoiados); e fique-o o sr. ministro do reino assim entendendo para todos os effeitos.

Affirmo novamente á camara, que a intervenção do procurador geral da corôa e dos seus ajudantes na annexação de qualquer freguezia de um a outro concelho, isto é, na divisão territorial do paiz, é uma attribuição de que devem ser privados (muitos apoiados).

E se se quizer manter o decreto de 15 de abril de 1869, é necessario então dar aquelles funccionarios a independencia que se assegura em Portugal a todos os empregados que a lei julga deverem ser independentes por interesse do serviço publico (apoiados).

V. ex.ª, que é juiz, e um digno juiz, a cujo caracter e inteireza todos nós prestámos sincera homenagem, sabe que a magistratura judicial é inamovivel, porque a quer independente.

Ha outra ordem de funccionarios, cuja independencia as leis não asseguram, e que, todavia, podem ser independentíssimos como homens, mas que não estão rodeados das garantias indispensaveis para se lhes manter a bastante independencia e desassombro no exercicio das suas funcções (apoiados).

Se esta doutrina não é a verdadeira, peço então ao sr. ministro que deduza as ultimas consequencias das opiniões que pareceu sustentar ha pouco, e que tire ao poder judicial, por desnecessaria, a inamobilidade de que actualmente é dotado (apoiados).

Se os funccionarios publicos são independentes pelo seu caracter; se n'uma palavra, basta esta condição para lhes assegurar a independencia, peço ao governo que proponha que a magistratura judicial seja privada das garantias de que gosa (muitos apoiados).

Eu disse que os cavalheiros que compõem a conferencia fiscal, e que são ajudantes do procurador geral da corôa, e o seu digno chefe, são dependentes do governo. Não o são pelo seu caracter, pelas prendas e qualidades pessoaes de que são dotados (muitos apoiados).

Não me referi a pessoas, alludi apenas a funcções, o que é muito differente (apoiados).

Se querem saber a minha opinião a respeito das qualidades que caracterisam o conselheiro procurador geral da corôa e os seus ajudantes, não tenho duvida em dizer que são muito illustrados, independentes e honrados. Podem possuir virtudes e predicados, que o espirito mais escrupuloso haja de exigir em funccionarios d'esta categoria; mas repito que aquella instituição não está rodeada das garantias necessarias para ter a mesma independencia que deviam ter os membros do antigo conselho d'estado (muitos apoiados).

Quando a lei exigiu para a annexação ou desannexação de uma freguezia de um concelho a outro, que houvesse voto affirmativo do conselho d'estado, suppoz que esta instituição tinha a independencia, o desassombro necessario para emittir opinião segura, livre e desafogada.

Quando foram transferidas aquellas funcções de um tribunal independente para funccionarios amoviveis, essencialmente dependentes do governo, o pensamento do legislador foi trahido (apoiados). Não ha hoje as garantias que o auctor do decreto de 1869 suppoz necessarias em tão ponderosa materia (apoiados).

Ainda que o sr. ministro da justiça não esteja presente, do que não sou eu culpado, permitta-me a camara que rectifique um erro evidentíssimo, um equivoco notavel commettido por s. ex.ª na occasião em que fallou, quando ha dias verifiquei a minha interpellação.

Disse s. ex.ª que a consulta affirmativa, que é hoje exigida para as desannexações de freguezias á conferencia fiscal, versa apenas sobre a legalidade ou illegalidade dos processos das mesmas annexações, isto é, que o procurador geral da corôa e os ajudantes têem apenas de fiscalisar se a lei foi ou não cumprida em taes processos.

Digo a V. ex.ª, e affirmo afoutamente, que isto é um erro.

A conferencia fiscal, como o conselho d'estado antigamente, tem de dar voto affirmativo não só sobre a legalidade das annexações, mas sobre a sua conveniencia.

Era assim a consulta affirmativa do conselho d'estado; e estes poderes passando sem alteração para a conferencia fiscal, é evidente que foram transferidos com a mesma natureza, com a mesma indole, com a mesma extensão de attribuições que tinham quando eram exercidos pelo conselho d'estado.

Repito, a conferencia fiscal não dá só parecer sobre a legalidade ou illegalidade das annexações; não fiscalisa só se a lei foi ou não cumprida; dá tambem voto sobre a conveniencia ou inconveniencia d'essas annexações.

Portanto, digo que o sr. ministro da justiça commetteu um equivoco notorio, equivoco que não é permittido aos ministros que devem saber interpretar as leis para bem as cumprirem, e mormente quando são tão claras e inequivocas que se não prestam a duvidas (apoiados).

As palavras e as opiniões proferidas dos bancos dos ministros têem mais responsabilidade do que as que saem da bôca de qualquer deputado.

Não devem proferir-se como axiomas opiniões que são aliás mais que problemáticas.

O sr. ministro do reino disse hoje mais de uma vez, que era todos os processos de annexações tem sempre procurado executar a lei, traduzindo fielmente nos seus decretos a vontade e os desejos dos povos.

Peço licença para observar a s. ex.ª, que ou se equivocou quando disse á camara estas palavras, ou então que não interpretou bem a vontade dos povos da freguezia da Palhaça quando publicou o decreto de 4 de dezembro de 1872, tendo declarado em portaria de 24 de agosto d'esse anno, que era duvidoso se os povos d'aquella freguezia queriam pertencer ao concelho de Aveiro.

Depois de ter affirmado n'essa portaria de 24 de agosto que era duvidoso que os povos da freguezia da Palhaça quizessem pertencer ao concelho de Aveiro, creio eu que não podia, sem novas investigações, sem novas diligencias, sem mais exame, sem ulterior informação, publicar o decreto de 4 de dezembro, dosmentindo as proprias palavras, contrariando as suas asserções, decretando a annexação, e allegando n'esse decreto, que a maioria dos habitantes da referida freguezia queriam pertencer ao concelho de Aveiro! Esta asserção era falsíssima.

E quando digo que é falsa a asserção do sr. ministro do reino, preciso fazer uma distincção, que a todos deve já ter

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occorrido. Eu digo que é falsa a asserção do sr. ministro do reino; digo que s. ex.ª faltou á verdade n'um documento official; mas isto não é o mesmo que dizer que o sr. ministro do reino, como homem, como particular mentiu, ou faltou á verdade. Nunca disse que o sr. Antonio Rodrigues Sampaio era um falsário; o que disse foi, que o sr. ministro do reino era um falsário, porque tinha assignado um decreto no qual se affirmava como verdadeiro um facto que o não era. Foi isto o que eu disse.

Pois que? Pois requerem os habitantes da freguezia da Palhaça para serem annexados ao concelho de Aveiro; em seguida ouvem-se as auctoridades competentes; ouve-se a conferencia fiscal; lavra-se um decreto; guarda-se esse decreto no segredo do gabinete, decreto com que não se póde argumentar, porque elle nunca chegou a ser publicado e é portanto como se não existira; chega depois uma representação de 89 habitantes da mesma freguezia reclamando contra aquella annexação; o sr. ministro do reino, não quer executar o decreto e expede uma portaria mandando fazer uma syndicancia sobre a veracidade e espontaneidade das assignaturas da primeira representação em que se tinha pedido a annexação; declara-se n'essa portaria expressamente que era duvidoso se os moradores da freguezia da Palhaça que riam effectivamente pertencer ao concelho de Aveiro; e depois, a 4 de dezembro, sem haver noticia do resultado da syndicancia, sem se ter procedido a esta, sendo ainda duvidoso se os povos d'aquella freguezia queriam annexar-se a outro concelho, publica-se um decreto ordenando a annexação, e diz-se n'esse decreto que a maioria dos eleitores da mesma freguezia queriam pertencer ao concelho de Aveiro!!

Pois isto é serio! (Apoiados.) E depois d'isto, vem s. ex.' dizer diante do parlamento com todo o desassombro e firmeza, que sempre cumpriu a lei e que sempre decretou as annexações em conformidade com a vontade dos povos? Onde estava aqui a vontade dos povos? E não hei de eu dizer depois que o sr. ministro do reino faltou á verdade, ou antes, não hei de eu affirmar que o sr. ministro do reino não interpretou bem a lei, e não satisfez ás suas indicações!

Não argumento em nome dos meus desgostos, ou dos meus despeitos particulares, porque os não tenho. Eu argumento com as proprias palavras do sr. ministro do reino, o qual depois de ter dito n'uma portaria que era duvidoso se os povos da freguezia da Palhaça queriam effectivamente pertencer ao concelho de Aveiro, publicou um decreto em que affirma que a vontade d'aquelles povos era de pertencerem ao concelho de Aveiro; sem ter ouvido informações nenhumas, sem ter esperado ao menos pelo resultado, da syndicancia, que elle proprio mandára fazer, por estar em duvida ácerca de qual era a vontade e desejos d'aquelles povos (apoiados).

E que respondeu a isto a maioria? Que respondeu a isto o governo? Que respondeu a isto o sr. ministro da justiça, que veiu em auxilio do seu collega, protegendo-o com aquella voz maviosa, com aquella eloquencia suave, melliflua e amena, que todos nós admiramos em s. ex.ª?

S. ex.ª, para defender o seu collega, peço licença á camara para o dizer, invocou a sua preguiça. S. ex.ª declarou que esteve uns poucos de mezes a examinar, a estudar, a pensar, a discutir comsigo mesmo, timido e perplexo, se deveria ou não assignar uns dez decretos que lhe tinham sido apresentados, pois que, em seu parecer, iam produzir uma alteração profunda na divisão territorial do paiz.

Pois até a preguiça do sr. ministro da justiça, preguiça que o não deixou assignar aquelles decretos a tempo, até essa preguiça serviu de escudo e defeza ao sr. ministro do reino! (Apoiados.)

Ora, a preguiça póde ser rasão de desculpa em alguns casos para certas pessoas, mas nos conselhos da corôa não é de certo argumento de defeza que póde aceitar-se ou applaudir-se (apoiados). A camara não póde admittir similhantes rasões (apoiados).

Se o decreto de 17 de julho, que se chegou a lavrar, o que não se publicou, significava alguma cousa ou tinha alguma valia, qual foi a rasão por que não se publicou? Se o decreto de 17 de julho não valia nada, para que se argumenta com elle?

E qual foi a rasão por que, depois de lavrado esse decreto, se assignou uma portaria em que se declarava que era duvidoso se os povos d'aquella freguezia queriam pertencer ao concelho de Aveiro, sendo remettida ao governador civil para conceder a rigorosa syndicancia, que se não realisou?

Isto não tem desculpa (apoiados).

E depois ousa o sr. ministro do reino vir declarar que tem procurado, no desempenho das suas funcções; cumprir as leis e attender á vontade dos povos! (Apoiados.)

Hei de levantar-me e protestar sempre que s. ex.ª vier a esta casa inculcar se como mantenedor estrénuo da justiça, como fiel interprete dos seus preceitos e como escrupuloso e attento observador da opinião e desejos dos povos.

Não ha de ser nunca diante de mim que s. ex.ª ha do fazer taes declarações sem contestação immediata, sem prompto correctivo.

Não pense s. ex.ª que o que me obriga a dirigir-lhe estas accusações, é o facto que se deu com a freguezia da Palhaça, pelo interesse politico que d'ahi possa advir-me. Tanto me importa que esta freguezia pertença ao concelho de Aveiro como que seja annexada a outro. O que me obriga a fallar são outras considerações. E a justiça. E o dever e a moralidade. E o interesse publico.

E direi mais; não comprehendo como o sr. ministro do reino, tendo assignado a portaria de 24 de agosto, póde depois assignar o decreto de 4 de dezembro de 1872! Não comprehendo isto. E o sr. ministro do reino, infelizmente, não quiz dar-nos explicações que podessem explicar-nos este mysterio.

Ha de a camara permittir-me agora que diga duas palavras em relação ao que se disse aqui sobre o decreto de 15 de abril de 1869.

Eu tinha dito, e a camara de certo estará lembrada, que, na hypothese de vigorar aquelle decreto, era necessario executa-lo, não como se tem feito até agora, mas só com relação aos effeitos administrativos, com exclusão dos judiciaes e ecclesiasticos.

Mas eu figurei ainda outra hypothese. Era a de não subsistir aquelle decreto, de ser revogado, e de se determinar que a divisão territorial pertencesse exclusivamente ás côrtes, e só por lei podesse ser alterada.

Essa era a minha aspiração e o meu desejo.

Pois o sr. ministro da justiça, entendendo que devia apresentar-me á camara como um lazaro do contradicções, disse que eu, ao mesmo tempo que me estava queixando do modo como era executado o decreto de 15 de abril de 1869, pedia que fosse transferido para as côrtes o direito de alterar a divisão territorial!

Eu fallava em duas hypotheses: quando pedia que esse decreto fosse revogado, enunciava uma aspiração do reforma; quando pedia que elle fosse cumprido segundo a sua letra, era no caso de continuar em vigor, e a ser lei do paiz. E claro que não podia querer as duas cousas ao mesmo tempo.

Onde está a contradicção?

Não quero continuar na defeza das palavras que proferi, porque o sr. ministro da justiça não está presente; mas desejo apenas dizer o indispensavel para que a camara, que ouviu a s. ex.ª, ouça tambem a replica que opporia, se a discussão tivesse continuado no sabbado passado, ás suas principaes observações.

Direi agora algumas palavras a respeito do decreto que reformou os juizes ordinarios.

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A situação dos juízes ordinarios, como está, não póde continuar (apoiados).

O sr. ministro da justiça não nomeia juizes, nem subdelegados, nem escrivães; e está assim completamente desamparada n'uma grande parte dos julgados do paiz a administração da justiça (apoiados).

Por outro lado o sr. ministro apresentou no anno passado á camara uma proposta de lei, propondo a suppressão dos julgados, e pedindo uma auctorisação para a creação de comarcas. Esta proposta de lei morreu nas commissões.

Pergunto: é possivel continuar esta situação? (Apoiados.) Ha julgados ou não ha? (Apoiados.) O sr. ministro da justiça disse que tinha mandado pedir informações para saber se havia de supprimir os julgados ou não, porque a suppressão era acto do governo.

Asseguro a s. ex.ª que no ministerio da justiça deve haver os elementos necessarios para se saber se os julgados devem ser supprimidos ou não, porque deve haver ali, nos termos do artigo 4.° do decreto de 28 de dezembro de 1869, os planos que haviam de ser remettidos aquella secretaria para se fazerem as obras nos edificios destinados a tribunaes e cadeias, e por ahi póde o sr. ministro da justiça saber quaes os julgados que se habilitaram, mandando os respectivos planos e se esses planos foram approvados ou não. Sabendo quaes os que se habilitaram, sabe logo os que devem ser supprimidos.

O sr. ministro da justiça ao mesmo tempo que disse n'outro dia, que carecia de informações das respectivas auctoridades para supprimir os julgados, acrescentou logo, que nenhuns se haviam habilitado, porque eu ao publicar o decreto de 1869 lhes impozera taes condições que lhes era impossivel cumpri-las.

Aqui não ha contradicção. As contradicções são só minhas.

Mas se nenhum d'elles se habilitou, nem podia habilitar, porque os não supprime s. ex.ª? Ou então qual é a rasão por que s. ex.ª não dá seguimento á proposta de lei para a creação de comarcas, e não define por uma vez esta situação anormal e impossivel?... (Apoiados.)

Era isto o que eu diria na presença do sr. ministro da justiça, se s. ex.ª estivesse n'esta casa. Tenho porém confiança em que s. ex.ª lerá estas palavras, e se apressará a tomar qualquer resolução que possa satisfazer a camara e o paiz.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Ministro do Reino: —Eu registo com prazer as palavras do illustre deputado quando diz que a instituição dos fiscaes da corôa é que é dependente, mas que os funccionarios não, porque esses são independentes, honradíssimos e capazes de dar o seu parecer livre de toda a pressão.

Desde que elles com tal condição deram estes pareceres sobre as annexações, persuadia-me que era escusada a referencia á falta de garantia da instituição.

Por consequencia, o argumento foi desfeito por aquelle mesmo que o adduzira. É uma satisfação para aquelles magistrados; mas é uma contradicção mais do illustre deputado (apoiados).

Tenho de responder a algumas ponderações que o illustre deputado fez ha hoje oito dias.

Eu na minha simplicidade e boa fé entreguei-lhe os proprios documentos que tinha, como entregarei sempre os da minha secretaria a quem quizer velos o examina-los. Não ha ali segredos. E, depois d'esta minha franqueza, querem saber o que li na primeira edição do discurso do sr. José Luciano, porque houve uma segunda edição, não sei se muito melhorada? O seguinte: «O ministro do reino não respondeu a esta parte importante da minha argumentação.»

Essa argumentação referia-se a uma conta que o illustre deputado fazia de eleitores que tinham assignado e de outros que tinham dito que assignavam.

Não respondi a ella por uma rasão. Essa questão tinha-se debatido em Aveiro e na localidade; tinham sido ouvidas as camaras municipaes de ambos os concelhos, e a offendida nos seus interesses não se soccorreu ao argumento que veiu aqui fazer tanto barulho, creio que por ser mais longe; e lá não contestaram que aquelles individuos eram eleitores, e que não tinham tido aquella vontade que se lhes attribuia. Foi só aqui que appareceu esse argumento. A questão tinha sido tambem debatida na camara municipal de Aveiro, onde estava um irmão do illustre deputado, como s. ex.ª confessou e eu tinha dito em auxilio das minhas asserções. E creio que isto é licito a quem se defende.

Mas disse s. ex.ª: «Que importava que estivesse lá o administrador do concelho!»

Importava muito. Se a deliberação da camara não tinha offendido a lei, elle não tinha que reclamar, mas então tambem o illustre deputado não tem que arguir. Mas se acamara tinha considerado como eleitores requerentes aquelles que não o eram, e que o illustre deputado descontou, não deveria elle reclamar, porque tem voto consultivo nas deliberações da camara? Não reclamou e portanto reconheceu que eram verdadeiros requerentes aquelles eleitores cuja qualidade aqui se nega.

Não me importa que os irmãos estejam contra irmãos; mas hei de ir buscar a minha defeza a toda a parte onde possa encontra-la (apoiados).

Mas depois d'essas palavras, sabe V. ex.ª o que disse o illustre deputado? E isto é o mais notavel. Diz a meu respeito:

«Contentou-se com ter muitas informações do sr. governador civil, e algumas até sem a nota de entrada na respectiva secretaria, o que me auctorisa a suspeitar da veracidade das suas datas» (apoiados).

Apoiados! Não sei quem deu os apoiados, mas quem os deu de certo tinha grande conhecimento da causa! Pois, senhores, aqui estão os documentos todos. Não os entrego á maioria; entrego-os á opposição, entrego-os até ao illustre deputado, e quero que me cite um só que não tenha a nota de entrada na secretaria! Quando vem dizer-se isto no parlamento tendo na mão os documentos, não admira que a exageração chegue ao ponto de transtornar aquillo que não se poder verificar e desmentir immediatamente (apoiados). Não ha um só membro d'esta casa que o faça a não ser o illustre deputado. Isto não se diz; isto não se faz; isto não se apoia (apoiados). Aqui estão os documentos; vejam em qual d'elles falta a nota de entrada na secretaria.

Uma voz: — E possivel que a pozesse depois.

Outra voz: — Lá está o registo (susurro).

O Orador: — Isso não se diz. Não se bebe no cálix o vinho da orgia (apoiados). Esta casa é respeitavel; não se lançam assim suspeitas nem calumnias sobre mim e sobre os empregados! (Muitos apoiados.) Se querem seriedade é preciso que sejam serios. Vejam se as notas são modernas, ou se são antigas. Fazem accusações similhantes, e querem ser acreditados? Vejam os documentos. Não os entrego á maioria, porque nem a maioria, nem a procuradoria geral da corôa têem, na opinião dos meus censores, competencia para decidir o negocio; não ha competencia senão no illustre deputado e em algum outro que o apoie.

Fui accusado até de ter feito ás vezes justiça por medo. Nem todos são assim. Prefiro a justiça com medo á injustiça com coragem. Muitas vezes faço justiça com medo e effectivamente tenho medo da minha consciencia que me accusaria, e, mais que tudo, muito medo da lei que exige o meu respeito (apoiados). Eu sei que muitas vezes a minha justiça tem maguado o illustre deputado. Elle antes queria encontrar motivo para me accusar, do que ver-se obrigado a inventa-lo. Era mais commodo, era melhor. Nunca lhe hei de dar esse prazer. Posso commetter erros de entendimento, mas erros de vontade póde estar certo que nunca me ha de accusar d'elles. (Vozes: — Muito bem, muito bem.)

O governador civil, homem liberal, homem que soffreu

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muito pela liberdade (apoiados), e que por isso mesmo ás vezes é espicaçado, informou e disse: «Esta desannexação acaba com o concelho de Oliveira do Bairro». Pois esta nota de imparcialidade, que tinha por fim illustrar as estações superiores, foi-lhe imputada como um grande crime. «Olhae como elle diz, exclamava o seu accusador, que está preparada a extincção do concelho de Oliveira do Bairro pela annexação da Palhaça a Aveiro?»

Pois elle não o havia de dizer? Pois não o tinha dito o sr. Barbosa Lima na celebre questão da Bodiosa? Mas argui-lo por isto, é vontade de arguir. E querer que elle não informasse sobre as consequencias da desannexação e não informasse o governo.

Nem o governador civil, nem ninguem me fallou n'esta questão para a annexação. Fez-se, porque se devia fazer. Se alguem me fallou foi contra ella.

Já o sr. ministro da justiça declarou a rasão da data do decreto; o processo estava corrente; os eleitores de 1869, queriam; os de 1870 queriam; os de 1871 queriam; e os de 1872 queriam; querem os de 1873. Que mais será necessario? Que importa uma duvida que eu tinha, se essa duvida podia ser resolvida, quer o decreto se publicasse, quer não?

Supponhâmos que hoje mesmo aquelles eleitores querem mudar de vontade; supponhâmos que requerem outra vez ser annexados a oliveira do Bairro. A consequencia fatal seria que Nariz ficava no seu logar, porque quer estar em Aveiro, e creio que está bem, e Palhaça voltava para Oliveira do Bairro, d'onde se quiz separar.

E a que vem, como se diz, estas accusações de alicantinas? Aqui, se houve alicantinas, que creio que não houve, mas podia haver solicitação, podia haver vontade de uns contra a de outros; se houvesse alicantinas, eram de quem dizia que os primeiros representantes requereram n'um sentido de que elles nunca se lembraram; mas vieram os causídicos, os pretendentes, a quem não chamarei alicantineiros, porque creio que não é parlamentar, nem honrosa a phrase, dizer que se os eleitores tinham assignado era por certas desconfianças que tinham da extincção do concelho, e parece que as desconfianças lhes assomaram quando o illustre deputado foi ministro, porque não sei quem então poderia ter interesse n'essa annexação ou desannexação; o governo de certo não o tinha.

Advirta-se porém que se allega a incompetencia da procuradoria geral da corôa e fazenda, sem se notar que as annexações não são recommendadas pelo governo; começam e têem a sua iniciativa local; o governo não é interessado nem n'uma nem n'outra cousa, manda apenas aquella estação para dar o seu voto deliberativo sem insinuação para que seja resolvido n'este ou n'aquelle sentido; tendo o conselheiro procurador geral da corôa, o seus ajudantes independencia bastante e capacidade sufficiente, para em negocios era que possa entrar mesmo algum interesse dos ministros, dar a sua opinião livre e conscienciosa.

Quando, senhores, vem allegar-se a incompetencia da instituição é para ferir a independencia dos caracteres que a representam, não é para outra cousa. Eu vi ha pouco, e posso dizê-lo porque o sr. José Luciano tomou n'esta casa a responsabilidade do que escrevia a sua imprensa. Quando se tratava na camara dos dignos pares uma questão importante, essa imprensa denominava certos pares, um pela funcção de procurador geral da corôa, a outros, pela de seus ajudantes, e isto para desvirtuar o julgamento e o processo de que se tratava. E da escripta d'este jornal o illustre deputado veiu aqui declarar-se solidario. Por conseguinte, quem é o independente ou o dependente, não é, segundo aquella opinião, a instituição, silo os individuos; porque na camara hereditaria como corpo legislativo, não estava um ajudante, estava um par.

De que serviram as garantias da secção administrativa do conselho d'estado para obstar á annexação de Bodiosa? Olhem o remedio efficaz que vieram offerecer para obsta ao arbitrio do governo! Vejam aquelle óbice, que se lhe poz e como se não salta por cima d'elle?! Vejam a garantia efficaz com que ficam seguros: Bodiosa que o diga, Vouzella que o confesse, o illustre deputado que o prove. Por conseguinte, esta tendencia para desacreditar, para abater, desautora o proprio illustre deputado, que ninguem dirá que pela sua posição não é independente sem estar cercado de muitas garantias, e por isso o argumento é contra si proprio (apoiados).

Esta é uma questão morta; e fallando a verdade, direi ao illustre deputado, aquelle que mais desejo tem de me accusar, que educado na guerra, gosto mais da luta do que d'esta benevolencia de me não quererem accusar. Essa benevolencia nasce de não confiar na maioria da camara, nera confiar tambem na eloquencia do illustre deputado! Pois não teria s. ex.ª meios de a fazer convencer?

Os povos representam; nega-se-lhes a sua consciencia, e nega se-lhes o direito de exercer a sua iniciativa: o ministro podia não referendar os decretos! Podia, se tivesse rasão para isso, mas eu tinha rasão para os assignar (apoiados). O illustre deputado já viu a rasão, mas ainda quando a não visse, quando o seu argumento vigorasse, desde que se provou a ratificação da vontade d'aquelles cidadãos primeiramente manifestada, porque elles mesmos reclamavam e se declaravam forçados, tinha caído toda a sua argumentação, principalmente desde que na face mesmo d'esta camara vem duvidar da authenticidade dos documentos cuja pureza é patente e manifesta.

Demonstrada a legalidade de todos os actos n'este assumpto devo confessar um obsequio que devo ao sr. Paes Villas Boas, é o de s. ex.ª declarar que o decreto a respeito de Gondifellos soffreu a mesma mudança de datas, aquella mesma falsificação do da Palhaça, o que tira toda a idéa de parcialidade, e os illustres deputados podem ver ainda assignado por todos os ministros o primeiro decreto, que se inutilisou quando foi assignado o segundo.

O processo está regularissimo, e os illustres deputados são obrigados a reconhece-lo nos documentos que lhes apresentei aqui, e se tivessem desapparecido, não sei como o havia de provar. Na secretaria estão tomadas todas as notas que aqui se negaram, entretanto espero que a camara fará justiça, menos pelas minhas palavras do que pelas provas do processo, e que á vista do modo por que o illustre deputado me arguiu julgue da sua seriedade (apoiados).

O sr. Alves Passos: — O que está em discussão é a interpellação relativa á annexação das freguezias de Nariz e Palhaça, e eu não desejo fallar a esse respeito, porque só tinha pedido a V. ex.ª que me inscrevesse a fim de tomar parte na interpellação do sr. Paes Villas Boas com respeito á annexação da freguezia de Gondifellos ao concelho de Villa Nova de Famalicão. O orador que ultimamente tomou a palavra relativamente a este assumpto, foi o sr. Cunha Monteiro, que fallou a favor; e como o sr. Villas Boas é contra, pedia a V. ex.ª que lhe concedesse a palavra e eu usarei d'ella depois de s. ex.ª fallar.

O sr. Luciano de Castro: — Eu tenho que dizer poucas palavras.

V. ex.ª comprehendo bem que tenho necessidade de dar algumas explicações depois que o sr. ministro do reino alludiu com tanta insistencia ás palavras que aqui pronunciei sobre a falta de nota da data de entrada n'uns documentos que s. ex.ª n'outro dia me deixou examinar por alguns momentos.

Quanto a este ponto, devo dizer, que ao examinar esses papeis, notei essa falta, e o mesmo reparo fez outro cavalheiro, que se achava ao meu lado. Quando fiz esta observação, não foi com intenção de arguir os empregados da secretaria do reino de falsificadores. Eu conheço-os, e sei que são incapazes de commetter taes abusos!

Do sr. ministro do reino, infelizmente, não posso dizer o mesmo. O sr. Antonio Rodrigues Sampaio não é um fal-

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síficador. O ministro, esse é o que esta questão tem mostrado.

Tambem eu disse, que a conferencia fiscal, como instituição, não tinha a independencia necessaria para dar voto sobre as annexações de freguezias de uns a outros concelhos. D'esta minha opinião não se póde deduzir que eu queria dizer que o procurador geral da corôa e seus ajudantes não são independentes como homens. Não e essa a minha intenção.

Eu alludi á funcção. Referi-me á instituição, não me referi aos homens. Os homens que hoje exercem aquellas funcções podem ser muito honrados e independentes, mas ámanhã podem estar ali outros empregados que não tenham a mesma independencia. A instituição essa depende do governo, que nomeia e demitte livremente aquelles funccionarios.

E este o meu pensamento, e declaro alto e bom som, que respeito as qualidades pessoaes d'aquelles cavalheiros, e que não entrou, nem podia entrar nas minhas intenções fazer-lhes referencias desairosas.

Quanto ao assumpto especial da interpellação, quer V. ex.ª saber como o sr. ministro do reino responde?

Eu provei que, feitas as deducções necessarias, não tinha a representação de 1869 mais que trinta assignaturas, que não é a maioria dos eleitores que a lei reputa necessaria para se attender aos pedidos de annexações das freguezias de um concelho a outro concelho. O sr. ministro do reino responde: «Aquella representação foi á camara municipal de Aveiro para dar o seu parecer, segundo a lei; estava lá o irmão do sr. deputado, como administrador do concelho, e não se oppoz».

Eu peço á camara que aprecie bem este modo de argumentar do sr. ministro.

A camara municipal de Aveiro era ouvida, não para dar parecer sobre a legalidade das assignaturas, mas só para informar sobre a conveniencia das annexações da freguezia da Palhaça ao concelho de Aveiro.

O administrador do concelho, fiscal da lei, não tinha ali que fiscalisar, nem era chamado a dar parecer sobre a legalidade das assignaturas. E como o administrador, apesar d'isso, nada disse a este respeito, segue-se que as assignaturas estão legaes, e que s. ex.ª procedeu acertadamente!

Não sei como o sr. ministro do reino possa defender-se com taes allegações!

Disse mais s. ex.ª: «A camara municipal, o conselho de districto, a junta de parochia, que foram ouvidos, não allegaram essa illegalidade das assignaturas». Pois o sr. ministro do reino, mesmo não entrando essas corporações e auctoridades em tal apreciação, não tinha obrigação de examinar se aquellas assignaturas estavam ou não legaes, e se constituiam maioria!?

Pôde acaso s. ex.ª, depois de similhante defeza, dizer que houve numero sufficiente e maioria legal de eleitores para se poder decretar a annexação segundo a lei? Apresentou o sr. ministro do reino um unico argumento, uma só rasão em defeza do seu procedimento? Ninguém lh'o ouviu (apoiados).

Agora o que tambem estamos ainda para saber é como o sr. ministro se defende da contradicção que ha entre a portaria de 24 de agosto de 1872, em que declarava que era duvidoso se os moradores da Palhaça queriam ou não que a sua freguezia fosse annexada ao concelho de Aveiro, e o decreto de 4 de dezembro de 1872, que mandou fazer a annexação!

O sr. ministro disse-nos que suspendera a publicação do decreto, e mandára expedir a portaria de 24 de agosto de 1872 ao governador civil de Aveiro, acompanhando-a da outra representação, para que o governador civil informasse sobre a veracidade e espontaneidade das assignaturas da primeira representação. Mas se era só para isto, e não para verificar a verdadeira vontade dos moradores da

Palhaça, a fim de resolver de conformidade com ella, se a portaria de 24 de agosto não tinha por fim averiguar a verdade, se a annexação era assumpto assentado e decidido, por que motivo não publicou o sr. ministro do reino logo o decreto de 17 de julho de 1872, o só o publicou depois com data de 4 de dezembro? Se não queria fazer uso d'essas informações para que alterou a data do decreto? (Apoiados.) Porque o não deixou saír com a data de 17 de julho? Que resposta deu a isto o sr. ministro do reino? Pedi e insisti bastante por uma resposta sobre este ponto; chamei particularmente para elle a attenção da camara e de s. ex.ª, mas nem uma palavra pude ouvir-lhe em sua defeza (apoiados).

Disse o sr. ministro do reino que esta representação era antiga, que datava de 1869. É verdade, mas é certo tambem que não havia tido seguimento, e que estava guardada nos archivos publicos, sem que ninguem se lembrasse de reclamar o seu andamento. Foi preciso que o sr. Antonio Rodrigues Sampaio fosse ministro do reino para o governador civil de Aveiro fazer resurgir e caminhar a tal representação.

Diz o sr. ministro do reino: «Pois se os povos da Palhaça queriam a annexação ao concelho de Aveiro em 1869, em 1871 e em 1872, porque clamaes contra o decreto que a ordenou?»

Quem auctorisou o sr. ministro a affirmar que os povos da freguezia da Palhaça queriam em 1872 annexar-se ao concelho de Aveiro? Como póde provar que os moradores da Palhaça, tendo contra-representado em 1872, queiram tal annexação?...

O sr. Ministro do Reino: — Foi a vontade dos povos.

O Orador: — A vontade dos povos?! Essa vontade é que o sr. ministro não póde provar que houvesse, porque para isso era necessario ouvir, nos termos da lei, as juntas de parochia e mais auctoridades, o que não fez, porque nem sequer esperou pelas informações do governador civil (apoiados).

Não quero alongar mais esta questão, que está morta. Direi apenas, que não acho tanto motivo para reparos da parte do sr. ministro, por eu não ter proposto um voto de censura ao governo pelo modo por que procedeu n'esta questão, como a s. ex.ª se afigura. É senão, vejamos. S. ex.ª acha que o direito, a rasão e a justiça estão do seu lado, e que as accusações, que lhe tenho feito, são injustas e sem fundamento. Pois bem. Veja o sr. ministro se alguem da maioria lhe propõe um voto de louvor pelo que fez! Nada mais facil. E se a maioria entende que o governo procedeu bem, não deve ter duvida em lhe dar um voto de louvor. Por minha parte não estou disposto a propor um voto de censura por uma rasão muito simples; porque sei que a maioria nem admitte a proposta á discussão. Não quero perder o meu tempo (apoiados).

Dou portanto por finda esta questão, e peço desculpa á camara de lhe ter tomado tanto tempo. Não desconheço que o assumpto á primeira vista póde não ser considerado de grande importancia, mas convencido de que elle encerrava uma questão de alta moralidade, entendi que era necessario trata-lo em toda a sua altura (apoiados).

Vozes: — Muito bem.

O sr. Paes Villas Boas: - V. ex.ª deu-me a palavra, mas faltam poucos minutos para a hora, e eu estou um pouco fatigado. Não tenho duvida nenhuma em fallar agora; mas 6 mais commodo ser no sabbado, porque nos quatro minutos que nos restara não posso dizer tudo quanto desejo.

Vozes: — Falle, falle.

Outras vozes: — Deu a hora, ou está quasi a dar.

O sr. Presidente: — Falta um quarto. Os trabalhos principiaram um quarto depois da uma hora.

O sr. Paes Villas Boas: — Este caso não é novo, a camara tem admitido que o orador fique para outra sessão quando lhe cabe a palavra pouco antes da hora. Não tenho maior difficuldade em fallar, mas o que me custa é co-

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meçar no fim da sessão. Fallar pouco, e ser logo interrompido pela hora, é desagradavel.

O sr. Presidente: — Se não quer fallar hoje, o quer ficar com a palavra para a sessão de sabbado, fique.

O sr. Paes Villas Boas: — Estimo mais ficar.

O sr. Presidente: — Devo dizer que o sr. ministro da guerra veiu á mesa dar-se por habilitado para responder a todas as interpellações que se lhe annunciaram.

O ss. Candido de Moraes: — Pedia á mesa que me informasse se já vieram os documentos que pedi para verificar as interpellações.

O sr. Secretario (Costa e Silva.): — Se V. ex.ª mandar para a mesa uma nota, poderei verificar na secretaria da camara se já vieram da' secretaria da guerra.

O sr. Candido de Moraes: — Eu ainda não recebi documento algum dos que pedi, e por isso fico entendendo que não vieram.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para segunda feira é a continuação da que estava dada, e mais os projectos n.ºs 37 e 82 da sessão passada. Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

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