1825
pende da instrucção do povo, e que só quando todos forem instruidos a iniciativa individual poderá substituir a do estado, em tantos casos ainda hoje impropriamente reclamada; é necessario empenharmos todas as nossas forças, e pôr toda a nossa vontade ao serviço de uma idéa tão firmemente promettedora.
Em 1859 dizia o principe Alberto no congresso de, educação: «Para dissipar a ignorancia, os esforços combinados de todos os amigos das classes obreiras são apenas sufficientes». E na Inglaterra já a iniciativa particular tinha dado uma larga parte á instrucção do povo, fundando escolas e construindo-lhes casas. Entre nós não tem sido tanto, porque em Portugal conta-se mais com o estado do que elle póde e algumas vezes devia dar.
Em a nossa legislação, e proximamente no citado decreto, artigos 32.º, 35.º, 36.º e 37.º, está imposta a todos os paes e tutores a obrigação de mandarem instruir nas escolas os seus filhos, pupilos ou outros subordinados desde os sete até aos quinze annos de idade. Ahi encontrâmos definidas as penas contra os que desobedecerem, e as vantagens para os que satisfizerem. Supponhamos que a lei era executada; como accommodar nas casas que temos de escolas tantos alumnos que, pela obrigação, deviam concorrer?
Não fazemos agora tudo quanto devemos, quanto é urgentissimo fazer. Mas a casa, que é o templo da instrucção, e por isso deve ser um logar respeitavel e respeitado, é sobre todas as necessidades, actualmente sentidas, uma das mais indeclinaveis, cuja resolução não devemos adiar por mais tempo.
Os meios lembrados na proposta, nos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 6.º, não são de certo bastantes para o inteiro complemento dos desejos do paiz; mas, incontestavelmente, contêem algumas concessões feitas aos districtos, municipios e parochias, que não podem deixar de concorrer muito em melhoramento da instrucção primaria, pela edificação e reparos de algumas casas de escola; e simultaneamente para desenvolver mais o interesse dos povos pela mesma instrucção.
Esses artigos permittem a essas differentes corporações a venda de alguns bens, sem dependencia de licença do governo, e sem às despezas e longos processos que actualmente mais difficuldades offerecem ás localidades para emprehenderem qualquer melhoramento na instrucção publica; ficando comtudo o interesse de todos bem garantido pela fórma ahi prescripta. É uma applicação do principio da descentralisação que deve produzir bom resultado e interessar as localidades no aperfeiçoamento da instrucção do povo. E é ainda pelo mesmo fundamento que no artigo 4.º se completa a doutrina que já citámos do decreto de 20 de setembro de 1844.
O artigo 5.º contém uma disposição necessaria para poderem os testamenteiros do fallecido conde de Ferreira desempenhar a obrigação que aceitaram de construir cento e vinte casas para escolas.
Nem estes podiam dirigir a construcção em todas as localidades, nem geralmente as juntas de parochia, a quem o finado conde mandou entregar essas casas, depois de construidas, têem os meios sufficientes para concluirem a edificação, quando a verba destinada pelo testador não seja bastante. É o estado, que recebe uma doação de tanta valia, e uma prova de tanto patriotismo, não podia abandonar os testamenteiros no seu trabalho e cuidados. As camaras municipaes são as legitimas representantes de todo o municipio, e não é fóra do seu proposito coadjuvarem as juntas de parochia, para obra de tanta importancia, como a construcção, segundo as verdadeiras normas, de um edificio para a escola. As camaras contratam pois com os testamenteiros, e tendo desempenhado o seu compromisso, entregam o edificio ás juntas, porque assim o mandou o testador. Parece-nos justa a disposição.
O artigo 8.º contém uma disposição que não importa a condemnação do latim. Nem está na letra da proposta, nem podia estar no espirito do governo. Mas em muitas partes estão fechadas as cadeiras d'essa lingua, por não haver quem concorra ao seu provimento, e n'outras não ha alumnos que as frequentem, por isso os professores não trabalham. O que importa é aproveitar utilmente essas creações, e se o latim não é ahi professado, é necessario substitui-lo com mais aproveitamento.
Demais, não estamos no tempo em que o latim era de rigor para todas as educações. Hoje que as sociedades vivem de uma outra maneira, e que os conhecimentos humanos se têem centuplicado, é necessario distribui-los da maneira mais conveniente e accommodada á educação e necessidade dos povos.
A vossa commissão julga ter satisfeito o seu dever, enunciando as suas idéas sobre o assumpto e expondo os fundamentos que justificam a aceitação que fez dos artigos da proposta.
A exposição feita no relatorio do governo dos principios da escola liberal, o reconhecimento por elle de que tudo póde esperar excepto a escola, e a tendencia descentralisadora que se manifesta em todos os artigos da proposta, são factos que lisonjearam a vossa commissão, que dão a esta proposta maior importancia, e que mais determinaram esta commissão a esforçar-se para corresponder á missão que lhe incumbistes.
Com o voto favoravel da illustre commissão de administração publica, temos a honra de submetter á vossa approvação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º É declarada de utilidade publica a expropriação de casas ou terrenos necessarios para a construcção de edificios, e para os accessorios d'estes, destinados para a fundação de escolas publicas do ensino primario.
§ unico. Os processos de expropriação para o fim declarado n'este artigo serão gratuitos, ainda quando se tornem contenciosos.
Art. 2.º Feita a desamortisação dos bens dos districtos, municipios e parochias, ficam estes auctorisados para vender, com as formalidades legaes, das inscripções em que tiverem sido convertidos os bens desamortisados, as necessarias para a fundação das casas escolares.
Art. 3.º As juntas de parochia podem aforar ou vender em hasta publica, precedendo auctorisação do conselho de districto, bens proprios ou baldios de logradouro commum para applicar o producto d'elles á compra, construcção, reedificação, ou reparação de edificios para escolas de ensino primario, que, em conformidade do plano geral do governo, devam ser estabelecidas nas respectivas parochias.
Art. 4.º Nos concelhos ou parochias onde houver edificios ou terrenos pertencentes aos proprios nacionaes, fica o governo auctorisado para conceder ás respectivas camaras municipaes, ou juntas de parochia, os edificios que forem appropriados, ou a extensão de terreno que for necessario para a fundação de escolas de ensino primario. Fica d'este modo interpretado e modificado o artigo 1.º da lei de 25 de junho de 1865.
Art. 5.º São auctorisadas as camaras municipaes para contratar, nos termos legaes, com os herdeiros do fallecido conde de Ferreira, a construcção de edificios, e o fornecimento de mobilia para o estabelecimento de escolas de ensino primario, mandadas fazer em cumprimento da disposição testamentaria do mesmo conde.
§ unico. Os instrumentos d'estes contratos serão lavrados pelos escrivães das respectivas camaras municipaes.
Art. 6.º A confirmação das deliberações das camaras municipaes e das juntas de parochia, em todos os casos previstos nos artigos antecedentes, e sobre quaesquer assumptos relativos unicamente a instrucção publica, é isenta do pagamento de quaesquer emolumentos ou contribuições.
Art. 7.º Na construcção ou reedificação de casas para escolas observar-se-ha o plano geral estabelecido pelo governo, salvas quaesquer modificações que por effeito de circumstancias locaes o governo julgue conveniente auctorisar.
§ unico. As casas escolares, a que se refere a presente lei, são consideradas para todos os effeitos como bens districtaes, municipaes ou parochiaes, conforme tenham sido instituidas pelo districto, pelo municipio, pela parochia ou por particulares para os fins indicados.
Art. 8.º É o governo auctorisado para substituir onde e quando o julgar conveniente as escolas de latim, a que se refere o artigo 56.º do decreto com força de lei de 20 de setembro de 1844, por escolas onde se ensinem as linguas franceza ou ingleza, principios geraes de administração publica, de economia politica, ou de economia rural ou industrial.
§ unico. A gratificação concedida pelo § 1.º do citado artigo poderá ser igualmente dada aos professores que se prestarem a ensinar tambem em cursos nocturnos quaesquer das referidas disciplinas.
Art. 9.º Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala da commissão, 1 de junho de 1866. = José da Silva Mendes Leal, presidente = Antonio Ayres de Gouveia = Joaquim Henriques Fradesso da Silveira = João de Andrade Corvo = Manuel Pereira Dias = Antonio Pinto de Magalhães Aguiar = Pedro Augusto Monteiro Castello Branco, relator = Tem voto do sr. José Dias Ferreira.
A commissão de administração publica tem a honra de devolver á illustre commissão de instrucção publica a proposta n.º 116-D, em que o governo propõe algumas providencias tendentes a facilitar a construcção ou reparação de edificios para escolas de instrucção primaria, bem como algumas disposições para melhoramentos da mesma instrucção.
A commissão, limitando o seu exame aos pontos sobre que mais particularmente tem de interpor o seu parecer, entende que são dignas de approvação as providencias exaradas na proposta e pelas quaes, declarando-se de utilidade publica as expropriações necessarias, concedendo-se ás corporações locaes auctorisação para applicar os bens proprios ou o producto da venda ou aforamento d'estes á construcção de casas de escola, isentando de quaesquer emolumentos ou impostos as transacções respectivas, o governo procura melhorar as condições d'este ramo tão importante da nossa administração.
Diffundir, desenvolver a instrucção publica, quebrar a reluctancia que ainda existe entre os povos, dar á escola a importancia que ella deve merecer, é hoje impreterivel dever do governo e de todos os que se empenham no engrandecimento moral do paiz e na consolidação das liberdades publicas. Para alcançar este fim deve sem duvida contribuir em muito, alem da esmerada escolha do pessoal, e das mais reformas de que a instrucção publica tanto carece, o melhoramento das condições materiaes do edificio que bem demonstre aos povos a consideração e o apreço que aos poderes publicos merece a escola do povo.
Sala da commissão, de maio de 1866. = Antonio Augusto Teixeira de Vasconcellos = Augusto Cesar de Almeida = Anselmo José Braamcamp = Antonio Rodrigues Sampaio = Henrique Ferreira de Paula Medeiros = Tem voto do sr. deputado Joaquim Pinto de Magalhães.
O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Sá Nogueira.
(Susurro.)
O sr. Sá Nogueira: — Não basta ter a palavra, é preciso ser ouvido, porque do contrario de nada serve o que disser (apoiados).
O sr. Presidente: — Peço a attenção da camara. Não é possivel continuar a discussão com a inquietação em que estão os srs. deputados (muitos apoiados); e se ella continua, eu interrompo a sessão (apoiados).
O Orador: — O pensamento do projecto não póde deixar de ser approvado; e folgo de ter esta occasião para declarar ao sr. ministro do reino que hei de votar por todas as propostas d'esta natureza que s. ex.ª trouxer a esta casa, uma vez que tendam, como esta, a melhorar a instrucção publica do paiz.
Apesar de approvar o projecto, tenho comtudo algumas observações a fazer a respeito d'elle, que farei, seguindo a ordem dos artigos.
No artigo 1.º declara-se de utilidade publica a expropriação de casas ou terrenos necessarios para a construcção de edificios, e para os accessorios d'estes, destinados para a fundação de escolas publicas do ensino primario. Desejára que a commissão, de accordo com o sr. ministro do reino, redigisse este artigo de modo que tornasse bem clara a intelligencia que se deve dar ás palavras accessorios atestes. É sobre isto que desejava ouvir algumas explicações da parte do sr. ministro.
(Interrupção do sr. ministro do reino, que não se ouviu.)
S. ex.ª teve a bondade de me dar a explicação que pedi, e que é justamente aquella que eu esperava. Uma escola de ensino primario não carece só a casa, precisa de mais alguma cousa; precisa ter um espaço, um jardim, um pateo, emfim qualquer espaço proprio para os alumnos passarem parte do tempo destinado para recreio, o que é indispensavel para a sua educação physica; sem esta, mal se póde conseguir a educação intellectual.
Mas ainda tenho outras observações a fazer. Não se declara se as escolas a que se refere este artigo são as de 1.º e 2.º grau de ensino primario, e não se faz distincção entre as escolas das aldeias e as das cidades e villas populosas; distincção que é importante, porque no projecto estabelece-se que o governo fará um plano geral para os edificios das escolas, e estes não podem decerto ser todos iguaes, porque, como todos sabem, nas cidades e villas populosas é necessario que os edificios tenham muito maior capacidade para as differentes classes de alumnos; e já se vê que a sua construcção não póde ficar sujeita a um plano geral.
Emquanto ao artigo 2.º eu tenho a observar que elle auctorisa os districtos, os municipios e as parochias a venderem as inscripções que tiverem depois de feita a desamortisação, e que não sei qual ha de ser a rasão, por que os districtos e os municipios não hão de ser auctorisados, como são as juntas de parochia no artigo 3.º, para venderem os seus bens e applicarem o seu producto ao mesmo fim.
No artigo 3.º são auctorisadas as juntas de parochia para aforarem ou venderem bens em hasta publica. Aqui falla-se de um plano geral, e eu escuso de dizer mais nada a este respeito e sobre este artigo. Chamarei apenas a attenção do sr. ministro para um ponto importante, e que s. ex.ª deve ter em vista quando trouxer aqui a sua proposta para a organisação geral da instrucção primaria.
É opinião de homens muito entendidos que junto ás escolas de instrucção primaria, sempre que possa ser, estejam as escolas ou asylos da infancia. Isto traz comsigo mais despeza; mas tende a dar mais desenvolvimento ao ensino, estando no mesmo edificio as aulas de instrucção primaria, tanto para meninos como para meninas, e o asylo de infancia, resulta d'aqui que os chefes de familia que tenham dois ou tres filhos, quando sáem de casa para o seu trabalho podem leva-los ao mesmo tempo para as escolas e para o asylo, sem ser preciso, por exemplo, levarem ás escolas os filhos que já têem mais de sete annos, e perderem tempo andando a correr a povoação para levarem ao asylo os filhos menores de sete annos, por este ficar distante das escolas. Este inconveniente, que póde distrahir os chefes de familia do seu trabalho, tomando-lhes tempo, é um ponto importante a que é preciso attender. Não digo que se construam já os edificios com as proporções necessarias para comprehenderem as escolas primarias e os asylos, mas que se construa desde já a parte dos edificios que for necessaria para as escolas primarias, deixando-se o espaço necessario para depois se construirem as casas para os asylos junto ás das escolas.
Não quero alongar a discussão, e por isso vou terminar.
Este projecto tem duas partes essenciaes: primeira, tem por objecto a construcção de escolas de ensino primario; e a segunda, a melhor applicação dos fundos que hoje se applicam a cadeiras de latim.
Emquanto a esta segunda parte, eu desejava que a illustre commissão tornasse bem clara a idéa de que em certas localidades podiam as cadeiras de latim ser substituidas por cadeiras em que se leccionassem principios de sciencias physicas e suas applicações.
Isto é muito mais util para a classe industrial do que o inglez ou o francez.
Muito bem disse um dia d'estes o sr. Fradesso da Silveira, que = n'uma das cousas que mais conviria á industria da Covilhã, seria a instituição de uma escola de principios de chimica, com applicação ás industrias que existem n'aquella localidade =.
Fico por aqui.
Na discussão da especialidade direi mais alguma cousa, se o entender necessario.
O sr. Quaresma: — Não posso deixar de louvar o sr. ministro do reino por ter apresentado este projecto de lei (apoiados); e o que peço a s. ex.ª é que na proxima sessão legislativa trate de dar á instrucção primaria o desenvolvimento promettido no seu relatorio (apoiados).
Não posso porém deixar de fazer alguns reparos relativamente a alguns dos artigos que s. ex.ª aqui apresenta.
No artigo 3.º, por exemplo, diz-se que as juntas de parochia podem aforar ou vender em hasta publica, precedendo auctorisação do conselho de districto, bens proprios ou baldios de logradouro commum, para, etc.