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bem não ha amortisação, não ha inalienavilidade, não ha privação de commercio; finalmente, não ha amortisação, e portanto não póde haver desamortisação.

A terra entre nós é toda livre, não ha um só palmo de terra que seja escrava, que esteja fóra do commercio, que não possa ser comprada, vendida, trocada ou subrogada Como chamaes pois a este projecto de desamortisação? É porque com esta palavra sympathica, synonima de liberdade, quereis encobrir a indole, a natureza e o fim do projecto. O vosso projecto não é de desamortisação, mas de espoliação.

Não desamortisa, porque não põe em circulação predio algum que não o esteja já; mas espolia porque determina que o governo venderá por conta do estado os bens pertencentes ás corporações e associações, e confisca para o estado a propriedade da parochia, do municipio, do hospital, da misericordia e da igreja!! Confisca a roda do exposto, o leito do enfermo, a enxerga do pobre, a do invalido!! Nada lhe escapa!! A pena de confiscação, abolida pela carta, até nos maiores crimes, é ressuscitada pelo projecto contra a virtude da caridade e contra o culto da igreja catholica!!! Aonde vamos chegando?!!

A minha moção toma por base e fundamento a disposição contida no artigo 1.°, emquanto determina que os bens das corporações e associações sejam vendidos por conta do estado; e a do artigo 2.°, emquanto dispõe que as inscripções, representativas do preço da venda, serão entregues ás ditas corporações pelo preço de 50 por cento. Aquelle artigo era da primitiva proposta do governo; este foi introdução nova da commissão.

Se nós, sr. presidente, estivessemos chegados á situação extrema de optar só entre os desastres, entre as calamidades, eu optaria pela proposta do governo, entendida e interpretada pela doutrina do relatorio que a precedeu, até porque me persuado que o sr. presidente do conselho não daria a sua approvação a um projecto espoliador, elle que quando se tratava da lei de 4 de abril, dizia aqui, n'esta casa, que se precisava licença, annuencia e accordo da côrte de Roma para levar ao cabo a desamortisação ecclesiastica. É certo, é verdade, que o pensamento da espoliação apparecendo ou manifestando-se mais claramente no projecto da commissão, o governo lhe dá a sua approvação, e isto faz-me duvidar da sinceridade das intenções da proposta primitiva do governo e das promessas contidas no relatorio, assim como da firmeza das antigas opiniões do sr. presidente do conselho, e faz-me recordar que a opinião do sr. ministro da fazenda é que as corporações e associações não têem propriedade sobre bens de raiz, mas só usufructo.

Não sei, não posso conciliar isto, mas como a contradicção é hoje uma regra de governo fertil em recursos, não me cansarei em procurar a conciliação de opiniões tão oppostas.

Sr. presidente, tenho para mim que tanto o projecto da commissão como a proposta do governo, repugnam com a inviolabilidade do direito de propriedade garantido na carta constitucional, com os dictames da nossa consciencia e ao direito natural, que é anterior e superior á lei escripta.

Decreta-se que o governo venderá por conta do estado os bens das corporações e associações, etc...; isto quer dizer que, logo que o projecto seja convertido em lei, os bens das ditas corporações ficam pertencendo ao estado. Eu só posso vender por minha conta o que é meu. Vender por minha conta o que não é meu, o que é dos outros, é contrasenso. E um absurdo, uma mistura de palavras contradictorias e de idéas repugnantes.

Os bens, as propriedades das misericordias, hospitaes, etc. não podem ser vendidos por conta do estado sem que o estado primeiro os tenha apropriado. A esta apropriação chama-se confisco, espoliação (apoiados). Pois, em boa fé, diga alguem: póde o estado vender por sua conta o que não pertence ao estado?! Se lhe pertence, é porque a houve por algum titulo, e, n'este caso, o titulo é o da espoliação, synonymo de roubo.

Sr. presidente, se estas palavras são fortes, se porventura offendem alguem, eu as retiro, retirando o governo aquell'outras contra que me queixo por conta do estão. Retire o governo essas palavras e eu retiro as apreciações que fiz. O sr. ministro da fazenda consente em retirar as palavras que indico? Não responde, o que equivale a dizer que taes palavras são essenciaes á realisação do pensamento do projecto, o que quer dizer que ha espoliação. Mas a espoliação, não se illudam, não é feita ás corporações, mas ao enfermo, ao pobre, ao velho invalido, ao exposto, é ao municipio e parochia!

Emquanto ao artigo 2.°, em que principio de direito, de rasão e de justiça se funda a commissão para prescrever ás corporações que recebam a 50 por cento as inscripções que valem 39? O agiota vende a 39, o commerciante compra a 39, o rico, que quer fixar os seus capitaes, compra a 39, porque ha de a misericordia e o hospital comprar a 50?! O governo e o thesouro lucrará muito, quasi 25 por cento, mas este lucro é com jactura alheia, com detrimento dos capitaes destinados á sustentação dos pobres e dos enfermos, do culto divino e explendor da religião. Eu dejava ver ampliadas as faculdades municipaes e parochiaes, mas vejo que se lhe nega o direito de propriedade, e portanto o de administração do que é seu, do que possue!!!

Declarado que os bens são vendidos por conta do estado, desejava saber porque regras, porque preceitos se effectuará a venda. Será pelas leis que regulam as vendas dos bens nacionaes ou será pelas regras prescriptas nas leis de 4 de abril e 22 de julho? A logica leva-nos a suppor que serão applicaveis as regras relativas aos bens nacionaes, mas isto equivale a dizer que não serão permittidas mais remissões, e que não haverá mais laudemios. E esta a intenção do governo e da commissão? Diga-se franca e lealmente. Insisto e insistirei até á impertinência para que se ponha bem a claro esta idéa.

Não abandonarei este logar emquanto por parte do governo ou da commissão, não for explicitamente declarado o mysterio que esta envolvido no projecto. A questão das remissões é grave, mas a dos laudemios tambem o é. Informem a camara que esta em duvida, e persuado-me que quem poderia informar-nos era o sr. Faria Guimarães.

O sr. Faria Guimarães: — Ha de ouvir-me, se Deus quizer (riso).

O Orador: — Se eu tiver a felicidade de ouvir as explicações ao sr. ministro da fazenda, estou persuadido que as corporações não têem que receiar, pois logo que se diga que não são alteradas as regras prescriptas para a venda na lei de 1866, logo que se diga que ficam os laudemios dos contratos e que é licito aos foreiros remirem os fóros depois de cada abatimento, logo que isto seja dito claramente pelo sr. ministro, muitas adhesões hão de desapparecer, e o projecto terá muito má sorte.

Sr. presidente, entre os axiomas do mundo moral aquelle que mais propriamente merece este nome, é o do direito de propriedade. Ha seis mil annos, desde que a terra foi dada aos filhos do homem, sempre o axioma do direito da propriedade tem sido a base da sociedade. A idéa da propriedade esta tão ligada á existencia do homem na sociedade, que não é licito, não é permittido conceber a separação. Os romanos não acharam meio melhor de definir a justiça senão comparando-a com o respeito ao direito de propriedade, Constans et perpetua voluntas suum cuinque tribuendi; os scepticos, que o negam, contradizem-se chamando-lhe roubo; contradizem-se, porque a idéa de roubo presuppõe a de propriedade: a quem roubariam os ladrões senão aos proprietarios? A idéa da propriedade é tão brilhante e inevitavel como o sol que inunda os blasphemos da sua luz. Mas o projecto, que discutimos, mandando vender por conta do estão os bens das corporações e associações existentes pela lei; e auctorisando que o governo retenha na sua mão quasi 25 por cento do seu preço, envolve um ataque directo a este direito sagrado, inviolavel. Desde que uma lei determina que o governo venda por conta do estado os bens que não são do estado, só pela rasão de que as necessidades actuaes e urgentes do thesouro reclamam essa medida, não se estabelece o pernicioso principio de que é justo tudo o que é util? Pois a medida de justiça esta na utilidade, ou é a utilidade que deve ser medida pela justiça? Sei muito bem que todos os direitos do homem têem limites na sociedade, e que o direito de propriedade tambem tem os seus. O direito de propriedade tem por limite a utilidade publica, ante a qual deve ceder, e os direitos de terceiro, que são iguaes aos nossos, e ante os quaes deve parar. A utilidade publica póde exigir, umas vezes, o sacrificio inteiro e completo da propriedade; outras vezes póde exigir sómente modificações no modo de usar e gosar d'ella. Estas limitações, que são reconhecidas pela rasão e pela consciencia, estão consignadas na carta constitucional, e constituem direito publico, que nós não podemos alterar, e que serve para fundamentar a minha questão previa. O artigo 145.° § 21.° da carta garante o direito de propriedade, inviolavel e sagrado, mas admitte duas excepções: a de expropriação total e completa por utilidade publica, legalmente verificada, com a indeclinavel condição da indemnisação prévia; e a da limitação e regulamentação do goso e uso da mesma propriedade, quando os costumes publicos, a segurança e a saude dos cidadãos o exigirem, o que se póde verificar a respeito de certas culturas nocivas á saude, de certas industrias incommodas e perigosas, e a respeito ainda da laboração das minas, do desseccamento de pantanos, da cultura das margens dos rios, etc. etc. etc.

São estas as duas limitações que a lei constitucional consente ao direito de propriedade, mas nenhumas outras auctorisa, nem podia auctorisar, porque se o direito de propriedade póde e deve soffrer as limitações reclamadas pelo bem do estado e impostas pela soberania nacional, esta é tambem limitada pelas prescripções do direito natural, que lhe são superiores e anteriores, e não podem ser modificadas ou reformadas pelas constituições dos povos.

N'estes termos, sr. presidente, não contesto aos poderes publicos o direito de decretarem a desamortisação forçada da propriedade, nem nego a utilidade da desamortisação; mas, como no presente projecto, não se trata de desamortisação de propriedade que esteja amortisada, mas de outra cousa muito differente, mui opposta á desamortisação, não posso dar-lhe o meu voto.

O estado tem direito para decretar a desamortisação forçada, porque tem direito para regular o modo de possuir, de adquirir, de conservar a propriedade, assim como o modo e causas por que póde perder-se. O estado tem, mais ainda, o direito para decretar a expropriação por utilidade publica, mas este direito é subordinado á condição da indemnisação previa de todo o valor da propriedade expropriada, e não de outra fórma. Cumpram pois e satisfaçam a esta condição constitucional, á indemnisação previa, que já não poderá ser aqui negado o direito que tenha contestado. Mas estabelecer o principio que o governo póde vender por conta do estão a propriedade alheia, é decretar o confisco em proveito do estado; auctorisar que o governo fique com quasi 25 por cento do preço da venda, é auctorisar por lei a extorsão, que não é outra cousa senão o roubo; é auctorisar ao governo aquillo que se pune nos particulares, a infidelidade do depositario!!! Uma assembléa de legisladores não póde auctorisar isto!! Façam a indemnisação previa, completa e total, e cessarão os nossos clamores, cessarão os gemidos do enfermo e as lagrimas do pobre (apoiados).

Não contesto, repetirei mil vezes, o principio da desamortisação, mas nego que o projecto seja de desamortisação. O que este projecto intenta é auctorisar a espoliação.

Os nossos réis antigos tambem decretaram a desamortisação forçada, mas isso nada prova contra as minhas idéas e opiniões, que tambem quero e approvo a desamortisação; mas quero a desamortisação como a carta a quer, como a prescreveram os nossos antigos réis. Eu sei que, desde o principio da monarchia, desde o Senhor D. Affonso II até ao Senhor Rei D. Diniz, foram prohibidas ás corporações religiosas novas acquisições; sei que desde o Senhor D. Diniz até D. Affonso V se distinguiam as acquisições por titulo oneroso dos feitos pelo lucrativo; que este Rei lhes prohibiu, com severas penas, novas acquisições; e sei que Filippe III, pela lei de 30 de julho de 1611, posterior á compilação das nossas ordenações, determinou que as corporações não podessem reter por mais de anno e dia os bens adquiridos por qualquer titulo; sei que o Senhor D. José acrescentou estas prohibições de amortisação com novas providencias nas leis de 4 de julho de 1768 e de 12 de maio de 1769 e outras; sei que no tempo da Senhora D. Maria I e do Principe regente se publicaram igualmente varias leis tendentes á desamortisação dos bens ecclesiasticos. Mas, que importa tudo isto, ha n'essa legislação alguma lei em que se decretasse que o governo venderia por conta do estão os bens das corporações, e ficasse com todo ou parte do preço?! Pois esta é a questão, e nenhuma outra. Se eu negasse o principio da desamortisação podiam estes exemplos historicos provar alguma cousa contra mim; mas eu não nego o principio, o que nego, o que impugno, aquillo contra que me revolto é contra a espoliação, contra o confisco feito em nome do principio da necessidade actual do thesouro!!

Se eu não visse, sr. presidente, o principio de desamortisação auctorisado na carta constitucional, pouco importavam essas leis, decretos e alvarás da antiga monarchia, porque esses derivavam-se de um principio, que a carta aniquilou, o do dominio eminente do rei sobre toda a propriedade existente no estado, mas a carta reconheceu o principio contrario o do direito de propriedade — inviolável; o ao mesmo tempo que matou a theoria do dominio eminente auctorisou a expropriação por publica utilidade, mas com previa indemnisação. É por este principio de expropriação que eu aceito e approvo o principio de desamortisação, subordinado sempre á indemnisação previa.

Seguindo por este caminho, obtenho duas vantagens de muito valor: a primeira é que encontro a desamortisação auctorisada pelo direito do reino e pelo direito canonico, no qual foram recebidas as constituições de Leão e Antêmio que diziam: Sed et permutáre pincipi licet pro ré majori, miliori, vel aquali, si respublica hoc expocit, et praguematica fórma super hoc praecedent. Este texto, recebido nas decretaes, auctorisa a permutação dos bens da igreja decretada pelo principe, em respeito á utilidade publica, por cousa que seja melhor, maior ou igual; e a esta permutação, é a que nós hoje podemos chamar expropriação por utilidade publica com previa indemnisação do valor. E não será vantajoso encontrar n'esta materia as leis da igreja em harmonia com as nossas instituições, evitando assim conflictos, fazendo desaparecer escrupulos e tranquillisando as consciencias?! Cuido que sim. Além do texto canonico que já indiquei muitos outros ha, que auctorisam a desamortisação, os quaes julgo escusado invocar, mas referirei a resolução do terceiro concilio de Toledo havido no anno de 589, no tempo de Ricardo que prohibiu á igreja adquirisse mais bens sem licença do rei. Aqui acha-se consignada a idéa da prohibição de amortisação, o que importa a idéa opposta da desamortisação. Affonso VI de Leão em 1102 prohibiu tambem que se fizessem doações ou legados á igreja, e o proprio santo rei Fernando, nos fóros de Cordova, Toledo e Caceres, fez a mesma prohibição, e apesar das instancias do papa Gregorio IX, para revogar estas prohibições, o rei negou-se sempre a faze-lo, donde resulta que a idéa de desamortisação não repugna ao direito canonico mas sempre fez parte do direito publico da peninsula hespanica.

A segunda vantagem que disse se obtinha de encarar o principio da expropriação para auctorisar a desamortisação, em harmonia com a carta constitucional, é não nos vermos precisados, de negar o direito de propriedade ás corporações e associações de que trata o projecto. O nobre e sabio relator do projecto, que depois constituiu a lei de 22 de julho de 1868, hoje ministro da fazenda, entendia que para auctorisar a desamortisação era preciso negar o direito de propriedade ás corporações e associações, e dizia que se fosse obrigado a admittir o direito de propriedade ás corporações, lhe falleciam as forças para defender o principio de desamortisação, e que n'este caso a desamortisação seria uma verdadeira espoliação; note-se que a palavra é de s. ex.ª Dizia mais, que a idéa de desamortisação e de propriedade eram inconciliaveis e contradictorias que uma repugnava á outra; que inverter a fórma da propriedade, acrescentava s. ex.ª, era sacrificar a essencia, a qual consistia em cada um poder dispor exclusivamente da substancia da propriedade; finalmente, que para auctorisar a desamortisação era preciso considerar as corporações como meros usufructuarios para deixar só os rendimentos.

Respeito muito, muitissimo, os altos conhecimentos juridicos do nobre ministro da fazenda; quem ha aqui, ou fóra d'aqui, que não lhe faça completa justiça? Ninguem se atreve a duvidar do talento e saber de s. ex.ª, principalmente em materias juridicas; mas s. ex.ª, cuido eu, estava em equivoco. Póde-se reconhecer o direito de propriedade ás corporações e obriga-las ao mesmo tempo a vender ou a desamortisar marchando pelo principio da expropriação por publica utilidade, como fizeram sempre os nossos antigos réis, e como é auctorisado na carta constitucional. Para que