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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Se as letras apostólicas e os decretos dos concilios carecem de beneplacito, qual motivo isentará d'elle as pastoraes?

A ausencia da palavra pastoral na lei organíca será bastante para nos decidirmos contra a clara e manifesta intenção do legislador, contra a alma do systema que entre nos preside ás relações da igreja com o estado?

Acaso as pastoraes não podem conter doutrina tão nociva como os outros documentos, para os quaes se requer e exige o beneplacito?

Pois fecha-se uma entrada ao perigo e abrem-se-lbe tantas portas quantos são os bispos? É logico isto? Deduz-se naturalmente do pensamento da lei? Deriva-se da cautela com que tudo quiz resalvar, quando empregou os termos — quaesquer outras constituições ecclesiastícas?

Grande força tem o costume entre os ministros da igreja. Pois bem. Não é certo que em regra os bispos d'este paiz sujeitam ao beneplacito as suas pastoraes? O mesmo sr. bispo do Algarve não deu já exemplo d'esta verdade? Se agora se não lembra do ministerio da justiça e dos negocios ecclesiasticos, importa isso pouco. E um esquecimento que mal comprehendo e não quero averiguar; mas apesar d'isso o facto anterior existiu.

Os governos d'esta terra não têem todos entendido a carta no sentido que lhe damos? Pois é possivel que tendo sido ministros tantos homens amigos da liberdade, entre os quaes citarei de preferencia Joaquim Antonio de Aguiar, cuja opinião sobre o assumpto existe registada no Diario da camara, é possivel que todos hajam exigido o cumprimento d'este preceito, por seu mero arbitrio e no silencio da lei?

Está vasia a cadeira que outr'ora foi do grande tribuno d'este paiz. Se o podessemos restituir á vida, elle diria d'ali, d'aquelle logar tão amiudadas vezes illustrado pela sua prodigiosa eloquencia, que o direito da nação é a carta com todas as leis constitutivas que a acompanham, é este direito que sempre se observou, é o direito de excepcional prevenção contra um poder que, mal usado, chegará a assoberbar tudo, lançando-nos repentinamente no meio de graves conflictos (apoiados).

Disse-nos o sr. Alves Matheus que e não via perigo na dispensa do beneplacito, porque os principios liberaes vivem profundamente entranhados no coração do povo portugnez». Creio na verdade d'estas palavras, e por isso mesmo que a nação portugueza é eminentemente liberal, não quero para ella padres reaccionarios (apoiados).

S. ex.ª foi ainda mais longe. Alcunhou o beneplacito de instituição obsoleta, de grilheta infamante.

O sr. Alves Matheus: — Foi só uma phrase.

O Orador: — Ainda bem. Alegra-me a declaração do illustre deputado.

Duas palavras mais, e porei termo ás minhas observações. Não quero abusar da benevolencia da camara. A attenção que me concede está muito acima dos meus merecimentos. (Vozes: — Não, não. Falle, falle.)

Em desfavor da opinião que defendo cita-se com insistencia o 4.° do artigo 145.º da carta constitucional:

«Todos podem communicar os seus pensamentos por palavras e escriptos, e publica-los pela imprensa sem dependencia de censura, comtanto que hajam de responder pelos abusos que commetterem no exercicio d'este direito, nos casos e pela fórma que a lei determina.»

Mas censura e beneplacito, como vemos do alvará da 1795, são cousas distinctas (apoiados). Entre o escriptor e o sacerdote ha uma immensa desigualdade que prohibe a censura e legitima o beneplacito.

O sacerdote, cercado de uma aureola que o santifica aos olhos do vulgo, falla em nome do céu, escreve em nome de uma doutrina que tem por si a tradição de seculos, com certo prestigio que o póde tornar anjo de paz ou ministro da guerra! (Apoiados.)

Terminarei com um voto, sr. presidente.

Pois que a religião catholica apostolica romana é a religião do estado, pois que o estado subsidia o clero, — que os bispos não esqueçam que são funccionarios publicos, que têem patria, e que devem cumprir as suas leis (muitos apoiados).

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado e abraçado por todos os seus collegas que se achavam na camara.)