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N.º 14

SESSÃO DE 16 DE MAIO DE 1857.

PRESIDENCIA DO Sn. JOAQUIM FILIPPE DE SOURE.

Secretarios os srs.

Joaquim Gonçalves Mamede

Antonio Pequito de Seixas e Andrade

Chamada — presentes 60 srs. deputados.

Entraram durante a sessão — os srs. Affonso de Castro, Bettencourt, Vida), Castro e Abreu, Mello e Carvalho, Sá Nogueira, Heredia, D. Antonio da Costa, Emilio Brandão, Girão, Serzedello, Fontes Pereira de Mello, Breyner, Sousa e Menezes, Pinto de Albuquerque, Sampaio, Antonio de-Serpa, Rodrigues Cordeiro, Xavier da Silva, Barão d'Almeirim, Bento de Castro, B. F. da Costa, Possolo de Sousa, Conde de Samodães (Francisco), Vivião Pessanha, Garcia Peres, Cunha Pessoa, Jeremias, Faustino da Gama, Barros, Rezende, Pegado, Alves de Sá, Almeida Pessanha, Roboredo, Sousa. Machado, Moraes Carneiro, Honorato Ferreira, Pinto de Magalhães, Sousa Pinto Bastos, José Estevão, Ferreira Pinto Basto, José Guedes, J. J. da Cunha, Luciano de Castro, J. M. d'Abreu, Casal Ribeiro, Gentil, Latino Coelho, Teixeira de Queiroz, Aboim, Sousa Cabral, L. A. Nogueira, Rebello da Silva, M. G. da Rosa, Tenreiro, Osorio Cabral, Paulo Romeiro, Rebocho, Nogueira Soares, Thomás de Carvalho e Visconde de Pôrto Carrero.

Não compareceram—os srs. Costa Veiga, Castro Guedes, Dias e Sousa, Barata, Nazareth, Fonseca Coutinho, Pinto Tavares, Judice Samora, Mello Gouveia, Matoso, Brown Junior e Coelho de Carvalho,

Abertura—ao meio dia. Acta — approvada.

CORRESPONDENCIA.

Officios.

1. º—Do ministerio das obras publicas, acompanhando os esclarecimentos pedidos pelo sr. conde de Samodães, relativos ao rendimento e despeza que no anno findo houve com a mala-posta entre o Carregado e Coimbra.

Para a secretaria.

2. º—Do mesmo ministerio, devolvendo, com as informações que lhe foram pedidas, o requerimento em que os amanuenses da segunda classe daquelle ministerio pedem que sejam por antiguidade, e não por concurso, as promoções para a primeira classe.

A commissão de administração publica.

Representações.

1.ª—Da junta de parochia e mais cidadãos da villa da Zebreira, pedindo a reconstrucção do concelho de Salvaterra do Extremo, com a sua séde na villa da Zebreira,

A commissão de estatistica.

2.ª—De muitos vacilantes do extincto concelho da Pedreneira, pedindo a reconstrucção do seu concelho.

A mesma commissão.

3.ª — Dos empregados do correio de Santarem, pedindo, augmento de vencimentos.

A commissão de obras publicas.

EXPEDIENTE

A que se deu destino pela mesa

Requerimento,

Requeiro que se peça ao governo, pelo ministerio da fazenda, que envie a esta camara:

1.º Uma relação de todos os donatarios perpetuos ou temporarios de propriedade e dominios da corôa, bem cómodo capellas, commendas e quaesquer outros estabelecimentos, com declaração da data das cartas de doação e confirmação, e das terras doadas e do encarte ordenado pela caria de lei de 22 de junho de 1846, artigo 2.°

2. º Outra relação de todos os bens da corôa e fazenda, de que o estado tomou posse, por se não lerem encartado os donatarios, ou por haverem revertido á fazenda publica os bens mencionados pela terminarão da doação temporaria, ou por qualquer outro motivo legal.

3.º Outra relação dos donatarios que pagaram os quintos dos bens da corôa que possuiam em qualquer concelho ou julgado do reino. Passos (José) = Pinto d'Almeida.

Foi remettido ao governo.

SEGUNDA LEITURA.

Proposta.

Proponho que a illustre commissão de guerra ouça com urgencia o governo, e com urgencia dê o seu parecer. = Pinto d'Almeida = F. Coelho do Amaral.

O sr. Presidente: — Foi declarada hontem urgente ume proposta no sentido d'esta, depois os srs. deputados retiraram-a e substituiram-a por esta que não está ainda admittida á discussão. Vou propôr á camara se a admitte á discussão.

Foi admittida.

O sr. Conde de Samodães (Francisco): — Sr. presidente, depois do que se disse hontem aqui na camara, eu combinei com os meus collegas a este respeito, e creio que hoje mesmo se apresentára o parecer, porque todos vieram a fixar as suas opiniões.

Quanto a ouvir-se o sr. ministro da guerra, já duas vezes se ouviu, e em ambas deu uma resposta evasiva no sem

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tido que hontem expliquei á camara; porque o sr. ministro, no melindre do seu cavalheirismo, não quiz dar uma opinião que prejudicasse os individuos, de cuja justiça estava convencido, nem tambem dar uma d'onde se inferisse que era por interesse pessoal. Se se convidar s. ex.ª pela terceira vez a ir á commissão, s. ex.ª dir-nos-ha a mesma cousa.

Se o nobre deputado auctor da proposta a quizer retirar, persuado-me de que hoje mesmo poderemos apresentar o parecer, porque nós viemos hontem a um accordo, sobre o modo de resolver este embaralhado negocio.

O sr. Camara Leme: — Eu hontem não estava presente quando um illustre deputado por Vizeu, e meu amigo, por occasião de fallar sobre um projecto apresentado pelo sr. conde de Samodães (Francisco), tendente a indemnisar os officiaes preteridos na promoção de 1847, dirigiu uma injusta insinuação á commissão de guerra, a que tenho a honra de pertencer. Creio que o illustre deputado foi mal informado, porque os meus illustres collegas eram incapazes de ceder a nenhuma influencia estranha, por muito poderosa que ella fosse, deixando de decidir os negocios affectos á commissão de guerra com aquella imparcialidade que os caracterisa. Os meus illustres collegas já responderam hontem dignamente, e restava-me só a mim faze-lo, para declarar ao illustre deputado que me persuado de que faz justiça ao meu caracter, que eu era incapaz de me deixar subjugar por taes influencias, e muito menos dispensar-me de repellir qualquer insinuação que porventura me fosse dirigida.

Sr. presidente, concordei desde o principio com o pensamento do mencionado projecto, mas parece-me indispensavel que o governo manifeste a sua opinião, porque reputo o negocio muitissimo melindroso. O nobre ministro da guerra recusou-se a acceder a este desejo da commissão por motivos que eu respeito, e que de certo são muito honrosos para s. ex.ª; era esta a unica duvida que me prendia; por isso como a camara hontem manifestou desejos que a commissão apresente o seu parecer, eu creio que ainda hoje o farei.

O sr. Pinto d'Almeida: — Eu peço a V. ex.ª e á camara licença para retirar a minha proposta, porque as declarações feitas pelo sr. conde de Samodães, e pelo sr. deputado que acaba de fallar são para mim sufficientes.

O sr. Presidente: — Como proposta é tambem assignada pelo sr. Coelho do Amaral, é preciso que o sr. deputado igualmente a retire.

O sr. F. Coelho do Amaral: — Eu retiro-a, mas peço a V. ex.ª que me dê a palavra.

O sr. Presidente: — Tem a palavra. O sr.' F. Coelho do Amaral: — Sr. presidente, eu concordo na retirada da proposta pelo mesmo motivo porque o fez o sr. Pinto d'Almeida, isto é, porque me satisfizeram as explicações dadas pelo sr. conde de Samodães. E aproveito a occasião para renovar o meu pedido da urgencia do parecer, porque ainda que o nobre deputado o sr. Camara Leme acaba de dizer que o negocio é muito grave, e não serei eu que lhe conteste a gravidade, todavia entendo que o acto de justiça e de reparação que tende a estreitar, a apertar mais os laços de fraternidade da familia portugueza, que vae apagar de futuro os vestigios das lutas patrias, é objecto mais serio ainda, e que deve estar primeiro que qualquer outra consideração; porque é um acto de justiça, como disse, e a justiça deve ser igual para todos. Por isso renovo o meu pedido da urgencia do parecer.

A camara permittiu que a proposta fosse retirada. O sr. Gaspar Pereira: — Sr. presidente, na conformidade do artigo 105.º do regimento, cumpre-me ler o projecto que tenho a honra de apresentar hoje á camara; projecto que comprehende toda a legislação sobre fallencias; mas como contém quatro cadernos de papel escripto, ainda que a leitura d’elle seja muito rapida leva horas; persuado-me.de que a camara quererá dispensar-me d'essa leitura.

Entretanto, sr. presidente, o artigo 110.° do regimento permitte ao deputado que apresenta um projecto de lei, no acto da apresentação, expor os seus principaes fundamentos ou de palavra ou por escripto. Por escripto vem elles no relatorio postoque não todos, que esses devem apparecer mais tarde em separado, assim mesmo o relatorio é longo. Se a camara m'o permittir usarei da palavra para dizer resumidamente qual o systema que adoptei... Mas não; remetto já o projecto para a mesa, e espero ler melhor occasião de fallar amplamente sobre esta importante materia. O projecto contém cento e dezeseis artigos. O meu desejo é, como digo no relatorio, que esse depois de corrigido sirva ao menos de base para uma boa lei de fallencias, de que tanto se carece.

O sr. Passos (José): — Sr. presidente, mando para a mesa uma representação de diversos fabricantes de seda da cidade de Lisboa, em que pedem que, examinando-se a classe das pautas que lhes diz respeito, esta camara lhes conceda medidas protectoras d'esta importante industria.

Peço que esta representação seja mandada á commissão de commercio e artes. E aproveito a occasião para mandar para a mesa o seguinte requerimento. (Leu, e era relativo aos cursos nocturnos de desenho e architectura na academia portuense de bellas artes.)

Sr. presidente, como hoje é o anniversario do movimento de lealdade e de liberdade que teve logar no dia 16 de maio de 1828 na invicta cidade do Porto, e como em virtude d'este feito nobre, heroico e glorioso dos portuenses, alguns cidadãos livres e honrados soffreram morte honrosa na praça nova daquella cidade, como foram os srs. Gravito, Martiniano, Oliveira, Brito, Freitas, Pinheiro, Manuel Luiz Nogueira, Macedo e outros martyres da liberdade e da patria; e como o filho de um d'estes martyres, o sr. Nogueira, se acha no hospital da ordem terceira do Carmo daquella cidade, sustentado á custa da inexcedivel caridade portuense, aproveito a palavra para mandar para a mesa uma proposta chamando a attenção do governo e da camara para se prover á subsistencia daquelle infeliz, filho de um honrado magistrado, bom cidadão, e heroico martyr da liberdade e da patria. (Apoiados.) (Leu em seguida a proposta.)

(Proseguindo.) Sr. presidente, estão promptos o parecer sôbre o emprestimo de 800:000$000 réis para a construcção de quatro navios de guerra pelo systema mixto, e outro pedindo a opinião da illustre commissão de obras publicas ácerca do emprestimo para melhoramento da barra do Porto, e serão remettidos para a mesa logo que chegarem os illustres membros da commissão de fazenda, que o hão de assignar.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Sr. presidente, eu não estava na sala quando o meu illustre amigo o sr. D. Luiz da Camara Leme tomou a palavra para responder ao pedido que eu linha hontem feito á illustre commissão de guerra, de apresentar o seu parecer sobre os officiaes preteridos pelos acontecimentos politicos de 1846; mas s ex.ª leve a bondade de vir dizer-me o que linha respondido.

Eu folgo que tanto s. ex.ª como os demais membros da commissão de guerra, lançassem fóra de si a responsabilidade de um boato que me chegára aos ouvidos, boato de que influencias estranhas á camara pesavam sobre o animo de ss. ex.ª Tenho o maior prazer era aceitar as explicações de s. ex.ª

Ouvi tambem dizer, que alguem da commissão declarára que o parecer seria apresentado á camara; e folgo que o meu fraco contingente de exforços tivesse contribuido para este resultado.

O sr. Cunha e Sá:-Mando para a mesa a seguinte Nota de Interpellação.

Pretendo interpellar o ex.mo ministro das obras publicas, commercio e industria sobre os embaraços que tem para estabelecerem Evora a escola regional de agricultura, que ordena o decreto com força de lei de 16 de dezembro de 1832. = Cunha e Sá.

Mandou-se fazer a communicação.

O sr. Miguel do Canto: — Sr. presidente, durante a legislatura passada requereram muitos illustres deputados, e entre elles o sr. Pinto de Almeida e o meu honrado amigo o sr. D. Rodrigo de Menezes, varios esclarecimentos ao go-

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Vemo ácerca dos devedores á fazenda publica, para quem o govêrno tem usado de favor e demasiada benevolencia. O requerimento d'estes illustres deputados nunca foi satisfeito durante a sessão passada; já n'esta o illustre deputado e meu amigo o sr. Paulo Romeiro tem insistido sobre o mesmo assumpto; tres ou quatro requerimentos que tem apresentado tambem ainda não foram satisfeitos. Dizem que se preparam nas secretarias trabalhos importantes; entretanto vão-se pasmando mezes e annos e não apparece nenhum esclarecimento ácerca de um assumpto tão importante: eu e alguns amigos meus estamos dispostos a insistir para que estas informações sejam apresentadas á camara. N'este intuito vou renovar, de accordo com alguns illustres deputados e meus amigos, os requerimentos que se têem feito ha muito tempo, indicando um meio de se obter com mais facilidade a resolução doeste negocio importante. Este negocio é grave e merece ser attendido pela camara. No momento em que se têem lançado impostos avultados, quando a necessidade crescente do serviço publico mostra que será forçoso ainda recorrer a novos tributos, é de absoluta necessidade que o paiz saiba quem são os individuos poderosos que são remissos em pagar, quando é necessario que todos os contribuintes paguem igualmente. É um facto deploravel, sr. presidente, que a pequena propriedade esteja em geral mais tributada do que a grande, e é realmente para lamentar que quando os contribuintes, pobres pela maior parte, pagam exactamente, os contribuintes de classe mais elevada sejam mais remissos na satisfação das suas collectas, e alcancem com facilidade moratorias cujos fundamentos é necessario que sejam mui justificados. Por tudo é conveniente que a camara tome conhecimento de tal assumpto. Vou mandar para a mesa um requerimento n'este sentido. Vae assignado por um grande numero de srs. deputados, que prestaram adhesão ao pensamento que o suggeriu.

Mando para a mesa outro requerimento pedindo esclarecimentos ao governo.

O sr. Silvestre Ribeiro: — Pedia a V. ex.ª que tivesse a bondade de me reservar a palavra para quando estiver presente alguns dos srs. ministros.

O sr. Pinto de Almeida: — Sr. presidente, mando para a mesa uma nota de interpellação ao sr. ministro das obras publicas, commercio e industria sobre o cumprimento das condições com que foi arrematada a lavra da mina de carvão de pedra de Buarcos. Peço pois a V. ex.ª que esta nota de interpellação seja mandada já ao sr. ministro das obras publicas, e espero que s. ex.ª se habilite quanto antes para responder a esta interpellação, porque é urgente: é sobre um contrato feito entre o governo e a companhia, contrato que da parte da companhia não tem sido cumprido absolutamente em nada. Vae assignada pelo meu amigo o sr. Roque Joaquim Fernandes Thomás, deputado por aquelle circulo. Não posso deixar de mandar esta nota, esperando que o sr. ministro responda quanto antes a ella, porque é um negocio urgente e grave. É preciso que os contratos que se fazem entre o govêrno e as companhias sejam cumpridos estricta e religiosamente.

Nota de Interpellação

Pedimos que seja convidado o sr. ministro das obras publicas para responder a uma interpellação que desejâmos fazer lhe sobre o cumprimento das condições com que foi arrematada a lavra da mina de carvão de pedra de Buarcos. = Fernandes Thomás = Pinto de Almeida.

(Proseguindo.) Aproveito a occasião para chamar a attenção da illustre commissão de verificação de poderes para o parecer sobre as differentes vagas que ha de deputados. Sr. presidente, a sessão esta muito adiantada, nós estamos no fim da segunda prorogação, e eu então peço á illustre commissão de verificação de poderes que traga quanto antes o seu parecer, visto que já está competentemente habilitada para isso.

Sr. presidente, chamo tambem a attenção da illustre commissão da lei eleitoral a fim de que traga o mais breve possivel o seu parecer sobre a parte da lei eleitoral que precisa ser melhorada. É um negocio grave. Já na camara passada alguns srs. deputados mostraram a conveniencia de ser melhorada essa parte da lei eleitoral, e não se conseguiu nada, e parece-me que n'esta acontecêra o mesmo; comtudo não deverei deixar de insistir com a illustre commissão, pedindo que no mais curto espaço de tempo traga esse parecer ainda que se não discuta n'esta sessão, para se saber qual é a opinião da commissão.

Mandou-se fazer a communicação da nota de interpellação.

O sr. Mello Soares: — Respondendo ao illustre deputado que pediu á illustre commissão de verificação de poderes que apresentasse quanto antes o seu parecer a respeito das vagas, que ha n'esta legislatura, que deixaram alguns srs. deputados, uns por não aceitarem, outros pela opção que deviam fazer em rasão das diversas circumstancias que affectam a sua eleição, e outros porque não quizeram tomar assento na camara, tenho a declarar a V. ex.ª para conhecimento da camara, e para satisfação do pedido do illustre deputado que o parecer na sua maxima parte não só esta concluido, mas a copiar. Por conseguinte em breve espaço de tempo póde virá camara; mas talvez demore uma sessão mais para vir o conjunto.

O sr. Conde de Samodães (Francisco): — Como o illustre deputado se referiu á commissão eleitoral de que sou membro, explico ao illustre deputado e á camara o estado em que estão os trabalhos. Como os membros da commissão estão tambem encarregados de outros trabalhos de commissões, e não se podia tratar aqui d'esta questão, resolveu-se que houvesse algumas sessões nocturnas em casa do illustre presidente o sr. Bernardo Coelho do Amaral. Effectivamente temo-nos reunido algumas vezes, e eu tenho sido assiduo em ir; porém infelizmente em algumas das reuniões a commissão não se tem achado em maioria, provàvelmente porque alguns dos cavalheiros que fazem parte d'ella occupados doutros trabalhos que estão a seu cargo não tem podido comparecer. Por consequencia os trabalhos não têem progredido. Eu pela minha parte tenho a minha opinião formada a este respeito, e até não linha duvida alguma em apresentar uma proposta a respeito da reforma da lei eleitoral; porém como parecer da commissão não é possivel, sem que os membros da commissão queiram concorrer e se reunam. Eu não posso responder em quanto aos trabalhos d'esta commissão e das outras senão por mim, e pela minha parte declaro que tenho concorrido sempre a todas as reuniões e que estou prompto a concorrer a ellas, porque ninguem tem mais a peito do que eu que se resolva este negocio o mais breve possivel.

O sr. Victorino de Barros: — Ha dias mandei para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos ao ministerio das obras publicas ácerca da estrada de Villa Real á Regua. O objecto é importante, e portanto renovando o meu pedido, mando para a mesa o seguinte:

Requerimento

Desejando interpellar o sr. ministro das obras publicas ácerca da morosidade com que, pelo respectivo ministerio, se procedeu na abertura e construcção da importante estrada de Villa Real á Regua, e não lendo ainda chegado a esta camara os esclarecimentos que para este fim havia pedido, requeiro que a mesa novamente officie ao ministerio, a fim de que com urgencia remetta os esclarecimentos alludidos. —Victorino de Barros.

Foi remettido.ao govêrno.

O sr. Presidente: — Vão lêr-se alguns pareceres de commissões até estar presente o sr. ministro da fazenda. São os seguintes:

Parecer AAA (Esta consignado a pag. 250 da sessão n.º 45 do vol.)—foi logo approvado. Parecer BBB (Ibid.)—logo approvado. Parecer CCC (Ibid.)—logo approvado.

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Parecer DDD (A pag. 295 da sessão n.° 18 do 4.º vol.) —logo approvado.

Parecer EEE (Ibid.)—logo approvado.

Parecer FFF (Ibid.)—logo approvado.

Parecer GGG (Ibid.)—logo approvado.

Parecer HHH (Ibid.)—logo approvado.

Parecer III (Ibid.)—logo approvado..>.

Parecer KKK (Ibid.)

O sr. Conde de Samodães: — Sr. presidente, preciso dar a explicação por que assignei vencido esse parecer da commissão. Os motivos por que assignei vencido o parecer, foram porque o fundamento da commissão para indeferir o requerimento d'esle official baseia-se em que elle linha requerido ao governo a sua reforma. Eu entendo que este official não requereu a sua reforma, entendo que elle andou inconveniente e impròpriamente, requerendo a esta camara depois do acto que linha praticado; mas entendo da mesma maneira que se elle não tem rasão para que a sua refórma seja melhorada, tem comtudo justiça. Sr. presidente, o unico documento que appareceu então foi mandado pelo ministerio da guerra; é uma memoria que elle entregou ao ministerio da guerra, e não um requerimento dirigido ao Hei. Ora a maioria da commissão entendeu que um memorial dirigido ao ministro da guerra equivalia a um requerimento dirigido ao Rei, e eu entendi o contrario. Entendi que uma lembrança que se apresenta a um ministro, uma carta ou qualquer outra cousa, não póde ser considerada como legal, para por ella se fazer obra. Eu assignei vencido e digo que a maioria da commissão quer ser mais favoravel para com este official do que eu havia de ser. O official é que não conhece os seus interesses. Os seus interesses são o de se conservar na posição em que se acha. Se não se conservar na posição em que se acha, tem de ir outra vez á posição em que se encontrava antes de ser reformado, e esta posição é apenas de capitão, quando elle agora é tenente coronel. Comtudo elle não quer ser reformado. Não foi inspeccionado por uma junta de saude, acha-se em circumstancias de continuar a servir, e então quer servir o seu paiz, quer que a reforma seja annullada. Eu entendo que tem direito e n'este sentido é que eu. desejava que o requerimento d'esle official fosse á commissão de legislação, para ella examinar se a memoria que elle apresentou ao ministro da guerra póde ser considerada como um requerimento dirigido ao Rei. Se a commissão de legislação entender que uma lembrança feita a um ministro d'estado equivale a um requerimento feito ao Rei, este official não tem direito nenhum ao que pede. Se porém um requerimento é uma cousa totalmente differente de uma lembrança 09 recommendação dirigida a um ministro d'estado, tem todo o direito. Por consequencia proponho o adiamento do parecer, remettendo-se o requerimento d'este official á commissão de legislação, e vou redigir uma proposta n'esta conformidade.

É a seguinte: Proposta

Requeiro que o parecer KKK seja remettido á commissão de legislarão com o requerimento sobre o qual assentou, para examinar se a memoria dirigida ao ministro da guerra equivale a um requerimento dirigido ao Rei. = Conde de Samodães (Francisco).

Foi apoiado o adiamento, e entrou em discussão.

O sr. Camara Leme: — Sr. presidente, eu não concordo muito com o meu illustre collega o sr. conde de Samodães, porque á memoria a que s. ex.ª se referiu, sendo assignada pelo interessado equivale a mais que um requerimento, equivale a palavra de honra de um official que eu reputo sagrada. É verdade que a fórma legal é requerer em papel sellado, mas se o meu illustre amigo tem muito empenho que este negocio vá á commissão de legislação para ella decidir, eu não tenho objecção n'isso, declarando desde já que eu hei de sustentar sempre o parecer da commissão, porque entendo que o individuo de que se traia não tem direito algum ao que solicita.

O sr. Conde de Samodães: — Eu estou de accordo perfeitamente com o nobre deputado no fundo d'esta questão, porém o que eu entendo é que não se preencheram as fórmas legaes. Nós não podemos Julgar esta questão e outras similhantes como jurados, havemos de julga-las como juizes, isto é, segundo os principios estrictos de direito. As fórmas legaes não foram cumpridas. Ninguem póde dizer que um memorial dirigido a um ministro, é o mesmo que um requerimento dirigido ao Rei. Eu entendo que este official não andou regularmente. Entendo tambem, que depois d'elle dar a sua palavra, depois de se ter compromettido a uma cousa, não havia de vir á camara dizer o contrario; porém isto faz muitissima differença de nós julgarmos pelos documentos que ahi estão, e por consequencia entendo que não se perde nada em a questão ir á commissão de legislação para ella dar o seu parecer.

O sr. Moraes Carvalho: — Sr. presidente, eu não me opporia a que o parecer fosse remettido á commissão de legislação, se com effeito houvesse alguma duvida sobre alguma interpretação de lei, ou se fosse necessario ser ouvida sobre alguma lei que tivesse de se estabelecer; mas, como diz a proposta, para ella examinar se a ,memoria dirigida ao ministro da guerra equivale a um requerimento feito ao Rei, não posso convir; persuado-me que as funcções da commissão de legislação não são estas, persuado-me mesmo que a camara não tem direito para lhe dizer, que emitta a sua opinião a este respeito. Pois a commissão de legislação ha de vir dizer e explicar se um memorial dirigido ao ministro da guerra equivale ou deixa de equivaler a um requerimento dirigido ao Rei? Eu, sr. presidente, não posso qualificar de fórma nenhuma a proposta do illustre deputado, que a formulou na melhor fé; mas se s. ex.ª não a alterar, é-me impossivel vota-la.

O sr. Mello Soares: — Sr. presidente, a commissão de legislação creio que não foi nomeada unicamente para dar parecer sobre interpretação de leis, a esphera das suas attribuições é tão larga como a camara o entender. O illustre deputado que assignou vencido o parecer que se discute, entende que precisa do parecer da commissão de legislação, para que esta, pelos principios geraes da legislação e pela interpelação e hermeneutica juridica declare, se no sentido de direito uma memoria equivale a uma petição. Eu entendo que o pedido do illustre deputado esta na esphera da commissão de legislação, e que a camara resolvendo-o não faz mais do que permittir que se analyse com mais circumspecção um negocio que póde envolver prejuizo de terceiro. A proposta do illustre deputado verdadeiramente é dilatória, mas dilatória no sentido de esclarecer a materia, a fim de que o negocio se possa resolver com mais conhecimento de causa. Entendo que a commissão de legislação é mais competente para resolver se um memorial equivale a um requerimento do que a commissão de guerra, porque salvo o respeito que Tributo aos membros da commissão de guerra, parece-me que um jurisconsulto professional está mais habilitado para decidir esta questão do que qualquer militar. Demais, sr. presidente, na censura de direito, para um requerimento ser legal, salvo os exceptuados pela lei, precisa ser feito no papel sellado. Estou convencido que não ha inconveniente nenhum em que o negocio vá á commissão de legislação E nem se diga que" a questão é pequena, que é indifferente. A questão de fórmas na administração de justiça equivale á á justiça mesma. Uma decisão a mais justa, não se tendo preenchido as formalidades legaes, póde-se dizer uma arbitrariedade. Por consequencia entendo que a proposta do illustre deputado é aceitavel, que é justa, e que o negocio deve ir á commissão de legislação.

O sr. Vellez Caldeira: — Se se quer simplesmente que o negocio, volte á commissão de guerra... (O sr. Mello Soares: — Á commissão de legislação, é o que se pede.) Deixem-me emittir a minha opinião como quizer. Se se quer que o negocio volte á commissão de guerra para o reconsiderar, volte muito embora, mas não vejo necessidade alguma de ir á commissão de legislação. Diz-se que o requerimento não foi feito em papel sellado. Ora isto nem mesmo

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e objecto para se discutir, (Apoiados.) mesmo depois do que disse o illustre membro da commissão de guerra. Quando um official se dirige ao commandante a dizer-lhe qualquer cousa, não é necessario que faça requerimento. Como se tratam os negocios militarmente? O alferes ou o tenente faz' um requerimento ao coronel quando quer alguma cousa? Não, senhor; é por meio de officios que se tratam esses negocios... é uma cousa que não merece até discussão alguma. Se querem demorar a resolução do negocio, é caso differente, se não querem, tratem o negocio plenamente como deve ser, sem que elle vá commissão de legislação, porque se fosse preciso, a commissão enunciava já o seu voto de que uma memoria é differente de um requerimento, mas para os effeitos militares não é assim.

O sr. Moraes Carvalho: — Sr. presidente, parece-me que esta questão devia estar terminada depois que um illustre membro da commissão de guerra disse que o individuo podia ter justiça, mas não linha rasão. Para que serve então este adiamento? Declaro que não sei interpreta-lo. Mandar o parecer á commissão de legislação para se saber se memorial é o mesmo que requerimento?! Disse o meu nobre amigo, o sr. Mello Soares, que bastava attender á circumstancia de haver no papel falla de sello, para não ser requerimento. A falla de sello póde fazer com que o requerimento seja illegal, mas não muda a essencia d'elle, nem a natureza de um requerimento se confunde com a de um memorial.

Ora, sr. presidente, faça a camara o que entender; mas remetter o parecer á commissão de legislação para que ella diga e a camara decida se um memorial é o mesmo que um requerimento, não sei que significação isto possa ter, nem sei mesmo se é decoroso para a dignidade da camara.

O sr. Conde de Samodães (Francisco): — Tenho a dizer ao sr. Vellez Caldeira, que me parece que s. ex.ª não entendeu bem a questão. A commissão de guerra não pede nada, porque eu estou em minoria, e por consequencia não ha pedido nenhum da parte da commissão. Nem eu peço que o negocio volte á 'commissão de guerra, porque se lá for a commissão de guerra dá outra vezo seu parecer da mesma maneira; o que eu entendo é que ha aqui uma interpretação de lei, e que é necessario que o negocio vá á commissão de legislação: é n'esse sentido que eu fiz a minha proposta.

Agora quero ler ao sr. Moraes Carvalho e á camara o que diz o ministerio. Eu como secretario da commissão mandei pedir ao ministerio da guerra que mandasse copia do requerimento que tinha feito este official pedindo a sua refórma; aqui está a resposta. (Leu-a.)

Por consequencia já se vê que o ministerio da guerra não tinha lá requerimento nenhum, e existia lá apenas a memoria: ora a lei exige positivamente o requerimento. Eu entendo que o official não esta no caso de se lhe negar a justiça que requer, e por consequencia peço, e parece-me que não haverá duvida da parte da camara, que o negocio vá á commissão de legislação para que ella interprete se na conformidade da lei de 17 de julho de 1855 se cumpriram as formalidades legaes para este official ser reformado: se se cumpriram esta acabada a questão, se não se cumpriram, elle tem direito para que se lhe annulle a refórma. É n'este sentido que eu discrepei completamente dos meus collegas.

E pondo-se logo á votação a

Proposta de adiamento—foi rejeitada.

Parecer—KKK—approvado por 50 votos contra 33.

ORDEM DO DIA.

Continua a discussão do projecto n.º 109

O sr. Luciano de Castro: — Sr. presidente, obrigado hontem por ter dado a hora a interromper as reflexões que desejava fazer sobre a materia que estava em discussão, pedi a V. ex.ª que me reservasse a palavra para hoje, e vou acabar de expender as reflexões que não conclui pela estreiteza da hora.

Dizia eu, sr. presidente, que não esperava que o govêrno, de que é membro o sr. Antonio José d'Avila, fosse o competente para vir pedir a esta camara a renovação de um contrato em que têem assentado até hoje e d'onde têem partido as mais virulentas calumnias e os mais infundados boatos contra a honra e dignidade dos homens publicos d'esta terra; era aos homens publicos d'esle paiz, era áquelles que teem tido a honra de fazer parte dos conselhos da corôa que sobretudo cabia imperioso dever de virem pedir á camara a cessação de um contraio d'onde têem partido sempre as mais injustificadas calumnias contra a sua honra e dignidade; era dos membros do govêrno, pela sua propria dignidade, que eu esperava ver partir a iniciativa para a extincção de um contrato contra o qual o proprio sr. ministro da fazenda, em sessão de 23 de abril do anno passado, linha tão solemnemente protestado n'ésta camara. Mas não acontece assim, o ministerio de que faz parte o sr. Antonio José d'Avila longe de se oppôr á renovação daquelle inconveniente monopolio, vem propor a continuação do contrato, e a prorogação da arrematação; não somos nós que a pedimos, e o ministerio, é o sr. Antonio José d'Avila que pede, e aquelle mesmo deputado que dizia em 23 de abril de 1856, que não havia de ser com o seu voto, com' a sua palavra, com a sua influencia que havia de concorrer para que se continuasse a arrematar este monopolio!

Sr. presidente, estão em face dois systemas; discutem-se dois principios de administração e de economia publica; estão em luta dois monopolios, o monopolio por administração do govêrno, e o monopolio pela arrematarão do contrato: ambos elles são dois principios contrarios a todos os preceitos da economia politica, porque os principios mais rasgados d'esta sciencia prescrevem a mais ampla, a mais larga liberdade em materias commerciaes. É necessario porém confessar que, collocada a questão n'esle terreno, nós devemos por completamente de parte a questão da liberdade do commercio e fabrico do tabaco, ainda que este seja o verdadeiro principio.

Sr. presidente, o livre commercio e fabrico do tabaco deve ser a maxima aspiração que devemos ter n'esta materia; deve ser o nosso sonho mais grandioso, a nossa illusão mais dourada, a nossa esperança mais fervorosa. Mas não se trata agora d'isto, trata-se sómente de dois monopolios; ponhamos portanto de lado a liberdade, e discutâmos apenas a preferencia que deve dar-se ao monopolio por conta do estado em relação ao monopolio por conta de uma companhia.

Posta a questão n'esle terreno, eu vou examinar quaes são as vantagens que se dão em relação a um com preferencia ao outro systema, eu vou mostrar que é ao monopolio do governo que cabe a preferencia, e não ao monopolio dos particulares, o qual me parece mais nocivo e contrario aos preceitos da economia publica.

Sr. presidente, disse-se aqui que o estado era mau administrador, que a sua iniciativa era pouco forte e vivaz, que a sua acção era pouco vigorosa, que a sua iniciativa não era bastante efficaz. É verdade, sr. presidente, é esta a rasão por que todos os economistas, todos os escriptores que têem tratado esta questão, que têem profundado esta materia, concluem pela não intervenção do estado em materias commerciaes, e negam ao governo toda a interferencia directa n'este ramo de riqueza publica. É verdade, eu não nego o principio; más o que me parece é que todos os economistas todos aquelles que confessam este principio e que defendem a verdade d'elle, exceptuam d'esle principio geral O monopolio do tabaco; porque em economia publica não ha principios absolutos, e se os ha são muito raros; em economia publica é necessario attender-se a todas as circumstancias, que modificam as idéas, que alteram os principios, e que não pódem deixar de ser tomadas em consideração quando se trata de legislar para qualquer paiz.

Sr. presidente, todos os escriptores que lêem profundado esta materia dizem que a liberdade seria fructuosa e altamente conveniente, se n'esta materia a concorrencia podesse ser a mais larga, se a liberdade podesse produzir todos os seus beneficos effeitos. Mas poderá aqui a liberdade produzir todos os effeitos que os economistas lhe attribuem? Po-

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derão todas as companhias concorrer aqui em larga escala? Abundarão no nosso paiz os capitaes necessarios para virem disputar na arena economica e solicitar a arrematação do contraio do tabaco? Todos sabem que a arrematação do contrato do tabaco demanda grandes e avultados capitaes para se poder arrematar, e que permittindo-se a concorrencia dos capitaes, que não exabundam no paiz o resultado seria que alguns capitalistas se associariam com intuitos de sordida especulação, e viriam, não disputar livre e amplamente a arrematação do contrato do tabaco, mas especular e solicitar a arrematação do contrato unica e exclusivamente para auferirem lucros illegitimos, porque eram contrarios aos interesses dos consumidores e do estado.

Certo n'estes principios? não é possivel deixar de reconhecer que se deve fazer uma excepção ao preceito economico da liberdade da industria e do commercio n'esta parte, porque o principio da não intervenção do estado, segundo as boas regras e acertadas prescripções da economia publica só podem produzir todos os seus beneficos resultados quando a iniciativa individual é mais robusta e energica do que a acção do govêrno; mas quando a iniciativa individual é mais lenta e vagarosa, é ao estado a quem compete gerir os grandes interesses da industria, e substituir pela sua acção mais forte e energica a iniciativa particular.

Sr. presidente, o sr. José Silvestre Ribeiro, que hontem tratou esta questão com a lucidez e talento que todos lhe reconhecem, e com a proficiencia que lhe é propria, querendo evidenciara inefficacia da iniciativa governativa, argumentou com o descuido e negligencia que ha nos arsenaes, e com o estado desgraçado de todas as administrações que estão incumbidas á sua acção. É verdade; mas tambem o mesmo illustre deputado se encarregou logo de respondêra este seu argumento, porque s. ex.ª disse que o remedio d'este mal não estava na arrematação, mas sim no melhoramento da fiscalisação, e eu uno os meus votos aos do illustre deputado para que se alcance este grande fim e esta momentosa reforma. Ss a administração como está é defectiva, improficua, é mister reforma-la convenientemente, mas não extinguir o systema actual, e substituir-lhe o da arrematação. Se a fiscalisação é desleixada nos nossos hospitaes, é necessario aperfeiçoa-la, mas isso não depõe contra o principio da administração do estado.

Mas alem d'esta ha outra rasão que me leva a votar pelo systema de administração. O estado não recebe só o imposto do monopolio do tabaco, o estado alem d'este imposto recebe tambem os lucros que pela arrematação iriam parar á mão dos arrematantes. (Apoiados.)

E por esta occasião seja-me permittido dizer alguma cousa a respeito dos lucros dos arrematantes. Ainda não ha muito tempo que o nobre ministro da fazenda, pedindo a abolição do monopolio do sabão, disse que o lucro dos contratadores proveniente d'este monopolio era excessivo e incalculavel. Pois n'essa occasião os lucros dos arrematantes eram tão avultados, tão excessivos e influiam a tal ponto no animo do nobre ministro, que s. ex.ª não duvidou vir pedir á camara a abolição d'esse monopolio, mostrando o grande proveito que resultava para o estado, quando esse lucro passasse das mãos dos arrematantes para o thesouro; ha tão pouco tempo ainda entendia s. ex.ª que esses lucros eram uma fonte importante de receita para o thesouro, e agora não acha digno de attenção os interesses que percebem os arrematantes do contrato do tabaco? Pois agora é que o nobre ministro acha que a fiscalisação é insufficiente e que todos os empregados publicos tendem a, faltar aos seus deveres, e que é necessario que a camara deixe este monopolio á acção das companhias particulares, cuja iniciativa é mais forte e poderosa do que a do estado? Sr. presidente, eu não posso deixar de prestar, como o sr. José Silvestre Ribeiro prestou, homenagem á classe dos empregados publicos; n'este paiz ha muito bons empregados, (Apoiados.) e n'esta parte vou de accordo tambem com a opinião do nobre ministro da fazenda, opinião não de agora, mas de ha mui poucos dias, porque são tantas as contradicções de s. ex.ª, que se encontram todas as vezes que se apreciam imparcialmente os actos da sua vida publica.

Não ha muito tempo que o sr. barão das Lages chamava a attenção do governo sobre o immenso contrabando que se fazia no paiz, e o nobre ministro da fazenda dizia então que aquelle illustre deputado estava enganado; que o contrabando não era tão exagerado como se pensava, que a fiscalisação era hoje mais apurada, e que a imprensa tinha ateiado muito este quadro. S. ex.ª achava então que o contrabando não era tanto como se dizia, que a fiscalisação era regular, e que os empregados sabiam cumprir o seu dever. Hoje já a fiscalisação não é boa; hoje já o contrabando é immenso; hoje já os empregados não são probos e moraes, e é necessario arrematar o contrato do tabaco! (Apoiados.) Admirem a coherencia do nobre ministro!

Sr. presidente, ha aqui uma rasão que eu não posso deixar de notar, que é, realmente a mais poderosa que se tem apresentado no decurso do debate. Os illustres deputados que votam a favor da arrematação do monopolio receiam o desfalque das rendas do thesouro; esta é a rasão mais forte que impressiona o animo dos illustres deputados. Ora seja-me licito de passagem dizer que se dá n'esta questão uma contradicção entre o sr. ministro da fazenda e o seu collega das obras publicas. O sr. ministro da fazenda diz que oque receiava eram as despezas que de prompto era necessario fazer, ficando a administração por conta do estado, despezas que o illustre ministro calcula em 600:000$000 réis; mas não receia que depois de estabelecida a régie a conveniencia para o estado não seja momentosa, o que os seus interesses não cresçam progressiva e largamente. O seu collega das obras publicas não receia essa despeza, que é preciso fazer de prompto, para realisar o novo systema, o que elle receia é a transição do systema actual para o de administração, e para isso funda-se no que aconteceu em França, quando em 1811 se passou do systema de arrematação para o da administração por conta do estado. O sr. Xavier Cordeiro já mostrou a inexactidão d'esle facto, e fez ver que ás vezes a sciencia que se não aprende nos livros verdadeiramente acreditados, e as citações que se recebem nos jornaes ou nos almanaks, não podem ser auctorisadas para se apresentarem ostentosamente n'uma camara. A verdade é a que disse o meu amigo o sr. Cordeiro, a verdade é que em França nos primeiros annos o rendimento não diminuiu, mas pelo contrario augmentou em mais do dobro. Mas, pondo de parte esta incorrerão historica, passo a tratar de outro ponto.

O sr. Avila escreveu um admiravel relatorio a que toda acamara tem feito justiça completa; o nobre ministro mostrou com dados irrecusaveis que a receita não póde diminuir, e declarou n'esse relatorio que o receio que havia de que o contrabando diminuisse a receita que d'este ramo devia vir ao estado era infundado, por isso que na Hespanha, onde o contrabando se exerce com largo desenvolvimento, onde ha provincias com fóros e immunidades especiaes, os interesses do governo não são mesquinhos e apoucados, e o systema de administração do estado ali seguido não deixa de traduzir-se em avultados beneficios para o paiz e em abundantes receitas para o thesouro.

Mas, sr. presidente, já foi citado n'esta camara o relatorio do nobre ministro da fazenda, para mostrar que o rendimento do tabaco teria subido, se não fosse levado á praça e se administrasse por conta do estado. Agora o que eu não posso deixar de fazer é referir uma passagem do mesmo relatorio, que me parece não lembrou ainda aos oradores que me precederam, e que mostra que a fiscalisação da companhia a quem se entregar a administração do tabaco, não póde ser mais exacta nem mais severa do que a fiscalisação do governo.

Sr. presidente, demonstrou-se no relatorio do sr. Antonio José d'Avila, tomando-se para base o producto que tinha havido entre nós do rendimento d'esle genero nos annos que decorreram de 1674 a 1856, que o nosso consummo tinha augmentado 67,76 por cento, e que o consummo nos annos que decorreram de 1759 a 1856 linha augmentado 22,89

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por cento, em quanto que na França, nos annos que decorreram de 1815 a 1855, o consummo d'este genero linha augmentado em 250 por cento. Em Hespanha tinha augmentado em 102 por cento, e na Sardenha em 03,45 porcento. Ora lendo augmentado entre nós a população, e não lendo crescido na mesma proporção o consummo, conclue d'aqui o sr. Avila que o contrabando forneceu ao consummo uma grande porção de tabaco, e que a fiscalisação dos arrematantes foi incompleta e pouco rigorosa. É portanto o proprio sr. Avila, que agora receia a imperfeição e deficiencia da fiscalisação do estado, que demonstra por calculos irrecusaveis, e com solidos argumentos, que a fiscalisação do governo é preferivel á dos arrematantes.

O sr. Antonio José d'Avila, em outra parte do seu relatorio, mostra que a experiencia que se tinha feito sôbre a fiscalisação da administração por conta do estado desde os annos de 1674 até 1699 foi a melhor ordenada e conveniente, porque a renda publica melhorara consideràvelmente, e por consequencia não temos senão a lamentar que se abandonasse aquelle systema de administração para se adoptar outro, que não deu tão proficuos resultados ao governo.

Sr. presidente, d'aqui não póde deixar de concluir-se que a fiscalisação por meio da arrematação é ião improductiva ou mais do que a fiscalisação do estado, porque o sr. Avila mostra, como eu acabei de indicar, que o augmento do consummo na maior parte foi devido á acção do contrabando n'uma epocha em que o tabaco foi gerido por arrematação, e em que a administração do estado era completamente estranha a esse facto.

À vista d'isto não me parece que possa encarcera-se a bondade e -perfeição da fiscalisação por parte da companhia para se lhe oppor a indolencia e desleixo da fiscalisação do estado.

Mas tem-se dito n'esta camara que todos os abusos da fiscalisação passam da mesma maneira para a administração do estado, e que o govêrno que tem a responsabilidade das rendas publicas não póde prescindir d'esses meios vexatorios, que são tão oppostos á liberdade do cidadão, para conseguir melhores resultados para os interêsses da fazenda publica. Não é assim, e para responder a esta reflexão basta-me citar um economista bastante auctorisado n'esta materia, mr. Stuart Mill. Diz elle que aquillo que o estado gere e fiscalisa é sempre em nome dos interêsses publicos, ao passo que a companhia gere e fiscalisa em nome dos interesses particulares, em nome dos lucros que deseja obter. E eu não preciso mais que dizer a V. ex.ª e á camara, para corroborar este argumento, que a companhia tem a sua legislação especial e tribunaes privilegiados, em quanto que o governo ficando com o monopolio tem a legislação geral do paiz, tem os processos geraes, e não póde obter senão uma decisão conforme aos principios de justiça, porque não tem tribunaes privativos, nem uma penalidade sua; tem as leis do estado e não uma legislarão especial como a do contraio, contraria a todos os principios de penalidade e economia publica.

Sr. presidente, eu tambem não posso deixar de prestar o meu assentimento a um argumento que aqui foi adduzido para mostrar a incontestavel influencia eleitoral que se dava aos arrematantes, influencia de que elles podiam usar vigorosamente no sentido que mais conveniente fosse aos seus interêsses. A este argumento respondeu-se que tanto o governo como os arrematantes estavam sujeitos á lei, e que a lei punia igualmente os contratadores ou os seus empregados, como punia os agentes do podér. Não é assim, a lei pune é verdade tanto os crimes que podem commetter os empregados do governo como os empregados de qualquer companhia particular; mas o que a lei não pune é a influencia que os particulares possam exercer em assumptos eleitoraes. A lei permitte que os arrematantes ou os particulares possam intervir na lide eleitoral, mas não pune a influencia que podem exercer como cidadãos pelos grandes recursos que lêem á sua disposição por meio dos seus empregados; e n'esta parte a sua influencia não é a mesma que a do governo, que não póde intervir em eleições senão por aquelles meios que as leis constitucionaes lhe facultam, e as boas doutrinas de direito publico auctorisam.

Os particulares pódem influir directamente nas eleições, a lei não lh'o prohibe, mas prohibe-o ao govêrno; os ministros são responsaveis por toda a intervenção directa e abusiva n'este assumpto; lêem de dar contas de todas as fallas que commetterem, têem de responder pelos factos que praticarem em relação ao acto eleitoral; nós podémos aqui interpellar e accusar até os ministros que tiverem influido immediatamente nas eleições; mas aos particulares, mas aos arrematantes, a quem a lei de mais a mais não prohibe, nem nega o direito de influir nas lulas eleitoraes, a esses não lemos que pedir contas nem responsabilidade; esses não podem ser chamados perante a camara para responderem pela influencia que usaram nas eleições; mas ao governo não acontece outro tanto, ao governo e vedado influir nas eleições, se influir, se violar a lei, se violentar a vontade, dos cidadãos cá está o parlamento que lhe ha de pedir contas e responsabilidade por esses actos: em materia de eleições as disposições da lei não são as mesmas a respeito dos particulares que a respeito do govêrno, quanto ao ponto a que me tenho referido; por consequencia digo eu que póde influir muito no resultado de uma eleição a parte activa que porventura os arrematantes possam tomar pró ou contra um partido ou o governo, e ninguem lh'o póde prohibir, porque a lei lh'o não prohibe, nem lhe veda que elles influam nos debates da urna; portanto entendo que por este lado mesmo é preferivel o systema de administração ao systema de arrematação,.

Sr. presidente, disse o sr. Silvestre Ribeiro = que não bastava dizer: «Adopte-se o systema de administração de preferencia ao de arrematação»; que não era assim que a questão devia ser collocada, que era necessario attender a certas circumstancias, ver se as faculdades do nosso thesouro consentiam a adopção do systema de administração, e se calávamos habilitados para adoptar esse systema. = Sr. presidente, a opinião de s. ex.ª é que não estâmos habilitados, que era necessario esperar como esperou a Inglaterra a respeito de certas medidas, como, por exemplo, as que dizem respeito á abolição do trafico da escravatura, á emancipação dos catholicos, á refórma parlamentar, á lei dos cereaes e outras, que só depois de haverem sido muito discutidas na tribuna e na imprensa, só depois de muito amadurecidas na opinião publica é que se adoptaram e legislaram n'esta camara; e muito mais depois do relatorio do sr. Antonio José d'Avila. onde ha sufficientes rasões para influir nos animos mais receiosos n'esta questão, e levar a convicção a todos sobre o modo como deviam decidir-se n'esle objecto, que, segundo o proprio relatorio, não póde deixar de ser pelo systema de administração. Em quanto a mim digo que depois de se ler aquelle relatorio a questão esta estudada, e cada um de nós habilitado para saber como ha de votar.

Sr. presidente, ha homens que expendendo as suas idéas sobre um assumpto qualquer, representam o pensamento da epocha em que vivem. O sr. Antonio José d'Avila, sobre este ponto, está n'esle caso. Com relação á questão da administrarão do tabaco por conta do estado, a imprensa e a tribuna lêem resumido todos os clamores da opinião publica, e Ioda a indignação do paiz. No parlamento já a commissão de fazenda de 1854 se pronunciou categoricamente contra o monopolio; e na imprensa por mais de uma vez se lêem ouvido clamorosos protestos contra o actual systema. E por fim o sr. Antonio José d'Avila, que é um financeiro consummado, que é conhecedor d'estas materias; provou de um modo incontestavel quanto convinha ao governo e á fazenda publica que o tabaco fosse administrado por conta do estado; s. ex.ª, a imprensa e a tribuna foram accordes em julgar que a questão estava devidamente apreciada, que o povo se havia manifestado ácerca (festa materia, que a opinião do paiz era já bem conhecida, que as idéas se linham apresentado e desenvolvido e que era chegada a hora de fazer esta grande reforma.

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Pois, sr. presidente, depois do que se tem passado, depois do que se tem escripto e dito a este respeito, tanto na imprensa como na tribuna, póde dizer-se que a opinião não está formada e que a estação não é propria para operar este importante melhoramento! Pois não o esta agora, e não acontecêra o mesmo d'aqui a tres annos? Que grande espaço é esse? Se não estamos habilitados para decidir desde já a questão, para decretar n'este momento a refórma sôbre este objecto, ha tanto tempo reclamada, não o estamos igualmente d'aqui a tres annos; se o estamos para então já o estamos agora. Eu digo que a questão esta estudada, que o fructo está sasonado, e que e occasião opportuna para o côlher e portanto para effectuar a reforma. (Apoiados.)

Sr. presidente, o sr. Silvestre Ribeiro disse tambem, que não era rasão contra o monopolio do tabaco por arrematarão o dizer-se, que eramos o unico paiz da Europa onde havia este systema de arrematar o contrato do tabaco por conta de companhias; isto não era rasão para s. ex.ª, mas se se tratasse da liberdade da imprensa, esse grande apostolato do pensamento, se se tratasse de caminhos de ferro e outros melhoramentos da civilisação moderna, então haveria rasão para dizer, que era uma vergonha, que era uma offensa para a nação o sermos uma excepção no meio dos paizes da Europa, e sermos os unicos que conservávamos essa instituição. Sr. presidente, eu não concordo com este pensamento do illustre deputado, porque, segundo elle, a refórma ácerca do monopolio do tabaco nunca lerá logar, e eu entendo que ella deve realisar-se desde já, (Apoiados.) e que é uma affronta ás nossas instituições liberaes o adiamento indeterminado da resolução d'esta reforma, no sentido mais consentaneo aos verdadeiros principios, á opinião do paiz e aos interesses da fazenda publica. (Apoiados.)

Sr. presidente, eu vejo que a camara esta cansada e que deseja que esta questão não se alongue; vejo que ha ainda muitos oradores inscriptos sobre a materia, e por isso vou resumir muito as minhas reflexões sobre este assumpto.

Sr. presidente, o illustre deputado, o sr. Pereira Garcez, referindo-se ao meu nobre amigo o sr. Latino Coelho,-disse que não era esta a occasião propria, nem o momento opportuno para vir lançar á face de qualquer individuo as contradicções em que porventura podesse estar segundo o conceito de orador que argumentava. Sr. presidente, pois a opposição não póde nem deve fallar nas contradicções dos ministros? Pois que são os homens publicos n'esta terra? Pois as palavras e os principios politicos dos actuaes ministros não têem valor diante d'esta camara, que é o supremo tribunal do paiz? Pois não valem nada esses programmas em que se fiseram promessas solemnes e se planearam largos commettimentos? Pois as idéas economicas que o sr. ministro da fazenda assentou no seu relatorio e as indicações politicas que fez aqui na camara a respeito da arrematação do tabaco não têem significação nem responsabilidade? Pois as promessas, as idéas e os principios apresentados e sustentados pelo sr. Antonio José d'Avila, em virtude dos quaes é hoje ministro, não devem ser citados para que o sr. ministro venha prestar homenagem a esses principios e realisar as reformas que prometteu? (Apoiados.) Sr. presidente, as contradicções do homem publico não devem ser esquecidas, não para as cobrir de injurias, nem para as transformar em sarcasmos, offensivos e em doestos grosseiros, (Apoiados.) não é para isso que quero que ellas sejam lembradas; (Apoiados.) mas sim para trazer á memoria dos srs. ministros as idéas e os principios em nome dos quaes obtiverem o poder, e para lhes dizer que é segundo essas idéas que devem governar. (Apoiados.) O homem publico sóbe e desce do poder com os principios politicos que sustentou na opposição, e que deve manter e realisar no podér. (Apoiados.) Os srs. ministros actuaes tinham na opposição sustentado certos principios e defendido determinadas idéas; foram ao poder com ellas e por ellas, deviam governar por ellas e com ellas; (Apoiados.) portanto nós estamos no nosso direito, quando lembrâmos aos srs. ministros, quando lhes trazemos á memoria hoje as suas palavras de hontem. (Apoiados.)

Eu ainda espero, e é o que nós pedimos, que s. ex.ª venha junto comnosco realisar as idéas que s. ex.ª por mais de uma vez sustentou n'esta casa. (Apoiados.)

Vou concluir as poucas reflexões que linha a fazer, admirando-me de que o partido progressista, que os homens progressistas d'este paiz não venham associar-se a nós n'esta grande questão. (Apoiados.) Foi em 1820 que o partido liberal nasceu n'esta terra n'essse tempo o primeiro grilo que nós levantámos foi contra os abusos das eras passadas, foi contra os privilegios injustificaveis em face da lei, (Apoiados.) que eram concedidos a certas classes; e hoje vejo com pesar que vem renovar-se esses privilegios, que vem perpetuar-se essas anomalias; lamento, sr. presidente, que os homens que se tinham associado ás gloriosas lides da liberdade, nos deixem só n'esta grande cruzada, e não venham tambem associar o seu voto a este grande movimento, que deve produzir para o paiz tão grandes beneficios.

Eu devia dizer alguma cousa sobre as condições da arrematação, mas não o posso fazer, porque estou cansado e a camara fatigada; mas não posso deixar de responder ainda a uma observação do sr. Silvestre Ribeiro.

Disse s. ex.ª que os arrematantes não íam disputar os seus direitos magestaticos, mas sim comprar os seus interêsses. É verdade; mas o que é tambem verdade é que com os seus interesses vão os direitos sagrados dos cidadãos; o que é verdade é que se compra igualmente o direito de opprimir e encarcerar os cidadãos, (Apoiados.) que, segundo as nossas leis, deviam ler garantias seguras e estar sujeitos ás leis geraes do pau. O que é verdade e que se faz caír a inviolabilidade do domicilio diante do simples direito de suspeita, direito terrivel, que só a revolução franceza inventou nos seus dias de delirio e de fanatismo.

Sr. presidente, não posso deixar de fallar n'uma disposição das condições do contrato, que é contraria a todos os principios os mais rudimentaes de economia publica; ali estabelece-se que os arrematantes do contrato do tabaco, vendam o genero Sempre pelo preço da lei de 27 de abril. Ora, sendo a arrematação por conta doestado, os preços podiam alterar-se todos os annos, roas sendo arrematado, e segundo aquellas condições, os preços não podem alterar-se; o preço é sempre o mesmo, embora o genero seja mais barato; de maneira que esta condição é contraria a todos os principios de economia politica.

Eu não posso continuar n'esta discussão, porque me acho fatigado, e pedindo á camara desculpa de lhe ler roubado estes momentos na exposição das minhas idéas, espero que ella não irá comprometter a segurança dos cidadãos, approvando a arrematação do contrato do tabaco, que é contraria a todos principios de economia publica, contraria ás nossas garantias constitucionaes, e á dignidade e ao decoro dos homens publicos d'esle paiz, que presam o seu nome e a dignidade d'esta terra.

- Concluindo voto contra o projecto. (Apoiados.)

O sr. Xavier da Silva (sobre a ordem): — Mando para a mesa quatorze pareceres da commissão de fazenda.

O sr. Mello Soares (sobre a ordem): — Eu pedi a palavra sobre a ordem, e hei de conter-me na ordem, mandando para a mesa uma moção de ordem, e depois de a mandar peço licença a V. ex.ª e á camara para a sustentar em poucos momentos. (Apoiados.) Diz assim a substituição ao projecto. (Leu.)

Sr. presidente, eu lamento que uma questão tão simples, uma questão puramente economica e administrativa (Apoiados.) uma questão que não tem nada com a politica, (Apoiados.) fosse trazida ao campo politico para despertar odios talvez apagados, para suscitar idéas de partido que se linham esquecido, e para suscitar inimisades pessoaes: eu sem querer lançar o stygma d'este máu sestro que houve no debate, nem a um nem a outro lado da camara, porque eu tenho sempre em vista quando uso da palavra n esta camara o observar a regra de não proferir uma expressão que offenda pessoa alguma; (Apoiados.) todavia, repilo, sem lançar stygma a quem desenvolveu o acto n'este ponto, é necessario,

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comtudo fazer justiça especial a um cavalheiro, com cuja amisade me honro, que encetando este debate, o tratou com a urbanidade e decencia de que é capaz, (Apoiados.) se bem que eu não concordo com os principios que s. ex.ª apresentou.

Sr. presidente, eu talvez fosse arrastado a entrar na discussão das pessoas dos srs. ministros, não para os accusar; não para os defender, mas para mostrar que o debate chamado a certas pessoas, tambem aberrou do seu fim. (Apoiados.) Que me imporia a mim que o sr. Avila fosse contraditório (se o foi, e de que eu o não accuso) na opinião particular que apresentou, e na sua opinião como ministro? Pois o homem d'estado não lerá o direito de mudar de pensar diante dos acontecimentos? Dizia eu que não me importava que se arguíssem mil contradicções ao illustre ministro da fazenda, porque a essas contradicções, se as ha, elle respondêra; nem elle precisa do meu auxilio, nem era auctoridade bastante para o defender: que tenho eu que o sr. Carlos Bento fosse (poeticamente) accusado de se abraçar com as rodas dos wagons do caminho de ferro de leste para lhes sustar o movimento? Que este ministro, fosse mergulhado no oceano? Que fosse alcunhado com o epitheto de ministro aquático? -Que têem estas facecias; que lêem as arguidas contradicções dos dois ministros da fazenda e obras publicas com a questão que se ventila para saber se mais convem a regie ou a arrematação do monopolio do tabaco?

Que me importa que o sr. ministro das obras publicas, fosse chamado para este debate? Que me imporia que elle fosse arguido com expressões imaginosas e bellas, de se agarrar ás rodas de um wagon, de ser o homem do oceano, de ser um ministro aquático? Com isto não tenho nada, nem o tem o debate. E deixando isto, passo á questão nos seguintes termos.

A camara parece-me que esta toda convencida da necessidade de se conceder uma auctorisação ao governo sôbre esta materia: a camara faz o sacrificio do bom principio ás circumstancias especiaes em que nos achámos. A camara reconhece que o verdadeiro principio é a liberdade, reconhece que o monopolio, quer exercido pela auctoridade do governo, quer pelos particulares é sempre um mal.

O meu nobre amigo disse que o monopolio é mau, que é um systema vexatorio; isto é a verdade, estes são os principios. Mas pergunto, estará o paiz nas circumstancias de proclamar a liberdade? Seria util aos interêsses do paiz o seguir as regras theoricas, e fallar a todos os principios de administração applicados ás nossas circumstancias? N’este sentido a minha proposta deixa de parte o bom principio, principio que eu adoro, porque elle é o remedio contra os dois males, e que segundo a phrase do meu nobre amigo, o sr. Luciano de Castro: « A liberdade é o nosso pensamento mais querido, a nossa illusão mais dourada.» O monopolio é mau, todos o dizem, todos o reconhecem; mas não se podendo passar já ao principio da liberdade resta ver qual é o systema mais conveniente a seguir, se o systema de arrematação, se o systema de administração por conta do estado.

Disse um illustre deputado que este monopolio podia considerar-se como um estabelecimento politico e economico; que pelo que respeita ao estabelecimento politico linha muita duvida em que se concedesse um tal monopolio a uma companhia, poderosa' pelos seus capitaes, poderosa pela influencia que por este motivo não póde deixar de ter, poderosa' pelos individuos que tem de empregar n'este fabrico e poderosa sobretudo pela influencia que podia ter para a representarão nacional na eleição dos deputados. O illustre deputado fez a conta pelo menos a quatro mil freguezias de cem fogos para cima, e calculou bem, e dando tres estancos em cada uma d'estas freguezias teremos doze mil empregados; acrescentando os homens armados em numero de mil e seiscentos, e mais empregados na fiscalisação, teriamos quinze mil homens, que na occasião das eleições poderiam conduzir-se de modo que a verdadeira representação nacional fosse sophismada. Eu convenho em que esta companhia é poderosa, e que com tantos individuos póde influir nas eleições; Vox. Y—Maio —1857. mas se esta companhia póde influir nas eleições, oppondo-se á acção do governo, o que não aconteceria se este monopolio fosse executado pelo governo?

Se este, mesmo sem exorbitar da esphera das suas attribuições legaes, tanto póde pela sua legitima influencia e dos seus empregados militares e civis de todas as categorias, o que succederia, acrescida a sua influencia com mais quinze mil empregados? Que cidadão particular, por mais poderoso e influente que fosse, poderia triumphar na sua candidatura propria ou de protecção contra a vontade do governo? E é por se receiar como estabelecimento politico que o meu nobre amigo, o sr. Fontes, vota que o monopolio do tabaco seja administrado por conta do estado? Se eu considerasse a questão por este lado nunca apoiaria a opinião dos que sustentam a régie. Mas eu deixo a parte politica, e tratarei muito de passagem a questão pelo lado economico; mas antes d'isso, e referindo-me a um quadruplicado protesto com que o meu illustre amigo, o sr. Nogueira Soares, rematou o epilogo do seu discurso, e o outro duplicado protesto com que o sr. Silvestre Ribeiro fez o prologo da sua argumentação, direi que protesto contra ambos aquelles protestos por infundados, ou originados em ser imaginario; porque o nobre ministro da fazenda nem leve intenção de arguir de corruptos os empregados publicos, e de devassa a administração do estado, nem se explicou de modo que lai podesse concluir se. O que o illustre ministro disse, foi que não confiava que a administração do monopolio por conta do govêrno podesse dar Ião uteis resultados para a fazenda publica, como a arrematação. E com estas expressões, infelizmente tão verdadeiras, accusou elle de corruptos os empregados administrativos do estado? Injuriou-os, ou proferiu algumas blasphemias que provocassem os protestos dos dois nobres deputados? Pois não é verdade, e verdade de todos os tempos, e applicavel a todos os governos, que o zêlo particular, e o interesse pessoal são, em regra, mais solicitos, mais esmerados e efficazes que o cuidado dos empregados publicos nas cousas do estado? Um sr. deputado havia dito, soccorrendo-se á opinião de Adam Smith, que a administração das rendas publicas por conta do estado era mais proficua que o arrendamento d'ellas, e que os contratadores eram o flagello dos povos, e similhantes aos publicanos do imperio romano. Eu creio mesmo que os stygmatisou como as sagradas letras os apodaram, declarando-os incommunicaveis Sit tibi tanquam Ethnicus et Publicanus. Cabe aqui ao nosso proposito contrapor auctoridade a auctoridade, e eu vou ler á camara, para que rogo a sua indulgencia, um trecho da obra intitulada=Theoria dos premios legaes = de Jeremias Beutham...

O sr. Affonso de Castro: — É o unico.

O Orador: — Pois bem, será o unico, mas o pêso d'esta unidade, ou singularidade pessoal, talvez valha mais que o numero dos contrarios, pelo menos valerá tanto...

O sr. Affonso de Castro: — Cite o diccionario.

O Orador: — Não cito o diccionario, se bem que o tenho lido, e hontem mesmo eu li os artigos, monopolio, tabaco, régie, e não o cito por duas rasões: a primeira para me não sujeitar á censura do padre Francisco Manuel do Nascimento, o nosso Filinto Elisio que lhes chama = Valha-couto de nescios=a segunda porque estou enfastiado de ver que esta camara tem sido maçada e malhada por muitas vezes com estirados artigos de diccionarios..(Risadas—Apoiados.) Diz o tal unico assim: « É melhor o arrendamento do que a administração por conta doestado, e todos sabem que os creados do amo o mais descuidado são mais aguçosos do que os creados do principe o mais vigilante... O interesse do primeiro empregado é metter para dentro da administração o maior numero de afilhados que póde, não tem motivo que o obrigue a zelar o serviço, porque não perde nada pelos seus descuidos. O interêsse do contratador, pelo contrario, é reduzir os seus officiaes ao menor numero, e faze-los trabalhar, porque toda a perguiça do creado redunda em prejuizo de seu amo.

Quanto á questão dos seis annos; entendo eu que o praso

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de tres annos é muito limitado e que ha de desviar da praça muita gente que viria a ella se o praso fôsse mais longo, porque um estabelecimento d'esta ordem e o costeamento que elle demanda não se faz para acabar com proveito dos arrematantes em tres annos; mas eu ponho de parte esta questão, e quando tratar da materia a desenvolvem com maior extensão.

Sr. presidente, é da primeira intuirão que o interesse particular é mais zelado que o interesse do estado; n'esle sentido digo eu, n'uma crise como aquella em que estamos, com um deficit de mais de um milhão de cruzados, quando têem havido tres annos successivos de más colheitas, quando o povo esta pobre, seria prudente, seria conveniente arriscar uma grande verba de receita, passando o monopolio a ser administrado por conta do estado? Pergunto eu, é ou não certa a receita de 1.230:000$000 réis arrematando-se o monopolio? De certo que é. Succederá o mesmo na administração por conta do estado? Isso é que eu não sei se se realisará, antes me parece que não. Parece que ha uma contradicção em se estabelecer que quando a praça não der uma certa quantia o governo possa administrar por sua conta, mas esta apparente contradicção é facil de justificar. Se estabelecesse como preceito obrigatorio o systema da arrematação o sr. ministro da fazenda havia de arrematar por fôrça, e com esta faculdade para arrematar ou não arrematar póde obrigar os arrematantes a chegarem a um certo preço, por que elles sabem que se não chegarem a este preço, o governo póde deixar de arrematar.

Parece-me que a substituição que offereço é aceitavel, não só quanto a prolongação do tempo, de tres a seis annos, mas com relação á modificação das condições, porque senão concede, nem o juiz privativo e de proposta dos arrematantes, nem se denega a fiança. Tudo fica na regra geral, e direito commum como nos outros crimes de contrabando em geral. £ nem se diga, como hontem arguiu o meu nobre amigo o sr. Nogueira Soares, que a nomeação de juizes privativos pelo contrato era uma grave injuria feita á magistratura. Pois porque o contrato propunha e o governo approvava um juiz de entre os juizes de direito. ou dos bachareis habilitados á magistratura judicial, resultava algum desaire á magistratura portugueza? Um juiz privilegiado, por utilidade publica, não é permittido pela carta constitucional? O juizo militar, o juizo commercial serão offensa da magistratura? São excepções por utilidade publica, assim como era privilegio essa proposta de juizes privativos que o governo approvava, e tão pouco importante julgou o contrato que finda em 1858, esse privilegio, que só em Lisboa e no Porto d'elle usou. Parece-me ler sustentado a substituição que tenho a honra de enviar para a mesa.

Substituição

Artigo 1.º O governo mandará procedêra arrematação do contrato do tabaco pelos seis annos que hão de começar no 1.° de maio de 1858 e acabar em 30 de abril de 1864, conformando se com as condições do actual contrato, excepto no que respeita á parte penal, que será modificada segundo as disposições do artigo 5.° do projecto.

§ 1.º A competencia do juizo e a fórma do processo, quanto ao crime, regular-se-hão conforme o direito commum em relação aos crimes do contrabando em geral.

§ 2.° O processo para a cobrança e arrecadação das dividas activas do contrato por penas e multas será regulado na conformidade das leis fiscaes.

Art. 2.° Quando em praça se não obtenha um preço superior a 1.321:000$000 réis, fica o governo auctorisado a administrar este monopolio por conta do estado.

Art. 3.° Para a organisação d'este ramo de serviço publico, e para prover aos encargos d'elle (caso a arrematação se não effectue) poderá o govêrno levantar fundos até á somma de 600:000$000 réis, com juro que não exceda a 6 por cento, servindo de garantia especial o producto do monopolio. ' § unico. O governo fará os regulamentos necessarios para a boa execução d'esta lei, e dará conta ás córtes do uso que 'fizer da auctorisação concedida.

Sala da camara, 16 de maio de 1857. = João de Mello Soares e Vasconcellos,

Foi admittida

O sr. Presidente: — Tem a palavra sobre a ordem o sr. barão de Almeirim, mas peço-lhe que leia primeiro a sua moção de ordem.

O sr. Barão de Almeirim: — Pedi a palavra para mandar para a mesa-um parecer da commissão de fazenda, (Bisadas.) que regula a concessão das moratorias aos devedores á fazenda publica.

O sr. José Estevão (sobre a ordem): — Sr. presidente, eu tenho junto a mim uma substituição para mandar para a mesa...

O sr. Presidente: — Faz favor de a ler e depois póde sustenta-la...

O sr. José Estevão: — Mas eu desejava não a sustentar para não usar duas vezes da palavra...

O sr. Presidente: — Póde ler a substituição.

O sr. José Estevão: — Eu leio-a sem a sustentar, o que farei quando me chegar a palavra sobre a materia, porque por um ou outro modo creio que a camara não se negará ao incommodo e ao tormento de me ouvir. Foi o acaso que me fez apresentar a substituição logo depois do meu illustre amigo e exímio jurisconsulto o sr. Mello Soares apresentar a sua; foi acaso, mas um acaso feliz, porque como a minha substituição contém idéas absolutamente oppostas, o contraste fica mais saliente.

É uma substituição (não se tome isto por sustentação) eminentemente conciliadora, sem nenhum espirito de parcialidade ultraministerial, que em cada um dos seus artigos tem votos de confiança como não é commum darem-se da parte dos mais ministeriaes aos ministerios, mas formulei-a d'este modo para ver se nos livramos d'esle escandaloso pêso do contraio do tabaco. e se me poupo á pena e dor de ver dividido partido progressista numa questão, que eu entendo que é de morte para esse partido. Por isso proponho isto que é uma cousa a que não póde deixar de se ceder, a não haver claramente a pretensão de arrematar o contrato do tabaco, porque assim o exijam algumas rasões de estado que eu hei de inquerir, porque rasões economicas não as póde haver. E a este respeito quero que o sr. ministro da fazenda seja mais explicito, quero que nos diga dentro do circulo da reserva a que tem direito, quaes são os fundamentos que tem para esperar que o contrato do tabaco renderá mais por esta arrematação. É uma phrase que escapou a s. ex.ª, e sobre que me hei de apoiar decididamente para o obrigar a declarar os motivos que tem para essa esperança; declarar os motivos, as rasões, os fundamentos com que vem dizer á camara que espera que o contrato do tabaco renda mais. Se são factos, é preciso que os diga; se são doutrinas, é preciso illustra-se com ellas. Advirto a s. ex.ª que sobre este ponto hei de insistir e não me calarei por tanto tempo quanto decorrer, até que s. ex.ª peça a palavra e faça esta declaração.

Leu-se logo na mesa a seguinte

Substituição

Artigo 1.º O monopolio do tabaco será administrado por conta do governo, conservando-se o mesmo pessoal, os mesmos vencimentos e o mesmo systema de administração que actualmente tem o contraio do tabaco.

Art. 2.º Para substituir os caixas na gerencia suprema d'este monopolio, o governo nomeará tres pessoas de reconhecida probidade, intelligencia e experiencia, podendo escolher para estes cargos, se assim o entender conveniente, cidadãos não funccionarios.

Art. 3.º Os caixas por conta do governo receberão os mesmos ordenados que os caixas do contrato, se o governo entender que o bom desempenho das suas funcções merece e exige estes vencimentos.

Art. 4.º O governo apresentará ás córtes na sessão imme-

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diata á execução d'esta lei, um relatorio circumstanciado dos resultados d'este systema de administração, notando escrupulosamente lidas as causas que tiverem influido para augmento ou diminuição do rendimento nos tabacos, e propondo os meios que julgar mais adequados para supprir o deficit que porventura possa apparecer.

Art. 5.º É livre a cultura do tabaco nas ilhas dos Açôres e Madeira, ficando o govêrno auctorisado a deixar subsistir esta liberdade combinada com o monopolio do fabrico e venda daquella planta, ou a estabelecer naquella parte da monarchia inteira liberdade de cultura, industria e commercio da referida planta, mediante imposições rasoaveis.

Art. 6.° Os empregados da fiscalisação do actual contrato formarão, com todos os empregados fiscaes do estado, um corpo fiscal convenientemente organisado, e destinado ao serviço geral da nação.

Sala da camara, 16 de maio de 1857 José Estevão Coelho de Magalhães, deputado da nação.

Foi admittida.

O sr. Rebello Cabral.............................

O sr. Conde de Samodães (Francisco) (sobre a ordem): — Mando para a mesa um parecer da commissão de guerra ácerca do objecto das preterições dos officiaes. Devo dizer que não foi possivel formar maioria na commissão, porque sendo a commissão composta de nove membros, e não concorrendo ás sessões o sr. Barata, achando-se ausente o sr. Delorme Colaço, e não querendo o sr. Guedes tomar parte n'esle objecto, como parte interessada, ficaram por isso seis membros: d'estes seguiram uma opinião tres, e outra os outros tres, e por isso ha dois pareceres, não havendo vencimento por nenhuma das opiniões.

O sr. Mello Breyner (sobre a ordem): — mando para a mesa o outro parecer da commissão de guerra, a que se acaba de referir o illustre deputado que me precedeu.

O sr. Rebello da Silva: — Sr. presidente, o illustre deputado que me precedeu acabou o seu discurso por uma ex-hortação, que adopto, e servirá de exordio tambem ás reflexões que devo apresentar: o nobre deputado appellou para a camara e pediu tolerancia em nome da salvação dos principios politicos, que todos desejâmos defender, e em nome do decóro e decencia do debate. Para mim era inutil o pedido: (Apoiados.) desejo e tenho provado n'esta casa que não costumo desviar as questões da esphera em que ellas naturalmente se comprehendem; e tambem me lisonjeio de outra cousa, e é que não tenho dado provas de intolerancia em actos que praticasse. (Apoiados.) Não fomos nós, os que defendemos o principio da administração por conta do estado contra o da arrematação, que desejámos converter o assumpto em questão politica. (Apoiados.) Votei com a maioria em diversas questões; e os meus amigos que n'este ponto se separam d'ella praticaram o mesmo; não quizemos, nem queremos promover questões politicas, e até as veriamos desviadas com prazer; se o tentássemos, e era facilimo, tinhamos vigor necessario para propor e aceitar a luta a descuberto, com plena sinceridade. Mas está longe de nós agora tal pensamento. O que succede n'este objecto ha de acontecer provàvelmente em outros. Discordámos da conveniencia da medida indicada pela maioria da commissão de fazenda, e julgâmos preferivel a apontada pela substituição do sr. Fontes. Nada mais. O nosso dissentimento tem este sentido, e se eleva a maiores proporções n'este momento.

Por isso repellimos como impropria de nós a idéa de aproveitar uma questão economica para a erigir em questão politica. A situação actual, como todas, proporcionava melhor thema para suscitar esses conflictos, se porventura nos occorresse assumir a responsabilidade de os levantar.

Eu, e os meus amigos que n'esta questão nos apartámos da maioria da commissão de fazenda, estamos muito longe de levarmos em mente crear com o nosso voto o menor embaraço, ou difficuldade ao gabinete. Entendíamos até que a questão não se collocaria como governativa, e tinhamos certo direito para o entender assim, porque me parece que ouvíra asseverar não sei se por parte do govêrno, se externamente, que o governo tencionava submetter a questão á camara e seguir a resolução que ella adoptasse. E acrescentarei. Esta seria a direcção mais natural, e a que desassombaria mais a administração de graves e serias complicações. (Apoiados.) Mas qualquer que seja a posição, eu havia de cumprir o meu dever, e cumpri-lo rigorosamente, porque desde 1852 que empenhei o meu voto para defender a administração por conta do estado, contra a arrematação, e em todo o espaço que decorreu até hoje não se offereceram rasões, nem motivos que me decidissem a modificar as opiniões, porque não acho nada offensivo em as modificar, quando factos ou argumentos inspiraram a consciencia. (Apoiados.) Entrando no assumpto, confesso-me admirado (permitta a camara a phrase; não a solto com sentido de offender ninguem) de que ainda hoje, em 1857, depois de todas as grandes e irritantes questões que por desgraça tem occasionado o contrato do tabaco, porque quantas se contam, quantas têem sido deploraveis, (Apoiados.) ainda aqui estajamos a discutir a arrematação! Sinto profunda magua, porque um dos motivos que mais me resolveu a combater, e hei de combater em todos os tempos e com todas as armas licitas e legaes, o monopolio na mão dos particulares, foi ver que sempre que esta questão se ventilava, os homens mais distinctos, os administradores de maior probidade, não podiam eximir-se a essa nuvem de pó que se levanta sempre da irritação d'esle debate. (Apoiados— Vozes: — Muito bem.)

O sr. Passos (Manuel): — Que o vento traz e o vento leva.

O Orador: — O vento póde trazer e o vento póde levar; mas o pó que se deposita é fatal.

O sr. Passos (Manuel) (com vehemencia): — Menos em Manuel da Silva Passos.

O Orador: — Eu não me dirigi ao illustre deputado, nem me dirigi a ninguem; e quando não offendo, a defeza é pelo menos inconveniente, porque o illustre deputado não esta, nem podia estar em discussão. Os homens de que fallo são de todos os partidos, não me excluo a mim, e tenho direito para fallar de mim respeitando, como respeito, a probidade do illustre deputado. Mas tambem direi, que não aceito na tribuna as interrupções feilas com ar de intimação e de entono, como a que o sr. deputado acaba de dirigir...

O sr. Passos (Manuel): — Se o nobre deputado declara que as não aceita, peço perdão.

O Orador: — Aceito-as como advertencias amigaveis do illustre deputado, que esta no caso de ser meu mestre pela sua idade, serviços e brioso talento, mas não da maneira desabrida com que as repetiu, e que só se justificaria se alguma palavra o maguasse. Posso afiançar ao illustre deputado, que nem me lembrava agora do seu nome; e quando me lembro d'elle é para o respeitar e nunca para o molestar. (Apoiados — Vozes: — Muito bem.)

Continuando, dizia e repilo, que esta questão do contrato do tabaco sempre que aqui veiu custou graves dissabores a todos os homens publicos, quer votassem contra quer a favor. (Apoiados.) Este facto esta consignado nos fastos parlamentares, esta registado na memoria de todos, e quando o menciono com as verdadeiras circumstancias, expondo a verdade, repilo mesmo o que muitos disseram. Mas a consequencia é, que se nós podermos achar uma solução que nos livre de tão triste resultado, devemos abraça-la. (Apoiados — Uma voz: — Essa é que é a questão.)

Ouvi os nobres oradores que entraram no debate, escutei seus argumentos com o respeito que merecem, e sobretudo admirei da parte do sr. relator da commissão, e meu antigo amigo, o sr. Antonio de Serpa, a louçania de engenho e os grandes esforços que uma grande intelligencia póde empregar para revestir qualquer assumpto, mesmo o mais arido e menos defensavel, das seducções que lhe podia emprestar uma palavra tão correcta, tão commettida e tão ornada, como foi a sua n'este combate cortez. E por esta occasião observarei a outro amigo meu. que fallou hontem com grande exito e igual urbanidade, mas pareceu indicar que a poesia tinha tal ou qual suspeição de incompetencia para estes objectos, que o sr. Antonio de Serpa refutou completamente o seu re-

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ceio, porque encarou e seguiu todas as difficuldades apesar de ser poeta em verso e prosa, e o que é mais, excellente poeta. Por consequencia a poesia não tem grande perigo n'estas questões, o que a poesia tem é o grande inconveniente para o geral do mundo, e não de certo para um cavalheiro de tanta erudição e gosto como o sr. José Silvestre, de se elevar a certa altura, e ás vezes nem todos os espiritos a podem acompanhar, e d'ahi se segue uma certa desconfiança de que os poetas não são sempre os mais habilitados para baixarem ás minuciosidades praticas, e ás praticas de administrar os negocios publicos; mas nós temos visto exemplos de homens distinctissimos que occuparam a tribuna brilhantemente e foram grandes administradores, sendo tambem grandes poetas.

Não foi de certo a intenção condemnar os poetas; mas se fôsse, o bello discurso que a camara ouviu, em que o sr. Serpa reuniu á argumentação mais forte que podia produzir-se, a amenidade da expressão e decoro e dignidade com que as questões devem ser tratadas no parlamento, tinha-lhe respondido, reivindicando brilhantemente para as musas esse logar nos graves conselhos do estado, de que alguns as têem querido desherdar.

O sr. Sant'Anna Vasconcellos: — Tambem não se tratam as questões em estylo lyrico.

O Orador: — Nem se tratam em estylo lyrico, nem se fazem discursos em verso; o illustre deputado tambem faz versos, e creio que nunca se lembrou de discorrer em oitava rima, ou em outros melros; se se fizessem discursos em verso, eu que não sou da arte, com pena profunda minha, ficava fóra d'esta casa como o estou dos Parnasos dos Vales.

O sr. Sant'Anna:— É poeta em prosa.

O Orador: — Tambem não. Procuro dar alguma expressão ao que penso e digo.

Descreveu-se aqui a questão carregando as côres de um modo que me pareceu menos proprio, e de que eu não hei de usar. Isto na realidade não é senão um monopolio. Consideremos a questão com toda a lealdade, e considerando-a d'esta maneira, quer se encare por um lado, quer pelo outro, o monopolio fica sempre (Apoiados.) com os inconvenientes de todos os monopolios, com as repulsas que aos monopolios oppõe sempre a theoria absoluta na região dos principios. O que nos divide na maxima parte em dois campos, são as tendencias contrarias de duas escolas economicas, uma propondo que o monopolio sáia das mãos dos particulares para a administração do estado, que é a regra geral; a outra, insistindo para que se continue na arrematação, não porque reconheça que a regra geral é a arrematação, mas porque tem receios de que passando-se da arrematação para o systema de administração, resulte da transição desfalque, e se aggrave o deficit. É este o verdadeiro ponto creio eu. (Apoiados.)

Tirados estes receios á camara, e provado por dados provaveis, porque tudo são probabilidades, o sr. ministro da fazenda tambem não tem senão probabilidades, e a illustre commissão do mesmo modo; provado que provavelmente o desfalque não deverá existir, mudando-se de systema, julgo que não haverá dez nem doze defensores da arrematação. (Apoiados.) A questão reduz-se pois a isto; e é o aspecto porque a desejarei considerar.

Devo declarar á camara, e supponho até a declaração inutil, que embora me áparte agora (e póde ser que outras vezes, porque em principios economicos cada um tem os seus) do sr. ministro da fazenda, tenho por elle a mais profunda estima, e continuarei com s. ex.ª a mesma sinceridade de relações que sempre mantivemos; s. ex.ª já foi ministro n'uma occasião em que lhe não poupei uma opposição decidida, que não estou disposto a fazer-lhe hoje, e comtudo as nossas relações não se interromperam. Isto serve para notar a s. ex.ª que preciso de me referir aos algarismos e dados que encerra um relatorio seu, mas que não tenho a menor idéa de irrogar censura a s. ex.ª Aproveito esse trabalho, porque o nome de s. ex.ª lhe dá auctoridade, e porque não tive tempo nem opportunidade de procurar todos os livros necessarios para os estudos que a materia requer; e por consequencia referindo-me aos dados do nobre ministro, não desejo que nem s. ex.ª nem pessoa alguma deprehenda que levei em vista dirigir a mais leve censura. (O sr. Ministro da Fazenda: — Apoiado.) Depois d'isto acho-me em plena liberdade para me occupar da questão.

Vamos aos argumentos com que se sustenta a arrematação.

120:000$000 réis a mais que se espera obter pela arrematação;

600:000$000 réis em que se calcula que deve importar o desembolso para montar a administração por conta do estado;

O imposto necessario, no caso de haver desfalque, para cobrir esse desfalque;

A herva santa crescendo, e alagando o paiz até que o governo aperfeiçoe a fiscalisação;

A falta de energia para impedir que os empregados se não dupliquem e accumulem, e por consequencia um grande augmento de despeza;

O contrabando e a indolente gerencia e vigilancia do estado.

Estas são as rasões capitaes. Agora a resposta: Art. 3.º do parecer da commissão* «Quando se verifique a hypothese prevista no artigo antecedente (não obter o preço vantajoso) fica o govêrno auctorisado a adoptar as medidas necessarias para a organisação d'este ramo do serviço e para prover aos seus encargos!! » (Muitos apoiados.)

Eis a vara magica', o verdadeiro prodigio! Até aqui, se a administração do estado tomasse conta do monopolio, a herva santa inundava-nos; mas apenas faltarem 120:000$000 réis de augmento pela arrematação, já nos não alaga, já podemos abraçar sem risco a régie! (Apoiados.) São precisos 600:000$000 réis para montar a administração por conta do estado; mas apenas deixe de haver 120:000$000 réis a mais pela arrematação, já não avulta tanto esse inconveniente que nos desvie da administração.

A fiscalisação é pouco zelosa, é indolente, é menos activa sendo o tabaco administrado por conta do governo; mas se não houver 120:000$000 réis de augmento pela arrematação, a fiscalisação será desde logo mais zelosa, ha de aperfeiçoar-se, ser mais activa e menos indolente.

Emfim, em não havendo 120.000$000 réis a mais pela arrematação, todas as difficuldades desapparecem, e entrâmos na regie desafrontados de animo e desassombrados de lodo o perigo.

É o que se deprehende do parecer e do projecto da illustre commissão. E permitta-me o meu nobre amigo, a quem me referi e que fallou hontem brilhantemente n'esta questão, que lhe observe que s. ex.ª tem rasão, quando diz que nem todos os exemplos das nações estranhas se devem admittir cegamente; mas não queira concluir d'ahi em absoluto que nos não envergonhemos, se não imitarmos os outros paizes, promovendo reformas e melhoramentos de certa ordem. Quem assevera que similhante opinião não é a mais orthodoxa, é ainda o parecer da commissão. (Leu.)

Por consequencia, a illustre commissão suppoz, e suppoz muito bem, que os exemplos dos outros povos valem alguma cousa, assim como o diccionario de economia politica, permitta-me o meu erudito amigo que fallou sobre a moção de ordem, vale muito até para este ponto, sobretudo pela auctoridade e conceito do auctor do artigo. E s. ex.ª o sr. ministro da fazenda não me contestará, porque teve occasião de o apreciar em França, onde o conheceu como um dos homens mais notaveis da sciencia. (O sr. Ministro da Fazenda: — Apoiado.) Estes não são exemplos que lancemos fóra sem exame; em materias de administração todos os factos se devem attender, porque o falso orgulho nacional seria hoje, no estado do paiz, (peço perdão para o dizer) um adiamento de todos os progressos; e n'esta, como em questões identicas, todos os partidos devem prestar o maior cuidado, porque desamparando-as havemos de caír d'essa mesma animação que principiávamos a tomar nas idéas economicas. Por con-

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sequencia, entendamo-nos bem: eu tambem não quero a copia servil de todas as leis e opiniões que se publicam nos reinos estrangeiros; mas quando vejo uma serie de nações admittirem um principio, manterem-n'o, e tirarem bons resultados, desejo que indaguemos os motivos, e apontemos o facto para vermos até onde poderemos aproximar-nos sem precipitação. (Soavam quatro horas.) Ouvi dar a hora; permitta-me a camara que diga ainda duas palavras sobre o que se chama a liberdade de commercio...

O sr. Presidente: — A ordem do dia para segunda feira é a continuação da de hoje, mais o parecer n.° 99 sôbre a barra da Figueira, e o parecer n.° 98 sôbre o orçamento. — Está fechada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

ERRATAS.

Nas sessões, n.° 11 pag. 175, col. 1.ª, lin. 50; n.° 12 pag. 182, col. 2.ª, lin. 56, onde se lê = Coniinuação da discussão do projecto de lei n.° 73 = deve lêr-se = Continua a discussão do projecto de lei n.º 109.<=

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