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os seus interesses e direitos, que o jornal trata de defender e salvar.

Quando o jornal ataca os poderes publicos, ou os seus representantes e delegados, porque uns infringem as leis, faltam ao cumprimento dos seus deveres, e outros atacam os direitos, ou causam prejuizos e damnos aos cidadãos: quem é que, n'estes casos, deve ser juiz do processo? O jury, Ou o correccional?

Nos paizes verdadeiramente livres é para o jury, para essa magistratura popular, completamente independente do estado, que se remettem os delictos da imprensa, quando esses delictos se classificam como injuria, diffamação, calumnia, finalmente qualquer ataque ou aggressão a funccionarios, magistrados ou empregados no exercicio de funcções publicas e em relação aos actos derivados d'essas mesmas funcções. E para o jury que se remettem estes chamados delictos da imprensa, e quaesquer ataques a systemas politicos e instituições. E sabe v. ex.ª porque se remettem para O jury estes delictos? É por aquillo que ha pouco acabou de dizer no seu bello discurso o sr. Levy. É porque quem julgar a imprensa apossa-se e fica senhor d'ella. E o que respondia em 1817 Camille Jordan aos partidarios systematicos do direito commum, e aos enthusiastas do stricti juris. É o que dizia na sessão de 17 de dezembro de 1817, no parlamento francez Camille Jordan, n'essa phrase sentenciosa e profunda que resume em si uma theoria inteira, e as excellencias indisputáveis da instituição democratica do jury sobre a alçada inquisitorial e summarissima do correccional.

«Quem dominar e influenciar a imprensa, dizia este illustre deputado francez, subjuga a opinião e pela opinião as eleições, as camaras e até muitas vezes os proprios governos, e por fim todas as nossas instituições e todos os nossos destinos.»

Ouça V. ex.ª agora o que a este mesmo respeito dizia Royer Collard, caracter grave e severo, a quem nem os proprios adversarios negam a solemnidade, o prestigio e a auctoridade da palavra: «Em cada processo de imprensa, com o escriptor comparece no banco dos réus a propria liberdade. A sua sorte está pendente da sentença que vae ser pronunciada, e que será sempre a pena capital contra a liberdade, ainda que não pareça ser senão uma pena insignificante contra o escriptor.»

Eis aqui porque eu sou partidario do jury. Eis aqui o que justifica o jury e prova a sua indispensavel e impreterivel necessidade.

Sr. presidente, não peço jury especial para a imprensa; contento-me com o jury commum; com o jury que o conde de Cavour respeitou no parlamento piemontez.

Quando o conde de Cavour, esse celebre e notavel homem de estado, a quem todos devemos prestar preito e homenagem, se apresentou na sessão de 5 de fevereiro de 1852 no parlamento piemontez, com um projecto de lei tendente a modificar a esphera e acção do jury, conservando-o para os delictos da imprensa dentro do proprio paiz, porque o que elle não queria era que o jury podesse apreciar os delictos contra os soberanos, ou chefe dos paizes estrangeiros, disse: «Eu quero que se conserve o jury para os delictos da imprensa, no que toca á apreciação de factos politicos, que se passam dentro do paiz; mas no que toca á apreciação de factos que digam respeito a governos estrangeiros, é ponto mais delicado, e não me parece que devam deixar-se dependentes do jury, porque podem da facil e prompta absolvição dos delictos, resultar certas complicações diplomaticas, até interrupção nas relações internacionaes que arrastem os paizes respectivos a conflictos serios.

Eu não peço jury especial; basta-me o jury commum, porque no jury commum basta o senso moral, como dizia Cavour, para apreciar os delictos de imprensa em factos de politica interior.

Ha dois seculos que estes principios e estas verdades foram proclamadas, e estão em pratica estes principios na Inglaterra.

Na França não ha publicista liberal, orador eminente, evangelisador do progresso, homem de estado, alguns d'elles até suspeitos a certos respeitos, não digo para a liberdade em geral, mas para certas garantias e instituições populares e democraticas, que não tenham prestado culto e homenagem á instituição do jury.

Royer Collard, Chateaubriand, Benjamin Constant, o duque de Broglie, Fiévée, Camille Jordan, Jules Simon, Bastiat, Garnier Pages, Emile Girardin, Maurice Block e muitos outros que seria impossivel enumerar, têem-se curvado perante este sagrado dogma da soberania popular.

E vem agora muito a proposito ler um trecho de Fiévée, que está citado a paginas 263 de Laboulaye, a respeito da liberdade de imprensa (leu).

Entre nós (é chegada a hora, sr. presidente, de eu pedir muito particularmente a attenção de v. ex.ª), entre nós, os defensores da instituição do jury foram os mais notaveis defensores e partidarios da soberania popular, e os mais illustres restauradores de 1820.

Basta citar os nomes de Bento Pereira do Carmo, André do Quental, Simões Margiochi, Hermano Braamcamp, Felgueiras, Mendonça Falcão, Soares Franco, Moraes Sarmento, Pinto de Magalhães, Guerreiro, Ferreira Borges, Ferreira de Moura, Barreto Feio, Alves do Rio, Gonçalves de Miranda, Serpa Machado, Borges Carneiro e Fernandes Thomás... Fernandes Thomás...

Pausa.

O Orador: — Senhor presidente, os filhos não podem renegar a obra de seus paes. A apostasia seria n'este caso o parricidio das idéas, a profanação sacrílega, a memoria maculada, o pó dos tumulos, impiamente revolvido por a mão d'aquelles que ao peculio dos dotes moraes e intellectuaes, com que a natureza dotou alguns que têem assento entre nós, têem obrigação moral, dever até imposto pela natureza de juntar o glorioso brazão, que a nobreza de seus honrados paes lhes legou (muitos apoiados).

O sr. Anselmo Braamcamp: — Peço a palavra.

O Orador: — Moraes Sarmento chamava á imprensa precioso monumento da genuina liberdade dos povos.

Dizia Xavier Monteiro: «Se não se der o jury aos delictos da liberdade de imprensa, acabou-se a liberdade de imprensa». Era assim que se exprimia este illustre restaurador na sessão de 2 de maio de 1821.

Eram estas as idéas d'esses grandes homens, d'esses partidos os acérrimos da soberania popular, que nos abriram a nó?, que devemos ser os seus discipulos, as veredas ainda então bastante tortuosas, difficeis e estreitas das liberdades politicas.

Estas idéas são ainda as de toda a Europa liberal, e as d'essas regiões alem do Atlantico, onde a liberdade é um direito, e o direito é um facto.

Estas idéas foram sempre a aspiração grandiosa dos dois maiores vultos politicos, que as revoluções populares têem gerado entre nós.

Passos Manuel e, José Estevão que podem coexistir perfeitamente a par um do outro; Passos Manuel e José Estevão, que podem sempre ser citados ambos ao mesmo tempo, sem que a honradez, a eloquencia, o patriotismo, a affeição sincera do primeiro pela liberdade e pela democracia, offusquem ou embaciem o brilhantismo oratorio, e as altas faculdades do segundo; Passos Manuel e José Estevão os primeiros tribunos d'este paiz, desde 1834 para cá; Passos Manuel e José Estevão as duas encarnações dos principias populares e democraticos de 1821, redivivos e continuados entre nós pelos dois movimentos nacionaes de 1836 e 1846; Passos Manuel e José Estevão foram sempre apostolos e martyres entre nós de todas as liberdades politicas, do direito de petição, collectivo ou singular, do direito de petição, fundamentado ou não fundamentado, do direito de reunião, e da instituição do jury nos delictos da liberdade de imprensa (muitos apoiados).

Diz alguem que o jury paralysa a acção das leis, que a sua repressão é sempre frouxa, e que a sua molleza e brandura não tem força para punir as demasias da imprensa. É verdade. Mas tambem é verdade que muitas vezes se leva perante o jury delictos que o não são. Os governos pretendem, não raro, transformar o jury em instrumento da sua politica, e o jury, que não é senão instrumento dos fóros e franquias populares, reage e responde, n'estes passos, aos governos, absolvendo os delinquentes politicos. É preciso não ignorar esta parte da historia.

A missão do jury, em delictos da imprensa, é punir a injuria, até mesmo a injuria, a diffamação, a calumnia, contra o governo, e quaesquer funccionarios, os ataques ás instituições politicas, e de outra qualquer natureza, a provocação á revolta, e outros delictos ou crimes, como este, e tanto mais raros quanto os ministros menos se afastam do programma liberal, que desgraçadamente esquecem, quasi sempre, no dia immediato Aquelle em que subiram ás cadeiras do poder. Sejam os governos justos e liberaes, e veremos diminuir os crimes da imprensa, as suas violencias e demasias. Não é a repressão que os mata, é a moralidade e a justiça do governo que os evita.

Eu agora, sr. presidente, tambem vou ser reaccionario. Quero um systema preventivo para a imprensa. E sabe v. ex.ª em que consiste esse systema preventivo? Consiste na justiça bem distribuida por parte do governo e seus agentes a todos os cidadãos; no respeito da liberdade; na distribuição recta, proporcional e equitativa do imposto; na economia severa, e na fiscalisação exacta dos haveres da nação; no respeito pela bolsa do contribuinte, no respeito pela propriedade alheia. Aqui tem v. ex.ª qual é o meu systema preventivo para a imprensa. Quando os governos fizerem aos povos todas estas concessões; quando lhe garantirem todos estes direitos, podem dormir descansados á sombra da liberdade, e não precisam entretecer de artigos suspeitos os seus projectos de lei sobre liberdade de imprensa (apoiados).

Sr. presidente, reconheço que o jury não é uma instituição perfeita; mas todas as instituições têem uma aprendizagem, e é necessario ter paciencia para esperar. Toda a aprendizagem é mais ou menos longa.

Eu bem sei que para haver bom jury em delictos de imprensa é preciso haver costumes politicos, e para haver costumes politicos é preciso que haja a pratica da liberdade. Mas a liberdade não se fortifica, debilita-se antes, quando se encadeia a imprensa. Eu quero pois o jury, apesar de todos os seus defeitos, porque, como diz Laboulaye, só o jury nos pôde dar jurados.

A imprensa é a pedra de toque do verdadeiro liberalismo. Quem tem medo dos jornaes, e não vê o papel que representam na moderna civilisação, ou não ama a liberdade ou não a comprehende (apoiados).

Sr. presidente, as minhas exigencias reduzem-se a pouco, e formulam-se em poucas palavras: quero o jury, não prescindo d'esta nobre, generosa e democratica instituição, em todos os delictos, crimes ou contravenções politicas da imprensa, como são, entre outros, o ataque aos poderes constituidos, á constituição do estado, e a analyse severa, violenta, injuriosa, dos actos governativos dos ministros, e de quaesquer magistrados ou funccionarios no exercicio das suas funcções, e por actos que digam respeito a essas mesmas funcções (apoiados).

Sr. presidente, está longe de mim atacar ou tratar aqui de pessoas. Os juizes, como pessoas, são todos para mim muito respeitaveis. Conheço muitos; sou amigo de alguns, e tenho-os a todos por pessoas muito capazes, e alguns d'elles sei eu que são muito liberaes. Trato de instituições e não de homens. Não me levanto contra pessoas; rejeito apenas a alçada correccional para os crimes da imprensa. Para as offensas e crimes privados haja a policia correccional, mas para os delictos politicos da imprensa quero que haja sempre a instituição do jury.

Sr. presidente, diz-nos o relatorio da commissão, no fundo da sua primeira pagina: «Emfim o codigo penal legislando para todos os crimes não julgou dever esquecer os da imprensa, e incriminou-os especialmente nos artigos 130.°, 160.°, 169.°, 407.°, 408.°, 409.°, 410.°, 411.° e 486.°»,

Nada tenho a dizer ao artigo 130.°, quando se refere ás penas, que correspondem aos ataques á religião do estado, commettidos por via da imprensa. Se a pena excede a ai; cada do juizo correccional, como creio que excede; se o crime a que corresponder a pena de um até tres annos de prisão tiver de ser julgado pelo jury, como está determinado nos artigos 1.° e 2.° da carta de lei de 18 de agosto de 1853, que modificou ou alterou n'esta parte, e com applauso do partido liberal, as disposições draconianas, que parecem prestes a resuscitar entre nós, dos artigos 5.° e 6.º do decreto de 10 de dezembro de 1852: eu não me revolto, n'este ponto, contra a lei.

Só lamento que fosse obrigado pela commissão a ler um artigo de um codigo penal portuguez que, em pleno seculo XIX, é em algumas das suas disposições, e n'outras de artigos subsequentes, o mais atroz e violento ataque á liberdade de consciencia. Quando se me ía dilatando o espirito, n'estes gosos ineffaveis, que nos gera n'alma a leitura de alguns trechos do relatorio, que é a imaginação photographada, seja-me permittida a phrase, do poeta mimoso, e do liberal sincero que o esboçou ou escreveu, veiu uma nuvem de tristeza carregar-me e affligir-me no coração. Quando abri o codigo penal, e vi o artigo 130.° e subsequentes, para os quaes nem um leve reparo saíu da penna brilhante do imaginoso relator; vi, com grande magua, aos pés da liberdade de imprensa, que se guindava no relatorio, em vôos de aguia, ás eminencias do culto mais respeitoso e delicado — prostrada e esmagada uma outra liberdade, não menos nobre, não menos sagrada, não menos respeitavel, a liberdade religiosa, o direito da consciencia, funebremente amortalhado no artigo 145.°, § 4.° da carta constitucional!!

Pelo que respeita aos artigos 160.° e 169.°, tambem nada tenho que dizer, visto que a pena correspondente aos delictos praticados contra os soberanos estrangeiros, ou contra as pessoas dos nossos réis, está entregue ao jury. Não me revolto contra estes artigos, pelo contrario, acato-os. Desejando que todos estes delictos, a que me tenho referido, sejam entregues ao julgamento do jury, não faço com isto offensa aos juizes correccionaes. E uma crença, é uma convicção que tenho e que me leva a alargar a esphera do jury, e restringir a da policia correccional. Outros illustres deputados hão de ter opiniões contrarias; respeito-as, como espero que respeitem as minhas. É tal o horror que tenho, sr. presidente, á alçada correccional, que quando sou mandado pela commissão ler um artigo do codigo penal, levo commigo o desejo até á anciã, de encontrar lá uma pena maior, uma pena superior á alçada do juiz correccional, para que os desvios e demasias politicas da imprensa possam ser julgados, salva a injuria ou diffamação particular, pelo jury (apoiados).

Vamos aos artigos 407.°, 408.° e 409.° do codigo penal. Estive quasi a desistir de fallar n'isto. Tinha, e ainda tenho graves apprehensões sobre a doutrina e disposições d'estes artigos, que infelizmente foram confirmados pela exposição que ha pouco fez o meu illustre amigo o sr. Levy. Mas por essa occasião deprehendi, que alguns dos defensores do projecto em discussão interpretam ou explicam a doutrina do codigo por um modo mais liberal e era harmonia com os meus desejos. Estou pois vacillante, e peço ao nobre ministro e á commissão que me esclareçam sobre este ponto. Quero saber qual é a verdadeira doutrina e jurisprudencia do nosso paiz, a respeito dos crimes mencionados nos artigos 407.°, 408.° e 409.° do codigo penal.

Peço perdão aos homens competentes de tocar n'estas materias. E eu chamo competentes não só ao sr. ministro da justiça, talento brilhante, homem de uma alta perspicacia, e de grandes faculdades, para entrar primorosamente n'estas questões: mas tambem a todos os illustres membros da commissão de legislação, e a todos os jurisconsultos da camara.

Os artigos citados do codigo penal punem a diffamação publica pela imprensa contra qualquer pessoa indistinctamente, com a pena de seis dias a seis mezes de prisão. O crime consiste no facto da diffamação da honra e consideração de qualquer, ou na sua reproducção. E uma cousa vaga, indeterminada, obscura, ou antes por tal fórma latitudinaria, que confunde na mesma especie o individuo particular com o funccionario no exercicio das suas funcções. Contra este arbitrio, e que a mim se afigura como tal, é que eu me revolto. Quero a punição d'estes crimes, mas com intervenção do jury, quando o aggredido for um funccionario no exercicio das suas funcções. É verdade que se admitte a prova contra o funccionario, prova que se for aceita e admittida como tal, pelo juiz correccional, já se vê, dá a absolvição ao delinquente. Mas se o juiz não aceita a prova, a pena é superior, porque vae de dois mezes a dois annos de prisão, e o réu é punido como calumniador. N'esta hypothese perante quem é julgado o delinquente? Perante o juiz correccional ou perante o jury?

Vozes: — São os jurados.

O Orador: — São os jurados! é isso mesmo que eu desejo, e que eu quero; mas não é assim que o entendem muitos jurisconsultos d'esta casa, a quem tenho ouvido discorrer sobre a materia, e tambem creio que ha tribunaes e juizes que não entendem a questão pela fórma por que a entendem os illustres deputados que responderam á minha interrogação. Eu sou leigo n'estas materias. Desejo pois esclarecer-me e justificar o meu voto. É esta a rasão por que eu