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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Discurso do sr. deputado Luciano de Castro pronunciado na sessão de 13 de abril, e que devia ler-se a pag. 1111, col. 1.º
O sr. Luciano de Castro: — Tenho ouvido discutir tão largamente este assumpto, que declaro a V. ex.ª que sinto a necessidade de dar algumas explicações á camara, para arredar de mim uma certa responsabilidade que possa resultar-me do meu voto.
Antes de proseguir nas minhas observações permitta-me V. ex.ª que associe a minha voz á do sr. Eduardo Tavares, e que lamento que o governo, tendo quatro dos seus membros a sua opinião compromettida n'este assumpto, não tenha o desassombro preciso para vir tomar o seu logar no debate e fazer da approvação d'este projecto uma verdadeira questão ministerial, pois na verdade de outra maneira não póde ser considerada desde que quatro ministros do gabinete entendem que tal questão é verdadeiramente nacional, e julgam que o estado retem em si sommas que pertencem ás pessoas que pretendem beneficiar.
Esses ministros entendem que o pundonor e o decoro da nação exigem que se pague essa divida, e não obstante s. ex.ª retrahem-se, encolhem-se, não dizem o seu modo de pensar e de sentir, e deixam á camara a sua liberdade como se se tratasse de um assumpto simples e trivial.
Trata-se de uma questão de honra para o paiz, como s. ex.ª declaram, e o governo emitte a medo o seu parecer, e não empenha os necessarios esforços para que a camara se mostre equitativa com quem allega direitos a que o estado lhe pague uma divida! Desde que s. ex.ª estão compromettidos, como estão, pelas suas palavras pronunciadas n'esta camara, entendo que não têem senão uma posição definida e clara a tomar: é dizer á camara qual é a sua opinião a este respeito e fazer todas as diligencias, discutindo e persuadindo a camara a que approve o projecto que se debate. Mas vejo o contrario!
Digo mais. Sou insuspeito n'esta questão. (Apoiados.) Sou opposição; e apesar de a ter feito vigorosa e constante a todos os projectos que augmentam a despeza, guiando-me pelas declarações do governo, acho este projecto de tal maneira especial, que não duvido consideral-o uma excepção aos principios que tenho defendido, e approval-o.
Tambem, examinando a questão, declaro sinceramente que tenho ficado surprehendido de ver a facilidade com que alguns membros d'esta camara declaram, que o conde do Farrobo foi sobejamente compensado dos sacrificios que fez á nação, pelo emprestimo com que salvou a liberdade! Tenho ficado surprehendido, repito, e realmente folgaria muito que s. ex.ª abonassem as suas palavras com alguns argumentos que podessem levar a convicção ao fundo das nossas consciencias, e que dissipassem os reparos que porventura aquelles que pensam como eu tenham a oppor-lhes. (Apoiados.)
Em mui resumidas palavras direi á camara o estado da questão pelo lado da justiça.
O conde do Farrobo em 1832 emprestou ao sr. D. Pedro IV, de saudosa memoria, 100:000$000 réis; e d'esse emprestimo, disse o proprio Imperador, «ter sido obtido por um singular contrato em que a fortuna da empreza foi a unica hypotheca, a sua firma o unico fiador, o zêlo e a confiança de quem dava o recebia igualmente franca e illimitada».
Não se podia dizer mais.
Ainda antes de vingar a causa da liberdade, deu-se, por decreto de 10 de dezembro de 1832, ao conde do Farrobo, para pagar esse emprestimo, o contrato do tabaco por doze annos. Publicou-se depois o decreto de 23 de julho de 1834, pelo qual foi declarado extincto o papel de 31 de agosto em diante.
Taes foram porém os clamores que se lavantaram depois por parte dos interessados, que o parlamento se viu forçado a fazer a lei de 1 de setembro de 1834, pela qual a extincção do papel moeda foi adiada para 1 de janeiro de 1838, dispondo-se expressamente no artigo 3.°, que «o governo ficava auctorisado para estabelecer, de accordo com os arrematantes ou contratadores, aquellas providencias que julgasse necessarias para conciliar a boa fé dos contratos com os interesses nacionaes e dos arrematantes, quando algum dos contratos reaes, que estivesse arrematado, excedesse o praso marcado para a extincção do papel moeda», que era o 1.° de janeiro de 1838, como já disse.
Ora dá-se o caso de que não havia outro contrato n'essas circumstancias senão o do tabaco, e, portanto, estava garantida n'esta lei uma indemnisação por meio de um accordo com o conde do Farrobo.
Em virtude d'esta lei, ou para melhor dizer, á sombra d'ella, o conde do Farrobo sublocou o contrato do tabaco a Manuel Joaquim Pimenta, transmittindo-lhe o direito áquella indemnisação; mas sobrevindo ao sublocatário grandes difficuldades por causa da extincção do papel moeda, achando se muito prejudicado pelo seu contrato, por ter de pagar integralmente ao thesouro em moeda metallica as obrigações que contrahíra, veiu pedir ao governo, e depois ás côrtes, uma indemnisação, como representante que era do condo do Farrobo.
Sessão de 15 de abril de 1878
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Não obteve porém justiça, e como achasse pouca vontade da parte dos poderes publicos em o attenderem, resolveu dirigir-se aos tribunaes e intentar acção contra o conde do Farrobo. Esta acção sabem V. ex.ª que durou largos annos, até que por fim foi resolvida contra o conde do Farrobo. Este intentou depois acção regressiva contra a fazenda, e venceu-a na 1.ª e 2.ª instancias, mas no supremo tribunal de justiça, por uma questão de nullidade, foi annullado o processo.
Novamente intentou acção, venceu-a na 1.ª instancia, mas por accordão da relação de Lisboa foi depois annullada, deixando-lhe salvo o direito de a intentar de novo.
Agora os herdeiros vieram requerer ao parlamento em nome, não já da justiça, mas da equidade, que lhes seja dada uma indemnisação, ou ainda uma pensão, que remunere os serviços relevantes de seu pae. O direito á indemnisação está garantido no artigo 3.° da lei de 1 de setembro de 1834, que até hoje ainda não foi revogada.
Quando o governo em 1873 quiz estudar esta questão, consultou o sr. procurador geral da corôa e fazenda para saber se ainda subsistia a auctorisação contida no artigo 3.° da lei de 1834, e o sr. procurador geral da corôa e fazenda, o sr. Mártens Ferrão, foi de opinião, por differentes considerações, que não vem agora para aqui, que aquelle accordo tinha caducado por terem tanto o sublocatario como o contractante conde do Farrobo, abandonado o accordo com o governo e recorrido aos tribunaes. E por isso opinava aquelle douto jurisconsulto que só pedindo ás côrtes nova auctorisação, se poderia fazer o accordo com os herdeiros do conde do Farrobo.
N'estas circumstancias o que parecia natural era que os interessados, parecendo tão manifesto o seu direito, voltassem aos tribunaes a mover acção contra o governo; mas, faltando-lhes os meios para isso, vieram á camara dos senhores deputados implorar a sua benevolencia e a gratidão do paiz.
A camara dos senhores deputados consultou a sua commissão de fazenda, e a commissão de fazenda consultou a commissão de legislação.
Lembro-me de ter sido eu o relator da commissão de legislação. Como a questão não se apresentava no terreno do direito, como não vinha pedir-se ao parlamento uma indemnisação em nome de uma sentença proferida pelo poder judicial, entendi que não devia considerar o assumpto debaixo d'esse ponto de vista; e pareceu-me que, considerando-o sob o aspecto da equidade, era uma necessidade impreterivel para o parlamento e para a nação honrar nas pessoas dos filhos do conde do Farrobo a memoria de quem tantos serviços fizera á liberdade. (Apoiados.)
N'este sentido lavrei o meu parecer. A commissão de fazenda concordou com elle, e lavrou tambem um parecer, que trouxe á camara, recommendando ao governo que apresentasse n'esta casa uma proposta de lei para recompensar os serviços do conde do Farrobo nas pessoas de seus filhos.
O governo apresentou effectivamente em 1873 uma proposta de lei para se concederem 300:000$000 réis aos filhos do conde do Farrobo por um só vez.
A commissão de fazenda não approvou esta proposta de lei, e substituiu-a pelo projecto que está em discussão.
Aqui está qual é o estado da questão.
O conde do Farrobo pelo emprestimo que fez recebeu do estado uma compensação que levou a ruina e a desgraça á sua casa. (Apoiados.) Esta é que é a verdade.
A compensação que pelo emprestimo feito deu o estado ao conde do Farrobo foi o contraio do tabaco por doze annos. Esta concessão passou-a elle para Manuel Joaquim Pimenta e outros, comprehendendo n'essa negociação, como clausula do contrato, a indemnisação promettida pela lei do 1.º do setembro de 1834, mas que o governo nunca deu nem aos sublocatários nem ao conde do Farrobo. D'aqui proveiu, pelo menos em grande parte, a desgraça da sua casa. Esta é que é a verdade. (Apoiados.)
Porque se diz, pois, que o conde do Farrobo foi generosamente recompensado pelos serviços prestados á nação e á liberdade?
Eu peço licença para dizer que não ha em todas as peças do processo informação ou documento d'onde se possa inferir similhante doutrina.
Quando o conde do Farrobo sublocou o seu contrato, sublocou com elle, e com a approvação do governo—note bem a camara que esta sublocação foi feita com a approvação do governo — a clausula de uma indemnisação a que o paiz se tinha obrigado por uma lei.
Essa indemnisação não lhe foi dada. Os sublocatários pediram-n'a ao governo, pediram-n'a ao parlamento, mas o governo e o parlamento negaram-lh'a, e o conde do Farrobo foi obrigado a responder por sua parte, por essa clausula perante os tribunaes, quando lá foi chamado por elles. (Apoiados)
Eu por consequencia, no terreno do direito, entendo que os herdeiros do conde do Farrobo hão de vencer a questão nos tribunaes, quaesquer que sejam as difficuldades que lhes opponham, logo que se resolvam a levai a lá. (Ajudados.)
Mas a questão de que aqui se trata não é a questão dos tribunaes, não é a questão de direito. Eu só quiz expor á Camara a questão do direito que assiste aos herdeiros do conde do Farrobo, porque me parece que estas duas questões andam de tal fórma connexas e ligadas, que uma influe sobre a outra.
Declaro a v. ex.ª com a mão na consciencia que, tendo estudado os documentos que foram apresentados á camara em 1873, pelo sr. Antonio de Serpa Pimentel, não tenho a menor duvida em affirmar que a auctorisação que foi dada ao governo pela lei do 1.º de setembro de 1834, para indemnisar os contratadores do tabaco pela extincção do papel moeda está em vigor, e se houvesse algumas duvidas a esse respeito, o governo deveria de ser o primeiro a trazer á camara uma proposta de lei para acabar essas duvidas, e pôr termo a esta questão.
V. ex.ª não ignoram certamente que a herança da familia Farrobo está penhorada, e que se fossemos celebrar um accordo com os herdeiros do conde do Farrobo, iriamos augmentar o capital, que havia de ser sujeito a penhora, e não conseguiriamos acudir em nome da gratidão nacional áquella desventurada familia.
Por estas considerações vieram os herdeiros do conde do Farrobo pedir, não uma esmola, nem solicitar a munificencia da camara, mas que tivessemos em consideração que elles eram os herdeiros do conde do Farrobo, e que nos lembrássemos dos serviços que elle fizera á causa da liberdade, pois que se achavam na penuria.
Não basta collocar a questão no terreno da equidade. Não basta, para eu dar o meu voto, para conceder uma pensão, que os individuos de quem se trata, se digam representantes do conde do Farrobo; é necessario que mostrem, e eu esteja convencido de que elles carecem da protecção da nação, e que não estão ricos;
É n'esse sentido que eu não tenho duvida em dar o meu voto sincero e franco ao parecer da commissão do fazenda (Apoiados), porque a commissão estudou o assumpto debaixo d'este ponto de vista.
A commissão propõe que a pensão seja concedida ás pessoas que se mencionam no projecto.
Declaro que não entro n'esse exame, nem me parece que tal apreciação seja digna do parlamento. (Apoiados.)
Declaro que votando a pensão ás pessoas de que se trata no projecto, não fico por esse facto inhibido de votar igual pensão a outros individuos que estejam nas mesmas condições.
Voto o projecto, abstrahindo das pessoas. (Apoiados.)
Sr. presidente, collocada a questão n'este terreno, perguntarei aos espiritos nimiamente escrupulosos, a rasão por que havemos de hesitar em dar o nosso voto sincero e desassombrado n'esta questão?
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Para que havemos de fugir das votações?
Pois haverá ali algum grande escandalo?
Creio que não.
Note a camara que se eu advogo esta causa, não é porque tenha as menores relações com a familia de que se trata, mas só pelo sentimento da justiça, e porque este projecto me foi distribuido em 1873, sendo eu membro da commissão de legislação, e tendo-o estudado, entendi, em minha consciencia, que devia dizer sobre elle o que me dictavam as minhas convicções.
Concluindo, direi á camara, que não macula o seu nome, nem deslustra a sua honra, dando o seu voto a este projecto.
Tenho dito.
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