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[Discursos do sr. deputado Sá Carneiro, o primeiro proferido na sessão de 25 de abril, que devia ter logar a pag. 1:333, col. 2.ª, lin. 76; e o segundo na sessão de 27, que devia ter logar a pag. 1:353, col. 2.ª lin. 6.ª]

O sr. Sá Carneiro: — Antes de continuar a conversação, que tive a honra de encetar na quarta feira com v. ex.ª e a camara, permitta-se-me que leia uma especie de aggressão dirigida a toda a camara, especialmente aos deputados militares, e mais especialmente ainda ao sr. ministro da guerra, aggressão de que não posso deixar de desaffrontar-me já, e que vem n'um jornal que se publica n'esta capital (leu).

E uma d'estas accusações graciosas, accusação que não digo mesmo que fosse inventada pela malevolencia, mas por falta de conhecimento d'esta materia.

Este paiz está mal administrado, mas ainda não está administrado de modo que no ministerio da guerra se recebesse a importancia com que se havia de pagar a 6:000 praças, e que o ministerio da guerra se apropriasse d'esta somma com tal descaramento. Um paiz onde isto se fizesse era um paiz de salteadores: um homem que tivesse algum resto de probidade teria de fugir d'esta terra!

Como o jornalista diz que não existiam no exercito mais de 12:000 homens, eu vou provar á camara qual era a força do exercito em 31 de dezembro do anno passado:

Sapadores................................ 335

Artilheria............................... 1:473

Cavallaria............................... 2:243

Caçadores................................ 4:359

Infanteria............................... 9:497

Total................... 17:907

Praças licenciadas

Sapadores................................ 11

Artilheria............................... 25

Cavallaria............................... 20

Caçadores................................ 111

Infanteria............................... 356

Total dos licenciados... 523

Na artilheria

Cavallos..................... 93

Muares....................... 171

Na cavallaria — Cavallos..... 1:690

A companhia de saude tinha no mesmo dia, praças. 112

E nos veteranos havia........................... 2:788

Esta era a força que existia no exercito em dezembro de 1865. Como era possivel que se distrahisse a quantia que se havia de despender com 6:000 homens?

Se o jornalista dissesse, que a despeza que se faz com o exercito é mal applicada, que uma boa parte d'ella era improductiva, eu acharia isso muito facil de justificar; mas dizer que a verba que se dá para o exercito não tem essa applicação, é faltar á verdade de um modo escandaloso.

Para honra d'este paiz, para honra dos homens que gerem os negocios da guerra, para honra d'esta camara não posso deixar de declarar que similhante accusação é infundada, é falsa, é iniqua.

Diz-se geralmente, e tenho ouvido dizer mesmo a homens de certa illustração, que não é possivel que o exercito tenha 18:000 homens, porque os corpos não têem gente. Mas não calculam que o exercito se compõe de 43 corpos, que são: 18 de infanteria de linha, 12 de caçadores, 30; 8 de cavallaria, 38; com 4 de artilheria, prefaz o numero de 42, com um de sapadores 43.

Não fallemos nos 43; conta redonda: supponhamos que são só 40 corpos a 500 praças cada um; temos um exercito de 20:000 homens. Portanto não se devem admirar de ver um corpo em parada com 350 praças e menos, porque é preciso attender aos homens que estão no hospital, aos que ficaram em serviço no quartel, aos impedidos dos officiaes, aos presos para sentenciar, etc. Por consequencia não se devem admirar de ver um corpo com força diminuta.

Eu disse na ultima sessão que o cabimento era a morte do exercito, e agora acrescento, que não só é a morte do exercito, mas de mais a mais tem rasão de ser pelo facto de se esperar d'elle economia, pois prova-se que não póde d'esta medida resultar economia, pelo menos combinando certo numero de factos e pelos factos é que eu colhi a proposição, que estabeleci, que tiveram logar em 1864 e 1865, isto é, que o cabimento não podia dar os resultados que se querem inculcar (leu).

Officiaes, que se reformaram em 1864 e 1865, 99; officiaes que falleceram da classe dos reformados nos dois referidos annos, 138; quero dizer o numero dos fallecidos foi superior ao dos que se reformaram de 39 individuos; a fazenda teve nos indicados dois annos um remanescente a favor.

Portanto no anno de 1864 a 1865 entre officiaes reformados, e fallecidos reformados houve ainda um beneficio, infelizmente, a favor da fazenda. Do cabimento na classe militar não se póde esperar economia.

Eu disse que a defeza d'este paiz estava entregue á Providencia divina. Sustento esta asserção, porque estamos completamente desarmados.

Na exposição que fiz sobre o systema do nosso armamento, disse que tinhamos 20 a 22:000 espingardas da systema Enfield; mas devo dizer a v. ex.ª e á camara que estas armas, que nós reputámos agora muito boas, estão a ser abandonadas pela Europa, que está adoptando o systema usado na Prussia, que é o systema da espingarda agulha, com algumas modificações.

A Inglaterra já usa d'este systema, e a Allemanha tambem já mudou para elle, porque o soldado adestrado com estas armas do nosso systema, dá tres tiros em dois minutos, e pelo systema fagulha, dará no mesmo tempo nove. Não havia que hesitar na opção. Isto corresponde a dizer que um homem dá tres pancadas noutro, emquanto recebe d'elle nove.

Nós temos 24 peças de artilheria, as quaes devem ser para nós todos de grata recordação; porque foram tomadas á bayoneta pela nossa heroica infanteria em 1813 na batalha da Victoria. Ha tempo pedi ao ministerio da guerra o relatorio das experiencias feitas com essas peças; respondeu-se com certo entono que se tinham feito as experiencias com quatro; e que tendo ellas mesmas condições de fundição, isto é diametro e calibre dito, se estranhava que se exigisse que fossem todas experimentadas. Isto é que eu não esperava ouvir dos homens competentes. É desnecessario fazer commentarios sobre isto. Mas o que é certo, é que as experiencias podiam não dar todas o mesmo resultado; podia haver falhas, ainda que não fossem da fundição, bastava o tempo passado depois que foram fundidas para poderem ter soffrido algumas estragos da acção do tempo. Entretanto a camara fará sobre isto o juizo que entender.

Tenho sobre a artilheria graves apprehensões. Ali ha muita sciencia, muita mathematica, mas a applicação não digo que não seja nenhuma, mas afianço que não é muita.

A respeito de sciencia tenho lido obras de grandes illustrações militares, britannicas, francezas e allemãs, pelas quaes conheço, que a sciencia só, sem outras condições proprias para a guerra, não é sufficiente. Tostarode appella para o testemunho dos estudantes mais distinctos da escola polytechnica, e de Saint-Cyr: «Que dizeis, de que vos serviram nos combates a vossa algebra superior, o vosso calculo differencial, e a vossa geometria analytica?»

Essas mathematicas puras são apenas indispensaveis para os engenheiros e para um ou outro artilheiro que esteja nos arsenaes; mas para a fileira dos combatentes exigem-se outras condições. O que se quer para a fileira são homens instruidos, é verdade, mas dotados de um caracter proprio para a guerra, que tenham, para assim dizer, o instincto da guerra, e que tenham alem d'isso conhecimentos praticos e o conhecimento essencial do soldado.

Sobre este mesmo objecto passarei a ler O que diz o illustrado general visconde de Preval, com relação á França, e não é muito que eu use da mesma linguagem com relação ao que se faz entre nós.

Diz o visconde de Preval, com relação á França:

«Uma preferencia absoluta concedida ao talento seria um golpe fatal dado á confiança, á emulação e á conveniencia do serviço.

«Os diplomas das nossas escolas militares dão direitos, sem attenção alguma ás differentes partes da instrucção e mais qualidades militares que faltam a um individuo que tem muita sciencia.

«Eu penso que o merecimento, a aptidão propriamente dita, devem ser consideradas a par dos diplomas scientificos.»

Isto diz o visconde de Preval, e não é muito que um pobre e humilde soldado portuguez, como eu, siga as opiniões d'este illustrado general, porque homens muito superiores na minha profissão elogiam o general Preval, entre outros citarei o nosso illustrado, o sr. general Baldy.

Eu lamento que na artilheria se extinguisse o systema de conductores com officiaes proprios, porque desde então tem-se notado um grande prejuizo no gado. Na epocha em que havia este systema, o exercicio no campo pertencia aos officiaes propriamente de artilheria, mas o serviço das cavallariças pertencia aos conductores, e não havia os inconvenientes que se notam hoje.

Os nossos jovens mathematicos, officiaes de artilheria, têem muita sciencia em geral, mas não se têem dado ao estudo da sciencia hippica, nem mesmo á equitação de que já Xenofonte escreveu um tratado. Sei que gostam de montar a cavallo, mas tambem sei que não sabem andar a cavallo, pela maior parte.

Eu tenho observado em geral que os cuidados que se devem prestar aos animaes não os sabem elles, e o que me confirma n'esta minha opinião é que no anno passado houve uma tal mortalidade de cavallos e de muares na artilheria, que deu logar a que o sr. ministro das guerra mandasse uma portaria ordenando que se formasse uma commissão de inquerito, ao que militarmente se chama conselho de investigação, para indagar das causas d'este mal.

Eu pedi a copia d'esse conselho. A copia está na secretaria da camara, e os srs. deputados podem verificar se eu digo ou não a verdade.

A opinião do conselho é desfavoravel primeiro aos veterinarios, depois ao commandante e aos officiaes do corpo; diz que houve pouco escrupulo e pouco cuidado, e que não se olhou para este objecto como se devia e merecia.

E quer v. ex.ª saber qual foi a mortalidade no anno passado? Morreram em seis mezes quinze muares e dez cavallos. O preço medio de cada muar é de 150$000 réis, e de cada cavallo de 132$000 réis; por consequencia produziu aquella mortalidade um prejuizo para a fazenda publica de 3:570$000 réis, que, junto a 2:500$000 que foram necessarios para desinfectar as cavallariças, dá um prejuizo total de perto 7:000$000 réis.

Aqui estão as vantagens que resultam para p paiz de haver descuidos, e de não se tratar devidamente do que se deve tratar, e os effeitos da impunidade.

Um official sae das escolas, vem para um regimento de artilheria, nunca conheceu um cavallo, nunca soube conhecer as suas más qualidades, nunca tratou de saber os detalhes da sua limpeza e alimentação; e os resultados são os que notei. Quem paga é o paiz, mas não é só isso; dá-se tambem a circumstancia, que quando chegar a occasião em que seja preciso, de não haver meios para conduzir a artilheria, os que apparecerem no principio, no fim de poucos dias de operações estarão inutilisados

Então será preciso recorrer aos bois, como acontecia em 1326 e 1827, mas n'esse tempo recorria-se aos bois, por, que não havia estradas, e tinha por fim poupar as muares para poderem fazer bom serviço n'um dia de refrega.

O que me leva a acreditar que é necessario voltar ao antigo systema de conductores. Ahi vae um exemplo; n'um pequeno passeio ou marcha, que se fez ha tres annos, com uma bateria para experiencias, morreram logo cinco muares e um cavallo, o que causou um prejuizo de 882$000 réis, não fallando do material que muito se arruinou. E isto deu-se, commandando a força um official tido por muito habil; ora, se sendo habil, houve estes resultados, o que faria se o não fosse!

Na ultima organisação do exercito houve um grande augmento na artilheria, porque se creou mais um corpo d'esta arma, e alem disso creou-se tambem um corpo de artilheiros auxiliares na Madeira. Apesar das vantagens que offerece a artilheria, nos corpos d'esta arma não ha subalternos, e a prova de que isto é verdade, é que foram buscar trinta subalternos á infanteria e á cavallaria. E sabe v. ex.ª, porque motivo ha falta de subalternos na artilheria? E porque, como já disse, se creou mais um corpo d'esta arma, sem motivo nenhum, que justificasse similhante augmento, porque não augmentaram as baterias, nem o numero de praças; e em geral os subalternos demoram-se pouco n'esta classe, passam logo para capitães, e o resultado é que, na artilheria ha 43 officiaes superiores, 43 subalternos e 58 capitães; mais 15 capitães do que subalternos! Isto é uma cousa tão pasmosa, que se eu o dissesse em outro paiz, creia, v. ex.ª que ninguem me acreditaria. E antes de passar mais adiante, eu peço á camara, que acredite que eu não venho fallar n'estas cousas por acinte, nem tenho indisposição nenhuma para com os artilheiros; eu fallo como deputado, e não como militar; lá fóra sou militar, mas dentro d'esta casa sou um representante do paiz que tenho obrigação de zelar os seus interesses; a minha cadeira de deputado não a devo a militares, porque no circulo, por onde fui eleito, não os ha; no meu circulo tive apenas um voto de um militar reformado meu parente. Dada esta explicação, continuarei.

Eu tenho dito n'esta casa, mais de uma vez, que entendo que a promoção dos generaes devia ser por armas; ora eu não digo isto por ambição da minha parte, porque, combinada a escala que ha actualmente, e passando a promoção a ser por armas, eu ficaria em peior situação do que a actual; eu fallo por espirito de justiça, e por conveniencia do serviço; e tanto assim é, que no praso de cinco annos as armas especiaes, e principalmente a artilheria, serão o unico e exclusivo viveiro dos officiaes generaes; a demonstração da minha proposição acha-se no almanak.

Quer a camara saber o que ha um anno a esta parte se tem dado a respeito de promoções? Ha um anno a esta parte têem sido despachados 5 generaes, todos das armas scientificas; 18 coroneis, todos de armas scientificas; 10 tenentes coroneis, 9 de armas scientificas, e 1 de infanteria; 23 majores, 20 de armas scientificas, e 3 de infanteria; 41 capitães, 21 de infanteria e cavallaria, e 20 de armas scientificas. Isto na verdade não se commenta, basta enunciar-se.

(Interrupção.)

Pelo que respeita á organisação do ministerio das obras publicas, eu entendo que ella ainda não está auctorisada. Se andaram com leviandade, não andassem; e se assim foi, isso é ainda um pouco peior da parte de quem está á testa do governo.

Effectivamente a organisação do ministerio das obras publicas appareceu escripta, mas não foi convertida em lei, logo esses officiaes que estão fazendo serviço no ministerio das obras publicas pertencem ainda de direito ao exercito; não estão por emquanto afastados das fileiras, e o sr. ministro das obras publicas se quizer, creio que ninguem lhe poderá negar o direito de dispensar os serviços d'esses officiaes.

Já declarei as minhas idéas a respeito do exercito. Eu desejo que o exercito faça o serviço da policia, porque entendo que o paiz não póde organisar uma policia permanente, propriamente dita, isto é, á imitação do que existe em outras nações, porque custa muito cara. Seis mil homens de policia sáe muito mais caro do que os 18:000 homens de exercito que hoje temos.

Entendo pois que o exercito póde fazer a policia do paiz, mas por outro systema: acabando com os destacamentos, diminuindo as guarnições, e entendendo-se o sr. ministro do reino com o sr. ministro da guerra, para que, dividida a força por o paiz, se possa licenciar parte d'ella, ou a restante; comtanto que dois mezes no anno se reuna toda a força, exceptuada a de policia, para exercicios militares. E bastavam dois mezes de exercicio constante, para o exercito ter mais instrucção do que tem hoje; porque, se formos a calcular a instrucção que os corpos hoje têem, posso dizer que nos dois mezes, havendo quarenta dias uteis para exercicios, haverá muito mais do que ha nos corpos durante um anno.

O regimento n.º 7 de infanteria, em todo o anno de 1865, teve 14 exercicios: de batalhão 14, de pelotão 3, de brigada 4; ao todo 21. Já se vê que, tendo dois mezes successivos de exercicio, teriam mais instrucção do que têem hoje, isto devido a differentes causas, e todas justificadas; umas vezes porque ha muitos destacamentos, outras porque entra a força de serviço, outras por causa do tempo, etc. fazem-se exercicios quando se podem fazer.

Tambem eu desejava que se fixassem definitivamente os quadros; elles estão definidos, mas desejava que se de-