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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso do sr. deputado Barros e Cunha, pronunciado na sessão de 18 do corrente, e que devêra publicar-se a pag. 708, col. 1.ª do Diario da camara.

O sr. Barros e Cunha: — Levanto-me para pedir a v. ex.ª e á camara que mantenha a primeira resolução que tomou, e que se dê a palavra ao ministro da fazenda demissionario, o sr. Carlos Bento; se por acaso ficar preterido no meu direito de fallar, e no desejo que tenho de o fazer, satisfaço-me em ter cedido da palavra em favor de s. ex.ª

O sr. Carlos Bento: — Muito obrigado.

O sr. Presidente: — O sr. Carlos Bento ouve as observações do sr. deputado; mas s. ex.ª cede do seu direito ou do direito que a camara lhe concedeu.

Vozes: — Falle, falle.

O sr. Presidente: — Mas o sr. Carlos Bento mantem-se na altura da inscripção, e não quer usar agora da palavra.

Tem a palavra o sr. deputado por Silves.

O sr. Barros e Cunha: — V. ex.ª comprehende que me é summamente desagradavel ter de fallar, n'estas circumstancias, quando tantas referencias, que tinham sido feitas á administração de que o sr. deputado Carlos Bento fazia parte, careciam de certo, de explicações, não tanto em relação á sua pessoa, mas em relação aos negocios publicos.

N'estas circumstancias, que tanta impressão fazem no meu animo, vou fazer tudo quanto é possivel para resumir o pouco que me ficou por dizer, porque, para as minhas faculdades, o debate era sufficientemente esclarecido; e unicamente direi poucas palavras em relação á minha responsabilidade pessoal; porque comquanto esteja perfeitamente em harmonia com as declarações feitas por parte do partido progressista historico, e em opposição politica ao actual gabinete, cada individuo, pelos seus precedentes, e sobretudo quando se recorre aos precedentes de todos os individuos e de todos os partidos, precisa de justificar-se em relação ao grupo dos eleitores que representa principalmente nas questões de administração e de fazenda publica.

Não sei se me engano, mas parece-me ouvir dizer ao sr. presidente do conselho de ministros e ministro da fazenda, que s. ex.ª concordava que era necessario introduzir na proposta de lei de meios uma declaração, redigida de maneira, que equivalha ás propostas que foram mandadas para a mesa, pelos meus amigos politicos, as quaes, em consequencia da redacção unicamente, s. ex.ª não podia aceitar.

Se não me enganei, se isto não foi uma illusão do meu espirito, o que me parecia conveniente era que o projecto de lei voltasse á commissão, a fim de ser redigido em conformidade com as declarações feitas pelo sr. ministro da fazenda.

Isto não equivale de maneira nenhuma a uma proposta de adiamento, porque, estando presentes todos os membros da commissão n'este momento, se por acaso o governo se conforma com a necessidade que ha de formular o projecto pela maneira por que o sr. ministro da fazenda o entende e por que a mim me parece que o entende, eu mando para a mesa uma proposta.

Se porém o sr. ministro da fazenda se não conforma com esta proposta, cederei de a enviar para a mesa, e farei algumas considerações mais, combatendo a lei de meios, que, n'esse caso, rejeitarei.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — V. ex.ª quer que eu responda?

O Orador: — Não o peço. V. ex.ª responderá se quizer.

O sr. Presidente do Conseiho de Ministros: — Posso responder desde já.

O Orador: — Fica ao arbitrio de v. ex.ª Eu não o queria forçar a isso.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (dirigindo-se ao sr. presidente da camara): — O illustre deputado pede-me uma resposta para continuar o seu discurso. Se v. ex.ª me dá licença, eu respondo.

O sr. Presidente: — Póde v. ex.ª faze-lo.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Eu não posso fazer propostas durante o debate, porque não tenho a honra de ser membro d'esta camara. Fiz uma indicação por parte do governo. Se a commissão aceitar a minha indicação, é claro que a proposta patrocinada pela commissão, póde ser approvada ou rejeitada pela camara, como entender.

O Orador: — N'esse caso creio que vae inteiramente em harmonia com as declarações de s. ex.ª a minha proposta para que a commissão seja ouvida a esse respeito.

Eu leio a:

«Proponho que o projecto volte á commissão, a fim de que, redigido conforme com as declarações do governo, seja de novo posto em discussão.»

A subida dos actuaes conselheiros da corôa a estes logares não me surprehende: demasiadamente sciente estava das difficuldades com que lutava o gabinete demissionario para me convencer de que era impossivel que podesse continuar á frente dos negocios publicos (apoiados), pelo fraccionamento em que se achavam os partidos politicos n'esta casa, e pelo modo por que o governo hesitára diante da imperiosa necessidade da organisação e melhoramentos da fazenda publica, e pela sua incompatibilidade com a camara (apoiados).

Eu tinha apresentado á camara uma proposta depois de ter provocado o sr. ministro da fazenda a respeito das leis de receita que tencionava propor ao parlamento para serem approvadas, e n'essa proposta se diz que a camara, não podendo satisfazer-se com as explicações do governo, nem confiar em seu concurso para o melhoramento das finanças, passava á segunda parte da ordem do dia. Não póde de certo a minha posição presente ser differente d'aquella que, em relação restricta a este assumpto, era diante do gabinete passado (apoiados).

A proposta de lei de meios contém em si não só um expediente para a administração das finanças, mas contém implicita e explicitamente uma moção de confiança politica. Votando ao governo a lei de meios sem restricções, a ca-

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Deixarei porém de o comparar por esse lado, e trato sómente de dizer, que não posso deixar de lamentar profundamente que, sendo o actual gabinete representante de metade da situação passada, e, alem d'isso, tendo alguns dos seus membros feito parte da commissão de fazenda, não se julgasse sufficientemente auctorisado para cobrir com a sua responsabilidade a annuencia que já tinha dado ao orçamento rectificado, a esse orçamento que de certo a estas horas já poderia estar discutido! (Apoiados.)

(Interrupção.)

Diz-se: «que essa discussão era inutil e impossivel». Já n'esta casa tive a honra de dizer a minha opinião a esse respeito, quando tomei parte n'este debate; e n'essa mesma occasião, um dos illustres ministros que está presente, teve a honra de, por decreto seu, elevar á categoria de papagaios, não n'esta tribuna, mas n'outra tão respeitavel como esta, aquelles que tinham tomado parte no debate, e que tinham emittido essa mesma opinião (riso).

E comparando quanto eu aqui disse com o que disse o sr. presidente do conselho e com o que disse em 1854 o sr. visconde Almeida Garrett, na camara dos dignos pares, vejo que não ha differença senão na superioridade com que estas phrases foram apresentadas. Todos disseram então que as reformas dependiam da administração publica, que a administração não se podia decretar arbitrariamente, e que era necessario fazer administração para o paiz e não talhar no papel o que havia de ser inutil. Se por acaso se póde estender áquelles illustres cavalheiros o despacho á classe dos papagaios, não serei eu que o diga. Como só eu e o sr. Carlos Bento tomámos parte no debate do orçamento, declaro que declino a honraria, que o sr. ministro me fez. Se é ao sr. Carlos Bento que esta classificação deve ser applicada, talvez a camara tenha de tomar deliberação a este respeito.

Sei porém que o despacho de papagaio não se póde applicar ao actual sr. ministro do reino, então membro da commissão, porque elle até hoje, na commissão e no governo, ainda não abriu bico.

O sr. Ministro do Reino: — Eu fallei dos papagaios que sobem.

O Orador: — Esses não erram. Sobem com vento.

Tanto os esforços que tenho empregado, como as propostas votadas n'esta camara, como as declarações do governo demissionario, como as declarações do actual sr. presidente do conselho e ministro da fazenda me levam ainda a julgar que a discussão do orçamento era o acto mais necessario para occorrer ás necessidades da fazenda e administração do paiz.

Não é sómente em relação ás despezas que a camara dos deputados e a nação portugueza tinha necessidade de discutir o orçamento, era tambem em relação á creação de receita, e, n'esta parte não vi senão que todos os projectos

de receita que aqui foram apresentados, e nos quaes estava eu mais de accordo com o sr. Carlos Bento do que com as restricçÕes que propunha a commissão de fazenda.

Esses projectos que já foram discutidos n'esta casa, já passaram pela camara dos dignos pares, tendo tido larga discussão na imprensa, ficaram completamente postos de parte.

Não sei realmente onde este continuado systema de adiamentos nos ha de levar, sei porém, que se os representantes do povo e o governo tivessem de fazer algum sacrificio, seria de certo bem recebido pelo paiz.

É verdade que a estação vae muito adiantada, e é verdade tudo quanto disse o sr. ministro da fazenda, mas tambem é verdade que vae muito adiantado o deficit do estado. Tambem é verdade que não é da parte da camara dos deputados que se oppõem difficuldades para que esta allegação de tempo e de espaço possa prevalecer sobre o patriotismo e indeclinavel necessidade de resolvermos os negocios publicos, porque exactamente para isto é que recebemos a investidura do povo.

Não entro na questão especial que inhibe o sr. presidente do conselho e ministro da fazenda a aceitar restrictamente a palavra deve, na indicação de incluir nas tabellas as economias que tinham sido introduzidas pela commissão de fazenda, e que estavam já no orçamento rectificado; sei porém que isto se harmonisa com os principios adoptados pela escola que subiu ao poder, de que o povo póde e deve pagar mais, e de que o governo póde mas não deve gastar menos.

Novamente protesto, ainda que possa incorrer nas iras do illustre ministro do reino, que não comprehende, ou não quer comprehender, como eu disse, que o povo deve, ainda que não possa, pagar mais, porque creio que de certo lhe não convem discutir muito esta phrase, em que lhe parece haver contradicção, quando não vê essa contradicção no deve e póde do sr. presidente do conselho.

Mas não posso deixar de lamentar que o governo deseje mais a amplitude para poder despender, do que a restricção para poder gastar.

Em todo o caso aceito as indicações apresentadas pelo meu illustre amigo, o sr. Braamcamp, não deixando de dar o meu voto á lei de meios, não pela rasão que apresentou o sr. presidente do conselho e ministro da fazenda, de que se lhe não fosse votada a lei, isso o obrigaria a collocar-se em dictadura, nem por acto de confiança. Voto-a, porque não quer o governo aceitar as indicações dos meus amigos.

Permitta-me s. ex.ª que lhe diga, que não concordo de maneira nenhuma que o governo se possa collocar em dictadura, se a camara não lhe votar a lei de meios.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Eu não disse tal.

O Orador: — Parecia-me que o tinha dito. Eu tomei nota; mas se s. ex.ª declara que o não disse, fico assim dispensado de responder; entretanto ha muita gente que o tem assim entendido, e eu contesto essa deploravel idéa, que a constituição não auctorisa, e a camara está sempre no seu direito de recusar a lei de meios, quando os governos se recusam a discutir a lei geral da receita e despeza do estado.

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