O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 29

porém, a dizer-se que se póde dar o caso de ser superior a um artigo da carta vae uma grande differença, porque nem mesmo os decretos podem alterar a constitucionalidade dos seus artigos assim designados.

Sr. presidente, ainda ha uma terceira classe, é a d'aquelles que aceitam graças, pensões, ou o serviço estrangeiro, os quaes não podem adquirir o direito de cidadãos portuguezes sem uma graça especial do rei por meio de um decreto. E tanto é assim, que o codigo penal (para estes já não é o codigo civil, é o penal) no seu artigo 155.° diz:

«Todo o portuguez que se naturalisar em paiz estrangeiro ou que aceitar condecoração ou emprego de uma potencia estrangeira sem auctorisação do governo, será condemnado na pena da perda dos direitos politicos». Note v. exa. que este artigo é do capitulo 2.°, que diz: «Dos crimes que offendem os interesses do estado, em relação ás nações estrangeiras».

Ora, quem são os condemnados, são os innocentes? Não. São os criminosos, e é um crime de lesa nação o abandonar o paiz.

Diz mais o artigo 155.°, § 1.°:

«Se aceitar serviço sem auctorisação do governo em navio estrangeiro de guerra ou mercante, será alem da referida pena condemnado em prisão correccional.»

Perguntarei eu agora a v. exa. se um individuo que está n'estas circumstancias póde ter mais direitos politicos do que um estrangeiro naturalisado?

Ora, eu declaro que se os meus collegas me provarem que o estrangeiro naturalisado deve ter menos direitos politicos do que o portuguez rehabilitado, descreio da minha rasão e da minha intelligencia.

Parece-me, sr. presidente, que tenho provado que existem tres classes de naturalisados. A qual d'estas tres, classes, porém, pertence o sr. marquez de Penafiel? A primeira evidentemente, porque serviu quarenta annos o imperio do Brazil, apresentando-se depois á camara municipal e ao governo para que o rehabilitassem como cidadão portuguez. Rehabilite-se, muito embora, mas essa rehabilitação não póde invalidar o que se acha expresso na carta. Os naturalisados não podem, segundo a constituição, occupar os logares da representação nacional, nem os de ministros ou os de conselheiros d'estado; e podendo os pares do reino ser chamados a todos estes logares, iriamos estabelecer uma flagrantissima contradicção, que era serem os estrangeiros naturalisados aptos para serem ministros e conselheiros d'estado!

Sr. presidente, tenho ouvido tambem fallar, não sei aonde, no artigo 74.° da carta. Se o rei não tivesse a sua acção restricta pelos principios constitucionaes, nós teriamos um governo absoluto, e não se precisa da reforma da carta para se dizer que a vontade do rei é limitada. Ninguem reconhece essa vontade sem que seja referendada por um sr. ministro, e ninguem é obrigado a obedecer a qualquer disposição que não seja referendada por um conselheiro da corôa. Para isto não é preciso reforma, está expresso claramente na carta. O rei nomeia quando os ministros aconselham, e estes tomam a responsabilidade. Se o conselho foi mau, a responsabilidade é d'elles, se o conselho foi bom, louva-se o rei. A pessoa do rei é inviolavel; não é preciso vir aqui para as discussões, temos os responsaveis, que são os ministros. Repito, a pessoa do rei é sagrada, mas não é absoluta, e os artigos 102.° e 103.° da carta constitucional nos dizem que a ordem por escripto ou vocal do rei não livra os ministros da responsabilidade, por isso não obriga, constitucionalmente fallando, sem a assignatura dos srs. ministros.

Não quero alongar-me mais porque não posso, falta a saude. Se o sr. marquez de Penafiel é estrangeiro naturalisado, nenhum dos meus collegas de certo contesta o direito que temos de o repellir, porque não póde ter assento n'esta casa: se o sr. marquez de PPenafiel é portuguez (note bem a camara) rehabilitado, eu, em minha consciencia, entendo que, por nenhum principio da carta constitucional, nem pela sua theoria, nem pelo seu espirito, elle póde occupar um logar de tanta confiança: parece que aquelle que duas vezes se desnaturalisou não póde ter mais direitos que o estrangeiro naturalisado.

Sr. presidente, falla-se tambem no artigo 7.° da carta constitucional. Ora, a carta foi feita em 1826, e n'esse tempo ainda não havia rehabilitados; como podia pois tratar de uma cousa que não existia. Quarenta annos depois é que veiu o decreto de 1836; o codigo civil e o penal não se referia a elles de certo.

Em 1826 não havia senão estrangeiros naturalisados, era a unica especie que então havia, e por isso é só d'ella que trata a carta. Eu, se abandonasse a patria, se me fizesse estrangeiro, era para sempre. Não tenho essa tentação; mas se a tivesse, se um dia me desnaturalisasse e procurasse outro paiz, não teria coragem de aqui voltar a solicitar a minha rehabilitação, disputando direitos que não tinha, nem confiança constitucional que a carta me negava por me ter desnaturalisado.

Termino o que tinha a dizer, pedindo desculpa pela franqueza, talvez demasiada, com que expendi a minha opinião. Não sei mesmo se incorri em muitas e graves faltas: mas fui sincero; e o que desejo sobretudo é que a illustre commissão, a que alludi, creia que tenho por ella toda a consideração e respeito. Foi no rigoroso dever que tenho de sustentar as minhas idéas que me referi á falta que notei ao meu nobre amigo, o sr. Moraes Carvalho. Quanto ao sr. marquez de Penafiel, repito o que disse no principio das minhas considerações, que era cavalheiro a quem se deviam muito respeito e attenções; mas em questões de interesse publico e constitucional só devemos attender aos bons principios consignados na lei fundamental e ao espirito das suas disposições. Entendo que cumpri o meu dever nas observações que fiz, e de certo ninguem m'o levará a mal. A minha saude e incommodos não me permitte dizer mais, nem devo abusar da benevolencia e favor da camara com que me honra.

O sr. Moraes Carvalho: - Encarando a questão em these, invocou o testemunho de varios escriptores de reconhecido merito em direito publico constitucional, e nomeadamente Silvestre Pinheiro Ferreira, para justificar o parecer da commissão; e considerando a hypothese presente, disse que perfeitamente conhecia os documentos que os dignos pares têem impressos diante dos olhos, e que por isso a commissão não podia dar outro parecer differente do que já dera.

Comparando esses documentos com o decreto de 22 de outubro de 1836 e com a carta constitucional, entendia que o sr. marquez de Penafiel não carecia do decreto de 5 de fevereiro de 1869 para rehaver todos os direitos, assim civis como politicos, de cidadão portuguez pelo facto da sua declaração perante a camara municipal de Lisboa em 14 de fevereiro de 1861, como cidadão portuguez rehabilitado, e podia ser n'essa qualidade par do reino, tanto mais que poderia tambem se-lo como estrangeiro naturalisado, por não estar comprehendido na letra das excepções. Mas como aqui não ha essa especie, e simplesmente a de portuguez rehabilitado, n'essa insiste para sustentar o parecer da commissão.

O sr. Reis e Vasconcellos (sobre a ordem): - Sr. presidente, pelo que acabei de ouvir dizer ao illustre relator da commissão, fico certo de que lhe foram presentes os documentos que acompanham o seu parecer, e que os considerou com toda a attenção. Portanto, creio que cessa a rasão que tive para fazer a minha proposta, e então inclino-me a retira-la, e parece-me que deve continuar a discussão sobre o parecer da commissão. Entretanto a camara resolverá como entender mais conveniente. Pela minha parte porém não insisto na minha proposta depois do que disse o sr. relator da commissão, e peço licença á ca-