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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

Projecto de Lei para a abolição do trafico da Escravatura nos Dominios Portuguezes.

Artigo 1.º O Commercio de exportação de Escravos, seja por mar, ou por terra, fica prohibido em todos os territorios da Monarchia Portugueza, desde o dia em que na Capital de cada um delles fôr publicada a presente Lei; e isto, ou esses territorios sejam ao norte, ou ao sul do Equador, ou sejam mesmo aquelles em que este Commercio tenha ficado licito, pelo Tractado de 22 de Janeiro de 1815, e Convenção addicional de 28 de Junho de 1817.

Art. 2.º É igualmente prohibida nos mesmos territorios a importação de Escravos, por mar, ficando com tudo permittida a importação delles por terra.

Art. 3.º Os filhos e filhas dos Escravos, habitantes nos territorios Portuguezes, que nascerem do dia da publicação desta Lei em dian-

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te, nascerão por beneficio della inteiramente livres, posto que suas mãis sejam escravas, ficando os senhores destas obrigados a mante-los até á idade de 13 annos, sob pena da perda destas mesmas Escravas, que serão declaradas livres, e de uma multa de vinte a quarenta mil réis em cada caso, multa que será applicada em favor das mesmas Escravas libertadas.

Art. 4.º Para evitar a fraude que póde haver a respeito dos Escravos existentes ao tempo da publicação da presente Lei, todos os senhores delles serão obrigados nos primeiros quinze dias posteriores ao da publicação, a apresentar na Camara Municipal do Districto em que forem domiciliarios, uma relação dos Escravos que possuirem, com declaração do seu sexo, idade, e signaes, e dentro de cincoenta dias os proprios Escravos, para que verificando-se a sua identidade e existencia, possam ser matriculados em um Livro para isso destinado. Passados os sessenta e cinco dias destes dous prasos, uma certidão extrahida deste Livro, de que o individuo que a requer se não acha nelle matriculado, lhe servirá de Carta de Alforria. A matricula, e as certidões que della se passarem serão gratuitas.

Art. 5.º A venda, troca, ou doação dos Escravos assim matriculados feita da publicação desta Lei em diante, fica permittida, e será válida sendo o comprador, ou permutantes domiciliarios nos territorios da costa oriental, e occidental da Africa, uma vez que seja feita por escriptura pública, e essa averbada em oito dias no respectivo Livro em que estiver a matricula do Escravo, ou Escravos vendidos, trocados, ou doados. Se faltar esta averbação, a certidão da sua falta, e a apresentação da escriptura de venda, servirão ao Escravo, ou Escravos vendidos, trocados, ou doados, de Carta do Alforria.

Art. 6.º A mudança de dominio dos Escravos, por via de successão, será igualmente averbada na matricula, dentro em quinze dias contidos da entrega dos Escravos. Se faltar esta averbação, a certidão da sua falta, e a do formal de partilhas, servirá aos Escravos, de Carta de Alforria,

Art. 7.º Quando morrer algum dos Escravos assim matriculados, o senhor delle, em quinze dias seguintes ao da morte, será obrigado a dar parte á Camara Municipal, para lhe dar baixa na matricula. A transgressão deste artigo será punida com a perda de um Escravo, por cada Escravo, cuja morte não tiver participado, o qual será escolhido pela competente authoridade, entre todos os que possuir, e este será desde logo declarado livre. O transgressor que não possuir Escravo algum, pagará uma condemnação de 160$000 reis.

Art. 8.º No caso de algum subdito Portuguez, ou outro algum colono querer passar dos Estabelecimentos de Portugal na costa oriental, e occidental da Africa com os Escravos que possuir para qualquer outra possessão Portugueza na mesma costa oriental, ou occidental da Africa, terá a liberdade de faze-lo debaixo das condições seguintes:

1.ª De se apresentar com a Certidão da matricula dos escravos que pretender levar, e com os mesmos escravos ao Director da Alfandega do Districto donde sahe, para que este verifique a identidade delles:

2.ª Prestar perante o mesmo Director da Alfandega fiança idonea, e correspondente ao duplo do valor dos mesmos escravos, de que effectivamente os ha de desembarcar no logar onde declarar que vai estabelecer-se.

Art. 9.º A certidão da matricula será registada nos Livros da Alfandega com declaração de se ter verificado a identidade dos escravos, e depois de se ter assignado a fiança se notará na mesma Certidão de matricula a sua verificação na Alfandega, a fiança que se prestar, e o logar para onde se effectua a mudança, entregando-se depois á parte para lhe servir de titulo.

Art. 10.º Uma Certidão de registo que se fizer na Alfandega será pelo Director della enviada em carta fechada, e de officio ao Presidente da Camara Municipal do Districto em que o proprietario dos escravos declarou ir residir: o Presidente da Camara Municipal desse Districto, não se lhe tendo apresentado o proprietario desses escravos dentro em seis mezes da data da Certidão do registo d'Alfandega, o participará officialmente ao Director da Alfandega que lhe tiver remettido a Certidão, para que este requeira pelos meios competentes que se faça effectiva a fiança com o pagamento da quantia affiançada, que será applicada como determina o Artigo 15.º O fiador só no caso de provar naufragio, ou morte do seu affiançado poderá ser absolvido.

Art. 11.º O proprietario dos escravos que assim mudar de domicilio logo que chegar ao logar do seu destino se apresentará á Camara Municipal do Districto com os escravos, e respectiva Certidão da matricula delles averbada pela Alfandega donde sahiu, para que a mesma Camara lha faça registar, tendo verificado a identidade dos mesmos escravos, e lhe dê Certidão da apresentação para com ella poder requerer o levantamento da fiança que prestou no logar donde sahiu.

Art. 12.º Não se darão passaportes aos navios mercantes para a costa oriental e occidental da Africa, sem que seus donos, Capitães, ou Mestres, tenham assignado termo de não receberem a bordo delle escravos alguns que não sejam os que pelo Art. 8.º desta Lei é permittido transportar de um logar para outro na mesma costa d'Africa. A transgressão deste Artigo será punida com cinco annos de galés, e com uma mulcta igual ao valor do navio, applicada metade em favor dos escravos libertados por beneficio desta Lei, e metade para os denunciantes.

Art. 13.º Nos passaportes que se derem aos navios mercantes para a costa oriental e occidental da Africa irá sempre expressa a clausula, de que sendo encontrados em contravenção a esta Lei peias embarcações de guerra Portuguezas estas o poderão aprezar.

Art. 14.º Os Capitães dos navios mercantes Portuguezes que forem a qualquer dos portos da costa oriental e occidental da Africa, logo que fundearem serão obrigados a mandar ao Director da Alfandega respectiva o passaporte do navio: o Director da Alfandega o conservará em seu poder até ao dia da sahida do navio; neste dia o entregará a um dos Officiaes da mesma Alfandega que mereça a sua confiança, e pelo qual responderá, para que este passando a bordo do navio, e tendo achado pela revista que deve passar, que elle não conduz escravos, o entregue ao Capitão no acto de se fazer de véla, e depois de ter suspendido: e de assim o haver cumprido dará parte por escripto ao Director da Alfandega, que a fará guardar no archivo della.

Art. 15.º Qualquer contravenção ao disposto nesta Lei é declarada crime publico, e a sua accusação é da obrigação especial dos Procuradores Regios, e seus Delegados, e Sub-Delegados, e competente além disso a qualquer pessoa do povo.

Art. 16.º As transgressões desta Lei serão punidas com a perda dos escravos que forem o objecto destas transgressões, os quaes ficarão desde logo livres; com a perda do transporte em que os mesmos escravos forem conduzidos; com a pena de cinco a dez annos de Galés; com uma mulcta igual ao valor dos escravos, applicada esta, e mais o valor da embarcação em beneficio dos apresadores, e denunciantes.

Art. 17.º Nas transgressões desta Lei, não ha prescripção para o conhecimento especial dellas, e imposição das penas.

Art. 18.º Os Juizes de Direito dos respectivos Districtos, serão os competentes para tomar conhecimento das transgressões a esta Lei; mas das suas sentenças, appellarão sempre por parte da Justiça para o Supremo Tribunal de Marinha do Reino, excepto nos casos mencionados no artigo em que julgarão sem appellação.

Art. 19.º Os Consules, e Vice-Consules de Sua Magestade Fidelissima, em qualquer porto a que forem os navios portuguezes, são encarregados da execução da presente Lei, e achando alguma contravenção a ella, poderão requerer á authoridade do paiz o embargo no navio, e prisão dos culpados, fazendo depois remetter o navio, presos, e carga ao Ministerio da Marinha, para mandar tomar de tudo conhecimento pelo Auditor Geral della. O Consul, ou Vice-Consul, a quem se provar omissão na execução deste artigo, será punido com a perda do seu emprego, e inhabilidade para servir outro qualquer, o que se fará publico pela Imprensa Official.

Art. 20.º A presente Lei será publicada na fórma do costume pelos Governadores dos Dominios Ultramarinos, logo que por elles fôr recebida, mas dando além disso um exemplar della a cada uma das Camaras, ás respectivas Alfandegas, e aos Juizes de Direito. Pelo Ministerio dos Negocios Estrangeiros será remettido um exemplar aos Consules, e Vice-consules de Portugal em todos os paizes.

Art. 21.º Ficam revogadas todas as Leis em contrario, etc.

Camara dos Pares, 26 de Março de 1836. = (Assignado) Visconde de Sá da Bandeira.

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