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O sr. Cunha Sotto-Maior (sobre a ordem)-—Pedi a palavra sobre a ordem, para encher tempo; mas as observações apresentadas pelo sr. Corrêa Caldeira parecem-me justas; porque não é possivel, sr. presidente, entrar uma pessoa com algum conhecimento de causa na discussão de um projecto qualquer, sem que para isso venha preparado.
Hontem discutiu-se o orçamento do ministerio da fazenda e do reino, hoje, por não estar presente o sr. ministro da fazenda, nem o seu collega do reino, havemos de passar a discutir o orçamento do ministerio da justiça, tendo V. ex.ª dado para discussão outros projectos? Não me parece conveniente. O que entendo é, que, visto não se acharem presentes os srs. ministros do reino e fazenda, sabendo que se proseguia na discussão dos respectivos orçamentos, se deve discutir algum dos projectos dados para ordem do dia, e % acabemos com isto de orçamento.
O sr. Santos Monteiro: — V. ex. faz a mercê de dizer-me qual foi a proposta do sr. Corrêa Caldeira, que submetteu á votação da camara?
O sr. Presidente: — Para que em vez de se passar ao orçamento do ministerio da justiça, se discutisse algum dos projectos dados para ordem do dia.
O sr. Santos Monteiro: — Julgava que era para se passar á discussão de algum outro orçamento. Ora, os projectos dados para ordem do dia todos dependem da presença do governo; de maneira que a camara, se approvar essa proposta, significou que não quer discutir. Pois nós temos ainda para discutir o orçamento do ministerio da justiça; está presente o sr. ministro respectivo, e votâmos que se não discuta este orçamento para se passar á discussão de dois projectos dados para ordem do dia, que dependem da presença do sr. ministro da fazenda?!... O que se vê por isto, é que a maioria não quer discutir!... Eu tenho ouvido censurar a camara pela falta de attenção que se presta ás votações; e realmente parece-me que é merecida a censura, porque, n'esta occasião, só por falta de attenção e que a camara votou = que não queria discutir cousa alguma. =
O illustre deputado, propondo este methodo de discutir, fez muito bem; e eu no seu caso fazia o mesmo, porque acho magnifico o seu papel. Eu tenho aprendido, e espero ainda aprender, apezar do pouco desejo que tenho de continuar n'esta vida. E desejo ainda uma vez fazer opposição.
O sr. Lobo d'Avila: — Sr. presidente, eu peço á maioria da camara, que attenda á situação em que nos achâmos. Nós temos o orçamento do ministerio da justiça para discutir, e podêmos agora discuti-lo, porque está presente o sr. ministro; ao contrario, perdemos tempo. Dizem os illustres deputados: «Discutam-se outros projectos que estão sobre a mesa.» Mas se elles dizem que não estão preparados para discutir o orçamento do ministerio da justiça, que estava dado para ordem do dia, que era o que se seguia immediatamente ao do ministerio do reino, como querem que todos estejam preparados para discutir os outros projectos? Veja-se a logica dos dignos deputados!
Eu peço á camara que preste alguma attenção a este assumpto. Accresce mais, que os projectos que estão sobre a mesa, para se discutirem, exigem a presença do sr. ministro da fazenda, que não pôde vir hoje á camara por estar occupado em negocios de grande interesse publico. De maneira que, não se podendo entrar na discussão d'estes projectos, não se quer discutir o orçamento do ministerio da justiça! Então não queremos discutir cousa alguma? Eu não faço n'isto censura a ninguem; apresento unicamente a questão, para que os dignos deputados votem de modo que se possa discutir alguma cousa, e que aproveitemos o tempo.
Parece-me que não ha inconveniente algum em passarmos á discussão do orçamento do ministerio da justiça, mesmo porque os illustres deputados da opposição, que desenvolveram grandes conhecimentos sobre administração, quando se tratou do ministerio do reino, estarão tambem preparados para entrar na discussão d'aquelle orçamento, que não é tão complicada. Peço, pois, á camara, que attenda a estas considerações, e que designe uma materia que possa, desde já, entrar em discussão, para não perdermos o tempo.
O sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. presidente, eu não farei como o illustre deputado; não me dirigirei á maioria da camara; dirijo-me á camara. É necessario, sr. presidente, que a camara occupe o seu logar, e que os srs. ministros cumpram com o seu dever. Ignorava o sr. ministro da fazenda, que hoje se discutia o orçamento do seu respectivo ministerio? Porque não vieram aqui? Sr. presidente, é necessario que a camara occupe o seu logar, e que não esteja todos os dias abdicando da sua dignidade e das suas prerogativas. O que significa um ministerio que trata a camara tão de resto, que, sabendo que estava em debate na camara o orçamento do ministerio da fazenda, não veiu aqui o respectivo ministro; e estando presentes o nobre ministro da justiça e o nobre ministro dos negocios estrangeiros, nem um nem outro tomaram a palavra, para darem a camara as rasões por que o seu collega deixou de comparecer; e um illustre deputado, o sr. Lobo d'Avila, é que se levantou, para explicar que o sr. ministro da fazenda tem altos negocios a tratar!...
Sr. presidente, o illustre deputado o sr. Santos Monteiro disse=que fazemos muito bem. = É verdade, fazemos muito bem; mas sinto não poder corresponder ao illustre deputado e aos outros seus collegas da maioria com uma igual asserção; porque, se fazemos muito bem, os illustres deputados fazem muito mal. Esta é que é a questão.
Pois V. ex.ª não poz á votação a proposta do nobre deputado o sr. Corrêa Caldeira? e qual foi o resultado d'essa votação? Tivemos 33 votos a favor. Quantos tiveram os illustres deputados? Tiveram 32. Estiveram em minoria. E agora querem obrigar a camara a desmanchar a sua votação!...
A questão é esta: os, srs. ministros podem ter graves negocios a tratar, não ha duvida; mas os srs. ministros, apezar de terem estes graves negocios a tratar, devem procedei para com a camara com alguma consideração e algum respeito. Não é estar a maioria e a camara constantemente ás ordens dos ministros de uma maneira servil e abjecta! (Sensação.) A camara ha de discutir quando os ministros quizerem! De sorte que a camara dos deputados é uma especie de estado maior dos srs. ministros! A camara ha de fallar quando o ministro quizer; a camara ha de discutir quando o ministro quizer: a camara ha de discutir na ausencia do ministro, quando o ministro mandar!... Isto não póde ser. O systema constitucional tem regras, tem fórmas, tem modos e maneiras, e uma vez que não se sigam estas regras, fórmas, modos e maneiras, altera-se a essencia do governo representativo. Então não estejamos aqui com phantasmagorias! (O sr. J. M. d'Abreu: — Peço a palavra.) E eu peço-a segunda vez; porque quero ver as rasões com que os illustres deputados hão de justificar esta continua ausencia dos srs. ministros.
A questão é esta; estava em discussão o orçamento da fazenda, viesse o ministro da fazenda; seguia-se o do reino, viesse o ministro do reino; mas nem um nem outro veiu; e quando nós, deputados da opposição, que não somos relatores, nem membros de commissões, e, por consequencia, não temos diante de nós os documentos para fazermos o nosso estudo de uma maneira pausada e reflectida, pedimos tempo para estudar, não nos podem levar a mal esta proposição. Nós estavamos habilitados para discutirmos o orçamento do ministerio cia fazenda; estariamos habilitados para discutir conjuntamente com o da fazenda o do reino, mas declaro que não estavamos habilitados para discutir o orçamento do ministerio da justiça, nem ninguem aqui está habilitado para isso. Escusam os nobres deputados de vir aqui affectar uma sciencia que não possuem, porque não a podem ter. Para estudar é necessario tempo, para um individuo qualquer entrar com conhecimento de causa na discussão de uma materia qualquer, e poder votar com consciencia, é necessario estudar. Pois se não nos dão tempo, como querem que estudemos? E se acaso não estuda