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para se poder estudar com proveito a administração no nosso paiz. Todos sabem que ha um segredo inviolavel de estado a respeito dos negocios que correm n'aquellas repartições, sobretudo a respeito dos documentos que servem de base á resolução dos negocios, e que esse segredo tem continuado por muito tempo e tem sido observado por todos os ministerios, e para mim sem rasão nenhuma plausivel.

Quero fallar ácerca das resoluções sobre pontos graves de administração. Parece-me que as respostas dos fiscaes da corôa, sobre especies importantes, deviam ser publicadas depois de findos os processos; mas a verdade é que se não publicam nem antes nem depois. Que rasão póde haver para que o paiz não aprecie as rasões dos fiscaes da corôa sobre pontos importantes de administração e os motivos que levaram os ministros a afastar-se d'estas respostas, quando resolvem de encontro a ellas? Parece-me que se não perdia nada em que se publicassem as respostas dadas, por exemplo, pelo conselheiro Aguiar Ottolini. Pergunto porque é que se não hão de publicar essas respostas que servem de esclarecimento e de estudo para a boa resolução de graves questões? Não basta só estudar os artigos das leis e os regulamentos a eito; nós não sabemos nada de administração sem estudar as hypotheses, sem estudar as leis sobre os factos.

Nós não sabemos nada de administração senão pelos livros francezes, porque da nossa administração só conhecemos as leis e os regulamentos que os desenvolvem.

B esteja v. ex.ª certo e a camara que é impossivel estudar a administração sem ver as hypotheses que cairam debaixo do pensamento da lei, a maneira como foram resolvidas e estudar a lei sobre essa resolução.

Nas repartições judiciaes ao menos publicam-se os accordãos do supremo tribunal de justiça, os que concedem revista se entende, no Diario de Lisboa, depois de findos os processos; não se publicam as peças importantes dos processos, como fôra para desejar, mas quem tiver muito dinheiro póde ter as copias d'isso em todos os cartorios do paiz, tambem depois de findos os processos.

Mas nas resoluções das secretarias d'estado nem isto succede, nós não sabemos nada de direito fiscal nem de direito administrativo senão pelos livros francezes, como eu já disse.

Falla-se muito na França e na Belgica, cita-se o que lá ha de bom, mas eu queria que se lhes seguissem os exemplos.

E estou persuadido pela pratica que tenho do magisterio, que é absolutamente impossivel saber administração de fazenda, qualquer outro ramo de administração sem o ter estudado é aprendido não só nas leis mas nos factos, isto é, nas hypotheses que motivam a applicação das leis. Só assim é que se póde conhecer bem o espirito e todo o alcance da lei e tirar proveito do estudo juridico. Fóra disto podemos ter muitos livros, podemos ter quem nos repita de cór a collecção de leis, mas não podemos saber administração, não podemos saber finanças sem conhecermos estas respostas importantes dos fiscaes do governo é em geral as peças importantes sobre que quasi sempre assentam as resoluções dos ministros nos negocios mais graves da administração.

Eu não digo que se publique tudo, mas sim que se publique aquillo que merecer vir á luz da publicidade. Julgo da maior conveniencia que se publiquem todas as informações e respostas a que tenho alludido; nada se perde com a publicidade; antes pelo contrario, isso é preciso para se saber e para se aprender direito e o paiz eleve tambem saber o modo por que se administram e regem os negocios publicos nas secretarias d'estado. Depois de findos os processos, não ha inconveniente em que os actos que n'elles se deram possam ser sujeitos ao exame publico.

E note v. ex.ª que nos processos judiciaes, obtêem-se por certidões os depoimentos das testemunhas que fazem muitas vezes com que um individuo seja condemnado ás penas mais graves depois de findos os processos, tudo isto se divulga prejudicando muita voz a testemunha, a quem não isso convinha, o que póde soffrer pela publicação do que depoz.

Nas secretarias d'estado tudo é secreto, tudo é sigillo, e de tal maneira inviolavel, que mesmo depois de findos os processos não póde nada chegar ao conhecimento do publico.

Portanto creia v. ex.ª que eu não peço a publicação dos documentos sobre que se deve guardar segredo; eu não quero a publicidade para os documentos que dizem respeito a segredos do estado, nem para os documentos sobre negociações diplomaticas, que não devam ver a luz da publicidade. Peço unicamente a publicação d'aquelles documentos que interessam ao publico, e que são elemento indispensavel para se poder ensinar e aprender, e para apreciar o modo como correm os negocios publicos a cargo do poder executivo. Todas as resoluções ou informações sobre que assentam os actos do governo devem ser publicas, para servirem de lição a todos, e principalmente aos que estando encarregados do ensino, e que precisam primeiramente de aprender. Só assim é que o ensino e o estudo póde ser proveitoso, e se podem ir conhecendo quaes são as reformas indispensaveis que ha a fazer.

Fallei ha pouco em uma proposta de reorganisação de estudos, que a faculdade de direito mandou para o governo, e a este respeito quero eu fazer uma pergunta ao sr. ministro do reino. N'esta proposta de reorganisação de estudos dizia-se que era condição especial, que era complemento indispensavel para se tirarem bons resultados do plano de estudos juridicos, que se propunha, a creação de uma cadeira de philosophia superior ao lado da universidade, dando-se como rasão, primeiro que nos lyceus se não ensinava a logica como se devia ensinar; e dizia-se mais que quando mesmo se ensinassem os principios elementares de philosophia no estado presente da sciencia e segundo bons methodos, ainda assim era necessario uma cadeira de philosophia superior ao lado da universidade, cujo ensino era de urgente necessidade, como preparatorio, sobretudo, para o estudo do direito philosophico, que na faculdade de direito se professa com toda a altura a que esta sciencia tem ultimamente chegado na Allemanha e na França.

Até aqui o professor de philosophia de direito destinava a primeira epocha do anno lectivo para ensinar aos seus alumnos os principios philosophicos indispensaveis para comprehender as doutrinas do anno; mas hoje que a cadeira está muito sobrecarregada em consequencia das novas reformas, não póde, sem prejuizo de outras materias, gastar tempo com o ensino da philosophia superior. Muito conveniente seria crear um curso superior de letras ao lado da universidade, mas a faculdade de direito entendeu não dever pedir senão o indispensavel para completar o quadro dos cursos juridicos.

O conselho da faculdade de direita limitou-se a pedir o que era estrictamente necessario, indispensavel; e certo de que o governo lhe approvaria o seu plano de estudos, tratou logo em outubro de o pôr em execução.

O governo approvou esta resolução, mas ao pedido, relativo á cadeira de philosophia superior, ainda não deu resposta nem trouxe ao parlamento proposta alguma n'este sentido.

Eu não posso increpar o governo por não dar andamento a uma proposta com que talvez não concorde; talvez o governo entenda que se póde dispensar a creação d'essa cadeira; mas o que me parece conveniente e o que eu desejaria era que tivesse havido uma resolução qualquer, e que embora o requerimento não fosse approvado, não ficasse sem consideração, e merecesse a devida resposta.

Ha outra indicação que quero fazer ao governo com relação á instrucção publica, a que é indispensavel attender, e que o governo póde fazer sem augmentar a despeza publica.

Eu não quero estar agora a desenvolver theorias e a apresentar planos de reformas para a instrucção publica, jamais quando muitos illustres collegas meus o fizeram e muito melhor do que eu o podiam fazer, propondo largas reformas, em que notando os defeitos do presente, preparavam ao mesmo tempo o espirito publico para melhoramentos futuros. Não tratarei pois d'isso; mas ha um objecto grave a que o governo póde attender sem gravame para o thesouro, e para o qual eu chamo toda a sua attenção.

N'este paiz não ha relações litterarias senão com a França, quero dizer, com os livreiros francezes, porque com os estabelecimentos litterarios d'aquelle paiz não temos nenhumas. Nós não temos relações litterarias nem com a Hespanha. Um distincto professor da universidade, que é hoje membro da outra casa do parlamento, e que já não pertence ao corpo docente, indo em 1853 a Hespanha, abriu relações entre algumas universidades d'aquelle paiz e o nosso; tendo por isso uma portaria de louvor do ministro de então, mas essas relações não continuaram.

Ora eu não comprehendo como um professor da universidade, que tem 300$000, 500$000 ou 800$000 réis de ordenado, possa estabelecer e manter relações litterarias com os outros paizes, sobretudo com a Allemanha, para saber o que lá se faz, e qual é o movimento na instrucção publica. Não se pense que eu quero aconselhar o governo a entabolar desde já relações litterarias com todos os paizes; quando tivermos as nossas finanças mais prosperas, é muito conveniente que essas relações se estabeleçam. Por ora contento-me com pouco. Talvez fosse possivel sem grande sacrificio fazer com que venham para Portugal, para a bibliotheca da universidade de Coimbra os livros por onde se ensina em algumas universidades mais celebres da Allemanha, porque os professores da universidade nem têem dinheiro para os mandar vir, nem hão de estabelecer correspondentes em toda a parte.

Ainda mais, as bibliothecas para que nós destinamos aqui uma certa somma mandam comprar os livros segundo a descripção que d'elles vem nos catalogos. Isto não póde continuar assim, porque d'esse modo não podemos conhecer os livros, e não os havemos de comprar primeiro para só depois sabermos o que elles são.

Nós temo-nos occupado muito pouco da instrucção publica. Temos quem nos represente nas relações diplomaticas e nas relações commerciaes, mas não temos ninguem que nos represente nas relações scientificas. Nem quero que esta nova representação se crie, o que quereria era que, pelos meios que o governo tem ao seu alcance, obtivesse não digo todos os livros por onde se ensina em todas as universidades, mas alguns; mas principalmente os compendios que servem para o ensino nas universidades mais celebres da Allemanha; porque, como v. ex.ª sabe, ha sessenta annos que a Allemanha tomou a vanguarda na carreira da civilisação, especialmente na republica das letras, e nós não sabemos nada dos progressos que n'este sentido se fazem na Allemanha senão pelos livros francezes. Emquanto as traducções não vem dos livreiros francezes para Portugal, não sabemos cousa nenhuma do que se faz alem do Rheno. Creio que o governo póde satisfazer a esta indicação, não de repente, mas pouco a pouco.

Como os illustres deputados veem, eu não estou fazenda um discurso, estou dizendo n'uma conversação parlamentar o que me parece indispensavel para fazermos alguma cousa sobre instrucção publica.

Diz-se todos os dias que sabemos pouco, e é verdade. Pois vamos a ver como havemos de saber mais.

Nós ainda que estejamos constantemente a dizer que não sabemos nada, não adiantâmos com isso, andâmos no mesmo terreno, se não fizermos algumas indicações para saír d'este estado vicioso.

Vamos a ver se é possivel procurar os meios de saber alguma cousa.

Isto que digo com relação á faculdade de direito, é extensivo a todas as faculdades, porque o professorado das outras faculdades acha-se nas mesmas condições.

Eu não exijo que o governo attenda de repente a estas indicações, porque ellas não se realisam com a mesma facilidade com que se indicam; quero apenas consignar a idéa; idéa que não nos trará augmento de despeza, porque já temos uma verba destinada para as bibliothecas, mas que, ainda que trouxesse, era uma despeza muito bem compensada.

Disse-se que na faculdade de direito se habilitavam muitos doutores. Devo observar a quem o disse que isto é muito antigo.

Porém um indicio de grande progresso e desenvolvimento no ensino, é que não se habilitam já hoje tantos doutores e se os illustres deputados virem as estatisticas dos ultimos annos, principalmente as das approvações e reprovações nas primeiras cadeiras, que são as reguladoras tanto na faculdade de direito como nas outras faculdades, hão de achar que ha um grande progresso e melhoramento n'esta parte, comparados os tempos antigos com os de hoje, assim como hão de notar a parcimonia com que actualmente ali se dão informações redondas aos bachareis formados.

E por esta occasião peço licença aos illustres deputados para lhes dizer que não sejam muito impacientes quanto ao desenvolvimento da instrucção publica que por sua naturesa tem uma marcha lenta, mesmo para ser proveitosa.

O governo póde fazer de repente uma reforma em certos ramos de administração, com grande vantagem publica, mas no desenvolvimento do ensino pouco póde fazer; póde auxiliar, póde regular exteriormente; mas nos negocios internos da instrucção publica, não confio nem espero que o governo possa intervir directamente, sem ouvir os corpos docentes, d'onde devem partir os primeiros elementos para todos as reformas, devendo trabalhar sobre estas bases os poderes do estado, a quem incumbe velar pela instrucção publica. Devo declarar a v. ex.ª que todas as reformas importantes têem partido sempre dos corpos docentes. E note v. ex.ª que a reforma mais ampla, mais larga e mais franca que tivemos, que foi essa reforma grande que póde dizer-se deu em resultado uma transformação completa, foi a de 1772, essa mesma foi elaborada em Coimbra, e depois o governo a approvou, em todas as suas partes e disposições.

Devo fallar tambem n'outro objecto que prende com a instrucção publica, a respeito do qual não faço a mais leve proposta, porque já disse n'esta casa que a primeira cousa que me preoccupa n'esta occasião é realmente o estado deploravel da fazenda publica. Mas devo declarar a v. ex.ª que os professores da universidade no primeiro grau, isto é, na primeira entrada, têem um vencimento cêrca de metade do que ganham os porteiros das secretarias d'estado. Mas por isso é que peço que ao menos haja livros na bibliotheca; porque um homem com 300$000 réis não sei como possa viver, a não ser á sua custa. Depois de muito tempo tem 500$000 réis, e depois de ser velho tem 800$000 réis, sem emolumentos alguns. Note v. ex.ª, tendo feito habilitações despendiosissimas no sexto anno. E chamo para este ponto a attenção da camara. É necessario acabar com as difficuldades pecuniarias do sexto anno, que as habilitações litterarias sejam as mais rigorosas possiveis, que o grau de doutor seja uma grande aristocracia litteraria, que seja mesmo a unica que devemos ter. Mas aquella aristocracia pecuniaria não condiz com a aristocracia litteraria, nem com a exiguidade dos vencimentos. O individuo que tem poucos meios para viver, que a custo frequenta a faculdade juridica ou outro curso igualmente despendioso, vê-se na necessidade de gastar 900$000 réis de uma vez só; e é necessario que saibamos que se o estado das finanças publicas não é prospero, n'uma grande parte do paiz o dos particulares não é muito melhor.

Disse-se aqui tambem, e com grave injustiça, não sei se está presente o illustre deputado a quem me quero referir, que = os lentes saíam de Coimbra para as commissões; que abandonavam assim o serviço publico, e que um professor não póde ser bom professor senão sendo só professor =.

Eu devo declarar a v. ex.ª que alguns professores têem sido chamados para commissões em Lisboa, com grandissimas vantagens para o serviço publico, e com prejuizo só para elles, porque essas commissões não trazem a mais pequena verba de despeza no orçamento (apoiados). Vieram, por exemplo, professores da faculdade de direito para rever o codigo civil, estiveram aqui muito tempo, trabalhando durante longos annos e em muitas sessões, e nada receberam por tão distincto serviço. E v. ex.ª sabe a differença da despeza que se faz em Coimbra ou em Lisboa. Note mais a camara que quando se encarregou o auctor do projecto do codigo civil da confecção d'este trabalho nomeou-se logo uma commissão, composta só de lentes de direito, porque o governo entendeu, e entendeu muito bem, que era necessario escolher da classe dos empregados publicos os homens chamados para reverem o projecto do codigo civil, para evitar o pagamento de um subsidio a que teriam direito os particulares que fossem encarregados de tão arduo serviço, e d'entre o funccionalismo de certo os não achava mais competentes do que os professores de direito. Foi necessario estabelecer a commissão em Lisboa sobre bases mais largas, e então escolheram-se tambem membros dos tribunaes judiciaes e outras pessoas distinctas nas letras, porque o codigo civil é a reforma mais ampla e de mais largas consequencias que se tem emprehendido n'este paiz. Um codigo civil entende com as bases geraes de toda a sociedade, affecta os interesses mais caros dos individuos, e entende de mais a mais com os costumes do paiz, que é a cousa mais delicada, em que se pode tocar. As reformas