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Discurso proferido na sessão de 18 do corrente, e que devia ter logar a pag. 1234, col. 1.ª, lin. 86

O sr. Pereira Garcez: — Quando hontem tive a honra de fallar n'esta camara, não disse nem podia dizer que o governo é obrigado a ouvir as auctoridades do ultramar antes de apresentar qualquer proposta ao parlamento, se o dissesse teria dito um grande absurdo.

A iniciativa do governo é livre — liberrima — nos termos expressos da carta constitucional; não o desconheço, nem viria aqui pôr-lhe embargo.

O que eu disse e repito é que em questões d'esta ordem, n'uma questão em que se trata de mudar radicalmente o systema de impostos de uma provincia tão remota, era conveniente e necessario ouvir as auctoridades locaes, e acrescento hoje que tenho isso por uma necessidade impreterivel (apoiados). Ora a conveniencia e a necessidade não são synonymos de obrigação.

Pois em que paiz do mundo se viu um parlamento votar uma medida d'esta, transformando completamente o systema de impostos de uma provincia ultramarina, sem se ouvirem as auctoridades locaes? (Apoiados.)

Medidas d'esta ordem só o governo as póde apresentar, e só o governo as apresenta em todos os paizes regidos pelo systema representativo: é o governo que se deve por á frente d'ellas, depois de maduro exame e profundo estudo, feito nas proprias localidades pelos seus delegados, ou por commissarios seus para esse fim nomeados. Nada d'isto se fez: o governo não possue esclarecimento algum, não ouviu ninguem, não tem dados positivos que o esclareçam, e tendo pedido informações ao governador geral da India, nem ao menos espera que cheguem essas informações. É um caso novo, completamente novo! Esperemos pois por ellas, sr. presidente, antes d'isso o parlamento que deve tratar as questões com toda a seriedade, não póde resolver um assumpto de tão grave importancia (apoiados).

O sr. Gomes julgou poder combater estas idéas, que apresentei hontem em outros termos, appellando para o facto occorrido o anno passado, de se votar aqui á ultima hora, sem previa informação de ninguem, o augmento de soldos dos officiaes militares das nossas provincias africanas por proposta de alguns deputados das mesmas provincias. O meu illustre collega alludiu a esse acontecimento, censurando-o, e portanto, em vez de combater os meus argumentos, não fez senão reforça-los, porque factos abusivos e censuraveis não servem de regra para se continuar no abuso. Ao contrario para o que elles podem servir, quando se invocam, é para nos acautelarmos evitando a repetição (apoiados).

(Interrupções do sr. Francisco Luiz Gomes, que não se perceberam.)

O illustre deputado não censurou o facto? Que significação têem então as palavras que proferiu a este respeito? Apresentou-o acaso como exemplo a seguir? S. ex.ª combateu-o nos termos mais positivos, fazendo portanto a sua censura.

Demais, eu não me achava na camara no dia em que se fez essa proposta.

(Interrupção do sr. Francisco Luiz Gomes, que não se percebeu.)

Sim, senhor, e não me desdigo do que disse na sessão immediata. Espere por um pouco o nobre deputado, e verá que lhe hei de dar explicação cabal do meu procedimento. Declarei, sr. presidente, que se estivesse na camara quando se votou o augmento de soldos para os militares de todas as provincias ultramarinas, com uma excepção unica, que foi o meu paiz, eu teria pedido o mesmo augmento para os officiaes do exercito da India; nem poderia deixar de o fazer, sem faltar aos meus deveres, pelo modo por que os entendo. Tinha-se estabelecido um principio de desigualdade intoleravel; tinha-se estabelecido, sr. presidente, uma excepção odiosa (apoiados); fôra-me impossivel deixar de erguer a minha humilde voz pedindo justiça igual para todos; tanto mais, sr. presidente, que a haver preferencia para os militares de alguma das n'essas possessões, essa preferencia devia recair no exercito da India, que se compõe todo de uma officialidade habilitada com um curso scientifico, porque ali ninguem póde cingir a banda sem ter os estudos completos da arma a que se dedica, acrescendo a isto o facto do prodigioso augmento que tem tido n'estes ultimos annos todos os generos necessarios á vida, de modo que os minguados soldos que percebem mal lhes chegam para viverem. Junte-se agora a circumstancia de terem de concorrer muitas vezes com os officiaes inglezes, que frequentemente visitam a nossa Goa, achando-se portanto na triste necessidade de se apresentarem com a farda rota a par do luxo britannico, contraste afflictivo e vergonhoso para nós. (Vozes: — Muito bem.)

Eis-aqui, sr. presidente, os justos motivos da declaração que fiz n'esta camara; e direi agora que o augmento dos soldos dos militares, da India tinha-o por indispensavel, e não só o augmento dos soldos, mas tambem o augmento dos ordenados dos empregados civis, e especialmente dos professores, que todos, com raras excepções, vivem na miseria pelos seus mesquinhos vencimentos. Mas para isso tudo é necessario augmentar o imposto; nem é possivel, que quasi do tudo progride, encarecendo as necessidades da vida, a India esteja n'essa parte estacionaria. Não se oppõem a isso os seus habitantes, que se prestam ao que é rasoavel, conveniente e necessario. É preciso pois augmentar o imposto, mas por um systema completo, segundo as idéas synthelologicas do seculo, bem concebido, e bem combinado, depois do mais reflectido exame e do mais profundo estudo (apoiados), de modo que o imposto seja distribuido por uma fórma equitativa, justa e igual, na proporção dos haveres de cada um, sem gravame dos povos e com proveito do estado. Ora a maneira por que se pretende organisar o systema de impostos na India, sem previo exame, sem elementos de estudo, e sem montar a machina que tem de funccionar, não me parece aceitavel. Póde isso, longe de curar o mal, aggrava-lo ainda mais, peiorando o estado das finanças, em vez de melhora-lo (apoiados).

São estas as rasões por que combato o projecto, e proponho o seu adiamento, propondo ao mesmo tempo a suspensão do decreto que creou a decima urbana. Não ha portento motivo para se não dever esperar pelas informações das auctoridades locaes. A suspensão que proponho d'aquelle decreto não é só até que cheguem os esclarecimentos pedidos ao governador geral da India, como se afigurou ao illustre deputado; mas até que se resolva a questão dos impostos. A minha proposta está pois concebida nos termos mais amplos que se podem desejar. Sei que o illustre deputado impugnou esse decreto n'uma sessão d'esta camara, a que não assisti. Consta-me que indicou era outra parte a necessidade do seu adiamento, dado o caso de que o projecto que discutimos não fosse approvado; mas não sei quem teria impugnado o seu adiamento; o que sei é que não fui eu que aliás não tive parte alguma, directa ou indirecta, n'essa medida.

O argumento mais forte que o illustre deputado apresenta para extinguirmos promptamente o dizimo, funda-se na homenagem devida aos principios. Estou perfeitamente de accordo quanto ao principio, mas não posso aceitar a sua applicação tão rapida. O dizimo é um imposto anti-economico, que não é de 10 por cento, mas de 15, 20 ou 25 por cento, porque recáe sobre o producto bruto. Se o systema da sua arrecadação estabelece a mais perfeita igualdade na cobrança, essa mesma igualdade mantem ou augmenta o desiquilibrio, que se dá, entre as despezas da cultura e a importancia da producção, variando muito essas despezas, segundo a natureza do terreno, de mais facil ou difficil amanho. São verdades estas, que toda a gente conhece, mas apesar de tudo, quando se trata de transformar radicalmente um systema de impostos, que é de todas as cousas a cousa mais séria e mais grave, deve haver toda a prudencia, porque toda a cautela é pouca. Não basta só invocar os principios, é preciso mais alguma cousa. Não ha principios absolutos, sr. presidente, em questões de administração publica (muitos apoiados). Em tal assumpto, os principios variam na applicação, segundo as circumstancias: é preciso pois saber applica-los, aproveitando o ensejo ou preparando o terreno. (Vozes: — Muito bem.) Aliás a sciencia do estadista seria a cousa mais facil do mundo: em cada individuo que soubesse ler, teriamos um estadista consummado, porque esses principios estão escriptos nas obras de todos os economistas (apoiados). Até os principios em que assenta a liberdade individual, que são os mais amplos, porque se fundam na lei natural, esses mesmos soffrem muitas restricções como é necessario e indispensavel.

Os dizimos são, repito, oppressivos e desiguaes: oppressivos pelo valor real do imposto, e desiguaes pelas considerações que acabo de apresentar; mas esse mesmo gravame, com respeito ao peso do tributo, hão de senti-lo os povos de Goa, com pequena differença, uma vez que se vae distribuir por elles o rendimento actual dos dizimos, e quanto a desigualdade é possivel que ainda seja maior com o lançamento do imposto de repartição, pela influencia dos poderosos, protegendo amigos e afilhados, e pesando quasi exclusivamente sobre os desvalidos, isto é, sobre o povo, como acontece n'este reino, e é geralmente reconhecido (apoiados). É mais uma rasão esta por que me opponho ao projecto que discutimos, e peço o seu adiamento, até que se prepare o terreno, e se determinem, com perfeito conhecimento de causa, as bases sobre que tem de assentar o novo systema.

Disse o sr. Gomes que = os dizimos são injustos, porque só recáem no côco, no arroz e no sal, ficando isentas todas as outras producções =. Peço licença ao nobre deputado para lhe observar que as outras producções que se acham isentas d'esse imposto consistem apenas na fructa, no legume e nas hortaliças, objectos de tão pouca monta que não valia a pena tributa-los.

O sr. F. L. Gomes: — E tambem na areca.

O Orador: — A producção da areca é insignificantissima nos antigos concelhos; a grande cultura d'este genero só se faz nas Novas Conquistas, onde não ha o dizimo. Alem de que, sr. presidente, não ha em Goa culturas especiaes da fructa e dos legumes; os mesmos individuos que pagam o dizimo pelas suas propriedades são os que fazem n'ellas estas culturas. São elles mesmos portanto que colhem os beneficios da isenção, desapparecendo assim os inconvenientes dessa supposta injustiça, que é só apparente porque nada tem de real.

Fallou tambem o sr. Gomes no triste recurso aos direitos protectores que têem origem no imposto dos dizimos, para garantir ás producções do paiz um preço remunerador. Direi a este respeito ao meu illustre collega que os dizimos são muito antigos em Goa, e os direitos do arroz que se cobravam nas alfandegas foram sempre considerados direitos fiscaes, como os que se pagam pela importação de todos