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Ora isto não póde sanccionar-se, nem devem abrir-se exemplos d'esta ordem, e isto é para todos os deputados; (Apoiados.) mas aggrava-se muito mais quando o deputado vem aqui pronunciar-se contra o governo que o julga pernicioso, que o considera obnoxio ao paiz, que lhe fulmina as maia fortes censuras de todos os modos e maneiras que póde, que declara que não tem a menor confiança n'este governo, que diz isto dia de hoje e no dia seguinte vae pedir e aceitar um logar de confiança d’esse mesmo governo, (Apoiados.) d’esse mesmo governo que elle fulminou! (Apoiados.) Hoje amaldiçoa o governo pelas más condições que diz darem-se n'elle, e ámanhã esse mesmo governo é um santo, e vae abraçar-se com elle e tomar parte n'essas maldades que na vespera lhe imputava. (Apoiados.) Podemos nós admittir similhante cousa? Não. (Apoiados)
Eu não quero que o governo seja tyrannico nem que seja exclusivo; não, senhor, não quero isso, não quero que o governo dê empregos só pelas côres politicas, não quero que olhe para isso; quero que attenda ao merito, que aproveite todas as intelligencias em beneficio do paiz, e que as vá procurar onde quer que ellas estejam. (Apoiados.) Esta é a doutrina que deve seguir, e se a não seguir graves inconvenientes virão d'ahi á republica. (Apoiados.) Mas por outro lado, quando vejo que nas praças, nas ruas, na imprensa, na camara, emfim, por todos os modos e maneiras se levanta a voz contra um governo, se diz que elle está atraiçoando os interesses do paiz, e se vota constantemente e sempre contra esse governo, isto hoje, e ámanhã apparece despachado para um logar de confiança esse mesmo homem que assim procedia contra o governo, isto repugna. (Apoiados.) Eu deixo isto á consciencia publica. (Apoiados.) Não digo mais nada. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)
O sr. Xavier da Silva: — Requeiro que se consulte a camara sobre se a materia do parecer n.º 21 está sufficientemente discutida. (Vozes: — Nada, nada.) Eu faço o meu requerimento, insisto n'elle, e a camara votará como quizer, approvando-o ou rejeitando-o. (Vozes: — Nada, nada.)
O sr. Presidente: - É um requerimento a respeito do qual eu não posso deixar de consultar a camara.
Consultada a camara, resolveu por 69 votos contra a materia não estava sufficientemente discutida.
O sr. Sebastião José de Carvalho: Sr. presidente, eu havia mandado para a mesa na sessão passada uma emenda no parecer da commissão, e não julguei nunca que ella fosse objecto da grande questão a que estamos assistindo.
A minha emenda era simples; reduzia-se a eliminar do parecer as palavras — sancção penal e a substitui las por outras, que no meu entender se conformavam mais com o espirito da lei.
Usando da palavra para sustentar a minha emenda, havia eu dito, quando ainda usava d’ella, que responderia aos argumentos que apresentasse o illustre relator da commissão, se porventura do rigor d'esses argumentos eu podesse concluir que de algum modo podiam pesar sobre o espirito da camara. Infelizmente porém essa argumentação não teve nem podia ter a importancia que seu auctor queria que se lhe désse, pois que apenas se reduziu a uma insistencia, inconveniente talvez, e seguramente escusada, sobre a redacção do parecer, redacção que se não podia justificar por nenhuma das disposições da lei eleitoral, nem por qualquer dos principios de direito criminal.
O que eu porém mais senti foi que, desviando-nos do que devêra ser principal objecto de discussão, entrássemos na apreciação de um facto que não era nem é da nossa competencia apreciar. (Apoiados.) Refiro-me claramente a todas as increpações que hontem e hoje têem sido dirigidas ao individuo de que trata o parecer, e sobre cuja conducta nós não podemos nem temos direito de pronunciar juizo algum. (Apoiados.) Quereis censurar o facto da nomeação a que vos referis? Tomae contas ao governo, que é só elle o responsavel. Se o acto não foi legal, tornae-lhe effectiva a responsabilidade, é d'elle o abuso, se tal abuso se deu; mas não incriminemos aqui factos que não somos competentes para avaliar. (Apoiados.) Se queremos arvorar-nos em zeladores da dignidade alheia, devemos principiar por zelar a dignidade do corpo a que pertencemos. (Apoiados.)
Sr. presidente, a lei eleitoral diz = que o deputado que aceitar um emprego do governo, perde o logar de deputado —; não commina pena alguma a esta aceitação. O que a lei quiz foi estabelecer a independencia do parlamento para com o governo; o seu fim na disposição a que nos referimos, foi para garantir essa mesma independencia, evitar que o deputado aceitando um emprego do governo, continuasse occupando uma cadeira n’esta casa. Dá-lhe por suspeita a sua independencia, por isso que o governo podia empregar este meio para lhe captar a benevolencia, ganhando-lhe o voto de deputado. A questão é de incompatibilidade e de incompatibilidade estabelecida na lei para garantir a independencia d'estes dois poderes publicos. Já se vê porém que a lei permitte, nem nem podia deixar de permittir, que o deputado aceite o emprego, e aceitando-o não lhe commina pena alguma por este facto, nem podia comminar, porque nenhuma lei o declara punivel. O contrario d'isto, porém, é o que se poderá deprehender das expressões do parecer da commissão. (Houve um áparte do sr. Mello Soares que se não ouviu.) Perdoe-me o illustre deputado, a apreciação de todos os seus discursos, de todas as suas orações n’esta casa, é de certo uma cousa difficil; será necessario um commentario seu, uma paraphrase a cada discurso e a cada oração, para saber se as suas palavras traduziam sempre a idéa do illustre deputado, e se foram o echo fiel dos seus sentimentos.
Sr. presidente, todos sabem que um individuo que occupa uma cadeira no parlamento e aceita um emprego que o governo lhe offereceu, procedendo assim pratica um acto cuja moralidade é do foro exclusivo da sua consciencia, nós não podemos pronunciar nem avançar qualquer juizo sobre esse acto; (Apoiados.) a camara não póde constituir-se em tribunal para julgar esta questão, (Apoiados.) por isso que ella não póde ser apreciada pelo parlamento; (Apoiados.) o juiz unico que se póde pronunciar sobre ella é a opinião publica. (Apoiados.) O mesmo illustre deputado o sr. Alves Martins o reconheceu quando disse = que a opinião publica era o juiz competente para se pronunciar sobre esse facto =; mas o parlamento por fórma alguma. (O sr. Alves Martins: — Apoiado.) E quando se quizer zelar a independencia dos deputados, é preciso não esquecer o poder; porque se a aceitação do emprego é uma corrupção, ha de necessariamente haver um corruptor, (Apoiados.) e esse corruptor é em tal caso o governo. (Apoiados.)
Sr. presidente, eu declaro francamente em quanto tiver a honra de occupar uma cadeira n'esta casa, não hei de aceitar emprego algum seja elle qual for. (Apoiados — Vozes — Muito bem.) Mas isso é uma questão pessoal, sou eu que penso assim, mas outros podem pensar de differente modo; eu penso assim, sei qual é a minha opinião, mas não ouso fazer juizo seguro quanto á opinião alheia, e muito menos incrimina-la, não sabendo que motivos a determinam.
Sr. presidente, eu estimava e desejava muito que a camara não continuasse n'esta questão collocada no terreno em que está collocada, (Apoiados.) não só porque não póde pronunciar juizo algum sobre ella, mas mesmo porque vejo que não podemos com dignidade estar aqui a accusar quem de mais a mais se não póde defender n'esta casa, (Apoiados.) e é não direi já uma injustiça, mas uma falta de generosidade dirigir censuras a quem não se póde justificar n’este logar.
O sr. Mello Soares: — Sr. presidente, quando ha pouco não fiz uso da palavra, tinha tenção de não tornar a fallar n’esta questão, porque é sempre com grande repugnancia que trato de questões pessoaes, mas o discurso que acaba de proferir o nobre deputado obriga-me a responder-lhe, mestrando a sem rasão com que architectou um castello de asserções, que nem eu proferi, nem a verdade dos factos comporta, e o que é mais, chegou ao ousio de invadir o amago das minhas intenções não para bom, mas para mau fim! Eu havia dito que a commissão exarára o parecer em discussão, entendendo a lei, e fazendo d'ella a applicação ao facto como