O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 141

141

CAMARA DOS DIGNOS PARES.

SESSÃO DE 5 DE FEVEREIRO DE 1848.

Presidiu — O Em.mo e R.mo Sr. Cardeal Patriarcha.

Secretarios, os Srs. Pimentel Freire.

Margiochi.

Aberta a Sessão pela uma hora e um quarto da tarde, verificado estarem presentes 31 D. Pares, leu-se e approvou-se a Acta da ultima Sessão. — Concorreu o Ministerio, excepto o Sr. Ministro da Justiça.

Mencionou-se a seguinte

CORRESPONDENCIA.

Um officio do Ministerio do Reino, respondendo ao pedido do Sr. Pereira de Magalhães (vid pag. 112, col. 4.ª) em 31 de Janeiro, sobre os canaes da Azambuja, que os papeis relativos haviam passado ao Ministerio da Fazenda para um fim, do qual a Camara viria a ter depois conhecimento, e tambem então o teria dos mesmos papeis.

O officio passou á Secretaria.

O Sr. C. de Lavradio — Sr. Presidente, eu já examinei parte dos documentos, que a pedido meu mandou a esta Camara o Sr. Ministro dos Negocios do Reino; mas não achei entre elles um dos mais importantes, ou talvez o mais importante segundo eu o considero: é por isso que faço o seguinte

REQUERIMENTO.

Requeiro que pela Repartição competente, seja pedida ao Governo a Escriptura de 2 de Julho de 1845, approvada por Decreto de 12 do dito mez e anno, pela qual Lombré e Companhia cedeu no Governo, e na Companhia das Obras Publicas, todos os seus direitos provenientes do Contracto de 6 de Abril de 1844, pela quantia de 500:000$000 de réis.

Requeiro mais — que todos estes documentos venham acompanhados dos respectivos pareceres dos Procuradores Geraes da Corôa, e Fazenda. = Sala da Camara dos Pares, 5 de Fevereiro de 1848.

E proseguiu — Peço a urgencia deste requerimento, e rogo a V. Em.ª me dê a palavra para fazer uma pergunta ao Sr. Ministro dos Negocios do Reino, se por acaso S. Ex.ª entrar nesta Camara antes de começar a discussão da ordem do dia.

O Sr. C. de Thomar — Se me não engana a memoria, a escriptura que póde o D. Par foi publicada no Diario do Governo: entretanto eu approvo o seu requerimento, porque desejo que objectos desta magnitude, e de que se teem servido os inimigos da Administração a que pertenci, sejam examinados devidamente. Felicito-me Sr. Presidente, por saber que o D. Par já tem examinado parte desses documentos, e ha de examinar os outros, e em resultado desse exame estou eu certo, de que se hade reconhecer que as accusações feitas foram infundadas, e vêr-se-ha que essa Administração obrou sempre com legalidade, justiça, e rectidão (apoiados).

Foi o requerimento approvado, e com a pedida urgencia.

ORDEM DO DIA

Resposta (*) ao Discurso da Corôa, discussão começada a pag. 112, col. 4.ª, e seguida pag. 117, col. 4.ª, pag. 128, col. 4.ª, e pag. 134, col. 2.ª

O Sr. Gomes de Castro — Sr. Presidente, não tinha a menor idéa de tomar parte na presente discussão, salvo se alguns dos pontos do Projecto de Resposta ao Discurso da Corôa, de cuja Commissão fiz parte, fosse atacado. Não tinha idéa alguma de interromper uma discussão solemne, em que era de esperar tomassem parte as primeiras e principaes personagens politicas do nosso Paiz. Era de esperar que se entrasse no exame dos factos mais importantes da nossa época; eu apreciava isso muito; e estou certo que todo o Paiz igualmente o apreciaria. Eu confiava que se apresentariam definidas as posições, que

(*) Vid Diario do Gov. N.º 23 pag. 92.

Página 142

142

tomou cada um desses caracteres durante a ultima lucta; e podia mesmo acontecer, Sr. Presidente, que dahi se podesse colher o conhecimento de qual seria a posição, que esses caracteres tomariam no futuro. Eu pedi pois a palavra, Sr. Presidente, quasi maquinalmente, e foi, quando, havendo o meu nobre amigo <ó Sr. Conde do Tojal, respondido a muitas das accusações feitas na, penultima Sessão pelo D. Par o Sr. Conde de Lavradio, foram essas accusações repetidas hontem por um bravo General, que se senta no lado opposto, como se ainda não estivessem refutadas: pedi então a palavra; e confesso que depois me arrependi, por que a materia de que tenho a tractar é de grande magnitude e importancia, como são os objectos de fazenda; e não sei, Sr. Presidente, se diga, que é a mais secca e árida, que se traz aos Parlamentos.

Começarei perguntando, Sr. Presidente, qual é esse profundo politico, qual é o observador mais sagaz e penetrante, que possa achar o verdadeiro fio da nossa historia financeira, no fio dessas continuas vicissitudes politicas por que temos passado? Um exemplo por muitos em contrario. Depois de bastantes planos e programmas malogrados, feitos pelas Administrações de Setembro, sem duvida com muito bons desejos, mas malogrados pela força das circumstancias; appareceu uma medida que se não póde negar fosse altamente organisadora: essa medida foi o complemento da dotação da Junta do Credito Publico; mas esse grande passo dado em 1838, foi, logo em 1839 quasi destruido, ou pelo menos soffreu um grande golpe; e note-se que soffreu esse golpe dado pelas mesmas personagens, que tinham tomado essa interessante providencia (apoiados). Eu fallo assim, Sr. Presidente, por que é membro desta Camara um D. Par, que exercia o cargo de Ministro da Fazenda. Esse Ministro tinha então diante de si, seis mezes de uma receita muito escassa; tinha apenas 450:000$000 de réis mensaes; e só no fim do anno é que via os rendimentos do Estado desembaraçados. Esse Ministro pedia na outra Camara, que se lhe desse authorisação para emittir Bilhetes sobre a decima, que se acabava de vencer, mas que ainda não era cobravel; esta proposta de S. Ex.ª foi remettida á Commissão de Fazenda daquella Camara; e essa Commissão fraccionou-se em tres differentes opiniões. Era uma approvar-se a proposta do Ministro; a segunda não conceder-lhe auxilio nenhum nem authorisação, para fazer assim com que o Ministro, com aquella imparcialidade que lhe era conhecida, fosse repartindo a renda mensal pelas necessidades do Estado, até chegar ao ponto em que as rendas publicas eram desembaraçadas; a terceira opinião foi, que se fizesse uma operação mixta de 4000:000$000 de réis, baseando esta operação nas sobras do rendimento da Junta do Credito Publico, que então tocavam quasi 300:000$000 de réis. Foi esta ultima opinião a que infelizmente se adoptou, e deste modo destruiu-se o nucleo que devia fazer face á divida externa, e alimentar as bem fundadas esperanças dos credores inglezes, os quaes tractaram logo de reclamar perante o seu Governo, da maneira insolita com que continuava a desattender-se a sua divida, aliás muito respeitarei, porque seus fundos tinham servido para a nossa restauração, e das nossas liberdades. Daqui seguiu-se, Sr. Presidente, a necessidade absoluta, em que se viu o Ministro da Fazenda immediato, de tomar alguma, medida que os applacasse; e daqui se seguiu por tanto a operação, que de accordo com seus credores, reduziu o juro a metade, repartindo o peso da outra metade pelos annos vindouros, em uma escala ascendente.

Este e muitos outros exemplos, que eu podia referir, vem em apoio das reflexões que acabo de referir. Erros teem commettido todas as Administrações, e teem-nos commettido, porque o estado do paiz tem sido muito difficil, e difficil por conseguinte o descobrir o verdadeiro meio de remediar os males financeiros; mas na difficuldade de adjudicar, com justiça, os erros e os acertos a cada um dos Ministros a quem competem, por essas difficuldades em que eu, como muitos outros, me encontro, não devia ter pedido a palavra, não devia ter interrompido a tão solemne discussão que se tem encetado: já agora a retirada seria fraqueza; preferi confiar tudo da paciencia dos meus dignos collegas.

O D. Par que hontem fallou do lado opposto, fez a seguinte accusação á Administração, de que tive a honra de fazer parte — essa Administração, longe de deixar tudo pago, deixou enormes dividas com todos os teus juros accumulados e todos os gravames que as costumam acompanhar: não foram os erros da revolução do Minho, foram esses emprestimos as causas de todas as nossas desgraças.

O D. Par que no mesmo sentido havia fallado no dia antecedente, tinha dito: emprestimos, impostos, e antecipações, credito falso, eis-aqui o programma dessa Administração! Chamaram as Companhias para em nome dellas extorquir o dinheiro dos Capitalistas, e arruinarem o Banco; fizeram a enorme divida de 7000:000$000 e com todas estas antecipações e emprestimos, não se atreveram a trazer os pagamento em dia. Se eu não fôr exacto no que vou expondo, espero que os D. Pares tenham a condescendencia de me corrigir.

Referindo-se a um folheto assás conhecido, affirmou que o atraso dos pagamentos era de quasi 6 mezes. São accusações, Sr. Presidente, na verdade bem fortes, e que deveriam acabrunhar todo o Membro daquella Administração, que não estivesse forte na sua consciencia! Eu pretendo, portanto, demonstrar quaes foram os esforços repetidos, que fez esta Administração para a completa organisação das finanças; eu pretendo demonstrar que este foi sempre o seu pensamento dominante;, e de passagem direi tambem alguma cousa sobre outra accusação, que, na minha opinião não é menos importante, porque o D. Par disse — que essa Administração nenhum pensamento tivera em favor da industria, nenhuma medida tomára em favor do commercio, e nenhum pensamento teve em favor da agricultura, que definhava de miseria. Eu, Sr. Presidente, estou persuadido, de que os dous D. Pares senão combinaram sobre essas terriveis accusações.

Ambos os D. Pares fizeram aqui profissão dos seus principios politicos; toda a Camara sabe, porque o ouviu, que são principios diametralmente oppostos: e não creio por tanto, que anteriormente se combinassem. Mas é certo que alguma opinião se deve ter formado, á qual os D. Pares foram procurar este thema de accusação inclino-me a crer que aforam procurar aos jornaes. Empregaram certas cifras que me fazem pensar, que as suas accusações se firmam mais no que tem; dito essas folhas periodicas, do que nos documentos officiaes. Eu que tambem leio jornaes; que me custa passar um dia sem os lêr; e vejo os de uma e outra côr politica; acho comtudo, e achei sempre, que senão deve ir buscar nelles o fundamento para essas accusações, gravemente apresentadas no parlamento. Os jornaes quanto mais habeis forem os seus redactores, os seus traços devem ser mais atrevidos e fortes; mas nós aqui devemos ser mais meditados, e devemos apoiar-nos mais nos documentos officiaes; e com isto não faço injuria nenhuma aos jornaes, antes me felicito do seu adiantamento, porque nunca vi a imprensa periodica em Portugal como está hoje, e isto é thermometro, é na minha opinião mais um signal, de que nós avançamos, e de que a liberdade em Portugal não retrograda.

Mas, Sr. Presidente, antes de ir mais longe, será bom que eu diga, que ainda mesmo quando aquelle alcance existisse, o argumento não colhia, porque lhe faltavam elementos indispensaveis. Era necessario em primeiro logar saber, qual era o alcance existente quando esta Administração entrou no exercicio (O Sr. C. de Thomar — Apoiado); era necessario outro elemento importante — quaes foram as quantias das receitas annuaes, que o paiz não cobrou. É certo que muitas não foram cobradas, não só porque houveram duas eleições geraes durante aquella Administração, que não são os periodos mais proprios, como já aqui se tem dito, para cobrar tributos; e de mais a mais tractou-se de ensaiar o systema da contribuição de repartição. Quando se vai ensaiar uma medida financeira, o Thesouro soffre, a cobrança é mais demorada, e portanto estes elementos desfavoraveis influiam, na minha opinião, para tornar improcedente o argumento dos D. Pares.

Sr. Presidente, tambem direi que Estado, ou o Thesouro, não ficou devendo 6 mezes; e é facil de se averiguar isso. Todo o mundo sabe, pelo menos todos os que são empregados publicos, que o ponto ou salto que se fez em Junho foi de 5 mezes; os de Maio e de Junho, são da Administração de S. Ex.ª, os quaes com os 3 de Fevereiro, Março e Abril, prefazem esses 5 mezes de todos conhecidos, e por consequencia o atraso não era de 6 mezes. Eu não duvido de que se me poisa dizer que nas Provincias os empregados estavam mais atrasados: é verdade; mas por outro lado os prets existiam em dia; as ferias dos Arsenaes e muitos outros pagamentos desta especie, estavam em dia. Insisto portanto, em que o atraso era de 3 tres mezes; e, Sr. Presidente, creio que não eram necessarios grandes esforços ao Sr. Ministro da Fazenda de então, para pôr estes pagamentos perfeitamente em dia. Mas naquella occasião, as Companhias rebatiam os soldos a 1 por cento, e a 3 quartos ao mez, e sendo este desconto de tal modo razoavel, ninguem deixará de confessar, que não era este objecto o de maior urgencia, a que o Governo devia occorrer, e que outros havia a que o Governo devia attender de preferencia. E aqui estamos nós nas Companhias, que se diz o Governo creou, para permeio dellas esgotar todos os capitães dos habitantes de Lisboa, e do Reino.

Não foi assim, Sr. Presidente: muito longe disso (O Sr. Conde de Thomar —Apoiado). Essas companhias reuniram-se, crearam-se a si mesmo, o Governo não fez mais do que dar-lhe authorisação que a Lei exigia. Estas companhias crearam-se, e porque?... Porque tinham observado a marcha do Governo, durante dous annos e meio; tinham visto os esforços, que elle constantemente fizera para cumprir religiosamente os seus contractos; para consolidar as fortunas adquiridas pelos particulares: essas companhias tinham diante de si sobejos motivos para ter confiança no Governo. Entenderam que era um Governo forte, um Governo de Lei, e um Governo capaz de suffocar revoltas: tiveram confiança nelle, crearam-se, e o Governo deu-lhes a protecção que devia dar. Creou-se primeiro a Companhia Confiança; depois a Companhia das Obras Publicas: e creou-se depois um companhia para converter a divida externa, companhia importantissima. Tambem se apresentou outra companhia ao Sr. Ministro da Fazenda, para lhe adiantar a importancia de tres semestres da divida externa; e não só esses tres semestres, mas tambem a amortisação correspondente a esses semestres. O Governo attendia a todas as companhias; eram compostas de individuos de todas as côres politicas (O Sr. Conde do Tojal = Apoiado); não tinha feito selecções; e foi até escrupuloso, e por assim dizer, voltou sobre seus passos, porque viu que havia uma especie de febre nos nossos mercados publicos, para crear muitas companhias, e fazerem subscripções exaggeradas: teve receio de que houvesse alguma calamidade; e se com estas que creou houve a catastrophe, que todos viram, que faria senão tivessem havido algumas medidas de prudencia! Essas companhias cercaram o Governo, e offereciam-lhe o seu apoio; e direi mais, e peço aqui attenção particular — estas companhias não emprestaram ao Governo aquillo que nesta Camara se tem dito. Eu peço perdão á Camara; mas é necessario entrar em alguns particulares, é necessario dizer que ellas appareceram depois do Decreto de 30 de Junho, e das suas consequencias.

O Decreto de 30 de Junho, Sr. Presidente, ordenou a arrematação do Contracto do Tabaco, e com essa arrematação impôz um emprestimo de 4.000:000$000 réis: poderá dizer-se que estes 4.000:000$000 réis são um emprestimo das companhias? ou que elle aliciasse as companhias para emprestarem essa quantia, quando o Governo o que fez, foi pôr em praça aquém mais desse o Contracto do Tabaco, contracto que foi annunciado uns poucos de mezes antes? Não Srs: o Governo achou quem arrematasse o Contracto do Tabaco, com o onus que o acompanhava, e o Governo, para o juro desse emprestimo, juro, e distracte, que estabeleceu em 300:000$000 annuaes creou uma receita, ou o que é o mesmo, diminuiu a despeza de 350:000$000 tabem annuaes (apoiados). Todos os Ministerios, por unanime accôrdo, fizeram reducções, e todas na proporção de 5 por cento da despeza, por um accôrdo.

Disse-se — mas essas reducções foram phantasticas, porque se não chegaram a fazer — quanto a mim declaro, que se fizeram na Repartição a que pertenci; e posso affiançar, que as fizeram todos os outros meus collegas: e, Sr. Presidente, ainda quando essa cifra tivesse alguma diminuição, ainda quando na Marinha e na Guerra, alguma cousa tivesse exactamente diminuido essa cifra, que devia, como digo, corresponder a 5 por cento; ainda tinhamos um recurso de que lançar mão, porque o Contracto do Tabaco rendia mais cento e tantos contos annuaes, do que nunca tinha rendido; de maneira que esse Governo desorganisador, e que não tinha pensamento, achou meios com que pagar dividas accumuladas de longa data; achou meios para ter mais rendimentos; e achou meios para pagar juros e amortisações da nova divida, que devia ser extincta no prazo de vinte e tres annos! Sobre este grande acontecimento, é que assentou especialmente o credito do Governo, e assentava muito bem; mas o Decreto de 30 de Junho tinha uma condição, isto é, que elle devia servir para se pagar o que se havia accumulado dos atrazados, e que tanto embaraçava o Governo, devendo o Thesouro entrar na posse de todos os rendimentos dos cofres publicos, para occorrer regularmente á despeza corrente. Eis-aqui a idéa do Governo; mas os capitalistas rodearam logo esse Governo, e disseram-lhe, que era melhor não fazer separação, porque elle podia contar com o seu auxilio; alem de que, nenhum governo podia passar sem ter uma tal ou qual divida fluctuante; e aprova era, que todos a tinham. E o Governo andou de tão boa fé neste negocio, que sereunio com todos os capitalistas, e o Banco, e nessa reunião todos accordaram, em que era melhor não fazer a separação que o Decreto indicava, porque elles estavam promptos a adiantar ao Governo o que lhe fosse necessario (O Sr. C. do Tojal — Apoiado): por tanto, já se vê que não houve a menor coacção, nem engano para com esses capitalistas; e elles mesmos, passado algum tempo, se cotaram para fazerem o adiantamento de 1.600:000$000 de réis a certos prasos rasoaveis, dando a Companhia Confiança Nacional 800, o Banco 400, e a Companhia Folgosa — Junqueira 400, a fim de darem largas ao Ministerio, que tinha de entrar n'uma mudança de systema financeiro, ou de impostos, mudança que, como todas as desta natureza, se devia presumir que acarretasse grandes estorvos ao Governo; mas é porque aquelles capitalistas tinham a certeza, de que esse Governo mantinha rigorosamente os contractos, e porque o Governo nunca disse a ninguem — vós sois agiotas, fizestes grandes lucros, logo perdei — não, senhor: este Governo, Sr. Presidente, o que queria era consolidar todos os lucros, e as provas ahi estão.

O Governo foi auctorisado a levantar 2.000:000$ quando teve logar o movimento de Torres Novas;: mas o Governo não usou desta faculdade, que se lhe tinha dado em toda a sua extensão, porque a auctorisação foi a mais ampla que se podia dar; isto é, para se levantarem esses 2.000:000$000, de todo e qualquer modo que o Governo julgasse mais conveniente — e o Governo limitou-se a antecipar as decimas, antecipação que devia pagar, e com effeito pagou depois com os proprios rendimentos ordinarios do orçamento. (O Sr. C. do Tojal — Apoiado.) Quando chegou a época do Governo fazer esses pagamentos, viu-se em grandes apuros, e então o Sr. Ministro da Fazenda lembrou-se de crear algumas inscripções; mas a Junta do Credito Publico resistiu (O Sr. C. do Tojal — Apoiado); e isto são factos que estão na memoria de todos. Não faço censura a essa Junta, ainda que os pareceres dos Procuradores Geraes da Corôa a Fazenda eram a favor do Governo; mas antes estimo, que a Junta do Credito Publico se tornasse recalcitrante, pois a desejo vêr sempre resistente, — menos polidamente reluctante, se tanto fôr preciso, quando se tracte de objectos de similhante natureza: no emtanto o Governo não, levantou um real, e essas despezas que teve de fazer, foram feitas com a sua receita; e essas despezas da guerra, que vieram jantar-se a outras extrardinarias, dentro e fóra do Reino, como todos sabem, foram a caua da tentativa da arrematação do Tabaco, a qual foi coroada do melhor successo; e o Governo que procurava lançar mão dos seus proprios recursos, é agora accusado do tenebroso proposito de arruinar o Banco! O Banco, que foi quem menos auxiliou o Governo nesses ultimos annos! O Banco, que sendo uma associação daquella força, emprestou, como acabo de referir, o mesmo que emprestaram dous unicos homens, os Barões da Folgoza e da Junqueira! Como é possivel dizer-se que o Governo arruinasse o Banco? E tanto mais, que ainda ha outra razão que devia ser presente a quem avança taes proposições. Ahi anda uma lista das emissões do Banco, publicada não sei se pelos Commissarios que foram examinar o seu estado, ou se pela Junta do Credito: quem a examinar ha de achar, que nos annos das maiores emissões, foi justamente quando o Banco forneceu menos dinheiro ao Governo: fallo destes ultimos annos. Estas provas são reaes.

Ora agora, Sr. Presidente, no outro ponto grave de accusação — de que o Governo não tinha pensamento de favorecer a industria, nem o commercio, nem a agricultura, temos muitos factos em nosso abono. A Administração de que eu tive a honra de fazer parte, começou por fazer o maior serviço á Provincia do norte. Começou, Sr. Presidente, por fazer o maior serviço ao ramo mais importante da agricultura de Portugal, e te-lo-hia feito completo, se uma preoccupação dos proprietarios da Estremadura, não fizesse com que se oppozessem ao exclusivo das agoas ardentes, que o Governo pretendia dar á Companhia dos Vinhos do Douro (apoiados). Sr. Presidente, ha casos e ha circumstancias, em que senão póde contrariar uma opinião que está muito arreigada, e é preciso então esperar pelo tempo, posto que hoje aquella idéa, desconfio eu se tornasse impraticavel. É certo com tudo, que se ella se houvera adoptado naquella occasião, o Governo teria economisado 150:000$000 annuaes, que então se destinavam para favorecer aquella agricultura. E note-se bem que, quando fallo em favorecer, nem por isso pertendo dizer, que essa quantia seja um dom gratuito; que se faz aos lavradores do Douro, por quanto toda a gente sabe, que todos os generos do solo, e industria portugueza sahem livres pela barra fóra, em quanto que o vinho do Douro paga um grande direito; ainda que se diga que esse direito é pago pelo consumidor, não ha duvida alguma, em que o onus do consumidor reverte tambem, de certo modo, em prejuizo do productor, se o Governo lucra com esses direitos, tambem não é muito que do seu lucro deixe uma quota parte, para os que delle são victima. E chama-se a isto ser indifferente ao progresso da agricultura, a essa Administração que pediu, e obteve das Côrtes a authorisação, para, mediante uma Corporação desta Capital, fazer emprestimos aos lavradores a juro de 6 por cento! Seria eu que cançasse a attenção da Camara com a ostentação de outras providencias em beneficio dessa mesma agricultura? Embora não mereçam elogios, mas parecia-me que de modo algum mereciam as accusações dos D. Pares, nem o stygma que se lhe quiz lançar.

A nossa industria, o nosso commercio, disse o D. Par, foram despresados, não se olhou para nada que podesse promover o seu melhoramento! Mas por ventura atacamos nós as Pautas em desabono dessa industria, ou fizemos alguma cousa que apresentasse tropeços a esse commercio? Nós não deixámos de procurar quanto podemos, relacionarmo-nos com todas as nações da Europa; e a Camara perdoará que eu falle agora da minha pessoa. Não disse eu, apresentando um relatorio nesta e na outra Camara, que todos os portos estavam abertos á bandeira portugueza, como o podiam estar á bandeira ingleza? Querer-se-hia que o Governo especulasse por sua conta? Não por certo. Tinhámos geralmente as mesmas vantagens de que gosavam as nações mais poderosas.

Pelo que respeita a tributos, não nego que o imposto do sal causou bastante descontentamento; mas, sem de modo algum me negar á responsabilidade posto que fosse um tributo votado em ambas as Camaras, eu podia dizer, se me fosse permittido, de que qualidade de pessoas, aliás respeitaveis, sahiram estes e outros alvitres.

Sr. Presidente, os Ministros tambem foram victimas da idéa do optimismo, e este optimismo tem derribado muitas Administrações. Quando Se tractou do imposto do sal, ferro, linho, e creio que de outro sobre o consumo da carne, não havia mais do que um deficit entre 300 a 400:000$, e aqui estão muitos D. Pares, que sabem do processo que então se seguiu Fortes e infelizes tendencias havia então para uma certa força de symetria, para um certo desejo de optimismo, em uma palavra, para que não houvesse deficit algum, e foi isto certamente uma exagerarão nas nossas idéas, aliás de ordem, e boa organisação, porque me parece que não havia necessidade de criar tributos novos, a que o povo não estava acostumado: (fallo do sal) pela differença de 300, ou 400:000$000 entre a receita, e a despeza do anno. Entretanto na Commissão de Fazenda entendeu-se, que não devia haver deficit nem de um real, e o Governo teve de se ligar á sua opinião, porque o Governo nem sempre dirige as Camaras, e para as dirigir é necessario tambem condescender com opiniões, que se formam de uma maneira algumas vezes enthusiastica.

Tornando ainda ao objecto, darei outras provas, de que as accusações aqui apresentadas são destituidas de fundamento. Um dos meios de achar a situação da Fazenda, é comparando o onus annual de uns certos annos com o onus annual do tempo presente. — Ora, examinando eu qual ora, a somma dos juros que se pagava ao estrangeiro no anno de 1835 e 1836, com a que se pagava no anno de 1845 e 1846, acho que a ultima somma é menor do que a primeira, sessenta e tantos contos. Eu tenho aqui um mappa, e declaro que é o unico documento que trouxe, porque de hontem para hoje não tive tempo de os colligir.

Não o lerei, que é um pouco extenso; mas acho nelle que no anno economico de 1835-1836 eram os nossos encargos no estrangeiro 1.321:000$000, numeros redondos, e no de 1845-1846 eram de 1.251:000$000. Ora eu bem vejo, que isto tem uma resposta muito concludente, e eu a vou dar á Camara, antes que alguem se me anticipe, e é a de que no anno de 41 se fez a reducção da divida, pelo aperto, como já observei, das, circumstancias em que nos achavamos, não tendo já que responder aos credores estrangeiros.

O Ministerio, Sr. Presidente, devo ainda repeti-lo, viu-se obrigado a fazer a reducção na divida, a pagar metade, e depois 3, e depois 4 por cento, e a lançar a outra sobre os annos futuros.

Página 143

143

Dir-se-ha ainda — mas que fazia essa Administração (de que eu tive a honra de fazer parte), qual era o seu pensamento a este respeito? Tractava incessantemente de reduzir esta divida já convertida, a 4 por cento, fixos, para que esse onus que havia de vir d'ahi a 4, d'ahi a 8, e 12 annos, ficasse extincto por uma vez: isto parece-me que tambem é organisador. O Governo não chegou a concluir esta conversão; mas posso affirmar que quasi duas terças partes da divida se concluiram (apoiados): parece-me portanto, que o Governo não dormiu, porque em quanto promovia isto, mostrava claramente que não era indifferente aos males publicos. Digo mais: isto não era só pensamento, era pensamento e execução, que é uma cousa tambem um pouco difficil. Duas terças partes, por conseguinte, acham-se reduzidas a 4 por cento, e os annos vindouros por esta parte estão livres da carga, que d'ahi lhe havia de provir quando chegassem esses vencimentos.

Disse no principio, que o Governo não podia ser arguido de haver extorquido ás Companhias esses 7.000:000$000 de que nesta Casa se fallára: é-me necessario prova-lo. — Quanto aos 4.000:000$000, já declarei que as Companhias nada tiveram com isso, mas que o Governo usou dos seus proprios meios, arrematando o Contracto do Tabaco, que esteve em hasta publica; depois as Companhias e o Banco o que emprestaram foram 1.600:000$000, divididos como já demonstrei; que depois ainda a Companhia Confiança fez, pelo espaço de mezes, outros fornecimentos, que se bem me lembro chegaram, ou excederam alguma cousa de 800:000$000: eis-aqui 2.400:000$000: fallo dos capitães mutuados. O Governo fez mais uma operação com particulares, que importou em 500:000$000, se é que se chegou a realisar toda, o que me parece que não; mas ainda assim não chega a 3.000:000$000 tudo o que as Companhias e o Banco adiantaram sobre Letras a prazos regulares, e que começavam a vencer-se, e para cuja satisfação se haviam tomado medidas como ainda direi. Os 1.000:000$ das Obras Publicas não podem vir fazer somma com estes, é cousa muito diversa. Em primeiro logar, é divida que ainda está por liquidar; e em segundo logar hão de apparecer em alguma parte, porque a Companhia ha de certamente mostrar as estradas que fez, as maquinas e utensilios que já havia mandado vir, etc. etc.: por consequencia, não estão gastos os 1.000:000$000, hade-se dar conta do seu producto em cousas visíveis. Temos por tanto, que não havia mais anticipação do que 3.000:000$000 pouco mais ou menos. Entretanto é facil dizer-se, Sr. Presidente, e em muita parte se tem dito, que quando ainda não tivesse logar a revolução do Minho, o Governo hão podia marchar. Eu creio pelo contrario, que quem havia vencido as difficuldades de 1842 e 1843, muito mais facilmente poderia vencer estas (apoiados); e eu quasi podia escusar-me de entrar nesta materia, porque hontem o meu digno collega e amigo, o Sr. Conde do Tojal, já nella tocou o fez vêr, que com o semestre da contribuição directa, o Decreto da creação de 2.400:000$000 em inscripções, para servir de segurança ás letras, que o Governo de accordo com as Companhias estava disposto a fazer girar, era satisfeita a despeza do anno seguinte. Era este um plano muito simples, o de uma limitada divida fluctuante, pois os proprios capitalistas tinham dito — com tanto que se nos dê algum dinheiro por conta, nós vamos renovando as nossas letras. (O Sr. Conde do Tojal — Apoiado). Os 2.400:000$000, repito, não eram para vender na praça, como se explicou, quando a lei passou na outra Camara, eram para servir de garantia ás leiras que essas Companhias tinham de fazer girar; e então para que se disse, que ainda que não viesse a revolução do Minho, estava perdido o credito, e as consequencias haviam de ser as mesmas? Engano, Sr. Presidente.

Eu não digo que a fazenda tenha corrido muito bem, porque a fazenda tem sido uma Administração por extremo espinhosa; mas estou muito longe de dizer, o que os illustres oradores avançaram, e é — que a fazenda tenha sido a causa de todas as revoluções em Portugal — esta proposição que me parece ambos os D. Pares apresentaram, é igual a outra muito singular, do nobre Conde que vejo diante de mim, e a qual me parece demasiadamente absoluta. S. E.ª disse, que as revoluções são a prova do máo Governo; que as não ha senão quando o Governo é máo. Esta proposição e demasiado lata, e ha de, com um exame mais sisudo, achar-se-lhe demasiadas lacunas. Sr. Presidente, no nosso Paiz não é assim: a revolução de 36 e todas as reacções que della se seguiram, não tiveram base nas difficuldades financeiras, porque em 36 o Governo estava muito senhor dos seus meios, ia abrir as Camaras com planos de reformas, que serviam e não podiam deixar de satisfazer. Sabe todo o mundo, que teve então logar a revolução da Granja, de que a nossa foi uma imitação; as Camaras estavam a ponto de se abrir; havia a liberdade de imprensa; e n'uma palavra, gosava-se de todas as garantias constitucionaes: entretanto teve logar a revolução da Granja, e os nossos Ministros não poderam impedir que a força das circumstancias a trouxessem para Portugal; logo não foram as difficuldades da fazenda a causa dessa revolução de 36. O mesmo direi da do Minho: o que tinha com isso o estado da fazenda, quando toda a gente estava quasi paga em dia? Pois onde rebentou ella? Na Provincia que estava mais patrocinada, e tinha merecido os primeiros desvellos da Administração, e do Paiz. (Muitos apoiados). Não tinha ella estradas abertas, com ellas um bem, que não dependia de nós, mas das circumstancias, que era a facilidade de exportar para Inglaterra o seu principal producto, o milho? Quando esteve aquella Provincia em melhores circumstancias do que então? Logo como se diz, que são as finanças que produzem as revoluções? As finanças são lealmente uma Administração, que em todos os paizes tem custado muito a regular; mas em Portugal não se póde dizer, que tenham sido ellas a causal das revoluções, e o D. Par sabe muito bem, que em outros paizes acontece o mesmo. Em 1830 cheguei eu a Hamburgo, poucos dias depois de ter alli havido uma revolução; Hamburgo, essa Cidade rica que quasi não paga impostos, que é uma especie de Republica, onde todas as authoridades são electivas: pois foi esta Cidade que se revoltou em 1830, e perguntou — aonde estão aqui as finanças, aonde está ahi o máo governo, para produzir esta revolução? Podia ainda citar outras revoluções, mas foi por essa época que o D. Par estava n'uma situação diplomatica, que lhe dava proporções para saber as causas desses movimentos, e por isso me abstenho de fallar dellas; mas torno a dizer: vão-se buscar as causas aonde se quizer, mas em Portugal não se póde attribuir ás finanças; vão-se buscar á sede do Poder, vão-se buscar aonde se quizer, vão-se buscar á má escolha de empregados (muitos apoiados), e nem mesmo isso, poderei talvez, na hypothese que nos occupa, affirmar com verdade, porque tambem não foi esse o motivo que fez rebentar a revolução do Minho. Todo o mundo sabe qual era o Governador Civil de Braga, que era um Magistrado conspicuo, homem do povo, amigo de todos, das maneiras as mais brandas, homem incapaz de fazer violencias (O Sr. V. de Laborim — Apoiado): não me posso persuadir por tanto, que esse digno Magistrado houvesse de consentir esses tyrannetes de que neste logar se fallou, e que se disse serem tambem a causa da revolução.

Sr. Presidente, parece-me que a conclusão obvia do que acabo de expender deve ser — que a Administração teve um pensamento financeiro; que empregou todos os desvelos para organisar a fazenda, e que nunca foi indifferente ao augmento da nossa agricultura, da nossa industria, e do nosso commercio. E aqui deveria eu Analisar o meu discurso, não só porque era este o ponto que me tinha destinado a tractar, mas tambem porque os outros que vou mencionar, hão de ser mais bem tractados pelo D. Par, que me faz a honra de se sentar ao meu lado; porem sempre direi, que me pareceu haver grande inconveniencia da parte do bravo militar, que hontem fallou em nos argumentar com a illegalidade das eleições, que se acabam de fazer. Eu reconheço, que esta Camara tem por obrigação vigiar sobre a manutenção da nossa Carta Constitucional; porém se o D. Par trouxesse aqui um facto averiguado, eu estimava então muito, que S. Ex.ª tivesse a coragem de fazer uma accusação em fórma, e que a ouvisse todo o Paiz; porque eu desejo certamente tanto, como o D. Par, vêr esses abusos extirpados da nossa terra.

Mas, Sr. Presidente, certas accusações infundadas não dão proveito nenhum á nossa causa. De que serviria vir fallar aqui de um certo Padre, a quem se deu senhoria, e uma cadeira de braços? (O Sr. Conde de Lavradio — Não foi esse o pensamento, foi a corrupção.) Muito bem; mas insisto em dizer, que para se provar essa corrupção, é que se trouxo aqui o exemplo, de que esse Parocho não tinha podido resistir a uma senhoria, e dar-lhe uma cadeira de braços! (O Sr. Conde de Lavradio — Não foi isso, foram as corrupções, os vexames, o emprego de dinheiro, o terror, e outros manejos.) (Susurro).

O Sr. Presidente — Recommendo ordem e attenção.

O Orador — Se os factos que acaba de indicar o D. Par se provarem, eu serei o primeiro a stygmatisa-los; mas se for o contrario, eu sentirei muito que tal se avance, por que póde isso trazer comsigo represalias da outra Camara, as quaes são sempre muito inconvenientes nos Corpos Legislativos. Dirão os D. Pares que fazem taes accusações, que ellas não são infundadas, porque tem o seu circulo de relações, e por elle foram informados desses factos; mas, Sr. Presidente, eu tambem tenho o meu, e todo nós temos as nossas relações, e poderei na presença dessas informações dizer, que os erros da opposição, é que foram em grande parte a causa de não virem ás cadeiras do Parlamento alguns cavalheiros, que partilham essa opinião, o que eu, com franqueza o digo, muito deploro. Poderia até, Sr. Presidente, citar alguns exemplos que mostram, o que acabei de referir, e que fizeram com que esse partido ficasse em muito má posição. É maxima de um grande escriptor do direito das gentes, que quando uma nação está dividida em duas grandes fracções, a guerra civil toma então o caracter de uma guerra de nação a nação, e, diz elle que em tal caso póde uma nação estrangeira encostar-se mais a uma ou outra dessas facções, e dar mais authoridade, ou apoio a uma do que á outra: mas traz uma condição que na nossa ultima se não dava, e o proprio Ministro dos Negocios Estrangeiros de Inglaterra, na sua Nota de 5 de Abril, citando esta passagem, concluia dizendo — que eram rarissimos os exemplos de se tomar parte nessas contendas: a condição que se não dava na nossa hypothese, e que faz parte da sua proposição, é a de ter cada uma dessas grandes fracções, o seu caudilho, ou chefe, que reconhecem por supremo; mas no nosso caso as duas fracções tinham, e proclamavam por chefe legitimo Sua Magestade a Senhora Dona Maria II. Fosse porém como fosse, o que eu vou dizer refere-se a uma época, em que já não haviam campos separados, forças belligerantes, todos os subditos de Sua Magestade estavam sujeitos ás suas Authoridades.

Eu entendo, Sr. Presidente, que era muito justo que o partido que depoz as armas appellasse para o Ministro de Inglaterra, se acaso se lhe faltava a alguma promessa; mas no meu entender era prudente, que não fizessem disso ostentação, e esta foi de certo uma das causas, que lhe fizeram perder muitas sympathias, por que a massa do nosso povo nunca sympathisou com o governo de estranhos, e era natural persuadir-se, lendo impressas aquellas repetidas representações, que havia em Portugal outras Authoridades, que não eram as da Senhora Dona Maria II. O partido adverso habilmente explorou esta mina em seu beneficio.

Escuso tambem de dizer, Sr. Presidente, que o partido de Setembro foi sempre, comparativamente ao partido cartista, muito avesso ás relações commerciaes com a Gram-Bretanha: para o demonstrar basta consultar todas as publicações periodicas, e não periodicas nestes ultimo - quinze annos, pois dellas se verá ser exacto o que eu digo. (O Sr. V. de Fonte Arcada — Peço a palavra). Como é pois que apparece abrruptamente no periodico, que é o seu orgão principal, um artigo de fundo tão exaggerado, que se póde affirmar que dizia mais em favor das relações commerciaes de Inglaterra de que em muitos annos haviam dito os cartistas em resposta aos seus repelidos ataques contra aquellas relações. Outro erro, que foi logo igualmente explorado.

Agora direi, que se o partido de Setembro tivesse evitado estas e outras faltas, as eleições, na minha opinião, teriam tido um resultado bem diverso; e entretanto, todos se lembrarão de que uma época houve, em que a Camara dos Srs. Deputados foi só composta de homens do partido de Setembro, á excepção de dous que tinham differente opinião: um desses homens acha-se hoje presente no banco dos Ministros. Eu tambem poderia dizer que essa Camara era defeituosa; que não representava verdadeiramente a nação; que tinha havido violencias, atrocidades, corrupção, ameaças, para se vencerem essas eleições; mas não me servirei desse argumento, Sr. Presidente, confesso que eu tambem deploro, e sinto não vêr hoje sentados nas cadeiras da outra casa individuos do partido de Setembro: mas e certo que essa parte da nação, que segue o partido cartista, não podia pedir votos para os seus adversarios, esse resultado devia saír das suas proprias diligencias. É verdade que a Camara acha-se mais representada por um partido, do que pelo outro; mas segue-se daqui que o paiz vá a pique, e não se procure remediar os seus males? Pois não estava já noutra época, e por muito tempo, o paiz com uma Camara setembrista, e sem que houvesse então um segundo Parlamento como hoje ha? Certamente. Que receio, pois póde haver presentemente, quando lemos esta Camara, que ha de resistir a todos os Projectos que se lhe apresentarem, e que não forem conformes com o bem publico, e por-lhe o seu veto? (apoiados). Eu confio em mim, Sr. Presidente: espero que os D. Pares confiarão tambem em si.

Eu não tinha tenção de alludir ao Livro Azul, e com tudo já alguma cousa disse do que nelle se contém. E tambem principio meu, Sr. Presidente, que nas nossas discussões não devemos fallar, nem devemos trazer a ellas o Nome Augusto da nossa Soberana: sempre segui este principio; mas eu peço agora licença para uma excepção, porque tenho que alludir, não a uma discussão domestica, mas sim a uma discussão de Parlamento a Parlamento. Sua Magestade A Rainha foi desacatada no Parlamento inglez (repetidos apoiados). Disse-se que Sua Magestade queria estabelecer em Portugal o despotismo. Sinto não me ter prevenido em pedir licença a Sua Magestade para apresentar aqui as provas desta falsidade; mas appello para todos os D. Pares, e para todos aquelles que teem tido a honra de estar juntos a Sua Magestade, como Ministros, para que digam se é possivel haver uma Soberana mais constitucional (Numerosos apoiados). Disse o D. Par Conde de Thomar, que isso nascia das erradas informações que daqui se mandaram; mas tambem daqui se mandaram in. formações em sentido contrario, e sei que até houve quem se occupou de formar, e remetter uma relação dos negociantes inglezes desta cidade, e da do Porto, que sympathisavam, ou eram adversos á Causa da Rainha, e da Carta, pela qual se conhecia, que a grande maioria dos negociantes de ambas as cidades, tinham desposado a Causa da Rainha, e estes tambem eram informantes, e bons informantes.

Não sei se o facto deste exame, e desta remessa é veridico, sei só que me foi assim contado; mas o que sei é que a maioria dos negociantes do Porto e de Lisboa todos esposavam a causa da Carta e da Rainha (apoiados). Parece-me que tambem contribuiu para as erradas opiniões que lá por fóra se estabeleceram, a falta da publicação de um circumstanciado Manifesto. Eu digo isto sem de modo algum desejar offender, nem levemente, a Administração de 6 d'Outubro: muito teve ella em que cuidar, immenso, bastava a organisação do exercito. E com a mesma franqueza digo, que com honrosas, mas não muitas excepções, o nosso Corpo Diplomatico não fez o seu dever. O nosso Corpo Diplomatico não foi demasiadamente activo, salvas, como digo, honrosas excepções. A Junta do Porto mandou emissarios muito mais activos, verdadeiramente penetrados de espirito revolucionario, fizeram muito bem: esta tambem é uma das circumstancias, que contribuiu para se formar a má opinião a que me refiro. Mas torno á Administração de 6 de Outubro: parece-me que logo que vio a revolução do Porto, deveria fazer um Manifesto á Europa: a Proclamação de 6 de Outubro não era bastante. Não fallo com relação á nomeação daquelle Ministerio, porque nesse ponto a nossa Soberana é liberrima; mas logo que o nobre Duque de Saldanha foi obrigado a tomar certas medidas de precaução, para que as ordens de Sua Magestade não fossem menoscabadas, e principalmente desde que no Porto houve uma resistencia formal; era necessario fazer um Manifesto. Para este Manifesto tinha o nobre Duque e a sua Administração immensos fundamentos. O meu nobre amigo e collega já mostrou muitos pontos graves, que podiam torna-lo uma peça de muita importancia. Basta lançar os olhos por um raio de quatro ou cinco leguas da Capital para vêr, que haviam Concelhos que não obedeciam ás authoridades enviadas pela precedente Administração; e um houve para onde o já terceiro Administrador, foi mandado com auxilio de tropa, e não foi obedecido: muitas das medidas que esse Governo tomava lhe eram suggeridas, ou mesmo extorquidas, e eu creio que não errarei muito se disser, que alguns de seus membros estavam já na persuasão, em que nesta mesma Camara se declarou achar, sendo então a Camara de Senadores, um Cavalheiro de Provincia muito conhecido, que havia sido Ministro dos Negocios Estrangeiros, de que a Administração de que fizera parte nunca governara, e estivera sempre debaixo da influencia de pessoas, que não tinham nem deviam ter parte no Governo. — Então digo eu, que a Administração de 6 de Outubro, fundamentando o seu Manifesto, preveniria porventura a errada opinião a que alludo. Mas em todo o caso aquelles membros, a que me refiro, do Parlamento Britannico, foram pelo menos precipitados quando usaram de certas expressões em seus discursos. Recordo-me aqui do que disse Mr. Guizot, ouvindo algumas expressões que offendiam os Soberanos da Italia, e protestando ao mesmo tempo, que elle era o maior apologista da liberdade do Parlamento: disse elle estas palavras: «Reclamo para as grandezas sociaes um pouco desse despeito que é devido, e que eu consagro ás liberdades parlamentares.» Sr. Presidente, persuado-me que já vou abusando da benignidade da Camara (vozes, muito bem, falle falle). Mas entendo que em defeza das accusações que se fizeram daquelle lado da Camara, e especialmente para defeza dos membros da Administração, que acabou em Maio de 1846, julgava que devia fazer a minha protestação. Pelo que respeita ao Ministerio actual declaro, que estou disposto para o auxiliar na sua tarefa de promover todas aquellas medidas, de que o paiz carece; entendo que temos muito a fazer, estimo como disse no principio do meu discurso, que esta politica se defina, e esta discussão nos aclare o pensamento dos nossos homens politicos; folgo com a esperança de que nos havemos entreter com as medidas de verdadeiro interesse publico: nós estamos reunidos, e esta reunião é uma garantia de que cessará uma especie de prurido, que tem tido os Srs. Ministros da Fazenda, de tomarem por mezes, por semanas, medidas de grande alcance sobre objectos de sua repartição. Isto não se entenda em desfavor delles: o estado em que teem encontrado as nossas cousas, e o desejo de remediar difficuldades urgentissimas, é que os tem obrigado a tomar providencias umas apoz outras; mas é certo que nada ha mais prejudicial para a Fazenda, para a Industria, para o andamento do Commercio, do que a instabilidade. Entendo que o Governo agora não póde fazer nada no sentido em que fallo, sem ser por Leis passadas por ambas as Camaras; entendo que a cousa que mais deve occupar a attenção do Legislador, é minorar o excessivo agio das notas (apoiados repetidos); é necessario procurar esse remedio e achado elle, tudo sorrirá aos Srs. Ministros. É necessario entrar de boa fé nessa questão; o Banco não é inimigo do Governo; o Banco tem feito os maiores esforços para atenuar esse agio; o Banco soffreu assim como o Governo, e foi tambem victima de acontecimentos inesperados; elle sabe a historia do Governo, assim como o Governo sabe a sua. O Governo deve auxilia-lo na procura dos meios de que elle carece. O Banco acaba de fazer um emprestimo (vozes — Ouçam, ouçam), ou ao menos tem a possibilidade de o acceitar se lhe fizer conta, e esse emprestimo é destinado, segundo me consta, para minorar o agio das notas, e, por conseguinte, para o mais prompto restabelecimento do credito. Se algumas seguranças precisar do Governo, é minha opinião que o Governo lh'as não deve negar dentro do limite das Leis, e dos Contractos: pelo menos faço estes votos.

Estes negocios estão muito longe por ora da área desta Camara; mas desde já declaro, que todas as medidas que tenderem a plantar justas reformas, e restabelecer o nosso credito hei de dar-lhe o meu franco apoio. O caso do agio das notas, da sua possivel atenuação, esse não admitte demoras, os males são grandes, pedem remedio prompto, e quanto antes (apoiados). Muito temos a fazer, muito se espera da actual Administração eu pela minha parte assim o espero.

Sr. Presidente, deixando de fatigar mais a Camara, creio que posso appellar para o seu testemunho, de que me tenho conservado nos limites da defeza, que é direito natural; fui atacado como os mais Membros da Administração do nobre Conde de Thomar; mas S. Ex.ª foi-o mais directamente, a sua oratoria estava muito bem nelle, não o estava em mim, que era uma parte secundaria; S. Ex.ª tinha grandes aggravos pessoaes, muitos e muito directos; eu estava igualmente atacado, comtudo tinha ainda em mim os meios para conhecer a minha posição, e conhecendo-a, para me conservar nos limites da minha defeza, e daquella Administração a que pertencia. Digo mais, podem as minhas razões, como prognostiquei ao principio não ter produzido o mais leve convencimento; podem vir novas arguições; podem vir novos ataques; e podem vir quantos quizerem: eu declaro a V. Em.ª, e á Camara, que estou sempre disposto a conservar-me nos limites da justificação, pelas razões que acabei de espender, e por uma razão que em mim é muito poderosa — a Nação toda, e o paiz, espera muito de nós. (Apoiados repetidos. — Vozes — Muito bem, muito bem).

O Sr. Duque da Terceira — Sr. Presidente, eu não sou orador, e muito me custa fallar nesta Camara, essencialmente tendo de faze-lo sobre um assumpto por extremo desagradavel, e não, o faria, se o D. Par o Sr. Conde do Bomfim, que

Página 144

144

hontem fallou não descesse a explicações que reclamam tambem as que me são relativas.

Sr. Presidente, de sincero accordo com o meu nobre amigo o Sr. Conde de Lavradio, digo tambem, como S. Ex.ª que muito desejo a união da Familia Portugueza, mas estou convencido, de que não será com taes explicações, nem com a recordação de factos que deveriam esquecer-se, que essa união poderá ter logar. (O Sr. Conde de Thomar — Apoiado).

Sr. Presidente, S Ex.ª narrou a historia dos seus soffrimentos depois da batalha, ou derrota de Torres Vedras; mas S. Ex.ª teve esses soffrimentos em consequencia de haver tomado parte na revolta, como S. Ex.ª mesmo asseverou, ao passo que eu, Sr. Presidente, soffri tambem bastante por ir cumprir as Ordens da Soberana: mas seja-me permittido antes de entrar nestas explicações, approveitar a occasião para responder tambem ao meu nobre amigo o Sr. Conde de Lavradio, no ponto do seu elloquente e polido discurso, em respeito á repartição a meu cargo, durante o Ministerio a que presidi — de direito e não de facto, como S. Ex.ª disse.

S. Ex.ª, querendo atacar aquella administração, disse que, quando entrára no Ministerio, os cofres estavam inteiramente exaustos. e os Empregados do Estado com seis mezes, ou mais de atrazo em seus pagamentos: Eu, Sr. Presidente, estava então á testa de uma das repartições dessa administração, e de certo uma das mais importantes, pelas grandes sommas que para ella são geralmente applicadas; mas sou obrigado a dizer a S. Ex.ª, que não foi demasiadamente bem informado sobre este ponto, de que quiz servir-se para atacar aquella administração, porque facil é provar, que os prets estavam pagos em dia; é pelo que respeita aos soldos, o atrazo não excedia a 3 mezes; os quarteis tinham sido reedificados, ou quasi reconstruidos. (O Sr. Conde de Simodães — Apoiado); as massas decretadas para o fardamento do exercito, estavam tambem pagas em dia; compraram-se 350 cavallos na importancia de 8,000 libras para a remonta de um dos regimentos de cavallaria (e depois ainda se compraram mais 400 para os differentes corpos da mesma arma).

Agora cumpre dizer, Sr. Presidente, que quando essa Administração sahiu, essa Administração perdolaria e vexativa, que tanto tem soffrido, e tão recriminada ha sido pelo D. Par, existia nos cofres das differentes Pagadorias do Ministerio da Guerra a quantia de 67:276$751 réis; e bem pouco tempo depois, talvez que parte dessa som, ma fosse applicada para despezas bem pouco regulares, como as que se fizeram com os chamados corpos populares, que então impunham nas immediações da Capital. — Sr. Presidente, não é porque com esta declaração queira criminar alguem, longe dessa idéa, convenho em que era identicas circumstancias eu faria o mesmo, ainda que não fosse senão para me vêr livre delles (riso), só trago esta observação para provar, que aquella Administração deixou dinheiro quando sahiu do Poder, em contrario do que constantemente se houvera asseverado. Mas, Sr. Presidente, voltando ao objecto principal, voltando digo á estas explicações que bem desejava não se fizessem ouvir nesta Camara, por que, como já disse, não e por certo esta a maneira por que a Nação Portugueza ha de conciliar-se; impellido a fallar sobre tão desagradavel materia direi, o que julgar conveniente como Empregado que fui pela Administração de 6 de Outubro de 1846, a qual me encarregou de uma missão importante que eu devia cumprir, relatando o que soffri, bem como meus illustres companheiros, quando iamos unicamente no caminho da Lei desempenhar as ordens da Soberana.

Não occultarei que muito me satisfez o movimento de 6 de Outubro, bem como a queda da Administração que então deixou o Poder; não por que eu fosse inimigo pessoal de qualquer dos Srs. Ministros, bem pelo contrario, até de alguns delles era e sou particular amigo, como do Presidente do Conselho, o Sr. Duque de Palmella, e dos D. Pares o Sr. Conde de Lavradio, e Sr. Visconde de Sá da Bandeira, e do Sr. Mousinho de Albuquerque, cuja morte muito lamento; mas por que a politica da sua Administração não era aquella, que eu julgava boa e util o meu Paiz. (O Sr. Visconde de Semodães: — Apoiado.)

Demittido pois aquelle Ministerio, fui nomeado pelo actual Presidente do Conselho para uma Commissão importante, e não tive a menor duvida em a acceitar, porque conheci bem, Sr. Presidente, qual era o fim da minha missão. Não era levar a guerra e o vexame aos povos, as prisões, os fuzilamentos; bem pelo contrario, ia apresentar-lhes o ramo de oliveira; aconselhar-lhes a paz e a conciliação; possuir-me de seus verdadeiros males, e curar de remediar-lhos. Com este pensamento, Sr. Presidente, cheguei ao Porto, e dirigi-me á Authoridade Suprema, que alli governava em Nome de Sua Magestade a Rainha, remettendo-lhe a Proclamação e mais peças officiaes, que me authorisavam, e convidando-a a que quizesse immediatamente comparecer na casa onde ia estabelecer o meu Quartel General. Sube então, que objectos de serviço tinham reclamado a outro ponto a presença daquella Authoridade, e neste caso fiz dirigir a minha correspondencia a quem no momento exercesse as suas vezes. Desembarquei, e declaro que desde o sitio do meu desembarque até á casa onde tencionava alojar-me, encontrei a Cidade no mais perfeito socego; e chegando alli, fiz logo officiar para os Commandantes das Divisões Militares mais proximas, que eram a quarta e a quinta, e esperei que o General que commandava naquella Cidade fosse logo encontrar-me, por isso que tinha ordens importantes a communicar-lhe, e estranhando a sua demora, mandei então o meu Ajudante d'Ordens a procura-lo, e mesmo assim bastante difficultoso foi que elle camparecesse, fazendo-o sem distinctivo algum militar, e parecendo bastante assustado. Nessa occasião, um meu Ajudante d'Ordens me participou, que os sinos da Cidade tocavam a rebate: perguntei então ao General, como encarregado da segurança da Cidade, qual o motivo daquella novidade; respondeu-me — que nada sabia. — Repetiram-se então as participações sobre o mesmo objecto, e momentos depois eu mesmo ouvi os alaridos da populaça desenfreada, que agrupando-se em magotes, não tardou muito em se approximar da casa em que eu estava: conheci logo que o seu fim era apprehender-me, e nesta circumstancia ordenei ao General, que mandasse immediatamente postar uma guarda ao meu Quartel General, ao que elle me respondeu, que a tropa lhe não obedecia; e exigindo-lhe o motivo de tal insubordinação, disse apenas — que não sabia. — Por esta occasião devo dizer, que eu lamento, Sr. Presidente, a conducta anti-militar daquelle General, e meu collega; e não menos lamento ser obrigado a asseverar, que á sua indecisão e inactividade se deve o incremento que tomou a rebellião, a qual tanto manchou as paginas da historia daquella Heroica Cidade. Continuarei, Sr. Presidente, a narração do acontecido.

Em seguida á resposta do General, de que ultimamente fallei, entrou na casa onde eu estava o Presidente da Camara Municipal, abraçando-me muito, como é seu costume, pois creio que todos conhecem quanto é amavel e polido o Sr. José Passos (riso do lado direito), e perguntando-me o que ia eu fazer ao Porto, respondi-lhe que cumprir as ordens de Sua Magestade, e que não tinha satisfação alguma a dar-lhe, aconselhando-o a que continuasse a desempenhar as funcções do seu cargo, e nada mais! então elle redarguiu, dizendo: = V. Ex.ª não faz cousa alguma nesta Cidade, o povo já está revolucionado, em consequencia de uma communicação que recebemos de Coimbra, pela qual soubemos os acontecimentos da Capital, noticiando a revolução que alli teve logar, e por muito favor se permittirá, que V. Ex.ª se retire: ámanhã, continuou elle, formar-se-ha uma Junta, para o que já se escreveu ao General Conde das Antas: portanto, não tem remedio senão partir immediatamente. Bem conheci então que os embaraços cresciam; mas como me persuada que não sou dos mais atacados de medo, fiz pouco caso desta confidencia, e continuei a fazer igual resistencia; mas que resistencia poderia eu fazer com seis ou oito pessoas, que me acompanhavam, uma das quaes alli está, que é o Sr. Conde da Ponte de Santa Maria? No entanto o povo continuava não só a aproximar-se da casa onde eu estava, mas já muitos invadiam a mesma casa, e nessa occasião um individuo, pessoa muito capaz, e de uma particular educação, um celebre Navarro, um famigerado miguelista, entrando sem decoro na Sala onde eu estava, medisse gritando com insolencia. = Eu sou representante do povo, e em nome desse povo venho dizer a V. Ex.ª, que sahia já e quanto antes desta casa, e venha para as casas da Camara, onde será bem tractado, aliás irá para o Castello da Foz, — por unica resposta ordenei-lhe, que se retirasse immediatamente, e voltei-lhe ás costas. Neste momento entrou de novo na Sala o Sr. Passos (José) volvendo da Cidade, e dizendo-me, que não tinha remedio senão embarcar, e que pouco tempo me restava para o poder fazer, ao que annui, porque o momento na verdade era bastante critico, e conhecendo a impossibilidade de desempenhar a minha missão, o meu desejo era affastar-me dalli, pois mesmo quando não fosse eu o alvo daquelles excessos, bastaria para horrorisar-me, ser testimunha de scenas tão brutaes.

Sahi pois acompanhado dos Srs. Conde de Santa Maria, Visconde de Vallongo, Visconde de Campanhã, dos Coroneis Adrião A. da Silveira Pinto, e Joaquim de Sousa Pinto Cardoso, dos Capitães do Estado Maior Francisco Peixoto, e A. A. Corrêa de Traçada, dos Tenentes D. Manoel de Sousa Coutinho, e Luiz Augusto de Almeida Macedo, e do Alferes de Caçadores Antonio Joaquim Simões, todos conduzidos a pé, e no centro de uma escolta, composta de 300 a 400 pessoas, na maior parte das infimas classes da sociedade, e entre as quaes se reconheciam alguns assassinos e malfeitores; e tambem alguns Officiaes da Guarda Municipal do Porto: estes ultimos não para nos vigiarem, mas (diziam elles) para evitarem que nos fizessem mal (apoiados).

Sr. Presidente, não ha côres com que se possa descrever o horror deste transito! e inacreditaveis parecem as monstruosidades que nessa noite tenebrosa se praticaram! mas desgraçadamente foram factos acontecidos na noite de 9 de Outubro de 1846!!! Chegados ao logar do embarque, não encontrámos alli barcos, porque traiçoeiramente nada se havia previnido: então estivemos aqui a ponto de ser fuzilados pelos amotinadores; mas o Sr. Passos lhes fallou, elles contiveram-se, e fomos conduzidos para o Castello da Foz. Durante este transito soffremos toda a qualidade de insultos; o ferro do assassino já me havia ferido; e o sangue de mais alguns dos que me acompanhavam já corria de algumas feridas recebidas então; os vestidos de outros já estavam rotos pela violencia com que nos empurravam: foi deste modo que transitámos até á Foz, debaixo de copiosa chuva que então cahia, e ao chegar alli, a não ser as diligencias e esforços do Governador do Castello, o Sr. Antonio de Passos de Almeida Pimentel, e de seus irmãos, que nada pouparam para nos salvar, e livrar-nos das garras dos assassinos, de certo teriamos sido victimas delles. Recolhidos ao Castello, foi este logo guarnecido pelo povo, ficando nós entregues á guarda dessas massas irregulares, sem disciplina nem ordem.

No dia seguinte formou-se uma Junta, e eu esperava que essa Junta nos mandasse soltar; mas pelo contrario, Sr. Presidente, as ordens que deu essa Junta, foram para ficarmos incommunicaveis, de modo que os nossos creados não podessem alli entrar a fallar-nos, nem os nossos amigos, e que fossem aquelles, como foram poucos dias depois, barbaramente prêsos, e os nossos cavallos tirados; que nos não fossem entregues as nossas cartas de familia senão depois de abertas (Vozes — Ouçam, ouçam); que nos não fosse entregue papel algum sem ser visto pelos carcereiros, pois não estava confiada a nossa guarda a um só, mas sim a quatro, entre elles um tal Almeida Penha — homem muito capaz — (riso); e finalmente, que as cartas que escrevessemos ás nossas familias fossem em papel por elles trazido (mas pago por nós), e abertas. Sr. Presidente, era tal a vigilancia daquelles senhores, que nem: a comida podia entrar sem ser examinada (Vozes — Ouçam, ouçam), mettendo-se a mão em um prato que levava manteiga, partindo-se em pedaços os nabos (tenho vergonha de o relatar á Camara, — mas é preciso que isto se saiba) eram retalhados, para se vêr se levavam dentro alguma correpondencía!!! (Vozes — Ouçam, ouçam); o papel dos palitos abria-se, e espalhavam-se para tirar todo o escrupulo. — Deste modo fomos tractados. Todavia, devo declarar em alta voz nesta Camara, para que todo o paiz o saiba, que eu e os meus companheiros, a quem unicamente devemos favor, é ao Sr. Visconde de Sá da Bandeira (O Sr. Conde de Santa Maria — É verdade); esse cavalheiro tratou-nos sempre com humanidade, offerecendo-nos a sua protecção, e até o seu dinheiro, buscando todos os modos de melhorar a nossa sorte; e Se a nossa liberdade dependesse só delle, estou bem persuadido de que não teria sido retardada. Fomos tambem visitados, é verdade, por alguns membros da Junta, o Sr. Passos, o Sr. Seabra, e o Sr. Justino, os quaes nos dirigiram muito boas palavras; mas viu-se pelos resultados, que esta visita foi mais de inguerito, que de cumprimento, pois que á sabida deixaram ordens mais apertadas, que nos foram communicadas pelo tal senhor Almeida Penha, que logo veiu dizer-nos que não acreditassemos cousa alguma do que tinham dito aquelles senhores, pois que as ordens que acabavam de dar eram ainda mais restrictas: e deste modo passamos quatro mezes, não lhes tendo esquecido para maior segurança, fazer trancar parte das janellas, e entregar a nossa guarda ao batalhão d'Aveiro, e depois ao do conego Montalverne (signaes de espanto e horror), batalhão horroroso pela má gente de que se compunha, contando não poucos assassinos, e um commandante perverso. Eu tenho pena de fallar deste modo, e ter de continuar a relatar circumstancias desta natureza (Vozes — Falle, falle): o que se ouvia aquella gente, Sr. Presidente, eram os differentes planos de assassinar os prèsos, repetidas diatribes contra a Soberana, e não escapando nestes excessos mesmo o S. Conde das Antas a quem por vezes chamavam traidor. (O Sr. Conde das Antas — Por querer ir visitar a V. Ex.ª).

Foi assim que terminou a nossa estada no Castello da Foz, d'onde nos conduziram para a Cadêa da Relação do Porto, não omittindo que para recebermos algumas das poucas pessoas, que iam procurar-nos, era preciso que fossem munidas de uma ordem por escripto, contendo as assignaturas de todos os membros da Junta, deste modo

«Manda a Junta Provisoria do Governo Supremo do Reino, que o Governador do Castello de S. João da Foz de livre entrada a Luiz Teixeira de Sampayo Junior, Ajudante d'Ordens do Marechal do Exercito Conde das Antas, que acompanha o Official de Marinha de Sua Magestade Britannica Wasey, portador de uma mensagem da Duqueza da Terceira para seu marido, Palacio da Junta Provisoria no Porto, vinte e sete de Janeiro de mil oitocentos quarenta e sete. = Conde das Antas, Presidente = José da Silva Passos, Vice-Presidente = Antonio Luiz de Seabra = Sebastião d'Almeida e Brito = Justino Ferreira Pinto Bastos = Francisco de Paula Lobo d'Avila.»

E alem disto acompanhados de uma pessoa de confiança da mesma Junta. Sr Presidente, mesmo com um Official da Marinha de S. M. B. que ia visitar-me hão foram os nossos guardas mais indulgentes, pois que poucos minutos depois de ser introduzido, indo acompanhado de um Official de Estado-maior, se ouviram gritos insolentes dos mesmos guardas, dizendo—Sr. Inglez, saia cá para fóra, que já lá está á muito tempo.

Continuarei, Sr. Presidente, contando a maneira, porque fomos mudados da Foz para as Cadêas da Relação: dividiram-nos em duas conductas, sendo a primeira que partiu composta dos Officiaes de menor Patente, ficando os Generaes para a segunda. Não deixarei de confessar, que durante o transito não fomos maltractados, e sei mesmo, que se deram ordens para se impedir, que attentassem contra as nossas vidas: a final chegámos ás Cadêas da Relação, onde já existia grande numero de prêsos politicos. tanto civis como militares, e alli soubemos, que em consequencia da epidemia que então grassava naquella prisão, houvera dia em que morreram vinte pessoas. Tambem soubemos, que os nossos contrarios faziam constar no publico, que nenhuma commodidade nos faltava, por quanto até os quartos eram forrados de papeis, atapelados, e até tinhamos fogão; mas nada disto era exacto: a verdade, Sr. Presidente, é que, as paredes estavam caiadas, e os telhados consertados; e pelo que respeita a commodidades bastará dizer-se, que em a noute em que chegou a primeira conducta, os Officiaes foram obrigados a dormir sobre o sobrado por não lerem chegado as suas camas proprias. Devo declarar, que alguma cousa devemos ao carcereiro, o qual, apesar de ser rustico, foi bastante humano, e humano por indole natural: digo isto, porque provava que não era com o fim de obter recompenças, fazendo-nos vêr as ordens do Ministro da Guerra, recommendando era todas que nos atormentasse (vozes — Ouçam, ouçam); mas a Junta ainda não contente com aquelle tractamento, nomeou uma Commissão composta de tres Officiaes Reformados, todos da sua confiança, a qual ia expressamente vigiar o modo, porque o carcereiro nos tractava, e evitar qualquer condescendencia da parte deste esta Commissão ia uma e duas vezes por dia á Cadêa fazer as suas averiguações; e como succedesse um dia cahir fóra de uma janella o lenço de um criado, isto chegou logo aos ouvidos da Junta, que imaginou serem signaes de convenção: fomos por isso chamados á presença da Commissão e reprehendidos; dizendo que se não nos abstivessemos daquelle procedimento, seriamos mettidos nas enxovias e postos a ferros (vozes — ouçam, ouçam). Eis-aqui, Sr. Presidente, o tratamento que a Junta do Porto, Eminentemente Liberal, Philantropica, e Justa dava a homens de certa cathegoria (O Sr. Conde de Thomar: — Da maior), que íam ao Porto no cumprimento de seu dever, não com idéas hostis, mas offerecer a paz e a ordem, em virtude d'ordens legaes mandadas pela Soberana (muitos apoiados).

Sr. Presidente, digo sinceramente, que muito sinto ser obrigado a tratar similhante materia, e bem folgaria, que S. Ex.ª o Sr. Conde do Bomfim não tivesse encetado a questão narrativa de certos acontecimentos, mas eu não podia deixar de o fazer, uma vez que se quiz atacar o Governo de quem recebi ordens, esse Governo justo, que estava legalmente instaurado pela Soberana por isso, Sr. Presidente, eu já disse e torno a repetir, que ponho de parte quanto passou, porque desejo sinceramente se façam todos os sacrificios para obter a união de toda a familia Portugueza; mas, Sr. Presidente, para chegar a tão nobre resultado, é preciso que esses sacrificios sejam sinceros, sejam reaes (muitos apoiados — muito bem, muito bem).

Respondendo agora ao que S. Ex.ª disse, ácerca de uma revolta, direi simplesmente, que para fazer revoltas, não tenho vocação alguma (apoiados), e que se uma unica vez tomei parte n'um desses movimentos, d'accôrdo com o Sr. Duque de Saldanha, foi porque até então não havia jurado a Constituição de 20 (apoiado), e vingavam nessa época os resultados da revolução de setembro; e então confesso a verdade, que nessa tomei parte, e fui infeliz, que é do que tenho pena.

Sr. Presidente, rematarei dizendo, que para nada esquecer á Junta do Porto, a fim de tornar mais penosa a nossa situação, não poupando a escolha do que mais poderia desgostar-nos, e sobre todos a ruina decretou, Sr. Presidente, a minha demissão da Presidencia do Supremo Tribunal de Justiça Militar, e do lugar de Governador da Torre de Belem: bem certo estava eu de que, ou a rebellião vencia e eu me considerava de tudo demittido, ou era vencida, e então se disconsideravam os seus decretos; mas não posso deixar de confessar, Sr. Presidente, que muito me magoou, vêr figurar entre as assignaturas daquelle documento da Junta do Porto, o nome de hum collega meu aquém eu havia nomeado para aquelle mesmo Tribunal. (O Orador concluiu no meio de muitos apoiados; e vozes de — Muito bem, muito bem).

O Sr. Fonseca Magalhães — Sr. Presidente, é a primeira vez que tenho a honra de fallar na Camara dos Pares do Reino, e é a primeira vez, porque ainda ha pouco tempo recebi de Sua Magestade mais este testemunho da sua real benevolencia; e faltando logo nesta occasião solemnissima, não posso occultar a V. Em.ª e á Camara, que o faço com grande repugnancia; mas assentei que tinha uma obrigação forçosa de fazer aqui ouvir a minha debil voz, e com a mesma sinceridade, com que na outra Camara, por muito tempo a fiz escutar; pela benevolencia dos meus collegas, e de quem mais assistio ás discussões. Sr. Presidente, eu temo muito que esta nova época, annunciada do alto do Throno, e repettida pela commissão da resposta ao discurso do mesmo Throno, esteja mais distante de nós do que eu quizera. Essa resposta a esse discurso, que eu me honraria de subscrever, e que exprime em todas as suas palavras e frases, porque em nenhuma dellas se devisa o contrario, um pensamento civilisador de paz e união, digno desta Nação, digno do Throno, e dos Corpos Legislativos, é d'uma Nação illustrada; mas eu receio o tumulto das paixões, que ainda vejo ambulantes, as quaes quizera vêr adormecidas e socegadas: receio muito que isso ainda senão possa verificar; e eu sou o mesmo homem que tenho sido até agora, perdoe-se me um instante fallar de mim, de quem se disse que nenhum partido representava, porque era nenhum contava soldados, não apresentava chefe, não tinha ninguem, não era partido, não era nada. Eu sou o homem da paz; Sr. Presidente, e é pena que se diga, que o homem de paz neste paiz, não tem partido algum! (apoiados) mas eu não o creio; pois por ventura não existirá fóra do campo dos excessos, quem possa levantar a sua voz com liberdade a favor da Patria, chamando esses homens enfurecidos ao campo da paz? pois quem não vê o que se tem passado entre nós, e quem é que quererá vêr continuadas por mais tempo as desventuras do seu paiz? De certo que de nenhum dos lados da Camara, nem daqui para fóra, porque nenhum homem honesto, de bom coração, e amigo do seu paiz o póde desejar. Mas, Sr. Presidente, o bom coração, e o amor pelo seu paiz, todos dirão que possuem, porém eu digo que tenho manifestado que o possuo, e talvez hoje o possa provar. Sr. Presidente, a revolução entre os partidos não ha de vir, senão com a sentença odios restringendo, favores ampliando!

Sr. Presidente, o Throno deu uma amnistia, uma amnistia e sem excepções; aqui está estabelecido o maior elogio, que se póde fazer á Augusta Soberana que reina sobre nós: não é necessario mais. O que depois disso era indispensavel, o que era consequente, era que esse acto tivesse toda á validade e amplissima validade, e para todos (apoiados). A primeira excepção que se fizer a este pensamento, é um atroz quebran-

Página 145

145

tamento; e atrás delle quem sabe, Sr. Presidente, quantos virão! quantos se terão feito já! (apoiados).

Sr. Presidente, eu achei justo, necessario, e digno, que um D. Par que se assenta nesta Camara, e que tem occupado altos lugares no paiz, alevantasse a sua voz em justificação das accusações que se lhe fizeram; e digo que até ha mais tempo elle o devia ter feito. Mas a generesidade? Mas a grandeza d'alma? Fez se essa defeza; mas deu-se o exemplo de ir-se revolver as causas do passado, desse passado que devia estar cem annos distante de nós, e que não está mais de doze: esse passado que devia ser respeitado por todos os lados desta Camara. Oxalá que todos nós dessemos as mãos e não fallassemos mais nesse passado! todos nós temos culpas, a começar por mim: quantos erros não terei eu commettido na direcção dos negocios publicos?! Só posso dizer, Sr. Presidente, que os dirigi honestamente, e sempre com vistas de fazer bem a este paiz onde nasci, e que me tem ellevado a uma situação brilhante, que se não póde comparar com o meu humilde nascimento.

É comtudo facto, Sr. Presidente, que os erros em politica são sempre avaliados como crimes: isto é injusto; mas é assim. Eu não faço o processo a ninguem: quando eu contar os factos como os vi; quando eu os contar com a sinceridade que me caracterisa, e da qual me não afastarei; poderei vê-los mal, outros os verão melhor; mas ninguem me excede na sinceridade com que vou fazê-lo. Muito embora me chamem fatalista; mas quem poderá sustentar, que casos ha muitas vezes, que fazem com que se não possam oppôr meios ao andamento das cousas? Ninguem.

Sr. Presidente, ahi está esse acontecimento, que eu não attribuo a ninguem, que foi julgado mal na Europa, e não admira que o julgassem mal os que estavam distante delle, porque tambem o julgaram mal os que estavam perto. E poderei eu julgar esses acontecimentos? Mas dir-se-ha — e vós que tanto censuraes os que metteram a mão no passado, para que ides metter as mãos nesse abysmo? Eu o farei sem offender ninguem.

Perguntou-se, Sr. Presidente, qual o estado do paiz antes de Maio de 1846, e disse-se — o nosso paiz estava rico e prospero; havia grandes esperanças e grandes meios; o Governo tinha emprehendido as melhores obras; havia calculado os melhores systemas financeiros e administrativos; os pagamentos andavam regulares; o credito achava-se florescente. Convenho que tudo isso assim fosse; mas dirá alguem que o paiz estava satisfeito? Dirá alguem que a creação da Companhia das estradas, e desses estabelecimentos monetarios, tendia tudo isso a inspirar confiança no povo? Eu entendo que não, Sr. Presidente, e direi que vi apparecer na creação desses estabelecimentos uma precipitação, e loucura com enthusiasmo; parecia que se sonhava com o El Dorado (apoiados). Os capitaes das provincias affluiam aqui para entrar nessas Companhias; todos procuravam aonde se vendiam as suas acções, porque as idéas de obter grandes premios fazem com que o povo se illuda: isto mesmo acontece em toda a parte, e em toda a parte isso tem acontecido, o precipicio é certo: appello para o testimunho do D. Par Conde do Tojal, que é muito esclarecido nestas materias, S. Ex.ª o poderá dizer melhor do que eu.

Entretanto, Sr. Presidente, havia uns certos receios na população, e nessa provincia a mais rica e industriosa de Portugal (e não fazendo comparação odiosa com nenhuma das outras), a de mais actividade, e maior industria, e aquella onde, seja-me licito dizer, ainda se encontram muitas virtudes antigas: essa provincia, a do Minho, foi aquella que appareceu mais disposta a causar receios e anciedades.

Sr. Presidente, discutiram-se mal certas leis, e por assim dizer; enfeichavam-se umas com outras, e muitas dellas de grande interesse (apoiados). A lei da saude, a da contribuição de repartição, a do sal, bem sabia o Governo e todos nós membros desta e da outra Comara, que não eram bem recebidas no paiz. A lei de saude foi mal executada, especialmente na provincia do Minho. Já o D. Par, que encetou esta discussão declarou, que a má execução da lei de saude era devida aos empregados do Governo: é verdade isso, todos eram maus empregados, e sacrificaram o Governo, porque vexavam os povos; porém o Governo é que é o culpado, pela má escolha que fez desses empregados, tendo só em vistas pagar serviços eleitoraes, e não ir procurar o merecimento e a capacidade.

Sr. Presidente, eu confesso que tambem premiei com empregos publicos serviços eleitoraes: isso é um erro, é uma fatalidade (apoiados). Mas é forçoso confessar, que se estendeu a muito esta concessão de empregos por taes motivos, e especialmente de empregos para executar leis, que exigiam do povo pagamento de tributos novos. Então se disse, que as mulheres do Minho, receiosas de perder as suas tranças; que os homens do Minho receiosos de vêr perder a sua propriedade; aquellas se levantaram, e inspiraram a seus maridos o desejo ardente de tomar as armas, e elles o fizeram para desaggravar as tranças de suas mulheres (riso). É preciso confessar, Sr. Presidente, que o povo de vez em quando adoece, e acontece-lhe o mesmo que aos enfermos físicos, os quaes vêem em sonhos espectros e fantasmas: todos se lembrarão de que em 1808, no tempo dos francezes correu no Porto a noticia do que George III estava alli para se baptisar, eu estava lá nessa occasião, e porque não dei assentimento a essa noticia, iam-me matando (riso prolongado). Em taes tempos é necessario contemplar o que é o bom senso do povo, esta especie de instincto advinhador, de que ninguem sabe dar a razão, e dizem que é a simplicidade das gentes simples e rusticas, que confunde umas cousas com outras: é pensar escusado!...

Sr. Presidente, a lei da contribuição de repartição é sem duvida, quem o póde negar, a primeira, talvez hoje mesmo a mais necessaria para as nossas finanças (apoiados), e para o regular e igual imposto que o povo deve pagar ao Governo, que o defende e protege. Eu convim nisso, e pelo menos esse foi sempre o meu modo de pensar, e a minha opinião profunda ha muito tempo; mas ha outras opiniões contra; e esposando aquella idéa entendo, que da plantação, por assim dizer, deste systema com prudencia e cautela, e feito com o pleno accordo, muito prevenido, dos representantes da Nação nas duas Casas do parlamento, porque nós tambem somos representantes da Nação (apoiados), o systema será bem recebido, escolhendo-se o mais claro, que foi sobretudo o que faltou a esta lei. Eu estou persuadido de que a confusão e os mysterios, foram umas das causas para a maior parte do povo a não entender: a mim tambem me custou a entende-la, e sou povo que lê, e sei tambem que o Sr. Conde do Tojal se viu, em certa occasião, algum tanto confuso para a entender... (O Sr. Conde do Tojal — O Sr. foi o auctor disso, e mandei fazer a sua declaração por errata.) Mas, Sr. Presidente, isto não é crime, erramos todos, mas aqui houve uma certa justificação da repulsa, que o Governo mostrou á tal lei: ha uma certa razão, se razão se póde dar; mas não appliquemos a culpa ao povo, que muitas vezes tem razão. Sr. Presidente, esta lei foi annunciada neste tempo, ou especie de estação doentia em que o povo estava: desconfiou della, não se fez necessario que fossem commissarios dizer-lho, porque ninguem tem medo por se lhe dizer tenha medo, nem deixa de o ter por lhe dizerem que tenha valor. Sr. Presidente, ha em nós um pensamento intimo a que se não resiste (e ponha cada um a mão no coração)... o povo estava assim, era necessario desengana-lo, e este não era o meio proprio para o tranquillisar.

A lei da contribuição, pois, visivelmente foi rejeitada pela opinião publica em geral, e ella tinha sido votada em ambas as Casas do parlamento; e aqui permitta-me a Camara lhe observe, que é necessario ter uma grande cautela em não confundir o que é a opinião publica nacional, e, a maioria parlamentar. Quasi sempre nos enganamos: eu ouvi muitas vezes dizer aos membros daquella Administração, e a um meu amigo muito antigo, relativamente á nossa idade, e a minha não é má; e ouvi dizer-lhe — mas nós temos as maiorias! — Errada e funesta prevenção é esta! Quantos governos constitucionaes e representativos tem tido maiorias que é necessario destruir, porque não representam a opinião da Nação?! Sr. Presidente, o Governo constitucional é a opinião publica, que nem muitas vezes se representa nas maiorias parlamentares (apoiados). De outra sorte, o illustre Auctor da Carta daria ao Poder Moderador a faculdade de dissolver a Camara popular, se não fosse necessario consultar a opinião publica por meio das eleições? Mas, Sr. Presidente, deixemos isto, que eu volverei de outra vez a esta parte.

É certo e indubitavel que esta Lei, a das estradas, e do imposto sobre o sal, e outras, augmentaram esse desgosto, esse tedio e desfavor que se via e observava em toda a parte. Aqui se disse — mas a Lei das estradas que nasceu da opposição, como póde ella ser mal recebida pelo poro de quem toda a opposição vem ser o representante? O pensamento é este; talvez não sejam exactas as palavras, e quando me dirigir para V. Ex.ª (para o Sr. Conde de Thomar) queira dizer se sou exacto, porque o não quero atacar em cousa alguma... (O Sr. Conde de Thomar - Eu disse que sahindo aquella Lei da opposição, fóra esta depois quem a combatêra). Desejo muito ouvir o D. Par — a propria opposição combateu a propria Lei, que não era a mesma (apoiados), e que tinha sido deturpada, porque na Camara dos Srs. Deputados se estabeleceu uma provisão, para inspirar confiança ao povo sobre a boa applicação deste imposto. A Lei, Sr. Presidente, já se disse que teve origem n'um homem meu amigo, o Barão da Folgosa; quando voltou da sua viagem á Italia, fui eu o primeiro a quem elle communicou esse pensamento, e depois aos Srs. Conde de Lavradio, José Antonio Maria Sousa e Azevedo, e Barão de Chancelleiros; e ha outra singularidade maior, de que o D. Par se ha de lembrar — que ella ia ameaçando uma crise ministerial, porque eu tinha ido a uma sociedade, e que não era muito leal; eu nunca faltei á lealdade; mas felizmente a minha opinião satisfez.

Ora pois, Sr. Presidente, o ponto mais importante desta Lei foi essa provisão da nomeação de uma Commissão popular e elegivel, que fosse depositaria do producto desse imposto; foi, entendo eu, esta garantia que produziu a docilidade, e para assim dizer, a alacridade com que de toda a parte o povo concorria para uma obra tão necessaria ao nosso Paiz; mas entenda-se bem, que nisso não ha axioma, creio que não... Sr. Presidente, fez-se de outro modo, talvez para melhor; mas descontentou o povo. Uma Companhia, julgo que a das Obras Publicas, pediu receber este producto, e desde que aquella provisão se decretou, desde logo se notou a reluctancia com que o povo contribuiria; e dahi vem a cantiga do cruzado, e outras desta natureza. -Pois não era melhor combater o que já passou? Este foi o facto. Eu sempre entendi, que era melhor como passou na Camara dos Deputados e nesta Camara, e seria melhor dá-la á execução assim: iriamos mais de vagar, e mais seguros, do que dar um similhante documento, quando se não podia tocar naquella imposição sacratissima para as vias de communicação, sem as quaes não ha civilisação possivel, nem prosperidade em ramo algum, nem commercio, nem agricultura (Sr. V. de Fonte Arcada — Nem administração. Eu ouvi dizer ao D. Par, o Sr. Gomes de Castro, que crê necessario que fossemos por diante, ainda que se precisasse de fazer sacrificios para renovar os trabalhos publicos. Sim, senhor, convenho nisso, e espero que todos nós conviremos quanto podermos; mas entendêmos que se faça para proveito de todos: eu não digo que aos emprehendedores se não dê a justa retribuição e interesse do seu dinheiro e trabalho; mas não devemos fazer contactos, de que depois nos venham pedir indemnisações, como já as teem pedido a mim por outros contractos, que outros fizeram, porque os fizeram imprudentemente: ao menos erros passados que a Nação paga; aprendamos para a não fazer pagar noivas erros para o futuro. - Muitas Camaras do Reino tinham representado contra o imposto do sal. Eu, Sr. Presidente, não entro agora no merito da lei; mas por curiosidade tendo lido alguma cousa das nossas antigas Côrtes ou tres Estados, desde o seculo XIV até agora, e tenho visto sempre uma especie de conflicto entre os povos e o Governo, por este querer um imposto para o sal; e aprendamos da experiencia, que ha certos prestígios que custam muito a destruir. Eu não vejo um só exemplo contra qualquer imposto que lançava o Rei; mas as Côrtes gritavam sempre contra este imposto do sal. Sr. Presidente, existe não ha duvida nenhuma esta indisposição, este descontentamento, esta desconfiança de esperar do presente peiores males para o futuro: isto e da natureza humana...

Eu não sei se o Governo entendia que eram exactas e verdadeiras as noticias, que sem duvida deveria ter dos seus agentes e amigos; mas elle estava perfeitamente illudido. Eu persuadia-me então, que era impossivel pudesse o Governo existir, e existir, Sr. Presidente, contra a maxima parte da opinião publica, a qual tão abertamente começava a manifestar-se; porém o Governo nenhum peso lhe deu, e muito socegado repousava n'um leito de rosas, conscio sem duvida dos bons sentimentos que em si nutria. O Governo firmava-se em sua consciencia, como é milito natural; mas infelizmente enganou-se, e enganou-se de maneira, que já lhe não podia dar remedio: custava-me a acredita-lo, porque eu que não pertenço a Roma nem a Carthago, recebia continuadas participações do immenso disgosto que lavrava na grande parte das povoações, e não quero eu agora dizer os nomes das pessoas aqui presentes; pessoas affectas ao Governo, com as quaes eu muitas vezes conversei, e lamentava que o Governo não quisesse acreditar o estado em que estava, nem o fosse pausadamente examinar; mas o facto é que o Governo assentou, que seria melhor ir attribuir o objecto de uma tal, ou qual disposição, de uma disposição mais ou menos parcial, que se manifestava em todo o Reino, ás intrigas da associação eleitoral! Assim o disse ha pouco tempo o Sr. C. de Thomar nesta Casa; e na outra, a que eu então tive a honra de pertencer, assim o disse seu irmão. Esta associação eleitoral apresentou-se como uma especie de magia, ou como um feitiço, que produzia revoluções; e isto é uma daquellas cousas, que quando se diz uma vez julgar-se não ser preciso provar; porque, apparece algum disgosto n'uma Provincia, diz-se logo — é a associação eleitoral quem o promove; dá-se um outro caso em certo ponto, e responde-se immediatamente — é a associação eleitoral quem o produziu; e eu intendo que era melhor examinar-se o que era essa associação eleitoral. Eu não pertenço á coallisão, porque não quiz pertencer a ella; mas não tenho nada que dizer das pessoas da coallisão, e parece-me que posso avançar, que essa coallisão não é esse protento inimigo da patria, da lei, e do Rei, como se tem querido fazer inculcar: — não Senhor, a associação eleitoral era o que diz o seu nome, era o que são todas as associações eleitoraes, que não tractam sómente de eleições, porque não ha nenhuma de um lado nem do outro, que a isso se limite. Mas tractou tambem de fazer partido para o seu systema, para a sua politica; é isto o que hão de fazer esses Senhores, que a compõem, se é que alguns delles aqui estão, porque eu declaro ingenuamente que os não conheço (riso); mas torno a dizer — que elles fazem o que certamente costumam fazer os que pertencem a taes associações. — Mas pergunto eu — essa associação era tenebrosa, clandestina, e mysteriosa? Não, Senhor, porque ella até teve a franqueza de derramar os seus programmas e papeis, e o theor delles foi bem conhecido por todos; e póde-se chamar a isto conspiração? Conspiração, Sr. Presidente, que descobre os seus actos, é no meu entender pouco temível; pois não havia outra associação, que trabalhasse em sentido contrario? Existia, e ninguem o póde negar, porque disso existe alguma cousa (riso), e daqui póde-se concluir, que a opinião publica foi para aquelle lado, por quanto, defendendo cada uma o seu partido, se a associação, chamada opposicionista, teve força para revolucionar os povos, ao passo que a outra e o Governo os não póde accommodar; segue-se necessariamente, que a opinião publica abraçára as idéas daquella, em quanto repulsára as desta (apoiados). Mas nada disto foi, Sr. Presidente, nada absolutamente, porque a associação eleitoral nada fez: a revolução comprehendeu o paiz inteiro, e o facto é publico; mas não se attribua um facto de tal magnitude ás suggestões de uns poucos de homens. Disse-se, não ha muito, que as desordens não tinham nascido da publicação das medidas do Governo: assim será; mas o que o D. Par não é capaz de me citar, é a revolução de um povo que se dá por contente; desafio a quem me prove; porque, Sr. Presidente, qual será oovo que se revolte contra a sua propria felicidade! Pois se o povo é ditoso; se elle florece em todos os seus ramos de industria; se a sua prosperidade ia n'um progresso espantoso; como é que em toda a parte esse povo se revolta contra essa decantada prosperidade! Essa revolução deve ser attribuida a acontecimentos de graves consequencias (apoiados).

Eu, Sr. Presidente, não venho aqui justificar a revolta, nem direi que nunca entrara em alguma; porque, como ha pouco disse, olhasse cada um de nós para o passado e emmudecesse.... não venho pois, nem devia, nesta idade, nem nesta posição, fazer elogios a uma revolução, fosse ella militar ou não militar, parcial ou não parcial, porque as revoluções, quanto a mim são similhantes á lava do Vesuvio, que destroe provincias inteiras: de todos os males, com que a Divina Providencia nos póde castigar, as revoluções são os mais funestos e terriveis (apoiados); porque se nas revoluções, um ou outro homem tem triumphado como os Syllas, os Marios e Cezares; ellas tem constantemente destruido os impérios, elevado o extermínio e a miseria aos povos (apoiados); e se eu aqui explico (no meu modo de entender) a revolução que teve logar na bella Provincia do Minho em 1846, não é para lhe fazer o seu elogio, é, Sr. Presidente, para que peçamos á Divina Providencia, que se não dêem causas a outra; mas.... digo, que pausadamente examinemos as necessidades dos povos, e que os Governos senão enganem quando pensam, que os povos se devem conter á maneira das torrentes.

Mas, Sr. Presidente, levantou-se a Provincia do Minho, e a este levantamento deu-se um caracter terrivel e anomalo, ninguem sabia quem era o seu auctor, porque auctores eram todos, todos pegaram em armas, pais e filhos, velhos e moços, e ainda dos mais distantes e reconditos logares, homens e mulheres correram a ajudar a revolução, e mulheres, com o que se imaginou uma Maria da Fonte, que já que não póde figurar nas paginas da historia das revoluções, figurará nos da historia da fabula moderna.

Sr. Presidente, eu sei que está presente e me escuta pessoa, que presenciou aquelles acontecimentos, e delles teve conhecimento por noticias muito fidedignas, noticias que faziam estremecer, vendo-se o frenesi que, por assim dizer, se apoderara daquelles povos. Um nobre Coronel fez grandes esforços para conseguir acalmar a sua colera; fallo do honrado Coronel Ferreira; outros dignos Officiaes fizeram o mesmo nas Provincias do Norte; e alguns houve que disseram não ser possivel resistir, e que não havia remedio senão encaminha-la, porque a querer-se resistir, só se poderia conseguir com o derramamento de muito sangue portuguez; e disse bem, porque não se deve oppôr ás revoluções, quando tomam similhante incremento, grandes diques como ás torrentes, porque as torrentes dos rios ou os destroem, ou lhes passam por cima, e seguem o seu curso.

Depois que se começou a encaminhar esta doença, ou loucura popular, que quanto a mim, foi o melhor meio de que se lançou mão; depois que lhe appareceram homens que ella procurava, e esperava acudissem aos seus soffrimentos; e depois que os povos viram, que já se não voltavam as bayonetas dos soldados contra seus peitos, mas antes pelo contrario achavam benevolencia, caridade, e desculpa aos seus excessos; foram-se socegando e apasiguando pouco a pouco. Mas eu entendo, que quando esta revolução passou o Douro, degenerou da sua sinceridade, e então estou persuadido, de que houve quem especulasse com ella, e daqui veio aquella celebre carta do Sr. V. de Bretiandos, em que usando daquella expressão franca das Provincias, disse que — escutava detraz da cortina os movimentos populares: outro teria a hypocrisia de o negar; mas elle coitado (riso) foi sincero. Eis-aqui a unica differença que lhe observo; e então para que havemos de culpar um homem, só porque foi sincero? Elle disse que — detraz da cortina espreitava os movimentos que elle reputava filhos da disposição que observou nos povos, disposição para a qual elle tambem tendia, ou porque em fim sympathisava com esse movimento; mas o que vejo de muito extraordinario, é elle acreditar tanto nas forças de Soajo, porque o povo de Soajo, creio não será muito differente hoje, do que era no tempo da invasão franceza, época em que alli haveriam uns tres ou quatro homens, que soubessem escrever, se é que o sabiam; mas o caso é que aquelle povo chamou um escrivão, que não sabia escrever, para fazer uma carta, ou requerimento ao Junot, que começava — «Senhor, livre-nos Vm. dos nossos inimigos castelhanos, que nós nos defenderemos dos francezes, e obedeceremos a Vm. e a El-Rei Nosso Senhor (hilaridade).

Ora nem eu desejo promover esta hillaridade, porque realmente produz em mim certa contracção vêr a fraqueza de um lado, e o poderio do outro; quando vejo arguições que não ha motivo para se fazerem, realmente declaro... mas em mim nada é acreditavel, porque alguem me suppõe um homem muito malicioso (riso), e não ha a menor duvida em se me desfigurar a fórma humana, para se me comparar com o animal mais astuto da fabula (riso), senão faria outra sincera confissão, como a que fez o D. Par V. de Bertiandos, porque segura e simplesmente aquillo, que elle disse estar fazendo, todos o teem feito, todos o fazem ainda hoje, chão de fazer sempre, e por consequencia quando ha um defeito que abrange a todas as côres politicas, em todos os tempos, e para todas as scenas, é melhor não fazer menção delle (apoiados). A proposito: tinha aqui um apontamento, porque era este o seu logar proprio; mas não usarei delle agora, e reserva-lo-hei para outra occasião, pois se o colloquei neste logar, e porque era a ordem em que devia estar, e então direi sómente, que é um ponto com referencia á parte do discurso do Sr. C. de Thomar, em que S. Ex.ª respondeu muitas cousas em desabono do que a seu respeito se disse na Camara dos Communs em Inglaterra, e na Camara dos Deputados em França, fazendo certas exaggerações em que eu reconheço descomedimento. Passo por tanto a um ponto que me parece pouco interessante, e tanto menos o é, quanto o D. Par o Sr. C. de Lavradio, tendo já fallado do Sr. Mousinho, disse delle muito mais do que eu diria.

O Sr. Mousinho, Sr. Presidente, era como nós

Página 146

146

sabemos, um homem digno e virtuoso (apoiados — O Sr. Visconde de Fonte Arcada: — É verdade); nem sempre estive de accordo com as suas idéas politicas, nem elle com as minhas; mas o que ninguem póde negar é, que o Sr. Mousinho tinha um coração nobre, e uma alma verdadeiramente portugueza (muitos apoiados); ha delle uma palavra só, que caracterisa o homem, isto é a respeito das suas opiniões sobre as causas da revolução, e não se pense que aquillo que vou dizer, seja tirado desses papeis, de que se tem aqui fallado: pela minha honra e pela minha vida declaro, que não vitaes papeis, e nem mesmo sei se algum está impresso com o Discurso do Sr. Conde de Thomar. Mas, Sr. Presidente, disse o Sr. Mousinho a respeito das causas da revolução, o que outro individuo tambem disse = quando ha um complexo de causas, só assim se póde produzir um movimento tão geral. Ora cada um julga, que aquillo que pensa é o que na realidade é, e desta fórma desencontra-se quasi sempre com a opinião dos outros; mas não fique sem se saber bem qual era a opinião do Sr. Mousinho.

Era naquelle tempo em que o tumulto das paixões, o frenezi da desordem estavam no seu auge, que o Sr. Mousinho foi chamado ao Paço, e com effeito veio de fóra á Capital de Ordem de Sua Magestade a Rainha, que lhe Perguntou, se elle se queria encarregar da pasta do Reino: S. Ex.ª disse que sim. Houve alguem que lho notou, e mesmo perguntou = E não pedistes garantia á Rainha? A resposta foi = Eu morro; mas não peço garantias á Rainha, porque eu é que Lhas devo dar (apoiados repetidos.) Isto ouvi eu ao Sr. Mousinho, e não posso deixar de o manifestar em taes circumstancias: não direi que seja um heroismo digno dos antigos; mas os antigos, quando procediam bem, procediam assim. (O Sr. Conde de Lavradio: — Apoiado.)

Sr. Presidente, formou-se o Ministerio de Maio, e antes da formação desse Ministerio, houve uma tentativa para formar outro. Não sei se ha muito quem goste de ser Ministro, apezar de que ser Ministro em certas crises é muito honroso: não ha duvida nenhuma que o servir o Paiz, servir a Soberana, tomar a responsabilidade dos actos governativos, ter até certo ponto uma liberdade de opinião com os seus collegas, e a fortuna de poder pôr em pratica um pensamento, com que haja de se felicitar a Nação a que se pertence; tudo isso é nobre; mas tambem é nobre o recusar, entendo eu, quando a consciencia dicta, e a intelligencia aconselha, que não se compromettam os interesses da Nação. Os primeiros homens que foram chamados para formar a Administração, disseram a Sua Magestade, que não eram as pessoas que as circumstancias reclamavam; tiveram mesmo a coragem de Lhe dizer, respeitosamente como lhe cumpria, que o homem proprio para taes circumstancias era o Duque de Palmella: eu fui um dos que recusei, e não o digo por querer fallar de mim, nem mesmo porque queira apparecer no numero dos homens, que tem essa intelligencia: é sómente para responder a certas accusações, que se me tem feito, e ainda ha pouco appareceram n'um jornal, que por ahi corre, e é bem conhecido, — que eu aspirava a ser ministro dos colligados. Ora eu nunca pertenci aos colligados, como podia então aspirar a ser Ministro dos colligados! O Duque de Palmella entrou para o Ministerio, é verdade; mas eu entendo que elle fez um sacrificio: e se por mais de uma vez o tenho visto chamar aos conselhos da Soberana, por mais de uma vez tambem o tenho visto desgostoso, quanto á consciencia da sua incapacidade certamente que não, nem tão pouco da sua intelligencia, porque esta é das maiores que tem Portugal, e direi mesmo das maiores que tem a Europa (apoiados); mas quanto ao estado da sua saude e a certo amor que a todos nós chega, depois da idade de 60 annos; mas em fim, elle acceitou, e eu o vi Ministro com o nobre Duque da Terceira. Sr. Presidente, o Duque de Palmella, e o Duque da Terceira, estavam uniformes e unanimes, porque assim o posso dizer de vista propria e pessoal, nos meios de conter a revolução, ou ao menos na necessidade de a conter. Esta Administração de dous unicos individuos, continha dous grandes homens de Portugal, um como homem da politica, outro como homem da guerra (numerosos apoiados): não estava porém nessa Administração o homem da guerra e da politica — o illustre Duque de Saldanha. Esta Administração devia, sem duvida, dar garantias aos homens amantes da ordem, e isto tanto por um como pelo outro caracter: o Duque da Terceira tinha sido sempre, como ainda é hoje, o homem pacifico, humano, altamente politico, e affavel: ambos estes cavalheiros convieram na proclamação de 21 de Maio, nem podiam deixar de convir, porque sendo ambos os responsaveis, seguramente de um para com outro devia haver um só pensamento, ambos viram a revolução como uma fatalidade, mas contra a qual era preciso obrar com prudencia. Nesta proclamação, por ambos assignada, até certo ponto se dá razão aos actos, porque a não podiam dar politicamente, mas ás queixas, porque elles como homens politicos, não podiam approvar a revolução, mas podiam dizer — vós alguma razão tendes — e com effeito e o que se deprehende desse papel: por consequencia, o que eu tenho dito a respeito das causas dessa revolução, está justificado com aquella proclamação a que alludo, e que foi publicada posteriormente: logo, não sou eu só excentrico; não sou eu só o homem que considera a revolução do Minho como um facto, a que as circumstancias nos tinham arrastado miseravelmente, não attribuindo a pessoa alguma a directa atracção para similhante resultado.

Dizei pois, que os acontecimentos infelizmente tiveram logar, e o nobre Duque de Palmella estava indeciso, se devia ou não conservar a Camara dos Senhores Deputados de 1845: inclinava-se mais a que sim; mas houve (e não fui eu) quem lhe fizesse considerações de certo muito sensatas, porque elles ambos as abraçaram, de que aquella Camara tinha uma certa pecha na opinião publica, de que não representava genuinamente a Nação Portugueza: fosse ou não fosse assim, o certo é que foram estas as razões que se apresentaram, e então houve quem commemorasse largamente factos, que tinham tido logar nas eleições em muitas partes do Reino, os quaes haviam deturpado a pureza das mesmas eleições, pelo que se decidiu então, que só pelo receio d'excitar desconfianças, era necessario terminar, ordenando a dissolução da Camara dos Senhores Deputados de 1845. Eu tive pena d'essa dissolução; não sei se á nova Camara vieram desta vez alguns Senhores Deputados, que então lhe pertenciam: parece-me que já vi um, e não mais. Sei que na Camara dos Senhores Deputados de 45 havia caracteres muito respeitaveis, homens muito de bem, e muito amigos do seu paiz (apoiados), que no meu modo de pensar, se a Sessão durasse, haviam de dar a conhecer ao governo uma certa independencia de boa fé, de que talvez o governo não gostasse, mas que lhe havia de servir de maior apoio, do que um voto submisso.

Eu digo isto, Sr. Presidente, com a certeza de não poder ser contradicto; mas o facto é, que essa Camara foi dissolvida, e do modo possivel, porque já o D. Par o Sr. Conde de Lavradio mostrou bem claramente, que não era possivel, naquelle momento d'excitação (sem expor muitos dos Senhores Deputados ás furias populares), fazer uma reunião d'ambos os corpos colegislativos para se intimar a dissolução da Camara Ellectiva: fez-se como podia ser; e o governo, que não era o governo revolucionario, mas sim o que era filho da revolução, e fóra nomeado no meio dessas chammas, e incumbido de as apagar, é, apesar disso, denominado —fautor da revolução!

Sr. Presidente, a missão do Governo de Maio, era uma missão de paz; era uma missão difficultosissima, a qual elle tinha de cumprir sem uma só violencia, sem um só tiro de espingarda, sem um só tiro de canhão: só assim é que elle podia caminhar, aliás augmentava a lavareda (apoiados). Fez o Governo isto? É o que vamos examinar, e o que me parece se deve analisar, não tanto pelos resultados, que esses não estão na mão dos homens, como pelos actos praticados por esses homens para se conseguir os fins. É assim que se fará justiça aos homens que então serviram, e ás suas intenções.

Sr. Presidente, eu ouvi tratar aqui de perseguidor d'alguem, ao nobre Duque de Palmella! Em minha consciencia creio, que nunca se fez maior injustiça a ninguem (apoiados). Ouço fallar em factos; mas perdoe-se-me dizer, que já não é para mim o acreditar em factos, que dizem relação a um homem sem ouvir esse homem. Eu não creio em imputações, quando uma asserção encontra com os sentimentos conhecidos, e os factos notorios e nunca desmentidos, praticados por esse homem (apoiados). Eu devo em taes casos pronunciar-me antes pela opinião bem estabelecida, e que nunca foi manchada, do que por uma má informação. O Duque de Palmella não é capaz de perseguir ninguem (apoiados); e pelo lado contrario direi, que elle tem medo de que todos o persigam. Elle tem sempre os braços abertos para todos; a sua bolça tambem está sempre aberta para os seus amigos, embora elle na vespera tenha recebido delles ingratidões (apoiados). O credito do Duque de Palmella está formado.

E o Ministerio de Maio? Esse Ministerio, desgraçado, desgraçadissimo, cheio de angustias e de tormentos, esteve sempre lançado n'um pelago mais cruel ainda do que esse que se desejava para o Ministerio que tinha passado. Vamos pois aos factos, e vamos a esses factos como homens publicos; consideremos a sua situação, e vejamos se elles eram senhores della: é por este meio que se conhece o que os homens podem fazer, e não se lhes deve chamar ineptos, por não terem podido fazer mais.

Que houvessem algumas pessoas, que promettendo o seu apoio a esse Ministerio, lho não dessem depois e o falseassem, isso creio eu, Sr. Presidente, é mais uma razão para o lastimar; mas isso não ademira, por que em taes circumstancias até os homens fallecem... (Uma voz — Já deu a hora.)

O Sr. Presidente — Eu peço ao D. Par licença para dizer, que a hora já deu ha muito; e por isso, na fórma do Regimento, eu devo perguntar á Camara, se quer que se prorogue para o D. Par acabar de fallar; se porém V. Ex.ª quer guardar para a Sessão seguinte o acabar o seu discurso, então assim será.

O Sr. Fonseca Magalhães — Eu prefiro fallar na Sessão seguinte.

O Sr. Presidente — Então assim será, e V. Ex.ª terá a palavra na Sessão seguinte, em que prosegue o mesmo assumpto.

Está fechada a Sessão.

Eram quatro horas e tres quartos.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×