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SESSÃO DE 1 DE ABRIL DE 1872
Presidencia do ex.ª sr. José Marcellino de Sá Vargas
Secretarios — os srs.
Francisco Joaquim da Costa © Silva /Ricardo de Mello Gouveia
SUMMARIO
Apresentação de requerimentos e participações — Discussão sobre negocios da provincia de Angola — Approvação e discussão, depois de dispensada a impressão, do parecer sobre a eleição das Caldas, sendo proclamado deputado o sr. Augusto Zeferino Rodrigues, que prestou juramento. — Ordem do dia: continua a discussão sobre a proposta que trata de alterar o imposto denominado real d'agua.
Chamada — 39 srs. deputados.
Presentes á abertura da sessão — os srs.: Adriano Machado, Pereira de Miranda, Barros e Sá, Boavida, Antonio Julio, Falcão da Fonseca, Carlos Bento, Carlos Ribeiro, Pinheiro Borges, Eduardo Tavares, Gonçalves Cardoso, Francisco Mendes, Correia de Mendonça, Francisco Costa, Quintino de Macedo, Jayme Moniz, Frazão, Candido de Moraes, Assis Pereira de Mello, Barros e Cunha, Gonçalves Mamede, Matos Correia, Bandeira Coelho, Dias de Oliveira, J. M. Lobo d'Avila, Moraes Rego, Sá Vargas, Menezes Toste, Mexia Salema, Teixeira de Queiroz, José Tiberio, Lourenço de Carvalho, Luiz de Campos, Pinheiro Chagas, Mariano de Carvalho, Cunha Monteiro, Pedro Roberto, Placido de Abreu, Ricardo de Mello.
Entraram durante a sessão — os srs. Agostinho de Ornellas, Osorio de Vasconcellos, Albino Geraldes, Rocha Peixoto (Alfredo), Braamcamp, Cardoso Avelino, Arrobas, Rodrigues Sampaio, Telles de Vasconcellos, Correia Godinho, Saraiva de Carvalho, Augusto Zeferino, Barão do Rio Zezere, Claudio Nunes, Conde de Villa Real, Lampreia, Caldas Aulete, Silveira Vianna, Van-Zeller, Guilherme de Abreu, Perdigão, Santos e Silva, Nogueira, J. T. Lobo d'Avila, Cardoso Klerck, Costa e Silva, Mello Gouveia, Pires de Lima, Paes Villas Boas, Visconde de Arriaga, Visconde de Montariol, Visconde de Moreira de Rey, Visconde dos Olivaes, Visconde de Valmór, Visconde de Villa Nova da Rainha, Melicio, Silveira da Mota.
NSo compareceram — os srs.: Agostinho da Rocha, Cerqueira Velloso, Teixeira de Vasconcellos, Soares e Lencastre, Correia Caldeira, A. J. Teixeira, Barjona de Freitas, Vieira das Neves, Francisco de Albuquerque, F. M. da Cunha, Pinto Bessa, Gomes da Palma, Sant'Anna e Vasconcellos, J. J. de Alcantara, Ribeiro dos Santos, Vasco Leão, J. A. Maia, Baptista de Andrade, Dias Ferreira, Figueiredo de Faria, Rodrigues de Freitas, José Luciano, J. M. dos Santos, Affonseca, Rocha Peixoto (Manuel), Alves Passos, D. Miguel Coutinho Thomás de Carvalho.
Abertura — Á uma hora da tarde.
Acta — Approvada.
EXPEDIENTE
A QUE SE DEU DESTINO NA MESA
Officios
Do ministerio do reino, respondendo ao requerimento do sr. deputado Antonio Augusto Pereira de Miranda, ácerca do numero dos empregados addidos, que existiam n'aquella secretaria, em 29 de fevereiro ultimo e sobre importancia dos seus respectivos vencimentos.
Do mesmo ministerio, enviando em mago fechado o processo relativo á eleição de um deputado ás côrtes pelo circulo n.º 61, Caldas.
Do mesmo ministerio, remettendo o decreto authographo, pelo qual Sua Magestade El-Rei prorogou as côrtes geraes ordinarias da nação até ao dia 20 de abril,
Á secretaria.
Representações
1ª Do juiz e mais mesarios do compromisso maritimo de Villa Real de Santo Antonio, pedindo a votação do projecto de lei, ácerca da abolição do imposto do pescado.
2.ª Dos fabricantes de chapéus de sol e chuva estabelecidos em Lisboa, pedindo a reforma da pauta, na parte que diz respeito aos direitos que pagam pelos objectos necessarios para a sua industria.
3.ª Dos emprezarios de armações para pesca de atum, corvina e sarrajão na costa de Tavira e Lagos, contra o imposto do sal.
4.ª Da camara municipal do concelho de Odemira, pedindo, que seja auctorisada a receber a applicar no melhoramento do porto e construcção de um caes, o imposto de 1 por cento, ad valorem, não só sobre toda a cortiça, cereaes e combustiveis, que forem exportados pela dita barra, como tambem sobre todos os objectos importados que se destinarem ao commercio do concelho.
5.ª Da mesma camara, pedindo, para levantar do cofre da dotação das estradas a quantia de 2:000$0000 réis, para exclusivamente applicada nos reparos e caminhos do concelho.
As commissões respectivas.
Participações
1.ª Declaro que faltei ás ultimas sessões, por incommodo de saude.
Sala das sessões, em 1 de abril de 1872. = Eduardo Tavares.
2.ª Por motivo justificado não compareci I sessão do dia 26 do mez findo.
Sala das sessões, em 1 de abril de 1872. = " O deputado pelos Arcos, Placido de Abreu.
3.ª Declaro que, por motivo justificado, não compareci ás sessões de 19, 20, 22, 23 e 26 de março ultimo.
Sala das sessões, em 1 de abril de 1872. = Ricardo de Mello Gouveia.
4.ª Declaro que por motivo justificado não póde comparecer á sessão de 26 de março ultimo.
Sala das sessões, 1 de abril de 1812. = Silveira Vianna.
Inteirada.
Requerimento.
Requeiro que, pelo ministerio da marinha, seja enviada a esta camara, com toda a urgencia uma nota indicando:
1.° Os navios de guerra que se acham surtos no Tejo, e que exigem fabrico;;
2.° Data das vistorias feitas aos mesmos navios;
3.° Quaes as despezas em que foram orçadas as obras> que reclama cada um dos navios.
Sala das sessões, 1 de abril de 1872. = 0 deputado, Antonio Augusto Pereira de Miranda.
Foi remettido ao governo.
SEGUNDAS LEITURAS
Projecto de lei
Senhores. — A camara municipal de Penamacor vê-se na impossibilidade, por falta de recursos, de poder concluir a construcção dos pagos do concelho. Esta obra grandiosa, que representa a emulação de tanta dedicação e sacrificios, não póde nem deve ficar incompleta, porque isso seria o primeiro passo para a sua ruina e desmoronamento.
Por outro lado, é urgente a construcção de um cemiterio em tão notavel villa. O actual, alem de insignificante para a povoação, é contiguo ao hospital, porque não é mais do que uma pequena cerca do edificio de tão benefico estabelecimento, o que contraria os preceitos hygienicos,
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Levado de tão ponderosas rasões, venho trazer á camara um projecto de lei que tem por fim transferir 3:000$000 réis do cofre das estradas municipaes do concelho de Penamacor, para a construcção de tão urgentes e importantes obras.
E tanto mais justificada esta proposta, quanto é certo não haver estrada alguma em via de construcção no concelho, e estar aquelle capital estagnado, quando póde ter tão util e vantajosa applicação.
Por taes motivos tenho a honra de sujeitar á sabia apreciação da camara o seguinte projecto de lei: • Artigo 1.° Fica auctorisada a camara municipal de Penamacor a poder applicar á construcção de um cemiterio na dita villa, a conclusão das obras dos pagos do concelho, a quantia de 3:000$000 réis do seu cofre de viação municipal.
Art. 2.° É revogada a legislação era contrario.. Sala das sessões, 26 de março de 1872. = João Antonio Franco Frazão.
Foi admittido e enviado á commissão respectiva. Leu-se na mesa o seguinte
Decreto
Usando da faculdade que me confere a carta constitucional da monarchia no artigo 74.°, § 4.°, depois de ter ouvido o conselho d'estado nos termos do artigo 110.° da mesma carta: hei por bem prorogar as côrtes geraes ordinarias da nação portugueza até ao dia 20 do proximo mez de abril inclusivamente.
O presidente da camara dos senhores deputados da nação portugueza assim o tenha entendido, para os effeitos convenientes.
Pago da Ajuda, em 27 de março de 1872. = REI. = Antonio Rodrigues Sampaio.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Andrade Corvo): — Tenho a honra de mandar para a mesa uma proposta de lei, que trata de alterar os emolumentos consulares em alguns consulados de 1.ª classe na America.
E a seguinte
Proposta de lei n.º 22-C
Senhores. — A tabella de emolumentos consulares mandada observar por decreto de 20 de abril de 1869, no consulado geral de 1.ª classe, e nos consulados de 1.ª classe, no Brazil, acha-se em pleno vigor em todos os ditos consulados, desde 1 de julho de 1869, com reconhecida vantagem para o thesouro, e sem vexame do commercio.
Estando em circumstancias analogas ás dos consolados no Brazil, o consulado geral de 1.ª classe em Buenos Ayres, Montevideu e Paraguay, e o consulado de 1.ª classe no Peru e Chili, julga o governo conveniente ampliar a estes consulados as disposições da citada tabella, e por isso vem submetter á vossa consideração a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° E revogado, quanto ao consulado geral de 1.ª classe, em Buenos Ayres, Montevideu e Paraguay, e ao consulado de 1.ª classe no Peru e Chili, o regulamento consular de 26 de novembro de 1851, na parte que sancciona a tabella de emolumentos a elle annexa, a qual será, nos mesmos consulados e suas dependencias, substituida, a contar de 1 de julho do corrente anno, pela tabella junta ao decreto de 20 de abril de 1869.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, 19 de março de ]872. = João de Andrade Corvo.
O sr. Ricardo de Mello: — Tenho a honra de mandar para a mesa o diploma do illustre deputado, Augusto Zeferino Rodrigues, eleito pelo circulo n.º 61 (Caldas da Rainha).
Como o processo d'esta eleição foi já remettido á camara, peço á illustre commissão de verificação de poderes que de sobre elle o seu parecer o mais breve possivel.
Aproveito a occasião para declarar a V. ex.ª e á camara que por motivo justificado não pude comparecer ás sessões de 19 a, 26 de março ultimo.
O sr. Pereira de Miranda: — Mando para a mesa um requerimento.
Por esta occasião peço a V. ex.ª que de suas ordens para que se inste com os diversos ministerios, a fim de que seja satisfeito um requerimento, que ha dias mandei para a mesa, pedindo esclarecimentos a respeito dos empregados addidos. Ainda não chegaram senão os do ministerio da fazenda e justiça.
Aproveitei a presença do sr. ministro da marinha para chamar a attenção de s. ex.ª para dois assumptos importantes. O ultimo vapor que chegou de África trouxe noticias graves que sobressaltaram a opinião publica, porque vieram dar conhecimento de que tinha sido alterado o socego na provincia de Angola.
Não sei até que ponto são exactas as noticias que se deram pela imprensa e por cartas particulares; por isso pedia ao governo, ou ao nobre ministro da marinha que, não havendo inconveniente, de á camara as noticias recebidas da auctoridade superior da colonia e indique as providencias que porventura tenha tomado para prevenir males futuros.
Por esta occasião desejava saber se s. ex.ª, pelo paquete anterior, havia recebido alguma communicação a respeito da sublevação, porque hontem, ou antehontem, um jornal insinuava que á partida do ultimo paquete, alguma cousa se sabia d'este acontecimento.
Chamo tambem a attenção de s. ex.ª para outro assumpto importante, e que diz respeito á maneira por que se faz o serviço de pilotagem na barra de Lisboa, porque na semana passada deu-se um espectaculo vergonhoso á entrada da barra, e que contristou os que desejam ver o serviço publico montado com regularidade. Tres vapores demandavam a barra de Lisboa sem poderem entrar, e um que trazia carga para este porto, talvez com receio de que não fossem prestados os necessarios recursos, leve de seguir sua viagem e não entrou.
Isto é um facto de certo vergonhoso, que espero não se repita; e peço ao nobre ministro da marinha que estude o assumpto com o cuidado que merece, a fim de que na proxima sessão possa estar habilitado a trazer alguma proposta a este respeito.
Sei que no seu ministerio tem muitas representações sobre este objecto. É preciso que haja um quebra-mar em Cascaes, aonde se possam abrigar os barcos dos pilotos. Em todo o caso o que é necessario é tomar uma providencia para que não se repitam factos d'esta ordem.
Aguardo a resposta do nobre ministro e pedirei de novo a palavra, se o julgar necessario.
O sr. Ministro da Marinha (Jayme Moniz): — Pedi a palavra para responder ás perguntas do illustre deputado e meu amigo, o sr. Pereira de Miranda, que deseja ter conhecimento dos factos occorridos em Angola, assim como das resoluções do governo a este respeito, e tambem pretende saber se tenciono tomar alguma deliberação para o melhor serviço das pilotagens principalmente da barra de Lisboa.
Pela mala anterior recebi participação, do secretario do governo de Angola, de que a provincia se achava em socego com excepção do concelho dos Dembos onde se notava certa agitação. O ultimo correio porém trouxe infelizmente peiores noticias n'um officio em que o respectivo governador dá conta de factos graves praticados pelo gentío no concelho mencionado, e refere os meios que empregou, a fim de castigar os auctores dos delicies commettidos, Vingar a affronta feita á nossa bandeira e restabelecer a tranquillidade. A leitura d'este documento melhor do que a minha narrativa esclarecerá a camara.
«III.mo e ex.mo sr. — Tenho a honra de levar ao conhecimento de y. ex.ª que n'esta data se acha o effectivo do batalhão de caçadores n.º 4 e algumas pragas de pagadores n.º 3, tudo na força de cerca de 250 homens, no concelho dos Dembos, a fim de tirar ali desaffronta de um desacato
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praticado pelo gentio vizinho contra a nossa bandeira e a força publica portugueza estacionada n'aquelle concelho.
«É esta a questão dos dembos, ex.mo sr. uma herança que eu recebi das mãos dos meus antecessores, e a que eu não tenho cessado de ligar a importancia que logo julguei ella merecia. Sendo cercado aquelle concelho de certo numero de sobas poderosos, astutos e mal dispostos para as cousas portuguezas, tem acontecido, ex.mo sr. o darem-se a miudo pequenos conflictos entre a gente dos ditos sobas e os soldados portuguezes, ou mais exactamente, os exactores da fazenda publica, conflictos a que eu por meios brandos tenho procurado por cobro, sem offensa da dignidade portugueza e do nosso prestigio n'esta região.
«Comtudo, ex.mo, sr. sabe V. ex.ª muito bem que estes processos de conciliação e de paz têem um limite natural, alem do qual toda a transacção seria um erro, e toda a abstenção um crime. Ora, este limite, por mal, chegou, visto que sem provocação immediata um grupo, de homens pertencentes aquelles atrevidos sobas invadida 3.ª divisão do concelho dos Dembos, arriou a nossa bandeira nacional, atacou a força da policia ali estacionada (gente de cor), matou um sargento e um cabo, mal feriu alguns soldados, incendiou a habitação do commandante, e por fim retirou-se, não sem deixar bem saliente o vestigio da sua perversidade e malvadez.
«Em consequencia tomei logo, como dever era, as providencias que julguei opportunas para castigar um tão inaudito attentado, e estou á espera, ex.mo sr. não sem sobresalto, do resultado da diligencia militar que enviei aquelle concelho.
«Deus guarde a V. ex.ª Loanda, 24 de fevereiro de 1872. — III. mo e ex.mo sr. ministro e secretario d'estado dos negocios da marinha e ultramar. = José Maria da Ponte Horta, governador geral.»
São estas as informações que teve o governo. Era vista d'ellas parece rasoavel não recorrer a providencias extraordinarias. Vê V. ex.ª e vé a camara que o digno funccionario que preside á administração da provincia não pede essas providencias, nem informa de modo que aponte ao governo a immediata urgencia de as tomar. Julgo pois acertado não lançar mão de meios que não são indicados nem requisitados (apoiados). Não obstante, vou mandar saír dentro em pouco a corveta Duque da Terceira, a fim de render a corveta Infante D. Henrique, com ordem todavia de se demorarem os dois navios nas aguas de Angola, no caso de necessidade, o tempo que o governador julgar conveniente.
Quanto á segunda parte do discurso do illustre deputado, concordo em que é preciso melhorar a pilotagem nos portos do reino. O meu illustre antecessor apresentou á camara um trabalho sobre este objecto, que não teve andamento e ácerca do qual tem apparecido pareceres differentes e até representações. Estou precedendo á revisão d'este trabalho e ao estudo d'este importante assumpto, e conto que, no praso indicado pelo illustre deputado, poderei apresentar os meios para obviar os males que presentemente se notam na organisação d'este serviço.
O sr. Gonçalves Cardoso: — E a primeira vez que tenho a honra de usar da palavra perante esta respeitavel assembléa, e folgo de que seja a proposito de uma questão que tão de perto interessa a provincia a que devo esta cadeira.
Tambem tive noticias circunstanciadas da provincia de Angola, as quaes vou referir, porque a isso me julgo obrigado como seu representante.
A rebellião dos dembos, na minha opinião, não tem a gravidade que se lhe attribue. Acredito, porém, que é necessario prevenir para não ter que reprimir mais tarde, como aconteceu na desastrosa guerra do Bonga e na infeliz guerra de Cassange, nas quaes o paiz despendeu soturnas
consideraveis para castigar os pretos, emquanto que se fossemos procurar a origem d'esses conflictos, reconheceriamos que os Criminosos eram os brancos.
Ás vezes acontece que os homens que d'aqui são despachados para as nossas provincias de alem mar, e que levam nas suas malas mais cartas de recommendação do que valera, tratam os pretos de uma maneira pouco decorosa, castigando-os com um rigor desmedido, e roubando-os (apoiados); d'ahi a origem das guerras.
Qual foi a causa da guerra de Moçambique, que nos tem custado e ha de custar tanto dinheiro?
Foi o engano que se pretendeu armar ao Bonga, dizendo o governador depois — vou cortar-lhe as orelhas — ao que respondia o Bonga, tão celebrado aqui e que nada vale — pois venha, que o espero resignado.
Aquella guerra podia ter-se evitado com pouco dispendio; mas isto é que não faz conta lá. Na África a guerra, é monopolio e especulação infame de muitos homens (apoiados), que, quando sáem d'aqui, já vão com a idéa de fazerem fortuna, seja como for. -
Eu não quero dizer que o governo se não previna para assegurar o futuro das nossas possessões ultramarina, d'onde nos podem advir avultados recursos; mas convem que nos lembremos de que da imprevidencia dos differentes governos é que tem resultado o atrazo das mesmas possessões.
Repito, a guerra dos dembos não me dá cuidado, porque tenho a certeza de que o governo actual e mesmo outro qualquer, a não ser miguelista, são dotados de amor patrio, e coragem sufficiente para em devido tempo cortar o mal pela raiz; comtudo não estou de accordo com o sr. ministro da marinha, quanto ás providencias de momento, por: que sou de parecer que se deveria mandar desde já uma corveta para Angola.
A marinha, a infeliz marinha, que tão desconsiderada é, e que vé cada vez mais reduzido o seu orçamento, não hesita quando se trata de salvar os nossos interesses compromettidos no ultramar.
Digo bem alto aos meus honrados collegas, que convem; estudar os negocios da nossa marinha, porque a considero o unico fiador das nossas possessões. Se as perdermos a que ficarão reduzidos os 525 kilómetros da metropole.
Estou na ultima quadra da vida, mas agora, como sempre, desejo morrer abraçado á bandeira portugueza, que não sei a que ficará reduzida, se perdermos as nossas possessões.
Estou velho, mas coadjuvado pelos meus compatriotas, porque ainda os ha bons e leaes, hei de morrer em defeza do pavilhão portuguez (apoiados).
Mande o governo a. corveta Duque da Terceira que está prompta, e mande armamentos, tantas e tantas vezes requisitados. Não recebi em Angola, quando tive a honrado governar essa provincia, senão as phrases: «opportunamente se darão providencias.» (Riso).
O sr. Ministro da Marinha: — Eu não disse - opportunamente.
O Orador: — -Não me refiro a s. ex.ª mesmo sei absolver alguns ministerios, porque a verdade é que o termo medio da duração dos governos é de quarenta e oito horas a seis mezes, e por isso não têem tempo nem para estudar o que vale o pessoal e o material.
Confio plenamente no actual governo, emquanto navegar com o leme a meio, porém, se começar a guinar, então viro de bordo. Sou deputado da nação e nada mais.
Estou longe dos partidos, e n'isso tenho grande satisfarão. Nunca fui versátil nem olhei para o catavenlo senão a bordo do meu navio.
Estive em Angola, conheço os dembos, e sei que as rebeliões da natureza d'aquella de que se trata, debellam-se com pouco; ás vezes acabava-as com uma farda de archeiro, que encommendava (riso); mas tambem digo que é necessario attende-los e ouvi-los com paciencia, estando sempre vigilante para a pleiade de ladrões que muitas vezes os roubam e insultara.
Está-me ouvindo um honrado e distincto secretario do governo de Angola, que serviu commigo cinco annos, o
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sr. Silva Costa, que póde certificar a veracidade do que avancei.
Como querem que um districto seja bem governado quando o seu chefe é um simples alferes que para ali mandam muitas vezes quando a terra não póde com elle, pondo-lhe uma banda á cinta, e dizendo-lhe: «Vossê é o governador d'este grande districto, superior em área a Portugal».
Por muitas vezes mandei dizer ao governo que o vasto districto administrativo dos dembos estava pessimamente administrado, e d'aqui é que vem a origem da guerra (apoiados).
Tenho completa confiança no governo; sei que elle, como o tem provado, não recua diante de difficuldade nenhuma, e que ha de ir avante e tomar providencias immediatas, porque d'aqui a Loanda são duas mil leguas. Emquanto vae d'aqui a pergunta e chega a resposta, mettem-se de permeio tres mezes, e n'esse espaço de tempo póde haver grandes desastres.
Vá, portanto, a corveta, armamentos e alimentos, porque o celleiro de Loanda são os dembos. D'ali vem a farinha, o feijão e o milho, que sustenta dois tergos da população da cidade, e se os dembos cortarem os caminhos, muito grandes serão as difficuldades em que se ha de encontrar o governador de Angola.
Peço, pois, ao sr. ministro da marinha, cuja illustração conheço ha muito, e ninguem lh’a póde negar, mas cuja actividade e energia nos negocios da India eu posso dar testemunho, porque apparecia no meu quartel á uma o duas horas da noite, que attenda a estes negocios com a decisão e actividade de que é dotado.
As paixões politicas ás vezes obrigam a fazer injustiças, mas as providencias que s. ex.ª tomou para a India, vão surtindo bons resultados. Proceda s. ex.ª com a mesma actividade a respeito de Angola, e peço-lh'o não só como deputado d'ali, em cuja qualidade corre-me o dever de zelar pelos seus interesses, mas como particular, porque avalio bem a importancia d'essa possessão.
E necessario considerar estes resultados, porque ha mito occulta que procura impedir a prosperidade das nossas provincias ultramarinas. Ha quem não póde ver com bons olhos os progressos que ha seis annos tem a provincia de Angola.
Confio n'este governo, como confiaria em outro qualquer, mesmo do partido reformista hoje casado em primeiras nupcias com o partido historico, porque tenho a certeza de que todos são dotados dos mesmos sentimentos de patriotismo, dos mesmos desejos de serem uteis ao seu paiz; o que todos porém têem encontrado é um grande numero de embaraços que convem vencer para progredirmos.
Vozes: — Muito bem.
O sr. Cunha Monteiro: — Por parte da commissão de guerra mando para a mesa o meu requerimento o mais documentos relativos á pretensão do conde de Claranges-Lucotte, para serem submettidos á illustre commissão de fazenda, para ella apreciar o deliberar como julgar de justiça.
O sr. Eduardo Tavares: — Tive a palavra para solicitar da illustre commissão de fazenda um parecer, com a possivel brevidade, sobre uma representação que eu tive a honra de mandar para a mesa, dos carteiros da administração central do correio de Lisboa, pedindo que lhes sejam restituidas urnas certas vantagens que lhes tinham sido estabelecidas pelo decreto de 1864.
Desejaria que a illustre commissão se apressasse a dar parecer sobre este assumpto, a fim do que aquelles empregados ficassem descansados a respeito do seu negocio.
Aproveito a occasião para mandar para a mesa uma declaração dos motivos por que faltei ás ultimas sessões da camara.
O sr. Silveira Vianna: — Mando para a mesa a seguinte declaração (leu).
O sr. Pereira de Miranda: — Pedi novamente a palavra para agradecer ao sr. ministro da marinha a resposta que s. ex.ª teve a bondade de me dar, e com a qual fiquei plenamente satisfeito. Depois, porém, do eloquente discurso pronunciado pelo illustre deputado por Angola, eu entro em duvida sobre quem tem rasão n'este pleito, se é o governador geral de Angola ou se o illustre deputado, que com tanta illustração dirigiu tambem os negocios d'aquella provincia.
Eu vejo que o governador de Angola não dá grande importancia á revolta, nem pede meios para a debellar (apartes). O illustre deputado, que acabou de fallar, dá porém grande importancia á revolta, pois que até pediu ao sr. ministro da marinha que mandasse immediatamente para Angola um navio de guerra com armamento.
Em vista d'isto, eu peço ao sr. ministro da marinha que pese bem esta questão, que é summamente grave. Eu não desejo que o governo mande para qualquer colonia recursos ou soccorros que sejam inuteis e que vão aggravar sem necessidade as despezas do estado; mas está tambem muito longe do meu animo o desejar que o nobre ministro fique indifferente perante acontecimentos tão graves e que sobressaltam tanto o espirito de um cavalheiro que conhece tão bem aquella provincia, como é o sr. Gonçalves Cardoso.
O »r. Placido de Abreu: — Por parte da commissão de fazenda tenho a dizer ao illustre deputado, o sr. Eduardo Tavares, que o negocio a que s. ex.ª se referiu foi-me distribuido para eu o relatar; e na primeira occasião hei de apresentar á commissão um parecer para ella decidir como for justo e conveniente.
O sr. j. M. Lobo d'Avila: — Vou tomar a palavra n'um assumpto a que talvez devesse ser estranho, porque negocios mais importantes reclamam a minha attenção, e dos quaes eu me occuparia de preferencia se já tivesse tido logar a interpellação por mim annunciada a respeito dos negocios do estado da India, que eu tenho a honra de representar n'esta casa. Mas depois do que eu ouvi dizer ao sr. ministro da marinha, o consta do officio do governador geral de Angola, que s. ex.ª leu, e comparando isto com o
Que disse o sr. deputado Gonçalves Cardoso, ex-governador geral d'aquella provincia, parece-me haver, pela maneira por que os factos eram expostos, alguma contradição, resolvi-me a pedir a palavra.
O illustre deputado Gonçalves Cardoso instou por que se tomassem providencias, e lembrou até ao sr. ministro da marinha que mandasse immediatamente para ali um dos nossos navios de guerra dos que estão em estado de seguir viagem, que creio é só um. Pelo contrario o governador de Angola não pede providencias immediatas, comquanto diga no seu officio que o negocio dos dembos lhe dava cuidado e que esperava com sobresalto o resultado da expedição que tinha marchado.
Pela minha parte considero o negocio da revolta dos dembos com um certo carácter de gravidade; e se assim não fosse, não se teriam já emprehendido a respeito d'elle providencias importantes, como foi o fazer marchar uma força de 300 homens e 2 pegas, commandada pelo official que eu conheço pessoalmente, e de certo um dos mais habilitados para aquelle importante serviço, sendo, segundo parece, infelizmente malograda a tentativa que se fez para supplantar de prompto a desordem que ali reinava.
Depois do mau resultado da primeira tentativa feita para supplantar a desordem, mandou-se marchar o official Lobato de Abreu com mais 40 pragas e 2 pegas de artilheria. D'este segundo reforço não havia noticias até á data das ultimas informações, mas não obstante havia reclamações do districto dos dembos de que era preciso mandar com urgencia para ali 2:000 homens, naturalmente empacaceiros e alguma tropa de linha, porque só com esta força se contava por termo aquella sublevação.
Portanto, parece-me que nos deve preocupar o estado em que se acha a provincia de Angola. E eu vejo que, in
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felizmente, não é só a provincia de Angola que está em circumstancias difficeis, quasi todas as provincias ultramarinas estão n'um completo estado de anarchia.
A India, está como todos sabem, em completa desorganisação, principalmente na parte militar, e coberta de salteadores; a provincia de Moçambique tem-nos custado ultimamente mais de 1.000:000$000 réis, e comtudo o Bonga, terror da Zambezia, subsiste ainda ameaçador; Timor teve ha pouco a guarnição revoltada por falta de meios, porque não se lhe paga ha seis mezes; Angola desarmada tem a revolta dos dembos, que infunde receios ao seu governador; S. Thomé e Principe, sem auxilio I sua agricultura por falta de braços, passou ultimamente pelo grande desastre de ser queimada uma casa onde se guardavam grandes valores pertencentes á fortuna de muitas familias, provenientes dos espolios de defuntos e ausentes, e tambem da arca dos orphãos.
O que eu antevejo é um quadro pouco lisonjeiro e lúgubre a respeito das nossas colonias, bem dignas de melhor sorte, e chamo para este importante assumpto toda a attenção do nobre ministro da marinha, empregando-se aquella energia de que ha pouco fez invenção o sr. deputado Gonçalves Cardoso, a fim de se remediarem quanto possivel os males que pesam sobre as nossas provincias ultramarinas.
Desejo de aproveitar a occasião de estar com a palavra para protestar de certo modo contra algumas asserções levantadas pelo sr. Cardoso, deputado por Angola, que muito respeito, asserções que não posso aceitar na generalidade quando se refere aos militares despachados para o ultramar. Estas asserções, a meu ver, são injustas, e se o não fossem, não só affectavam todos os individuos despachados, mas lançavam grande responsabilidade sobre os cavalheiros que têem sido ministros da marinha em differentes epochas, por terem despachado officiaes sem boa conducta, e como disse o sr. deputado Cardoso, improvisados para expoliarem os povos do ultramar; consinta s. ex.ª que lhe diga com o devido respeito, que me parece exagerada, e algum tanto apaixonada aquella apreciação.
S. ex.ª sabe, e é capaz de dar testemunho de que estas regras não são tão geraes como s. ex.ª as apresentou (apoiados).
Conheço muitos chefes de districtos que foram, e outros
Que sao modelos de honradez e probidade (apoiados), e que eram provas de boa administração. O digno secretario d'esta camara tem um irmão que foi chefe de um dos mais importantes districtos de Angola, e eu, fazendo justiça á sua dignidade e honra, não quero crer
Que por modo algum possa ser comprehendido no numero 'aquelles que mereceram ha pouco tão aspera censura. O que eu lamento é que a provincia de Angola, que se diz que está florescente e que tem abundancia de meios, o que creio ser verdade, tenha a força da sua guarnição completamente desarmada e a prova está em que para marchar caçadores n.º 4 n'uma circumstancia arriscada foi preciso desarmar o batalhão de caçadores n.º 3, e isto porque não havia bastantes armas em bom estado.
O que póde, pois, esperar o paiz de uma guarnição onde é preciso passar as armas de um corpo para outro quando se necessita emprehender qualquer operação de campanha (apoiados).
Estou perfeitamente de accordo com o nobre ministro da marinha era não mandar immediatamente providencias d'aquellas que podem reclamar grande dispendio, o que talvez fosse uma precipitação, como a que ultimamente se praticou com referencia á India.
A minha opinião, a respeito d'estas sublevações da África, é que se devem combater e supplantar taes movimentos com as forças organisadas de tropas do paiz, e por outros meios que devem ser conhecidos de quem governa as colonias, principalmente em África.
Convem saber que muitos dos regulos ou sobas, comquanto se digam vassallos da monarchia portugueza, apenas o são no nome; porquanto não pagam dizimos, nem satisfazem a outros encargos como vassallos; e com relação aos dembos são tanto mais importantes e perigosos n'este estado, quando é certo que são dos gentios os mais illustrados, havendo muitos que sabem ler, e alem d'isto aguerridos, e os que melhor sabem fazer a guerra.
Noto, com grande desprazer, que nas noticias vindas pelo vapor da África, se diz que um individuo portuguez é quem dirige as forças d'aquelle gentio. Receio muito que este homem, que já poderá ter um certo conhecimento e tactica no modo de manobrar, alcance vantagens sobre a nossa força, que infelizmente está mal armada e mal organisada.
Voltando novamente á questão das providencias, direi que se o governador de Angola não encontra maior gravidade nas occorrencias de que deu conhecimento ao governo, bem fez em não pedir por emquanto providencias extraordinarias da metropole; e tambem seria melhor não atacar directamente os dembos, mas preparar as operações, reforçando immediatamente Ambaca, Golungo Alto, e mesmo Massangano, podendo mandar todos os recursos pelo rio Quanza, visto que o Zenza, segundo parece, está occupado pelos dembos.
O Golungo Alto é um bom ponto de apoio, porque fica perto do rio Zenza, que é a continuação do rio Bengo e o mesmo com outro nome, e que fica nas proximidades de Lambige, onde ha uma passagem onde a força estacionada em Golungo Alto, póde passar e effectuar um vantajoso ataque e mesmo occupar immediatamente Mufuque com uma força respeitavel entre o rio Zenza e Golungo Alto, que fica perto dos dembos, e esta força podia ser auxiliada por Ambaca, e assim teriamos como um triangulo formado por tres forças, que podiam de um momento para outro atacar sobre o dembos, que fica apenas 30 leguas distante de Loanda, o que é mais um motivo para o mais breve por termo aquella revolta.
Tambem me parece que algumas forças poderiam marchar de Encoge até Guimalundo, e estabelecer assim uma reserva que, em caso de necessidade, soccorresse a expedição que fosse mandada directamente aos dembos, sendo as mais tropas conservadas de observação, e não atacar immediatamente. D'este modo isolada a revolta e entregues os dembos só aos seus recursos sem poderem communicar com outros regulos que lhes dessem auxilio, é provavel que em pouco tempo se submettessem, ou se lhes impozessem condições que elles seriam obrigados a aceitar; terminando o conflicto de uma maneira honrosa para nos.
Mas atacar de frente e atacar no seu proprio paiz com forças diminutas sem plano combinado, é esperar quasi certo um desastre. Esta é a minha opinião, e parece-me que se nos tivessemos adoptado este systema a respeito do Bonga, não estariamos na espectativa de quarta expedição e teriamos despendido menos 1.000:000$000 réis, poupado muitas vidas e soffrido menos desastres e vergonhas.
Eu direi ainda outra vez, e para isto chamo a attenção dos meus collegas militares, que é sempre um grande erro intentar campanhas nos sertões de África, em qualquer das partes, com forças em massa contra os gentios, porque o gentio é como as guerrilhas em Portugal, fogem a todos os ataques regulares, têem á sua disposição o auxilio natural do clima, acham alimentação em qualquer ponto, tem o segredo das nascentes das aguas; fogem em debandada para apparecerem depois como enxames de abelhas sobre as tropas regularmente organisadas; fazem, como disse, uma guerra de guerrilhas; cansando a tropa regular que os persegue, que a final tem que ceder não á força, mas ás influencias do clima, e ás privações de toda a ordem. O que nos devemos fazer é concentrarmo-nos nos pontos fortificados para termos a segurança de podermos resistir e para fazermos d'esses pontos uma especie de fortes sortidas bem combinadas sobre elles.
É preciso saber-se que as nossas tropas, marchando no
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interior da África, para levarem os mantimentos e as munições têem de ser seguidas de uma grande quantidade de negros, que são os conductores d'esses mantimentos e d'essas munições. Em primeiro logar os proprios negros têem de comer do que levam ás costas, diminuindo assim os recursos de qualquer expedição, e em segundo logar, quando essa expedição tem de entrar em luta, elles praticam um dos dois seguintes actos, igualmente nocivos; ou fogem para os contrarios, ou voltam para a rectaguarda levando as munições de guerra e de bôca.
Aqui estão os inconvenientes que resultara de se fazer em África uma guerra em fórma, uma guerra como se faz na Europa.
Foi isto exactamente o que acontecem com a guerra de S. Salvador do Congo em 1860, que tanto nos custou para a final ser abandonado.
Nada mais direi senão que espero que o sr. ministro dá marinha apresente mais alguns esclarecimentos, e que diga qual é a sua opinião a respeito dos recursos que elle tem resolvido ou resolverá mandar para Angola, por isso que um dos jornaes que se publicara na capital, diz hoje que sabe que o governo vae lançar mão de meios extraordinarios a respeito d'aquella provincia.
Aproveito ainda á palavra para pedir ao sr. ministro que tenha a bondade de me dizer se no caso de progredirem as más circumstancias em que se acha a provincia de Angola, se depois da mesma provincia lançar mão infrutuosamente de todos os meios que tem ao seu alcance para suffocar a revolta, s. ex.ª está resolvido a empregar o exercito de Portugal oú á mandar qualquer corpo destacado para auxiliar a guarnição d'aquella parte da monarchia, como fez com relação ao estado da India.
O sr. Presidente: — Peço a attenção da camara. Vae ler-se um officie do ministerio do reino. Leu-se na mesa um oficio do ministerio, remettendo o processo eleitoral relativo ás eleições supplementares no circulo das Caldas da Rainha, o qual foi remettido á commissão de poderes.
O sr. Barros e Cunha: — Foi na realidade melancolico o quadro tragado á camara por um illustre deputado que tem toda a competencia n'estas questões do ultramar.
Não farei a esse respeito reflexões, porque nas circumstancias presentes carece-se mais de acção que de palavras (apoiados). A unica observação que desejo apresentar é a seguinte: a opposição da camara, em primeiras ou segundas, nupcias ligada, não faltará a dar ao governo todo o apoio de que elle tenha necessidade, tanto para, ou seja immediatamente ou seja quando se julgar mais opportuno, cortar pela raiz o mal que dá origem a estas constantes sublevações e desordens nas provincias ultramarinas, como para debellar a revolta que assoberba actualmente a auctoridade e á bandeira portugueza na possessão de que se trata.
O sr. Gonçalves Cardoso: — O illustre deputado por Goa, o sr. Lobo d'Avila, parece-me que confundiu Babylonia com Sião, ou que tomou a nuvem por Juno. Quando ha pouco fallei a respeito de alguns militares das nossas provincias ultramarinas não me referi a todos (apoiados), nem era capaz de o fazer, porque não está isso na minha Índole; referi-me unica e expressamente, e é preciso que fique bem constatado, ao pessoal pouco habilitado e competente que é despachado para África. Ha muitos que se despacham para o ultramar, porque aqui assoberbam os governos.
O sr. J. M. Lobo d'Avila: — Quem é que os manda?
O Orador: — Não sei quem os manda, nem quero saber. Eu estou respondendo ás reflexões que s. ex.ª fez. E necessario não transformar as cousas. S. ex.ª conhece-me ha muitos annos, e sabe que eu não sou capaz de assacar injurias immerecidas e que não altero a verdade dos factos.
Este negocio é muito serio.
Ainda ha pouco tempo pedi ao sr. ministro da marinha urnas condecorações para differentes officiaes do ultramar, ao que s. ex.ª annuiu; portanto já se vê que aprecio os bons serviços e que sei considerar os officiaes que comprehendem o seu dever e são dignos do posto que têem. Portanto é preciso tomar bem nota de que não me referi senão aos maus; os bons respeito-os como devo, hei de sempre respeita-los e recommenda-los ao governo emquanto estiver em circumstancias de o fazer.
S. ex.ª ha de fazer-me justiça, porque me conhece ha muitos annos, desde que fornos de camaradagem para Cabo Verde em 1836, e deve acreditar que sou o primeiro a reconhecer que ha muitos officiaes da provincia de Angola e de Outras, que talvez não estejam tão bem retribuidos como merecem, e prézo-me de ter pugnado muito por elles. S. ex.ª sabe isto muito bem.
O sr. Ministro da Marinha: — Poucas palavras acrescentarei ás que já tive a honra de dizer á camara sobre o assumpto de que se trata. Ouvi o illustre contra-almirante o sr. Cardoso com o respeito que todos devemos a s. ex.ª, que certamente é um dos mais distinctos officiaes da nossa armada (apoiados).
O nobre deputado sabe quanto prezo e estimo as qualidades que o tornara um dos homens respeitaveis d'este paiz (apoiados). Conheço o seu valor militar e os seus longos serviços, aprecio o seu patriotismo e não ignoro o governo que fez em Angola com grande vantagem para a provincial, e não menor credito para o seu nome. Venero a s. ex.ª por ser um dos liberaes a quem a patria muito deve (apoiados).
Permitta-me porém que lhe diga que do seu mesmo enthusiasmo e amor pela marcha feliz dos negocios do ultramar vieram porventura, sem bastante fundamento nos factos, as phrases assustadoras que na segunda parte do seú discurso proferiu sobre 0 objecto que prende a attenção da camara n'este momento. A principio o desacato dos dembos não lhe pareceu motivo para grandes cuidados, depois considerou-o causa para serios receios.
O sr. Francisco Costa: — Apoiado.
O Orador: — Ponderou O illustre deputado que previnir é melhor que remediar. Concordando com esta doutrina dentro de certos limites e não sem restricções, não vejo para o nosso caso a necessidade de a applicar. O governador de Angola, que reside mais proximo do local dos acontecimentos, que os conhece, que sabe os meios que têem á sua disposição, não pede providencias extraordinarias, nem deixa ver da sua narrativa precisão d'ellas. O governo, portanto, não as deve tomar. Não somos nos os unicos que sabemos a distancia a que fica da metropole a provincia de Angola. O governador tambem a não ignora (apoiados).
Referindo-se á declaração, que fiz, de que ía mandar render a corverta Infante D. Henrique pela corveta Duque da Terceira, o nobre deputado exclamou que era sempre a marinha quem acudia ao ultramar nas suas desgranas. Faz ella o que deve, e folgo de ter ensejo para assim o proclamar. Por occasião da revolta da India vi eu, e viu o paiz tambem com alegria, que, desde o marinheiro até ao official mais graduado, era em todos grande o empenho de acudir aonde a honra os chamava. Não encontrei difficuldades nem obstaculos. Achei o amor ao cumprimento do dever (muitos apoiados). É por este motivo que eu confio immenso na marinha sem esquecer outros servidores do estado que merecem igual elogio e confiança.
Não tratarei de investigar agora se na administrado das' provincias ultramarinas se tem dado os abusos a que s. ex.ª attribue os acontecimentos desastrosos que todos lamentamos. Acercados que hoje discutimos recordarei as palavras do digno governador de Angola, quando diz que d'esta vez não houve provocação immediata que explique o attentado commettido no concelho dos Dembos.
Tambem me parece que não ha rasão para o meu esclarecido amigo o sr. Pereira de Miranda hesitar sobre o procedimento que por ora convem seguir. As informações offi-
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ciaes aconselham o caminho que prefiro. Á segunda parte do discurso do sr. Gonçalves Cardoso peço a s. ex.ª que contraponha a primeira.
Uma voz: — Mas o governador está em sobresalto.
O Orador: — Se V. ex.ª estivesse governando a provincia de Angola e soubesse que um dos concelhos d'ella tinha sido invadido pelo gentio, inquestionavelmente ficava sobresaltado (apoiados). Se tendo enviado forças para repellir os invazores e vingar as affrontas praticadas contra a nossa bandeira, aguardasse ainda o resultado, de certo tambem não estaria socegado. O que affirmo é que das expressões do governador não se deduz que elle careça de meios extraordinarios enviados da metropole para o fim que deseja conseguir.
O sr. J. M. Lobo d'Avila: — Está em sobresalto e receia o resultado.
O Orador: — Receio é termo que não se encontra no officio.
O illustre deputado que me interrompe apresentou o plano de campanha que julgava proprio para suffocar a rebellião dos dembos.
O sr. J. M. Lobo d'Avila: — Não é só para ali, é para todas as provincias ultramarinas.
O Orador: — Pois bem. Mas aqui não é o logar para discutirmos esse assumpto. Por ora deixemo-lo entregue ao governador de Angola e aos seus officiaes, a cuja competencia incumbe.
Terminarei dizendo brevissimas palavras sobre duas perguntas que me fez o cavalheiro a quem me estou dirigindo.
Pertende s. ex.ª que eu declare se na hypothese de serem precisas medidas extraordinarias o governo está resolvido a usar d'ellas, e se tenciona mandar a Angola um corpo do exercito de Portugal. Se o governador geral de Angola requisitar taes medidas para acudir á restauração do socego na provincia, o governo não faltará ao seu dever. Providenciará com promptidão e energia conforme as circumstancias exigirem, e desde já sabe que ha de ter o apoio da imprensa, da camara e do paiz (apoiados). O governo que actualmente se acha á frente dos negocios publicos não póde ser accusado de não tomar providencias energicas para suffocar rebelliões (muitos apoiados).
A segunda exigencia do illustre deputado causou-me certa admiração pois que antes s. ex.ª havia asseverado que na África não convinha fazer a guerra se não com gente do paiz (apoiados).
O sr. J. M. Lobo d'Avila: — E a minha opinião; mas não sei se é a opinião do governo.
O Orador: — Desejava s. ex.ª saber se sou do mesmo parecer? Pois bem, a resposta que dou é simples. Sobre tal ponto reserva-se o governo o direito de resolver quando o caso urgente reclamar resolução.
Tenho dito. (Apoiados.)
Vozes: — Muito bem.
O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Candido de Moraes; e advirto que está chegada a hora de se passar á ordem do dia (apoiados).
O sr. Candido de Moraes: — Se V. ex.ª me dá a palavra para m'a retirar logo, então...
O sr. Presidente: — Disse unicamente que a hora de se passar á ordem do dia estava proxima, mas não retirei a palavra ao illustre deputado.
O sr. Candido de Moraes: — Eu respondo a V. ex.ª que desisto da palavra.
Vozes: — Ordem do dia,
O sr. Presidente: — Vae passar-se á ordem do dia.
O sr. Barros e Sá: — Mando para a mesa dois pareceres da commissão de verificação de poderes, um que diz respeito ao circulo das Caldas da Rainha, e outro ao de Paredes. Ambos approvam as respectivas eleições, visto não apparecer duvida, reclamação ou protesto algum.
Quanto ao circulo das Caldas da Rainha, o deputado eleito já apresentou o seu diploma, por isso peço a V. ex.ª que consulte a camara sobre se dispensa o regimento, a fim de se entrar já na sua discussão.
Consultada a camara resolveu dispensar o regimento, a fim de ser desde logo discutido o seguinte:
Parecer
Senhores. — Á commissão de verificação de poderes foi presente o processo eleitoral, a que no dia 17 de março se procedeu no circulo n.º 61 (Caldas da Rainha), da qual consta que, tendo entrado nas urnas das differentes assembléas eleitoraes de todo o circulo 5:238 listas, das quaes uma era branca, obteve o bacharel Augusto Zeferino Rodrigues, 5:237 votos.
E porque não houve protesto nem reclamação contra os actos eleitoraes, verificando-se antes que tudo correrá regularmente, é por isso a vossa commissão de parecer que a eleição seja approvada, e que o cidadão Augusto Zeferino Rodrigues seja proclamado deputado e admittido a prestar juramento, pois que apresentou diploma em fórma legal.
Sala da camara, 1 de abril de 1812. = José Maria da Costa e Silva = João Antonio dos Santos e Silva = Antonio José de Barros e Sá.
Foi approvado sem discussão, e proclamado deputado o sr. Augusto Zeferino Rodrigues, que foi introduzido na sala e prestou juramento.
ORDEM DO DIA
Continua a discussão sobre o projecto que trata de alterar o imposto denominado real d'agua
O sr. Pinheiro Chagas: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)
O sr. Mariano de Carvalho: —... (O sr. deputado neto restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)
O sr. Presidente: — Fica a palavra reservada ao sr. deputado.
A ordem do dia para ámanhã é a continuação da de hoje.
Está levantada a sessão.
Eram quasi cinco horas da tarde.