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CAMARA DOS DIGNOS PARES

SESSÃO EM 26 DE JANEIRO DE 1864

PRESIDÊNCIA DO EX.MO SR. CONDE DE CASTRO

VICE-PRESIDENTE

Secretarios, os dignos pares

Conde de Peniche

Conde de Mello

(Presentes os srs. ministros da marinha e da guerra.)

As duas horas, achando se reunido o numero legal de dignos pares, declarou o sr. presidente aberta a sessão.

Lida a acta da precedente, foi approvada, em conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Deu-se conta da seguinte correspondencia:

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, communicando terem ali sido adoptadas as emendas feitas por esta camara na proposição de lei concedendo certas vantagens aos officiaes inferiores e praças de pret que serviram a junta do Porto.

O sr. Presidente: — Acha-se na ante sala o sr. bispo de Vizeu, para prestar juramento e tomar assento n'esta camara. Nomearei, para o introduzirem na sala, os dignos pares visconde da Vargem da Ordem e Reis e Vasconcellos.

(Introduzido na sala o ex.mo e rev.mo sr. bispo prestou o juramento do estylo, e tomou assento.)

O sr. Presidente: — Vou lêr o projecto de resposta ao discurso do throno (leuo). Está assignado pelos tres membros da commissão. Manda-se imprimir para ser distribuido competentemente.

O sr. Marquez de Vallada: — Expoz que achando se presente o sr. ministro da guerra, e tendo elle orador na passada sessão dirigido para a mesa uma nota de interpellação a s. ex.ª, presumia já lhe haver sido enviada, e n'estes termos achar-se o sr. ministro já habilitado para lhe responder.

O sr. Presidente: — Não estou ainda informado se já se expediu essa nota de interpellação.

O sr. Ministro da Guerra (Ferreira Passos): — Estou prevenido.

O sr. Presidente: — Pelas expressões do sr. ministro vejo agora que o está.

O sr. Marquez de Vallada: — Declara que esperará que o sr. ministro, lhe declare se está habilitado para responder.

(Signal afirmativo do sr. ministro da guerra.)

O Orador: — Usando então da palavra, expoz que principiaria por dizer que sentia bastante ter, na primeira occasião em que se encontrava com o sr. ministro da guerra no parlamento, de fazer algumas censuras relativamente ao procedimento politico, e só politico de s. ex.ª, na parte que diz respeito aos negocios da secretaria que o nobre ministro dirige. E de certo com muita repugnancia que por tal modo se dirije a um homem tão cavalheiro como s. ex.ª, em toda a extensão da palavra; tanto mais quanto que o nobre ministro tem d'elle orador recebido, fóra d'esta casa, testemunhos insuspeitos de consideração, testemunhos que sempre presta aos homens honrados, e que se abstém de dar áquelles que julga não o serem.

Sente sobre modo que um cavalheiro, a quem tanto respeita, apresentasse na outra casa do parlamento uma medida, que pela sua fórma tó podia ser apresentada em tempo de governo absoluto, e de maneira alguma n'um paiz onde o governo representativo ainda felizmente nos rege. Emquanto vivermos sob o regimen constitucional, parece-lhe que não se deve consentir que os ministros da corôa ultrapassem os limites que a constituição lhes marca, e trilhem um caminho inteiramente opposto aquelle que se segue nos paizes constitucionaes.

O sr. ministro da guerra propoz que fosse annullado o decreto promulgado pelo seu antecessor. Ora, parece-lhe não ter muito annullar. Uma lei não se annulla, revoga-se. Está convencido que o nobre ministro sabe perfeitamente que a accepção da palavra revogar é completamente differente da palavra annullar.

Não entrará n'esta occasião no detalhe do direito e jurisprudencia, para corroborar com argumentos que são óbvios, esta asserção que apresenta. Depois de se admirar porém de que este facto fosse praticado pelo sr. ministro da guerra, a sua surpresa subiu de ponto quando leu a portaria que a tal respeito foi enviada aos corpos do exercito.

Parece-lhe que o sr. ministro da guerra não póde suspender as leis, porque esse direito não lhe é concedido pela constituição.

D'aqui conclue elle, orador, que se caminha a passos agigantados para o absolutismo.

E necessario dize lo bem alto, e não havia ainda muito, parece lhe ter sido nos ultimos dias da sessão passada, que expozera haver uma conspiração para acabar com todos os direitos, para postergar todos os principios que servem de base ao nosso codigo venerando, ao codigo que ainda feliz mente nos rege. Cumpre pois a todos os homens que têem assento no parlamento, levantarem bem alto a sua voz, a fim de assentar um dique a estas diligencias que se fazem, para serem neutralisadas quaesquer tentativas, venham ellas d'onde vierem.

Por muitas vezes tem elle, orador, levantado a voz, para defender os direitos da corôa contra os attentados d'aquelles que pretendem insultar os monarchas, dos que pretendem cercear as suas prerogativas e acabar com os seus direitos, para sobre as ruinas da monarchia estabelecerem o governo da republica, ou para melhor dizer da anarchia. Não deseja absolutismo, venha elle d'onde vier, seja com quem for: ha de combate-lo, quer provenha do governo ou das praças publicas, quer das camarilhas ou dos clubs revolucionarios.

De qualquer parte d'onde saia a conspiração, é preciso suffoca-la. Bem sabido é que sempre ergue seu brado, quando vê os clubs revolucionarios pretenderem arrogar-se o governo do estado; os clubs revolucionarios, esse poder occulto que em toda a parte quer atacar as leis do paiz! Não poucas vezes tambem, tem chamado a attenção dos governos para castigarem 03 insultos feitos aos nossos Reis; ao Senhor D. Pedro V, á Senhora D. Maria II, ao Senhor D. Luiz I, e ao Senhor D. Fernando. Não procede elle, orador, assim, porque pretenda alguma cousa. Muitas vezes o tem dito, e de novo agora repete, ser esta a sua norma de conducta, por entender que tal é sua obrigação, cumprindo fielmente e á risca o codigo que nos rege, e ao qual todos devem submetter se. A justiça é a primeira lei, a carta o nosso primeiro codigo, e por isso devem todos respeitar a justiça e a carta.

N'este ponto pede licença ao nobre ministro para lhe fazer sentir que taes são os principios d'elle, orador, e as doutrinas que sempre tem sustentado. Há propugnado sempre pela doutrina de que o Rei, reina e governa pela carta constitucional. Reinar e governar é a mesma cousa; e o Rei, segundo a carta, exerce o poder moderador. O Rei, pois, governa e reina, pela carta e segundo a carta; e os dignos pares estão reunidos tambem na camara para exercerem o seu direito, segundo a carta; mas esse direito, receia elle, orador, que seja cerceado, não se permittindo aos oradores elevarem d'aquelle recinto a sua voz.

Prosseguindo no objecto da sua interpellação affirma por sua parte lamentar que se ordenasse assim a suspensão de uma lei. O sr. ministro devia esperar que o projecto fosse votado na camara electiva, que viesse á camara dos pares e fosse sanccionado pelo monarcha, porque só depois d'isto podia ser considerado como lei do estado. Acaso temeria s. ex.ª uma revolução militar? Segundo parece a lei ía ferir muitos interesses e não admirava que se temesse uma conspiração. É necessario que se note que elle, orador, não quer dizer que approva a lei, nem igualmente pretende fazer a apologia d'ella. Sente, comtudo, que o sr. visconde de Sá não esteja presente, porque desejava que s. ex.ª lhe desse as convenientes explicações sobre a rasão por que saíu do ministerio. Tão repentina saída fez presuppor que houvesse receio de algum movimento! Pela sua parte elle, orador, presume que não se descobriu conspiração alguma; mas se se descobriu pede ao sr. ministro da guerra o declare.

Deseja saber se o sr. visconde de Sá saíu em consequencia de opposição que se fizesse á lei, ou se foi por temer algum poder occulto que quizesse derribar do poder ao sr. ministro da guerra.

Nota igualmente que sendo aquelle decreto assignado tanto pelo sr. visconde de Sá, como pelo sr. Braamcamp, o sr. visconde de Sá saísse primeiro, quando parece que ambos o deveriam fazer ao mesmo tempo! O sr. visconde de Sá, saíu primeiro e d'ahi a tres dias foi que saíu o sr. Braamcamp. Era por esta circumstancia que suppunha haver alguma rasão especial, que carecesse de explicação da parte do sr. visconde de Sá.

E de s.e ignorarem os motivos que actuaram no animo dos ministros que saíram, para o procedimento que elle orador acaba de apontar, que geralmente todos estão perplexos e hesitantes na marcha, a seguir, e na apreciação verdadeira da situação em que nos achamos, da natureza do terreno que pisamos e da athmosphera que nos rodeia; pelo que o sr. ministro da guerra não duvidará talvez dar as explicações pedidas, para não se ficar em duvida se continuamos a viver debaixo do governo constitucional, em virtude da carta, outhorgada pelo sr. D. Pedro aos portuguezes, ou se acaso é mister ensaiar outro modelo de governo; que se não comportará, de certo, com os desejos e aspirações da nação, que unicamente pretende o governo constitucional; que é um regimen de publicidade e garantias.

Resumindo, pois, dirá ao nobre ministro, que s. ex.ª não devia empregar a palavra = annullar =; nem mandar suspender uma lei para o que não estava auctorisado, e que s. ex.ª suspendendo e annullando esta lei, ainda não deu as necessarias explicações, quando negocios tão importantes quaes este devem ter uma explicação.

Espera a resposta de s. ex.ª ás preguntas que lhe dirigiu como homem politico para homem politico, porque como homem particular, certo estará s. ex.ª de que tem pela sua pessoa toda a consideração.

Deseja portanto que o nobre ministro lhe diga se houve alguma conspiração que motivasse a saída d'aquelles dois cavalheiros do ministerio, como responsaveis por aquelles actos?

Folga com a idéa de que o nobre visconde de Sá ha de tomar um dia o seu logar na camara; e como s. ex.ª é de nobres qualidades, quaes todos lhe reconhecem e, elle orador, é um dos primeiros a confessar, explicará então os motivos por que saíu do ministerio; para que este negocio, que á primeira vista parece de pouca significação, mas que realmente é de muita importancia, tome a sua verdadeira côr, e fique patente a todos, para se conhecer se ha culpados; quaes os conspiradores; se existe falta de cumprimento de lei; a fim de por uma vez se parar n'esta vereda, pela qual se despenha o carro do estado, ameaçando despedaçar a monarchia e a carta constitucional, que são as garantias d'este paiz, e d'este povo.

Aguarda as explicações do sr. ministro ás preguntas que lhe dirigiu.

O sr. Ministro da Guerra: — Sr. presidente, o decreto de 21 de dezembro ultimo principiou a vigorar no dia 10 do corrente mez; no dia 14 fui eu chamado aos conselhos da corôa, e no dia 15 apresentei na outra camara um projecto de lei para annullar o decreto da reorganisação do exercito. Os trabalhos para a organisação tinham começado, e eu mandei por uma portaria que cessassem emquanto não te approvasse ou reprovasse a minha proposta. Mandei suspender os trabalhos unicamente de transferencia de praças para differentes corpos e para differentes divisões, porque ao mais não podia deixar de se lhe dar execução, em virtude da lei vigente. Espero pois o resultado da approvação ou reprovação da minha proposta; Ee se approvar fica derogada a lei e torna tudo ao seu antigo estado, mais facilmente do que tornaria se acaso tivessem progredido os trabalhos; se a proposta for rejeitada o ministro que me substituir fará o que lhe convier.

Emquanto a revolta, não me conta que haja revolta nenhuma, nem suspeita de a haver. (O sr. Marquez de Vallada: — Muito bem.) Não tenho a responder mais nada ao digno par. Como ministro julgo estar no meu direito em propor a annullação de uma lei que eu não acho boa. Com franqueza o digo, eu assento que a primeira organisação militar que nós devemos fazer, é um systema de defeza para o paiz, e em seguida a esse systema de defeza, fazer então uma organisação para o exercito adequada a elle; mas estarem-se fazendo organisações a todo o momento, sem vermos os fins a que nos dirigimos, não julgo conveniente. Esse foi o motivo por que eu propuz a annullação da lei.

Quando as circumstancias forem exigindo que se faça alguma alteração, ella se fará; mas o melhor é deixar estar os cousas como estão actualmente, emquanto se não fizer esse plano de organisação de defeza militar, e o plano de organisação do exercito.

O sr. Marquez de Vallada: — Expoz que infelizmente as explicações do nobre ministro não o podem satisfazer, porque a portaria está em prefeita contradicção com as palavras que s. ex.ª acabava de proferir.

O nobre ministro disse, que apenas suspendeu as transferencias, emquanto que a portaria suspende tudo que ha na