O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

1209

vagarosamente. Foi com o triumpho da liberdade que começou a instrucção primaria a desenvolver-se na França; foi no ministerio de um dos homens politicos mais respeitavel da França, foi no ministerio do sr. Guisot, que a instrucção primaria se organisou largamente, sobre principios largamente concebidos.

A lei de 1833 é um modelo a seguir, ou pelo menos um modelo a imitar por todos os paizes que quizerem ter uma instrucção primaria bem organisada.

E aqui vem a proposito fazer uma consideração que muito interessa a administração da instrucção primaria.

Na lei de 1833 o sr. Guisot entendeu que o governo do estado devia largar de si muitas das suas attribuições, para as dar ás localidades. Foi descentralisador.

Quiz, em relação á instrucção primaria, dar ás juntas de parochia largas attribuições, tão largas, que foi a camara quem resistiu ás tendencia descentralisadoras do ministro. É o que é verdade, e isto parecerá uma refutação da opinião que apresentei ha pouco em favor da descentralisação, mas de facto o não é, é que a camara teve rasão e o ministro não.

Quando se organisou a instrucção primaria na França, pela lei de 1833, impoz-se a obrigação a todas as communas de terem uma escola primaria; ou quando pela sua falta de meios não podessem ter uma casa propria, se juntassem (duas ou. mais) para terem uma escola em commum. Crearam-se então escolas normaes para preparar mestres, porque a França entendeu que sem mestres habilitados não havia instrucção primaria.

A nós, que temos uma lei, não boa mas soffrivel, de instrucção publica, e desejâmos robustecer a instrucção primaria, falta-nos uma condição importante, essencial, para que a instrucção primaria se desenvolva no paiz; falta-nos a educação dos mestres; faltam-nos as escolas normaes (apoiados).

Eu peço licença á camara para ir de vagar, para caminhar lentamente (Vozes: — Muito bem). Eu tomei a palavra para expor pessoalmente as minhas idéas sobre a instrucção publica, e principalmente sobre a instrucção popular; desejo que a camara considere esta minha oração como a manifestação sincera e singela do meu desejo, da ambição que tenho de ser util á instrucção publica em Portugal. (Vozes: — Muito bem, muito bem)

Quando se organisou a instrucção primaria em França, pela lei de 1833, estabeleceu se em regra que cada communa tivesse uma escola primaria.

Ao lado d'este preceito impoz-se a obrigação aos municipios de pagarem em grande parte as despezas escolares. Repare bem a camara. Impoz-se esta obrigação e deu-se acção, deu-se influencia, fixaram-se direitos, confiou-se em parte a vigilancia sobre as escolas aos concelhos communaes. Constituiu-se uma junta communal e uma junta, por circumscripção administrativa, para vigiarem as escolas. Pouco depois organisou-se uma permanente inspecção para, em nome do estado, exercer vigilancia e dar uniformidade e unidade ao ensino.

Uma nação não é, pensaram os legisladores francezes de então e pensam hoje todos os homens politicos, uma nação não é um aggregado de municipios, vivendo isolados uns dos outros. Uma nação é o conjuncto de todas as industrias, grupadas em familias, em municipios, em districtos, mas com um pensamento commum, com tendencias communs, e buscando todos alcançar um ideal de vida publica e social.

Dentro da unidade nacional podem agitar-se livremente as opiniões, póde manter-se a independencia de todos. Mas para isto se conseguir é preciso que a instrucção primaria não seja confusa e incoherente, sem methodo e sem unidade.

O sr. Guisot, que concedeu todas as attribuições que indiquei ha pouco ás communas, estabeleceu ao mesmo tempo uma inspecção que, espalhando-se por todo o paiz, fosse ' actuar sobre os mestres, vigiar as escolas, colher informações sobre todas as cousas que interessam ao ensino primario.

O resultado das inspecções foi e está sendo bom em França. Mas qual foi o resultado que se obteve das juntas locaes?

A experiencia da França n'este ponto deve interessar-nos muito, agora que tanto nos occupâmos de descentralisação.

O resultado que deram as juntas ou commissões locaes foi pouco satisfactorio. Essas commissões morreram de inanição. As commissões não fizeram nada; e foi por isso que á fiscalisação das commissões se substituiram a inspecção dos delegados do governo. Fez-se esta substituição, não pelas tendencias invasoras do governo central, mas por necessidade.

A lei de 1833 produziu rapidos resultados sobre o progresso da instrucção primaria. Poucos annos depois, em 1847, o numero das escolas publicas elementares de rapazes, que era de 33:700 em 1834, subira a 43:500; e essas escolas eram frequentadas por mais de 2 000:000 de alumnos. Era pouco para a França, mas comparativamente ao que antes era, a lei havia dado um immenso progresso.

Os principios fundamentaes da lei franceza de 1833 foram adoptados pela Belgica e por outras nações.

Agora quer v. ex.ª, sr. presidente, quer a camara saber quanto a França gastava com as escolas de instrucção primaria em 1847, isto é, antes d'essa grande commoção politica que agitou profundamente aquella nação? A França gastava então 432:000$000 réis do orçamento geral do estado. Era pouco, pouquissimo. Mas porque gastava tão pouco o estado? Porque as communas gastaram perto de 1.800:000$000 réis, e os departamentos 810:000$000 réis: ao todo 3.042:000$000 réis. Eis o que gastava a França com a instrucção primaria em 1847.

Tinham-se na França dado os primeiros passos, e os mais importantes na instrucção popular.

Poucos annos depois o numero de escolas era tal em França, que de todas as communas, só duas mil não tinham escolas. As despezas do estado, abrangendo os subsidios do estado, dos departamentos e das communas, subiam a perto de 6.000:000$000 réis, e 6.000:000$000 réis custa hoje a instrucção em França. Nós gastâmos 240:000$000 réis com a nossa instrucção popular!

Mas nós acharemos desproporção maior ainda entre nós e outros povos, que podem comparar-se comnosco em população e territorio.

A França gasta hoje sommas, relativamente a nós, enormes na instrucção primaria; e comtudo o que nos diz a administração publica? Diz-nos que a instrucção popular é deficientissima; que as escolas para meninas são muito poucas; que mais de 18:000 escolas são mixtas, isto é, são escolas onde vão creanças dos dois sexos, o que é uma cousa prejudicialissima para a instrucção e para a educação.

Para que a instrucção primaria podesse tomar o desenvolvimento a que chegou em França, foi indispensavel crear um grande numero de escolas para a educação e ensino dos mestres. O numero das escolas normaes ascende hoje a 77 escolas para mestres e 9 escolas para mestras; a isto devem acrescentar-se 6 cursos normaes para mestres e 52 para mestras.

Para comparar com este amplo ensino normal, que temos nós no nosso paiz, onde já existem perto de 2:000 escolas publicas? Temos uma escola normal, unica que pela lei tem apenas um quadro effectivo de 20 alumnos. Esta escola deve dar recrutamento para as 2:000 aulas de instrucção primaria, ou antes para as 3:000 que regularmente devem, pelo menos, funccionar em Portugal. Temos uma escola de mestras a funccionar ha pouco tempo; os resultados d'esta não os conheço. Se queremos desenvolver a instrucção primaria, devemos augmentar o ensino normal (apoiados).

A escola normal de Lisboa foi organisada sobre largas bases com numero consideravel de professares, com uma quinta annexa para o ensino agricola, com uma dotação importante; tudo isto com o intuito de crear mestres. E eu não lamento nem a extensão do projecto, nem a largura da execução, nem a generosidade do orçamento. Não lamento nada disto. Uma cousa só lamento, e é a exiguidade dos productos. A producção tem sido insufficiente em relação á sementeira. Não accuso ninguem; não tenciono uma vez só fazer allusões, nem aos professores, nem á administração publica, nem a cousa que não seja a organisação do ensino publico no paiz, os seus vicios geraes e manifestos, e os seus resultados. De 1862 até hoje concluiram curso, tanto do primeiro como do segundo grau, apenas 27 alumnos, segundo me consta.

Já se vê que ao fazer a critica da escola normal, não quero censurar o pessoal d'essa escola. Ainda que tivesse rasões para lhe irrogar censuras, não o fazia agora. A escola normal não produz bons resultados, porque está ampla de mais para habilitar professores modestos, que vão ensinar nas aldeias (apoiados), e por outro lado é insufficiente para preparar cabalmente os professores das escolas normaes districtaes (apoiados); de modo que não chega para uma cousa e é de mais para a outra. Todos os estabelecimentos de instrucção que não são creados com intuitos claros e bem definidos, e em cuja organisação e disciplina se não applicam todas as boas regras administrativas, de modo que estejam em harmonia com o fim que d'elles se pretende obter, cáem, e cáem sem produzir nada. É o que ha de acontecer talvez á escola normal.

E porventura é este um estabelecimento que deva fechar-se ámanhã? Não é. A escola normal é uma escola a reformar; ao lado d'ella devem crear-se tantas escolas quantos os districtos, para que essas dêem sufficientes recrutas para esse exercito da civilisação, composto dos mestres de instrucção primaria (apoiados).

Mas para que se criem essas escolas normaes é preciso educar professores para ellas, professores que saibam ensinar mestres e não creanças. Para esse fim a escola normal de Lisboa póde servir. É preciso que esta escola seja reorganisada com este intuito; com todos os elementos indispensaveis para ensinar e ensinar bem. É preciso que nos convençamos que para educar mestres, e sobretudo mestres de mestres, não basta expor principios de sciencia, é preciso ensinar a ensinar, ensinar pedagogia.

Já viu a camara como na França se entendeu a instrucção primaria em 1833, como ella progrediu e se desenvolveu, como a fecundou o dinheiro. E estejam governo e parlamento certos de uma verdade. Não ha instrucção primaria, universal, democratica sem dinheiro e muito dinheiro. E nós não temos dinheiro. Triste, tristissima cousa a dizer; mas que se ouve a cada instante repetir. Não temos dinheiro. Mas, sr. presidente, quando um homem é pobre, muito pobre, e lhe não chegam os rendimentos para ter uma mesa bem abastecida, quando lhe faltam os recursos para viver n'uma casa commoda, quando carece de meios para tudo que não é satisfazer as primeiras necessidades, se esse homem tem filhos, se é um homem moral e previdente, priva-se de tudo que não é indispensavel para a vida, faz os mais dolorosos sacrificios, e manda os filhos á escola.

É o que deve fazer uma nação tambem. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.) E quando não mandam os filhos para a escola, fiquem certos os paes que mais tarde hão de chorar o seu erro, porque os filhos hão de ser relaxados, hão de ser incapazes de ganhar a vida. O que se diz da familia, diz-se de uma nação.

Mandemos as creanças á escola. A escola antes de tudo. Porque a escola é mais alguma cousa do que o ensino, é a riqueza e a independencia da nação. Não ha nação, pequena ou grande que seja, que possa ser independente, se não tem a consciencia da sua dignidade e a consciencia do que póde e sabe mais ou tanto pelo menos do que os seus vizinhos. Um povo que affirma a sua existencia pelos actos da sua intelligencia, não póde desapparecer. Esta é a verdade.

Se passarmos de um paiz poderoso e rico como a França, que acaba de nos dar uma tão aspera lição n'esta visita que lhe fizemos agora, para um paiz vizinho da França, a Belgica, acharemos na historia da sua instrucção primaria uma lição que merece bem fixar a nossa attenção. Conheceremos mais uma vez, por uma experiencia concludente até que ponto se póde applicar o principio da descentralisação na instrucção popular. A instrucção primaria na Belgica, depois da revolução que deu em resultado a independencia d'aquella nação, a instrucção primaria, digo, ficou completamente abandonada ás communas; sem regra, sem lei e sem systema; e alguns concelhos municipaes em logar, de mais escolas novas, fecharam as que tinham.

Depois de 1830 as communas na Belgica, a quem se tiraram as obrigações que lhes impozera antes a administração central, e em logar de crearem escolas novas, fecharam algumas das que já tinham. Alem disto fizeram outra cousa, que prejudicou profundamente a instrucção popular n'aquelle paiz; foi a escolha arbitraria de mestres sem instrucção e sem diploma.

Um auctor inglez, encarregado pelo seu governo de estudar a organisação da instrucção primaria n'alguns paizes do continente, fallando da lei franceza de 1833, diz (chamo a attenção sobre a opinião do sr. Arnold, porque é digna de meditar-se):

«Que a França na lei de 1832 estabeleceu, como regra, que ninguem podesse ensinar sem ter titulo de capacidade, porque todas as liberdades se comprehendiam já n'aquelle tempo em França, menos a liberdade da incompetencia. Quem é incompetente não póde, não deve ensinar. Todo o individuo que quizer exercer funcções tão importantes para o futuro de um povo, como são as do ensino, deve demonstrar que para isso está habilitado, moral e intellectualmente.»

(Continúa)