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CAMARA DOS DIGNOS PARES.
EXTRACTO DA SESSÃO DE 28 DE FEVEREIRO.
Presidencia do Exm.º Sr. Marquez de Loulé, Vice-Presidente supplementar.
Secretarios – os Srs.
Conde de Mello.
Brito do Rio.
(Assistiam os Srs. Ministros, do Reino e da Marinha.)
Pelas duas horas da tarde, tendo-se verificado a presença de 41 dignos Pares, declarou o Ex.mo Sr. Presidente aberta a sessão.
O Sr. Secretario Conde de Mello deu conta do seguinte:
Officio do digno Par Visconde de Monforte, participando, que o seu máo estado de saude, e o rigor da estação, o tem impossibilitado de vir cumprir os seus deveres, o que fará logo que o tempo o permitta.
Ficou a Camara inteirada.
O Sr. Visconde de Castro — O digno Par Barão de Chancelleiros encarregou-me de dar parte á Camara, que elle não póde comparecer por falta de saude.
(Pausa.)
O Sr. Presidente — A ordem do dia que estava dada era a apresentação de pareceres de commissões, não sei se com effeito ha alguns promptos; ou se pelo menos podemos esperar que dentro em pouco se leiam para virem para a Mesa...
O Sr. Margiochi — Vou eu ler, e mandar para a Mesa um parecer da commissão de fazenda (leu-o).
O Sr. Presidente — Ha de se imprimir para ser distribuido. Agora pediria a algum dos membros da commissão de administração pública me dissesse se é possivel apresentar-se hoje o parecer sobre o projecto de lei, vindo da outra Camara relativamente á authorisação concedida á Camara municipal do Porto para contrahir um emprestimo para compra de cereaes.
O Sr. Visconde de Algés — O primeiro dia em que a commissão se podia reunir para esse fim era hoje; e agora mesmo estava elle digno Par combinando com o Sr. Visconde da Granja sobre a possibilidade de realisar-se essa reunião, pois tendo elle orador a honra de ser Presidente da mesma commissão está prompto a convoca-la, mas vê que não ha numero sufficiente, porque não estão presentes os Srs. Barão de Porto de Moz, Barão de Chancelleiros, Felix Pereira de Magalhães, Visconde de Fonte Arcada e Tavares Proença; por consequencia apenas estão aqui tres membros da commissão; se a Camara quer que os tres se reunam immediatamente para se apresentar o parecer, está elle Sr. Visconde de Algés persuadido, que não haverá duvida, porque o objecto não parece do natureza a poder dar-se contestação.
O Sr. Presidente — O meu fim era saber se estava prompto o parecer, ou quando poderia espera-lo, porque me parece urgente (apoiados).
O Sr. Visconde de Algés — Não póde saber quando, estarão presentes os membros da commissão, que hoje faltam, mas, se nenhum outro concorrer ainda nesta sessão, podem ser avisados para que na seguinte não deixe de se apresentar esse parecer.
O Sr. Ministro do Reino — Conforme o digno Par acaba de reconhecer o objecto é de urgencia, a natureza delle o indica; porque, como se sabe, tracta-se de authorisar a Camara municipal da cidade do Porto a contrair um emprestimo, que a mesma deseja effectuar quanto antes, para o empregar na compra de cereaes com que possa accudir, não exceptuando outro qualquer modo, á carestia maior das subsistencias, tanto naquella cidade, como em parte dos districtos, e princi-
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palmente no seu concelho. — À vista disto, não podendo estar certo de que os illustres membros da commissão, que faltam, hajam de se reunir com a brevidade que conviria, mesmo porque alguns terão até impedimento que torne impossivel a sua vinda á Camara, pede o Sr. Ministro que se tome este negocio em consideração, resolvendo que os tres membros presentes, e em que se inclue o digno presidente da respeitavel commissão, ainda ajudados de algum outro digno Par, ad hoc, que não presume, comtudo, que seja muito necessario, se julgassem esses que estão presentes, como commissão, pois que o objecto não parece dever suscitar contestações. Assim, se os dignos Pares e a Camara convierem, póde-se ter o parecer com toda a brevidade, e ninguem se offenderá de que assim se discuta, attenta a natureza do assumpto.
O Sr. Visconde de Algés — Observa que tambem se acha agora presente o digno Par o Sr. José Maria Eugenio de Almeida, membro da mesma commissão, com o qual estão presentes quatro.
O Sr. Visconde de Castro — Acho que não pode haver duvida em que os quatro formem a commissão, pois quando fosse necessario, até mesmo toda a Camara se poderia constituir em commissão para tractar de um objecto tão urgente, como este na realidade é (apoiados).
O Sr. Visconde de Algés — Se o negocio se considera urgentissimo, e a Camara quer suspender por alguns minutos a sessão, crê S. Ex.ª que se os membros da commissão, que estão presentes, se retirarem á casa da commissão, o parecer não tardará que se apresente.
O Sr. Conde de Thomar — Não lhe parece necessario que se suspenda a sessão, porque se houver de que a Camara se occupar, em quanto a commissão está reunida, aproveita-se o tempo, sem que isso estorve a apresentação do parecer. Crê que o digno Par concordará nisto.
O Sr. Presidente — Consulto a Camara sobre o consentimento para que os quatro dignos Pares constituam a commissão.
Assim se decidiu.
(Retiraram-se da sala os quatro membros da commissão.)
O Sr. Conde de Thomar — Como observa que não ha objecto nenhum para discussão, e S. Ex.ª tinha, ha muitos dias, annunciado uma interpellação sobre objecto importante, relativamente a differentes factos que dizem respeito á provincia de Angola; e acha-se presente o Sr. Ministro da Marinha e Ultramar, desejava saber se o Sr. Ministro está já habilitado a responder ás perguntas que lhe indicou.
O Sr. Ministro da Marinha — No dia em que o digno Par me annunciou a sua interpellação, eu disse que estava quasi inteiramente habilitado, pois onde via alguma difficuldade era na quinta pergunta. Agora estou preparado para responder a todas as partes da mesma interpellação.
O Sr. Conde de Thomar — Para não gastar tempo julgo que posso dispensar-me de repetir agora as perguntas que dirigi ao Sr. Ministro, pois que S. Ex.ª as tem diante de si conforme eu lhas descrevi no papel que mandei para a sua mão: por consequencia ouvirei o Sr. Ministro, e pedirei a palavra para depois de S. Ex.ª dizer o que julgar conveniente.
O Sr. Ministro da Marinha disse que julgava ter os competentes esclarecimentos, e ia responder pela mesma ordem por que o digno Par tinha apresentado as perguntas.
1.ª Seja foram apresentados ás Côrtes os actos do Governador geral de Angola para serem sanccionados?
Que esta assumpto ainda não fora apresentado ás Camaras, porque tendo sido pratica do Governo acompanhar com as suas informações os actos que approva, ainda não pode satisfazer áquelle quesito.
2.ª Se o Governo acha irreprehensivel o comportamento do Governador geral de Angola na subscripção aberta a seu favor?
Que sobre isto lembrava que desde o momento em que o cidadão é accusado perante os Tribunaes, não deve a authoridade governativa ingerir-se no assumpto judicial.
3.ª Se approva a medida illegal da nomeação do Governador interino de Angola na ausencia do Governador?
O Governo intende que aquella nomeação não é illegal, porque está estabelecido no acto addicional, que o Governador, no seu impedimento, póde nomear Governador interino.
4.ª Se recebeu alguma informação sobre os escravos transportados a bordo dos navios do Estado, a polaca Esperança a a escuna Trindade?
Que o Governo sabe que naquelles navios tinham sido transportados alguns escravos para a ilha de S. Thomé, mas que estes escravos eram pertencentes a particulares para serem empregados na agricultura, e iam munidos de passaportes.
5.ª Se sabe que fosse tirado da sala do Governo o retrato do Sr. D. João VI para ser substituido pelo do Governador geral de Angola?
Que sobre este assumpto só póde dizer que lhe constava ter caído ha tempo na sala do Governo uma faísca electrica, e arruinado o retrato daquelle Soberano, e póde ser que o retrato do Governador fosse collocado naquelle logar; mas não sabe que isso seja certo, e acha que seria mais honroso para o Governador ter o seu retrato ao lado do daquelle Soberano.
6.ª Se tem conhecimento do modo barbaro por que são castigados os escravos em Angola?
Que o Governo sabe que o Governador geral de Angola, condoído do modo deshumano por que eram tractados os escravos, publicára um regulamento para que os castigos dados aos escravos fossem mandados applicar pelo chefe da policia, e que esta medida tinha sido bem recebida pelos habitantes daquella provincia.
7.ª Se o governo approvou as promoções feitas pelo Governador geral de Angola?
O Governo só approvou aquellas que a lei authorisa.
Que lhe parecia ter respondido a todas as perguntas que o digno Par lhe fizera, o se aguardava para dar toda e qualquer explicação.
O Sr. Conde de Thomar — Propuz-me interpellar o Governo sobre os importantes assumptos, que se contém nos quesitos, que por escripto entreguei ao Sr. Ministro da Marinha, não só pela rigorosa obrigação que me incumbe, como membro desta Camara, mas porque me inspira muito interesse a provincia de Angola; tendo, além disto, sido rogado por alguns dos seus habitantes para levantar a minha voz contra as arbitrariedades e despotismos, de que estão sendo victimas em consequencia das -medidas illegalmente adoptadas pelo ex-Governador geral de Angola, o Visconde do Pinheiro, continuadas pelo illegal Governo provisorio, da nomeação do mesmo ex-Governador geral. Sustento a expressão illegal, que o Sr. Ministro pertendeu combater, e não será difficil provar a minha proposição em vista da lei; mais tarde me explicarei sobre este negocio.
Não posso dar-me por satisfeito com as respostas do Sr. Ministro da Marinha, ás perguntas que tive a honra de dirigir-lhe. Perguntei em primeiro logar a S. Ex.ª
«Porque não foram apresentados á sancção das Côrtes os actos, com força de lei, publicados pelo ex-Governador geral de Angola, o Visconde do Pinheiro?»
Admirei que o Sr. Ministro se propozesse defender tanta illegalidade, tanta arbitrariedade, e tanto despotismo (apoiados).
A minha admiração augmentou, quando observei que o Sr. Ministro sustentou o direito que assiste aos Governadores geraes das provincias ultramarinas, para legislarem em casos identicos áquelles que fazem objecto da minha interpellação; e quando, para justificar o Governo pela falta da não apresentação de taes actos á approvação legislativa, se soccorreu á falta da consulta do Conselho ultramarino!
Não basta dizer que a lei dá faculdade aos Governadores geraes para adoptarem medidas extraordinarias, é necessario examinar attentamente, 1.° quaes são os casos em que se dá similhante authorisação, 2. qual é a natureza das medidas que se podem adoptar.
Diz o Acto addicional á Carta constitucional, artigo 15., §. 2.° (leu).
Em vista desta clara e terminante disposição da lei constitucional, vê-se claramente que os Governadores geraes só podem adoptar medidas extraordinarias em casos tão urgentes, que se não possa recorrer ás Côrtes, ou ao Governo. Á lei, dando uma tal authorisação aos Governadores geraes, não quiz que elles ficassem revestidos do poder de legislar em todos os objectos, mas quiz sómente que adoptassem provisoriamente aquellas medidas, sem as quaes poderia perigar a provincia, ou seguir-se grande prejuizo para o serviço publico. Perguntarei se o decreto do ex-Governador geral para a collocação de um guindaste na alfandega, creando lagares pagos pelo orçamento do Estado, e decretando impostos geraes sobre o commercio da provincia, póde ser daquellas medidas que a lei declara urgentes, e se perigava a segurança publica, e serviço da nação, e a mesma provincia, se antes de adoptar-se uma tal medida se recorresse ás Côrtes e ao Governo, cujas attribuições foram tão claramente usurpadas? Perguntarei se o regulamento sobre os castigos dos escravos, creando penas graves, e entre ellas a perda da propriedade particular, ou confisco, nos termos do artigo 7.° do mesmo regulamento, póde ser contado no numero das medidas urgentes dentro das attribuições dos Governadores geraes do ultramar?
Proponho-me demonstrar na analyse dos actos do ex-Governador geral de Angola, que se usurparam as attribuições do Poder legislativo, do Poder moderador e executivo, e até do Poder judicial; e quando tiver feito a minha demonstração, terei largamente justificado os motivos da minha interpellação, e verá a Camara se póde admittir a desculpa dada pelo Sr. Ministro da Marinha, da falta da consulta do Conselho ultramarino! A Camara decidirá se uma tal desculpa dada pelo Governo já na sessão do anno findo póde ser continuada depois de se terem passado tantos mezes! A Camara decidirá se o Governo se tem mostrado pouco zeloso contra as usurpações dos differentes Poderes do Estado com escandalosa violação da lei fundamental, e dos principios da moral, da civilisação! É realmente espantoso que, tendo sido publicadas similhantes medidas umas no fim de 1853, e outras no principio de 1854, venha o Governo na presente sessão de 1855 declarar que ainda não formou a sua opinião a tal respeito, porque ainda não chegou ao seu poder a consulta do Conselho ultramarino, mandado ouvir a tal respeito! É espantoso que tendo sido proclamadas, como arbitrarias, e illegaes taes medidas nesta Camara, e presente o Governo, este não intenda que os habitantes de Angola estão no direito de desobedecer a taes medidas, porque são adoptadas por uma authoridade sem poderes legaes para as adoptar, tendo aliás usurpado as attribuições dos differentes poderes do Estado!
Na minha opinião existe tal direito, e intendo que nenhuma responsabilidade cairá sobre os que não executarem as arbitrarias, e illegaes medidas, a que me tenho referido. Desde o momento em que nesta Camara foi provada a usurpação de attribuições dos poderes constitucionaes, cumpria ao Governo mostrar-se mais zeloso pela observancia das leis (apoiados).
É negocio este bastante grave, e não é daquelles em que o Governo póde repetir de anno para anno «ainda não formei a minha opinião» devia teia formado, estudando a questão, e habilitando-se com todas as informações para responder nas Camaras legislativas. A desculpa é inadmissivel (apoiados).
Não quero aproveitar-me da imputação feita pelo Sr. Ministro ao Conselho ultramarino, demorando uma consulta, durante tantos mezes, sobre negocio da maior gravidade, direi sómente que o Acto addicional impõe ao Governo a obrigação de sujeitar immediatamente á approvação das Côrtes as medidas, com força de Lei, publicadas pelos Governadoras geraes, ou pelo mesmo Governo, na ausencia das Côrtes (apoiados).
Perguntei em segundo logar ao Sr. Ministro se julga irreprehensivel e legal o comportamento de qualquer authoridade do ultramar, que promover, ou consentir que se promovam subscripções pecuniarias, applicando o producto das mesmas em proveito proprio?
Hesito, depois da resposta dada por S. Ex.ª a este quesito, se devo entrar no desenvolvimento da materia, muito embora esteja o mesmo quesito concebido nos termos geraes; declarou S. Ex.ª que essa subscripção, ou antes capitação, que acaba de ser estorquida em Angola, é um dos pontos do processo de syndicancia, a que actualmente responde o ex-Governador geral de Angola. Esta declaração inhibe-me de entrar no desenvolvimento do mais engenhoso meio de obter dinheiro com influencia da authoridade publica; mas visto que se tracta do conhecimento deste facto, não posso dispensar-me de recommendar ao Sr. Ministro, que leia as actas da Camara municipal de Loanda, especialmente eleita pelo Visconde de Pinheiro para tractar da chamada subscripção. Consulte S. Ex.ª essas actas e verá que, desde o primeiro dia em que a Camara tomou posse, até áquelle em que fez entrega de uma boa parte da subscripção, o negocio de que principalmente se occupou, foi justamente o de arrancar das algibeiras dos seus concidãos as maiores sommas possiveis para o ex-Governador geral! (sensação.)
Tem S. Ex.ª conhecimento da proposta para a subscripção feita e approvada no dia da installação da Camara municipal? Consulte a acta respectiva.
Tem S. Ex.ª conhecimento da acta em que a Camara municipal de Loanda vota agradecimentos ao commissionado, que mandou a differentes pontos da provincia para o fim indicado?
Tem S. Ex.ª conhecimento de igual voto de agradecimento dado pela Camara ao Ex.mo Bispo, ao Commandante do batalhão de linha, aos Commandantes de districtos e presidios, aos Chefes de todas as repartições publicas, pelos importantes serviços que prestaram, concorrendo com a sua influencia para se estorquirem as sommas, que fizeram objecto da tal denominada subscripção voluntaria? (sensação).
Lembro todas estas circumstancias ao Governo não tanto pelo passado, como para o futuro! Cumpre que o Governo faça constar qual deve ser a conducta das authoridades no ultramar, sobre ponto tão grave! Que terrivel precedente! Quem se negará a subscrever a favor dos Governadores geraes no ultramar, que tanto poder tem pelas leis, e de que tanto abusam na distancia em que se acham do Governo da metropole! Admittido este precedente deve o Governo ficar certo de que se repetirá com grandes inconvenientes do serviço publico, e detrimento dos infelizes habitantes das provincias ultramarinas! (apoiados.)
Perguntei em terceiro logar ao Sr. Ministro da Marinha se tinha reconhecido o illegal Governo provisorio nomeado pelo Visconde do Pinheiro?
Respondeu-me S. Ex.ª que lhe parecia não poder applicar-se rigorosamente a phrase illegal ao tal Governo provisorio, porque os Governadores geraes estavam authorisados em circumstancias extraordinarias a adoptar medidas extraordinarias. Seria necessario antes de tudo mostrar que a lei não havia previsto a falta, ou ausencia do Governador geral, e que não havia por consequencia provido de remedio: e dado o caso que a lei tudo tinha prevenido, e providenciado, seria necessario mostrar que da execução da lei se podiam seguir malles para a provincia, e para o serviço publico: sem estas circumstancias, pelo menos, o acto do Governador geral, annullando as providencias legaes, e criando para o caso da sua ausencia, ou falta, uma authoridade illegal, é insustentavel, e prova que se teve em vista um fim particular.
Todos sabem que, segundo o Decreto de 7 de Dezembro de 1836, o Conselho de Governo é o successor nato do Governador geral, quando Sua Magestade não tenha designado pessoa para a substituir. Todos sabem igualmente que pela lei de 2 de Maio de 1843 eram os Governadores geraes authorisados a providenciar nos casos urgentes, não prevenidos pelas leis. Todos sabem finalmente que, pelo acto addicional, os Governadores geraes sómente são authorisados a adoptar medidas extraordinarias em casos tão urgentes, que se não possa recorrer ás Côrtes ou ao Governo da metropole.
Em vista da legislação que acabo de referir, como pode justificar-se o acto do Governador geral de Angola, revogando a mesma legislação, e creando sob sua responsabilidade um Governo provisorio para governar a provincia durante a sua ausencia? Cuida a Camara que o ex-Governador geral de Angola fundamenta o seu illegal procedimento em rasões de interesse publico, na salvação da tranquillidade da provincia, ou na incapacidade do Conselho do Governo? Nada disso: funda-se na necessidade de ser Presidente do Governo o Ex.mo Bispo de Angola, excluido da presidencia pela legislação em vigor, segundo a qual deve ser Presidente o Conselheiro mais antigo! Funda-se na necessidade de evitar que se diga, que a tendencia das idéas predominantes do seculo é um pouco avessa aos preceitos religiosos! Funda-se na necessidade de prover em tal caso, supprindo assim o completo descuido do Governo da metropole, que abandonara a elle Governador no empenho de pôr em pratica tudo quanto fosse util á provincia,
e que nenhum negocio havia resolvido, não obstante as suas repetidas instancias!...
Parece realmente impossivel que se pretenda justificar uma tal usurpação das funcções legislativas com razões de tanta utilidade! Não é forçoso, nem póde reputar-se contrario aos preceitos religiosos, que um Bispo seja presidido por um leigo; e nesta Camara estamos vendo comprovada esta asserção. Estimaria conhecer os fundamentos da opinião do Governador geral de Angola, e mais estimaria ainda que o Sr. Ministro da Marinha me dissesse qual foi a consideração em que teve a accusação feita pelo seu Delegado naquella provincia, de que o Governo da metropole o abandonou no empenho de pôr em pratica as medidas uteis, deixando de resolver as questões graves que sujeitára á sua deliberação? Custa a por que um Delegado do Governo se explique por tal fórma, mas ahi está a acta de 23 de Março de 185 que prova exuberantemente tudo o exposto! O Ministerio que lh'o agradeça.
Não posso dispensar-me de observar á Camara, que é justamente depois de se haver revogado arbitrariamente uma Lei, depois de se haverem violado os direitos creados por essa mesma Lei em favor dos membros do Conselho do Governo, e depois de haver o Sr. Governador geral, de Angola irrogado ama tão forte censura aos Srs. Ministros, que S. Ex.ªs em logar de pedirem a responsabilidade legal por tamanha arbitrariedade, pela usurpação das funcções legislativas, e pela desconsideração promovida contra o Ministerio, despacharam o ex-Governador geral para o importante cargo de Sub-Chefe na repartição do Cominando em Chefe, conservando-lhe a patente de Brigadeiro, que não póde conservar por se não terem verificado as clausulas com que foi conferida! (apoiados.)
E tudo isto é mais notavel, attendendo-se a que o proprio Sr. Ministro da Marinha declarou que o ex-Governador geral de Angola está em processo em consequencia de actos praticados durante a sua gerencia! Como o Governo manda metter em processo o ex-Governador geral, torna-o assim suspeito de crime, e sem que se mostre illibado, despacha-o para logar tão importante? (sensação) Parece impossivel tudo que estamos presenciando, mas é um facto provado pelos documentos officiaes! Em que para; do mundo se repetirá acontecimento igual?
Quero acreditar que os Srs. Ministros pensam, como eu a tal respeito; quero acreditar que S. Ex.ª reprovam, como eu, taes usurpações de poder, taes arbitrariedades e despotismos; mas acredito tambem que S. Ex.ªs não se sentem com a coragem precisa para seguir os impulsos do seu coração, e os dictames da sua razão; estou convencido de que S. Ex.ª não teem a força precisa para arrostar contra algumas malevolas influencias da situação, que podem e governam mais que S. Ex.ªs! (sensação.)
Dou a minha palavra de honra que estou convencido de que os Srs. Ministros desejam remediar o mal; mas estou convencido de que não icem força bastante para isso: mas ainda neste caso a sua conducta é injustificavel...
Para que esta creação do tal Governo provisorio intruso fosse em tudo miseravel e desgraçada, até na Portaria, pela qual foi creado, se faltou á verdade! Diz o Governador geral na sua Portaria «que todo o Conselho votou unanimemente a adopção de uma tal medida!» Não é verdadeira, é menos exacta esta asserção, porque na, propria acta da sessão em que se tractou deste objecto, se contém a declaração ou protesto do Deputado da Junta da Fazenda contra similhante illegal creação, não constando, além disto, da mesma, que outros membros do Conselho sanccionassem com o seu voto tal nomeação! O Sr. Ministro da Marinha tem de certo estes papeis na sua Secretaria, mas se os não tem, nenhuma duvida terei em lh'os fornecer.
Poderá dizer-se que não houve pensamento reservado, mas tambem se poderá dizer, que se pretendia achar no Governo provisorio um instrumento docil para se continuar o systema e plano em execução!... Em todo o caso todos concebem que é um terrivel precedente não condemnar o procedimento do Sr. Governador geral. Revogar uma Lei, ferir direitos que ella estabelece, sem motivo justificado, é um daquelles actos, que eu não desejava ver defendidos pelo Sr. Ministro da Marinha (apoiados).
Ainda uma palavra sobre o illegal Governo provisorio: o Sr. Ministro da Marinha julga evadir-se á responsabilidade dizendo, que nunca tractou com tal Governo....
O Sr. Ministro da Marinha — De facto....
O Orador — Então reconhece o Governo de direito!... Como reconhece de direito, e não de facto? Peço ao Sr. Ministro que olhe para este negocio com seriedade, porque desgraçadamente se affiança que o ex-Governador geral de Angola, contra a expressa determinação da Lei, creou este Governo provisorio com o unico fim de fazer continuar o seu systema de administração, e com o fim de se levarem por diante certos pensamentos a que se não prestariam os membros do Conselho legal! Era necessario, entre outras cousas, continuar a subscripção em favor do ex-Governador, e para isto convinha a influencia das creaturas do ex-Governador geral. Se para esse e outros fins elle havia substituido quasi todos os empregados da provincia, não admira que se lembrasse da nomeação de um Governo provisorio que se prestasse a obter o fim desejado.
De passagem, visto que fallei em substituições de empregados, observarei que é extraordinario ver como o Governador geral se julgou authorisado a substituir quasi todos os empregados da provincia, mesmo os que serviam com diploma assignado pelo Chefe do Estado; refrendado pelos atuaes Ministros. Uma de duas, ou os Srs. Ministros haviam feito nomeações de empregados pessimos, e são por isso dignos da
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maior censura, ou haviam feito nomeações de bons empregados, e em tal caso é injustificavel o abuso e attentado do Governador geral, annullando todas essas nomeações; e neste segundo caso, se o Governo não exigiu a responsabilidade de seu Delegado, é tambem altamente censuravel (apoiados).
Parece-me ter percebido que o Sr. Ministro da Marinha, quando toquei a primeira hypothese da nomeação de pessimos empregados, deu a intender, que alguns eram da nomeação do Ministerio, que tive a honra de presidir… Quando assim fosse, o que não creio, pelo facto, da conservação depois de tantos annos, caberia a responsabilidade ao actual Ministerio; eu porém fallei em hypothese, sendo certo que pela maneira da minha argumentação, se conhece que o meu fim era collocar o Governo no dilema de se condemnar a si proprio, ou de condemnar o procedimento do ex-Governador de Angola.
O acto da substituição da quasi todas os commandantes de districtos e presidios, será tanto mais censuravel, se poder provar-se, que para se obterem similhantes cargos, se deram quantias fortes — do que resulta o maior vexame, mesmo para os habitantes desses districtos, porque tem a ser victimas do despotismo 8 voracidade dos taes commandantes, que não só tem em vista enriquecer-se, mas obter além disto as sommas, que largaram para obter os seus despachos. Estimarei, que tudo quanto se diz a tal respeito seja destituido de verdade; cumpre ao Sr. Ministro informar-se devidamente. Não me parece haver duvida, em que, pelo manos, esses commandantes foram nomeados para conseguir com a sua influencia o imposto da capitação a favor de quem os nomeou, porque a mesma Camara municipal de Loanda, em uma das suas sessões, Todos agradecimentos aos mesmos commandantes, pelos eminentes serviços que prestaram no pronunciamento voluntario a favor do Sr. Visconde do Pinheiro! Tambem me parece não haver duvida, em que os serviços prestados nesta occasião, começaram logo a ser premiados pelo ex-Governador geral: bastará attender, a que os dois vereadores, que mais se distinguiram na Camara municipal, mostrando o seu enthusiasmo pelo Visconde do Pinheiro, foram por elle agraciados, um com o governo do importante districto de Ambaca, outro com a patente de tenente-coronel do campo e reino! E se poder provar-se, que um destes individuos estava inhibido de poder ser despachado em consequencia de disposições governamentaes, que o Sr. Ministro da Marinha ha-de conhecer, então é forçoso admittir que o acto se torna muito mais reprehensivel (apoiados). Não me alargo mais sobre este objecto, porque o Sr. Ministro da Marinha me disse ter intendido muito bem.
Esquecia-me com tudo dizer, que essas nomeações novas de empregados, que mereceram inteira confiança do ex-Governador geral, muito embora não merecessem a do Ministerio, parece serem desenvolvimento de um plano denunciado mezes antes da partida do ex-Governador geral para Angola. Todos se recordarão, que toda a imprensa denunciou, que se projectava uma grande negociação de escravatura, a qual seria levada a effeito depois da chegada do dite Governador geral áquella possessão: se algum desses empregados fosse suspeito já a tal respeito, e se effectivamente do reino saíssem navios com aquelle destino, e se mais tarde se Verificasse que taes navios foram empregados no trafico da escravatura, o negocio torna-se muito mais grave, e não póde deixar de merecer a mais séria attenção do Governo e das Côrtes (apoiados). Todos se recordarão dos meus esforços na sessão passada, para conseguir que o Governo proseguisse nas mais escrupulosas investigações, a respeito de dois brigues saídos do Porto, e que eu sabia com certeza se dispunham ao infame trafico da escravatura. Perdoe-me o Sr. Ministro da Marinha, eu estou convencido de que o Governo não andou assas vigilante e activo neste negocio.
O Sr. Ministro muitas vezes declarou que ninguem mais que elle abominava o trafico da escravatura, assim o acredito, nem S. Ex.ª precisava fazer taes declarações, mas é lastima que continuem a praticar-se actos, que nos compromettem na presença da moral e da civilisação, na presença da Lei, e na presença dos tractados com uma grande nação. Eu quero ainda suppôr, que tudo quanto tem acontecido procede da falta da força necessaria para proseguir em um negocio em que certas notabilidades podem ficar compromettidas…
(Sensação).
Desejarei que o Governo mande vir á Camara ©processo deste importante negocio. Veremos se andou regularmente.
O nobre Ministro, respondendo ao meu quesito «obre a exportação de escravos de Loanda para a ilha de S. Thomé, disse, que nada mais e tinha feito senão exportarem-se dez escravos por cada colono, que em boa fé mudou a sua residencia de Loanda para a referida ilha de S. Thomé, o que é promettido pela Lei, e pelo tractado a que me referi. Pertenceu S. Ex.ª mostrar, que a verdadeira intelligencia da Lei e do tractado, não se oppoem a que no mesmo navio possa ir numero superior a dez escravos, uma vez que não pertençam a cada colono mais de deu. Não é essa verdadeiramente a minha questão. O que eu desejei saber é, se o Governo tinha noticia da exportação, verificada nos navios do Governo Trindade e Esperança, e se haviam sido satisfeitas as formalidades da Lei? Já se vê portanto, que a resposta dada por S. Ex.ª «ora referencia ás informações que recebeu, e correspondencia satisfactoria com o Ministro da nação alliada, não póde satisfazer-me.
Foi reconhecido pelo Sr. Ministro que a bordo desses navios se exportaram escravos de Loanda para a ilha de S. Thomé: e affiançado que a bordo desses navios foram por uma occasião setenta escravos, por outra cincoenta, e por outra dez. É fora de duvida, e foi asseverado pelo Sr. Ministro, que o Governador da ilha de S. Thomé, suspeitando que taes escravos eram destinados, não ao serviço dos colonos, que em boa fé diziam mudar de residencia, mas a serem vendidos, os fizera recolher a Uma fortaleza, até que procedendo ás devidas informações, e convencido de que não eram destinados á venda, os mandára entregar a seus respectivos senhores. Sinto dizer ao Sr. Ministro da Marinha, que tudo quanto disse para provar a legalidade da exportação dos escravos, me confirma mais e mais, que se commetteu um grande abuso, e que anda em todo este negocio um grande criminoso, que é necessario fazer punir na conformidade das Leis. Quando a Lei tem estabelecido o modo porque é permittida a exportação dos escravos, quando o tractado de accôrdo com a Lei contém disposições que é forçoso cumprir para se mostrar boa fé em taes exportações, de nada valem as informações dadas por esta, ou por aquella authoridade, e muito me, nos o juizo, que possa formar sobre o fim que se teve em vista, quando se verificou a exportação.: Que determina a Lei, quando permitte a exportação dos escravos de uma para outra possessão portugueza? Vejamos.
Diz o § 1.° do artigo 4.º do Decreto de 10 de Dezembro de 1836 «que o numero dos escravos exportados ou importados, segundo a permissão excepcional de que tracta o artigo 3.º in principio, nunca poderá ser mais de dez.»
Vem desde logo a questão — se foi legal a exportação de setenta e cincoenta escravos por uma só vez em cada um dos navios do Estado, que já mencionei — esta questão, porém, como já disse, não é o objecto que mais particularmente tenho em vista, o que me proponho demonstrar é, que se tem feito a escravatura nos navios do Estado, e com intervenção das authoridades; que uma tal exportação de escravos tem sido fraudulenta, e que ao Ministerio incumbe descobrir o auctor, ou auctores da fraude para lhes exigir a devida responsabilidade (apoiados).
Diz o § 2.º «Antes da exportação declarará o Senhor dos escravos perante a authoridade superior da alfandega do porto, em que embarca, o numero de escravos, que leva, preste tando fiança idonea, e correspondente ao duplo do valor dos escravos, que pertende exportar, de como effectivamente os ha de desembarcar no logar a que declarou destinar-se.»
Pergunto ao Sr. Ministro da Marinha, foi satisfeita esta exigencia da Lei? Affirmo que nem se fez a declaração exigida, nem tão pouco se prestou a fiança nos termos do artigo, que acabo de ler. Não basta em materia tão melindrosa vir dizer á Camara que o Governador de S. Thomé, depois de informar-se, ganhou a convicção de que os escravos assim exportados pertenciam a colonos, que mudavam de residencia, é necessario responder com o documento exigido pela Lei (apoiados).
Diz esta no § 3.° «De se haver prehenchido o que determina o paragrapho antecedente e lavrará auto em um livro especial, que para isso haverá na alfandega, inserindo-se no mesmo auto a declaração feita pelo Senhor dos escravos, e o termo da fiança por elle prestada.»
Pergunto ao Sr. Ministro: foi satisfeita esta exigencia legal? Pôde o Sr. Ministro apresentar certidão authentica deste auto? Não póde, porque não foi lavrado, o que prova ainda a fraude da exportação.
E não bastam as informações, ou investigações do Governador de S. Thomé pelo testimunho de pessoas, que no seu conceito mereciam credito, era necessario para considerar de boa fé a exportação dos escravos de que se tracta, que elle recorresse á authoridade superior da alfandega daquella ilha, para verificar se estava satisfeito o preceito do § 4.° do artigo 4.° do citado Decreto que diz assim:
«A authoridade superior da alfandega aonde «se lavrar o auto de que tracta o paragrapho antecedente enviará traslado authentico do mesmo auto, em carta cerrada de officio á authoridade superior da alfandega do porto, a que o Senhor dos escravos declarou destinar-se.»
Pergunto: exigiu o Governador de S. Thomé para convencer-se da verdade, que a authoridade superior da alfandega da ilha lhe apresentasse o traslado authentico de que tracta o artigo da Lei que acabo de ler? Não o poderia obter, porque tal auto nunca foi lavrado!
Mas isto ainda não é tudo: A Lei diz expressamente no artigo 5.º «Por cada escravo exportado segundo o modo prescripto no artigo 3.º in principio, se pagarão os mesmos direitos que se pagavam, quando a exportação dos escravos era permittida.»
Pergunto ao Sr. Ministro da Marinha: pagaram-se effectivamente alguns direitos por esses escravos que S. Ex.ª considera exportados bona fide? Não se pagaram, e em quanto S. Ex.ª procura uma resposta nas suas informações officiaes sobre este importante assumpto habilitarei eu a Camara a julgar esta questão em vista da certidão extraída dos livros da alfandega de Loanda, pela qual se prova, que taes direitos se não pagaram (sensação profunda).
Eis-aqui a certidão:
«Ill.mo Sr. Administrador da alfandega desta «cidade. — Diz Joaquim José Monteiro, que precisa que V. S.ª lhe mande passar por certidão: 1.° o numero de escravos, que foram «para a ilha de S. Thomé, no transporte portuguez Trindade que largou deste porto para «aquella ilha no dia 22 de Janeiro ultimo; bem como da importancia dos direitos que taes escravos pagaram na alfandega desta cidade.
«2.° O numero de escravos, e a sua importancia dos direitos pagos na mesma alfandega, e que foram no mencionado transporte para a dita ilha, e que partio deste porto em 8 de Abril ultimo.
«3.° O de escravos, e os respectivos direitos pagos na mesma alfandega, os quaes foram no transporte portuguez Esperança, que largou deste porto para a mesma ilha, em 19 d'Abril ultimo: portanto pede a V. S. lh'a mande passar e R. M. Loanda, 20 de Outubro de 1854. = Joaquim José Monteiro.
«Passe do que constar, não havendo inconveniente.
«Alfandega de Loanda, 2 de Novembro de 1854. = Ferreira.
«Certidão. — João Paes de Vasconcellos, escrivão das descargas da alfandega de S. Paulo d'Assumpção de Loanda, por Sua Magestade Fidelissima que Deos guarde, etc.
«Certifico que revendo o livro em que se registam os despachos desta alfandega, delle não consta terem-se despachado escravos alguns nos navios que o supplicante menciona na petição retro.
«E para constar aonde convier passei a presente em virtude do despacho proferido na petição retro, extraída do proprio livro a que a me reporto. Vai por mim assignada e sellada com o sello desta repartição. Alfandega de Loanda, 3 de Novembro de 1854. = João Paes de Vasconcellos.»
Parece impossivel que se tenha procedido por tal fórma, a fraude apparece mais clara, que a luz do dia — quem a commetteu? incumbe ao Ministerio o rigoroso dever de descobrir, e fazer punir os criminosos.
Ainda uma palavra sobre o assumpto: é provado pelas partes officiaes do registo da saída dos navios de Loanda, que não se faça a menor menção da exportação de similhantes escravos na companhia dos colonos, que mudavam de residência - nessas partes officiaes apenas se diz que sairam esses navios do Estado, com as suas tripulações, e tantos passageiros do Estado! Que vergonha para nós! É com o titulo de passageiros do Estado, e em navios do Estado, que se exportam escravos de Loanda para S. Thomé? (Sensação em todos os lados da Camara).
Tenho por mais de uma vez declarado que supponho os Srs. Ministros incapazes de concorrerem para similhantes fraudes, mas tenham SS. Ex.ªs a coragem precisa de profundar este desgraçado negocio — de punir o criminoso quem quer que elle seja (apoiados).
Como tenho occupado a Camara com a exportação fraudulenta dos escravos, peço licença para em seguida me occupar da pergunta, que fiz ao Sr. Ministro da Marinha, relativa ao modo barbaro, porque estão sendo castigados os escravos em Angola.
O Sr. Ministro referiu-se á Portaria do ex-Governador geral, sobre o castigo dos escravos, e não teve duvida em considerar aquella medida muito conforme aos principios da humanidade, no que estava de accôrdo o Governo de uma nação alliada, que até havia elogiado um similhante acto daquella authoridade. Tambem tenho conhecimento dessa Portaria, e tambem sei que no seu preambulo se falla em principios de humanidade, e que inculca grande compaixão pelos escravos, algumas vezes victimas do furor dos seus senhores, mas não basta inculcar essa compaixão, é necessario que os factos a justifiquem, que importa adoptar uma medida para acabar com o arbitrio do senhor do escravo, se a esse arbitrio for substituido outro ainda mais atroz, e tanto mais que é exercido pela authoridade publica?
Antes de tudo cumpre-me observar que a substituição do arbitrio pela maneira, porque se acha estabelecida no acto do ex-Governador geral de Angola, não póde sustentar-se, e é summamente odiosa para o Governo, porque se reduz a fazer passar o azurrague da mão do senhor do escravo para a mão da Authoridade administrativa. Eu sinto realmente vêr que o sangue, que até agora corria das costas dos infelizes escravos pela barbaridade do seu senhor, corre hoje a jorro dessas mesmas costas pela barbaridade do Delegado do Governo! Esses infelizes que até agora sentiam rasgar a pelle pelo azurrague do seu senhor vêem-se hoje amarrados ao pelourinho, ou a uma escada por ordem do Governo, e sentem as costas retalhadas pelo braço da Authoridade publica! Logo darei uma idéa á Camara da qualidade do instrumento com que o ex-Governador geral de Angola verificava os seus principios de humanidade nas costas dos infelizes escravos; cumpre-me neste momento fazer leitura á Camara dos documentos que provam o modo, porque aquella Authoridade mandava castigar os escravos, tenho presentes um grande numero desses documentos, mas farei sómente a leitura de alguns delles. Eis-aqui um delles:
«Governo geral da provincia de Angola. = Repartição civil. Livro 11.° n.° 124. = Com este será apresentado ao chefe do policia um preto pescador de nome, Manoel, e de ordem de S. Ex.ª o Visconde de Pinheiro Governador geral da provincia, mandará o mesmo chefe de policia castiga-lo com cem açoutes, por haver insultado o cabo Manoel Alves, do a batalhão de linha, que pertendia comprar ao dito preto, peixe para rancho das praças destacadas no Penedo, e ao proprio official encarregado do rancho, podendo depois ser entregue a seu senhor. Secretaria do Governo geral da provincia de Angola, 19 de Janeiro de 1854. = Carlos Possollo de Sousa, secretario geral.»
Eis-aqui outro documento:
«Governo geral da provinda de Angola. = Repartição civil. Livro 11.º n.° 214. = Determina S. Ex.ª o Visconde de Pinheiro, Governador geral da provincia, que sejam castigados com duzentos açoutes cada um os pretos
José, Arcenio e Joaquim, que se recusaram ao serviço de seu senhor Antonio José Coelho Villela; — com cento e cincoenta açoutes o preto José, de Antonio, d'Azevedo Ramos Pau, por ser fujão, ladrão e deboxado; — com cento e cincoenta ditos o preto Dala, de Manoel da Luz Carvalho e Araujo, por ser fujão; — com cento e eincoenta ditos, o preto Pretinho, por se ter recusado ao serviço que lhe foi ordenado por seu senhor Feliciano Gonçalves do Espirito Santo e Cunha; — com cem ditos, o preto Matheus, de Manoel Antonio de Magalhães e Silva, por ser deboxado e ladrão; — e finalmente com trezentos ditos, o preto Manoel José, escravo de Joaquim José Monteiro PELO ROUBO DE QUE TRACTA O OFFICIO do mesmo chefe de policia, n. 31 desta data, e ficando assim tambem respondidos os seus officios n.ºs 17, 18, 19, 20. e 28. Por esta occasião se previne ao mesmo chefe de policia — de ordem de S. Ex.ª — de que estes castigo só deverão ter logar na terça-feira proxima 31 do corrente. Secretaria do Governo geral dá província de Angola, 28 de Janeiro de 1854. Carlos Possollo d Sousa, secretario geral.»
A Camara, avaliará se os principios de humanidade tão pomposamente proclamados no preambulo da Portaria do ex-Governador geral de Angola foram tidos em consideração, quando e mandavam dar cem açoutes no pobre escravo pescador, que teve a infelicidade de desagradar ao soldado, que lhe comprava peixe para o rancho do seu destacamento! Quem sabe se este soldado queria haver o peixe por um preço, que não convinha ao infeliz escravo? A Camara avaliará se, mesmo no caso do roubo imputado a um escravo, o Governador geral de Angola póde julgar-se authorisado a mandar arbitrariamente applicar a um escravo o muito barbaro castigo de trezentos açoutes!
Cabe agora dar conhecimento á Camara do instrumento com que o Governador geral mandava, pelo seu chefe de policia, applicar taes castigos; lerei o respectivo paragrapho de uma memoria, que de Angola me foi remettida, dando esclarecimentos sobre negocios daquella desgraçada parte do territorio portuguez.
«Os castigos dos escravos, apesar do regulamento já citado do Visconde do Pinheiro, continuaram no tempo delle, e no tempo do Governo provisorio por ordem do mesmo Governo, não obstante ser presidente o Reverendo Prelado, comtudo se mostra pelas diferentes ordens ao chefe da policia ao diante juntas, a ser dados, ou no Pelourinho, ou junto á casa da policia, como d'antes, com azorragues de couro de boi cru partidos do meio por diante em cinco pernas retorcidas, que por muito seccas e duras cortam como facas. De fórma que um açoute equivale a cinco, e por consequencia cem açoutes a quinhentos. O preto posto de pé é amarrado de pernas e mãos ao pelourinho, ou aos degráos de uma escada portatil inclinada a uma parede, do modo que não possa mecher-se. Um empacaceiro com toda a sua força lhe arruma o numero de açoutes a que foi condemnado pelo Governador, ou pelo chefe da policia a instancias do senhor a do escravo, os quaes açoutes são contados em voz alta por um cabo, para não se enganar com os altos e com pungentes gritos da victima. A uma duzia de açoutes já o sangue do escravo corre a jorros pelas escadas do Pelourinho, ou pela terra ao pé da escada onde está amarrado. Ha dias em que na estação da policia duram estes castigos horas e horas, correndo a final o sangue dos escravos pela terra, como n'um matadouro de rezes, em que se não aproveita o sangue das mesmas!!
«A barbaridade destes castigos, só quem os presenceia a póde imaginar. Mas o que é para notar é que taes castigos, nem ao menos se a suspendessem durante o Governo do nosso Reverendo Bispo, que todos sabemos, e elle tambem, que não póde fazer sangue em gente christã, porque apesar de escravos, todos são seus irmãos, ainda que elle não quer que o sejam.»
Sinto que a Camara se ache, como eu, comovida, com os esclarecimentos que acabo de dar-lhe; diga-me agora o Sr. Ministro se póde ainda, á vista de tudo isto, fallar-se na medida adoptada para suavisar a sorte dos infelizes negros; venha S. Ex.ª dizer-nos ainda que o Governo inglez elogiou aquella medida: o Governo inglez podia elogiar os principios que se inculcava ter em vista, mas o Governo inglez ha do ser por certo o primeiro a condemnar, que o arbitrio da authoridade publica substituido ao arbitrio de senhor dos escravos, em logar de suavisar, aggravasse a sorte dos infelizes escravos (apoiados). Mas seja qual fôr o pensamento de um Governo estrangeiro sobre esta questão, ou sobre outra qualquer, a nós sómente compete julgar se o comportamento do Sr. Governador geral é censuravel, ou se é digno da approvação; e neste caso ainda pergunto ao Sr. Ministro da Marinha se approva o regulamento do castigo dos escravos, e se approva igualmente o modo barbaro, por que se está executando em Angola?
Passarei a fallar do facto da deslocação do retrato do Senhor D. João VI, para ser substituido pelo retrato do Sr. Visconde do Pinheiro! Devo antes de tudo declarar, que este facto teve logar depois da partida daquelle empregado para a metropole, e que portanto não fora ordem sua, mas do Governo provisorio intruso e illegal, que nomeou para governar a provincia durante a sua ausencia.
A historia deste celebre retrato é notavel desde o seu principio: está visto que não podia deixar de ser lembrança da Camara municipal do Visconde do Pinheiro: contra a Lei, e desviando õs rendimentos do municipio da sua legal applicação, intendeu a Camara municipal, que podia ajustar um retrato do mesmo Visconde pela quantia de trezentos mil réis; este retrato, feito
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assim por ordem da Camara, não póde ser concluido, em quanto residio em Loanda o Sr. Governador geral, foi concluido depois da sua partida; esta circumstancia fez diminuir o enthusiasmo da Camara municipal, e a tal ponto que, não podendo o artista conseguir o preço ajustado, se viu na necessidade de o expôr á venda, a quem mais desse; posto effectivamente á venda, ninguem offerecem um real por elle friso), e foi necessario que regressasse d Ambaca o Governador nomeado pelo Visconde do Pinheiro, e que era tambem fiscal da Camara, para obter da mesma 150$000 réis, e que a estes se juntassem outros 150$000 réis da sua algibeira, ou do producto da capitação voluntaria, para se obter o tal retrato! Obtido depois de tantos sacrificios, era necessario colloca-lo com pompa em logar elevado. Julgou o Governo provisorio, e a Camara municipal, que nenhum era mais proprio do que a sala em que se acham collocados os retratos de alguns Monarchas destes reinos, e mais ainda julgou-se que era melhor fazer baixar do eminente logar em que se achava o retrato do Senhor D. João VI, para ahi fazer subir o retrato do Sr. Visconde do Pinheiro! {Sensação.) Assim se fez com assistencia do Governo provisorio, da Camara municipal, e dos empregados da nomeação do mesmo Visconde! Eu espero que o Sr. Ministro da Marinha ha-de mandar desapparecer das salas do palacio do Governo este motivo de escandalo (apoiados).
Não me admira que a Camara municipal de Loanda se prestasse a estes actos, quando já antes havia feito pelo Visconde do Pinheiro, o que não é costume fazer pelos Senhores Reis destes reinos, e pelos Membros da Família Real. Nunca os anniversarios natalícios da Família Real são festejados com Te-Deum e missa, presente o Prelado diocesano; mas o aniversario natalício do Visconde do Pinheiro foi por tal fórma festejado á requisição da Camara municipal, e com assistencia do Governo provisorio! Digam-me o que significa tudo isto? (Sensação geral.)
Folguei muito de ouvir dizer ao Sr. Ministro da Marinha que o Governo não tinha approvado a promoção feita pelo ex-Governador geral de Angola, e que não lhe reconhecia mesmo o direito de fazer taes promoções.
O Sr. Ministro da Marinha — É a Lei que não reconhece tal direito.
O orador — Muito bem: é nesse sentido que eu tomei ai palavras de S. Ex.ª, estamos de perfeito accôrdo: a Lei não concedia ao Governador geral fazer uma promoção no exercito de Angola — comtudo essa promoção foi feita, e ainda não vi acto nenhum do Governo, declarando illegal o procedimento daquelle empregado, nem vi ainda que se lhe tenha pedido a responsabilidade por este abuso de poder reconhecido pelo Sr. Ministro, o que eu vi foi um acto ministerial despachando o Visconde de Pinheiro para um logar importante, e conservando-lhe a qualidade de Brigadeiro a que não tem direito. Está intendido: o Sr. Governador geral quis imitar o Governo da metropole na promoção monstro que fez para adquirir um partido no Exercito! Este abuso foi ainda continuado pelo Governo provisorio, o que se prova pelos boletins respectivos, o que não leio para não cansar a Camara, estou convencido de que o Sr. Ministro não duvidará deste facto, se duvidasse mostraria a Portaria, porque o Governo provisorio promove um Capitão a Major. Disse o Sr. Ministro que a promoção feita pelo Governador geral ficou dependente da approvação do Governo! Grande favor no» fez o Governador geral em inserir tal declaração nos seus Decretos ou Portarias, parece que S. Ex.ª deseja que votemos agradecimentos a quem tanto abusou pelo facto de deixar dependente da approvação do Governo a grande promoção que fez! (Riso.) Permitta-me o Sr. Ministro que eu lhe diga, que é indispensavel que o Governo se mostre mais zeloso contra as usurpações das attribuições do Poder moderador e executivo -(apoiados).
Passarei agora a dizer alguma cousa sobre o Regulamento dos carregadores. Este Regulamento, quanto a mim, além de ser uma usurpação das funcções legislativas, 6 uma espoliação praticada contra a infeliz classe dos carregadores, e é insustentavel por outros motivos. Convenho em que é indispensavel continuar um similhante meio de transporte das mercadorias do interior da provincia para a capital, mas intendo, que nem o Governo, nem o Governador geral da provincia, nem outra alguma Authoridade, ou individuo tem direito a exigir dos carregadores que trabalhem de graça, applicando-se o producto do seu trabalho para estradas, para ordenados de empregados publicos, ou para outro fim, que não seja do seu proprio interesse. O trabalho do carregador 6 a sua propriedade, são os seus capitães, e ninguem tem direito de «e aproveitar delle sem offensa da Lei. O carregador é um cidadão portuguez, e ninguem o pode privar dos direitos que as Leis lhe garantem. O Governador geral de Angola diz que o seu Regulamento tende a fazer cessar os abusos commettidos pelos chefes, e commandantes dos presidios e districtos, com manifesto prejuizo do commercio, e sem uma espectativa do melhor futuro da classe infeliz dos carregadores, e eu digo que o seu Regulamento legalizou em parte o abuso, que inculca pertender condemnar, fazendo locupletar os cofres do Governo com a factura alheia, beneficiando o seu Secretario geral, e conservando na sua mão um meio que se presta a fins mercantis, porque o Governador geral fica habilitado a favorecer o commercio de negociantes seus amigos, o quem sabe se interessados, com prejuizo daquelles, cujas transacções quizer empecer.
Eu não poderia tractar esta questão com maior lucidez e desenvolvimento do que a tractou um Ministro, que sinto não vêr sentado na sua cadeira, porque teria nelle um bom auxiliar para tractar esta questão, Fallo do digno Par o sr. Visconde de Sá; a sua opinião, porém, e as suas idéas contém-se na Portaria que vou ler á Camara.
«... Manda a mesma Augusta Senhora, pela Secretaria de Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, que o Governador geral de Anti gola prohiba aos Capitães móres ou Regentes, o dar um só carregador que seja para conducção de fazendas, ou quaesquer objectos de commercio, para fora dos limites dos dominios portuguezes, e nem mesmo de umas para outras partes dentro delles, a não ser para transportes de objectos pertencentes ao Estado, devendo neste caso os carregadores ser pagos pela fazenda publica, pelos preços estipulados segundo as distancias; e que faça effectivamente responsaveis os ditos Capitães móres, ou Regentes pelo cumprimento de similhantes ordens, castigando com todo o rigor das leis os infractores; intendendo de que para o futuro ficará ao arbitrio dos negociantes, e de quaesquer outros individuos a ajustar-se com os negros para a conducção das suas fazendas ou géneros, de uns para outros pontos das nossas possessões, sem que em taes convenções já mais intervenha authoridade, ou força.»
O Sr. Ministro da Marinha — A data dessa Portaria?
O Orador — Tem a data de 31 de Janeiro de 1839. Eu intendo que nesta Portaria se contém os verdadeiros principios. Em quanto permitte ou manda continuar este meio da transporte, exige que os carregadores sejam pagos do seu trabalho, pelo Estado, se os objectos transportados pertencem ao Estado, e pelos preços estipulados, segundo as distancias, e pelos negociantes, segundo o ajuste feito com os negros para a conducção das suas fazendas ou generos de uns para outros pontos no Ultramar. Combine agora a Camara as disposições desta Portaria com as do regulamento do Visconde do Pinheiro.
Em primeiro logar fica dependente da resolução do Governador geral o conceder os carregadores — este arbitrio pode ser de graves consequencias para o commercio, e póde dar logar a muita corrupção: em segundo logar manda que metade do preço por que se concederem os carregadores entre no cofre do Estado para ser applicado á abertura de estradas, construcção de pontes, etc.; e que outra metade fique pertencendo para os Commandantes dos districtos, como emolumento pelo serviço que prestam de passar a guia nos termos do artigo 6.º do Regulamento.
Pergunto se ha nada mais barbaro! O pobre carregador e obrigado a um serviço violento no sertão da Africa muitas vezes por espaço de seis mezes, sujeito ás maiores privações, e victimas de um penoso trabalho; mas o Governador geral estabelece no seu regulamento, que tudo quanto ganhar seja metade para se fazerem estradas, e construir pontes de que a provincia carece, e outra metade para os empregados publicos, porque os seus ordenados são pequenos l (sensação.) Isto não é possivel: o Sr. Visconde de Sá diz na Portaria que assignou «que estes carregadores (no preambulo) são subditos negros de Sua Magestade» como taes não podem ser privados dos direitos que teem os outros subditos; como pretendem então que o producto do seu trabalho seja applicado para estradas e pontes, e para ordenados dos empregados?
Se se precisam de estradas e pontes, lance-se um imposto geral; se os ordenados são pequenos, sejam augmentados, mas não com o suor do rosto de uma pobre e infeliz classe como a dos carregadores! (apoiados.)
Fica, quanto a mim, provado não só que se legalisou um abuso, que cumpria castigar e fazer remediar, mas que se commetteu uma usurpação do poder legislativo.
E não parou no caminho da usurpação das attribuições dos poderes do Estado o ex-Governador de Angola, porque se vemos usurpar as do poder moderador, permittindo que um degredado a cinco annos para Mossamedes, tendo mais sido condemnado á perda do Governo de Ambaca, e da patente de Alferes, regressasse a Loanda, e passeie em frente dos Juizes que o condemnaram, annullando mais com tal permissão o effeitos das sentenças do poder judicial! (signaes de admiração.)
É possivel que o nobre Ministro da Marinha não tenha conhecimento deste facto, mas cumpre-lhe verifica-lo, e pedir a devida responsabilidade a quem o praticou.
E não contente ainda com taes usurpações não quiz o Governador geral de Angola deixar de nomear um Governo provisorio que usurpasse ainda as do poder judicial. É um individuo accusado de passar passaportes falsos aos pretos fugaes — este crime está classificado pelas Leis do Reino, que estabelecem o processo, e a pena que deve soffrer o que o pratica; mas o Governo provisorio de Angola, por sentença sua de 18 de Março de 1854, manda que o paisano José Antonio Pereira da Conceição assente praça no batalhão de linha por passar passaportes falsos a escravos que fogem!!!
Sejamos francos: os nossos irmãos do Ultramar teem razão de se queixar contra estes abusos, que só poderão deixar de existir quando o Governo não mandar empregados que, abusando por tal fórma do poder que as Leis lhes conferem, julgam que as possessões ultramarinas são propriedade sua! Não consinta o Governo os abusos, e excessos de poder que acabo de notar, que seria terrivel precedente para o futuro, e castigue sobre tudo o abuso de fazer substituir os empregados publicos com homens, cujos precedentes denunciam desde logo o fim de taes nomeações. Venha quanto antes offerecer á approvação das Côrtes actos que não podem continuar a obrigar coma Lei, porque são verdadeiras usurpações das attribuições dos poderes do Estado — tome, em uma palavra, a posição que lhe compete como Governo, obrando pelos seus proprios sentimentos, e sem receio das malevolas influencias da situação. Limito aqui as minhas observações, e espero que hão de concorrer para que o Governo olhe com mais attenção para o que se passa no Ultramar (apoiados).
Interrompeu-se a discussão para
O Sr. Visconde da Granja lêr o parecer da commissão de administração publica, sobre, o projecto vindo da outra Camara, e que esta julgou urgente (leu).
Entrou portanto em discussão na generalidade o seguinte parecer (n.° 202):
A commissão de administração publica examinou o projecto de lei que veio remettido da Camara dos Srs. Deputados, pelo qual é authorisada a Camara municipal do Porto a contrair um emprestimo até á quantia de 30 contos de réis, com juro que não exceda a 6 por cento ao anno, na conformidade das condições que se acham juntas ao mesmo projecto. A commissão attendendo á evidente e reconhecida necessidade de acudir com alguns remedios á falta, escacez e carestia dos cereaes, que é geralmente notoria naquella localidade: e attendendo não menos que as condições com que se propõe contrair o dito emprestimo, tendo merecido a approvação do respectivo Conselho de districto, não é além disso contraria nem offensiva da legislação vigente: é de parecer que o dito projecto merece ser approvado por esta Camara, e submettido depois á Sanação Real,
Sala da commissão, 28 de Fevereiro de 1855. = Visconde de Algés = José Maria Eugenio de Almeida = Visconde de Balsemão = Visconde da Granja.
Projecto de lei (n.º 182)
Artigo 1.º U authorisada a Camara municipal do Porto a contrair um emprestimo ate á quantia de 30 contos de réis, com juro que não exceda a 6 por cento ao anno; na conformidade das condições juntas, que fazem parte da presente lei.
Art. 2.º O producto do emprestimo, dividido em tres series, será unica e exclusivamente applicado á compra dos cereaes, para serem vendidos ao povo, pelo menor preço que fôr possivel.
Art. 3.º Para garantia do pagamento do emprestimo, e seus juros, hypothecará a Camara municipal os cereaes comprados, ou o seu producto, e bem assim o producto de todos os impostos, ou rendimentos municipaes, que não estiverem hypothecados a um outro emprestimo.
Art. 4.º Fica revogada toda a legislação em contrario.
Palacio das Côrtes, em 26 de Fevereiro de 1855. = Julio Gomes da Silva Sanches, Presidente. = Carlos Cyrillo Machado, Deputado, Secretario. = António Pinheiro da Fonseca Osorio, Deputado, vice-Secretario.
Condições para o emprestimo de 30 contos de réis.
1.ª O emprestimo será até á quantia de 30 contos de réis; e a quantia realisada será unica e exclusivamente applicada para a compra de milho e de outros cereaes.
2.ª O emprestimo será dividido em tres series, e não será recebida a segunda sem estar empregada a primeira, nem a terceira sem estar empregada a segunda.
3.ª O emprestimo será levantado por cheques, ou notas promissorias, passadas pelo Presidente da municipalidade, e pagaveis ao portador a 6. 9 e 12 mezes, com vencimento de juro a razão de 6 por cento ao anno.
4.ª As quantias que assim se levantarem entrarão em um cofre especial, e haverá uma escripturação em separado.
5.ª Da mesma sorte entrará no mesmo cofre o producto do milho e dos mais cereaes á medida que se forem vendendo, a fim de ser applicado unica e exclusivamente ao pagamento dos mutuantes.
6.ª Na fórma da condicção antecedente constituem hypotheca especial, e garantia aos mutuantes, o milho e mais cereaes que se comprarem, ou o producto delles, logo que estejam vendidos, e em geral hypothecam-se para maior segurança dos mutuantes todos os mais impostos municipaes, que não estiverem hypothecados a outro emprestimo.
7.ª O juro que se convencionar, e que nunca poderá exceder do limite já declarado, será deduzido no acto de se receber o emprestimo.
Palacio das Côrtes, em 26 de Fevereiro de 1855. = Julio Gomes da Silva Sanches, Presidente. = Carlos Cyrillo Machado, Deputado, Secretario = Antonio Pinheiro da Fonseca Osorio, Deputado, vice-Secretario.
O Sr. Aguiar — Sr. Presidente, o objecto deste projecto é muito simples, mas tambem é muito urgente (apoiados). É um emprestimo solicitado pela Camara municipal do Porto para occorrer ás necessidades alimenticias do seu municipio; e por consequencia, parecia-me muito bem que a Camara podia dispensar todas a formalidades regimentaes, e entrar já na sua discussão, que supponho não será muita, e mesmo que nenhuma haverá. Peço, por tanto a V. Ex.ª», que tenha a bondade de propôr á Camara o meu requerimento.
Foi approvado.
O Sr. Presidente — Resta-me nomear a deputação que deve apresentar a Sua Magestade este projecto, a qual será composta além do Presidente, dos dignos Pares, Conde de Fonte-nova, Vice-Secretario, e dos Srs. Viscondes, de Francos, da Granja, de Nossa Senhora da Luz, de Sá da Bandeira, e Barão de Chancelleiros. A deputação será avisada logo que eu tenha a participação do dia e hora em que deve ser recebida por Sua Magestade.
O Sr. Ministro do Reino — V. Ex.ª dá-me a palavra?... Sua Magestade digna-se de receber a deputação ámanhã ao meio dia.
Continuou a discussão.
O Sr. Ministro da Marinha — A Camara acabou de ouvir o digno Par, que levou algum tempo a fallar das differentes arguições que dirigiu ao Governo» e especialmente a mim.
A Camara, por tanto, não póde extranhava que me demore tambem algum tempo com o que tenho a dizer, sobre os pontos de que tractou o digno Par. Não espere, porém, S. Ex.ª que eu me proponha a responder aos seus argumentos pela fórma como os poz: isto é, não pertendo sustentar que as medidas adoptadas na provincia de Angola, são absolutamente boas, mas que muitas dellas são muito melhores do que as que até então existiam.
Sr. Presidente, para me desculpar bastaria, observar que o digno Par, que governou este paiz por tanto tempo, que é conhecedor dos negocios publicos, e dotado de tantos conhecimentos, e seguindo tão bons principios segunda ouvimos, fallando, como fallou ao coração, nunca se propõe emendas os vicios que apontou. Ainda não foi possivel, Sr. Presidente, levar ás provincias do Ultramar em relação aos escravos, todos os principios humanitarios que regulam os castigos e penas pelos delictos e faltas que commettem contra a sociedade.
O digno Par o Sr. Conde de Thomar, começou per dizer, que não lhe satisfazia a resposta? que eu havia dado, sobra o motive que o Governo tinha tido para não apresentar ainda á Camaras as medidas com força legislativa que obrigavam no Ultramar, tomadas em Angola pelo ex-Governador, o Sr. Visconde do Pinheiro — parecendo ao digno Par, que já havia tempo, bastante para que essas medida» tivessem sido presentes ao Corpo legislativo, com a opinião do Governo. Permitta, pois, que eu lhe observe, que a fórma estipulada no Acto Addicional, suscita a duvida sobre, se as medidas tomadas no Ultramar, devem ser submettidas ás Camaras com a opinião do Governo, ou immediatamente sem essa opinião,
Como, porém, sempre foi pratica, o Governo intende que as medidas que o» Governadores do Ultramar adoptam na conformidade do Acto Addicional devem ser apresentadas ao Corpo legislativo com a opinião do Governo, porque se do executivo podem as Côrtes directamente exigir responsabilidade, para o Governo juntar a sua opinião áquellas medidas, deve seguir o, que as Leis determinam, principalmente a Lei que creou o Conselho ultramarino.
Pareceu ao digno Par, que o Conselho ultramarino tem levado muito tempo em dar as informações sobre cada uma das medidas tomadas pelo Governador geral de Angola; mas S. Ex.ª conhece muito bem, que se gasta muito, tempo entre a pergunta que se faz daqui a Angola, e a vinda da resposta, e aquelle Conselho tem effectivamente necessidade de pedir informações, recorrendo áquella provincia, para sobre ellas assentar a sua consulta; mas note-se, que sobre áquellas medidas a respeito das quaes o Conselho ultramarino podia logo dar a sua, opinião, deu-a já; mas sendo negativa não terão de vir á Camara as medidas que o Governa não approva.
Reparei que S. Ex.ª fallou em circumstancias extraordinarias, para, em vista dessas circumstancias extraordinarias, os Governadores adoptarem medidas novas; permitta-me o digno Par que eu lhe diga, que no Acto addicional não ha taes palavras circumstancias extraordinarias: 6 falla de casos urgentes. Ora, o avaliar entre o que é urgente, o que é mais ou menos urgente, não é cousa facil: e o digno Par, em quem eu reconheço muita habilidade e perspicacia, ha-de de certo confessar ter-se visto algumas vezes na sua vida embaraçado, para discriminar entre muitos assumptos, qual é mais ou menos urgente, e mesmo se se dá a urgencia.
Devo por esta occasião declarar, que é minha opinião, que todas quantas medidas se tomarem para as provincias ultramarinas, que sejam m beneficio geral, são ellas sempre urgentes. Por outro lado a experiencia tem mostrado, que a ter-se trazido ás Camaras todas as medidas que se teem tomado para o Ultramar, seguramente não chegariam todas as legislaturas que temos tido, não só para tractar dos negocios do continente, mas tambem para nos occuparmos doe negocios daquellas provincias. É, pois, levado por estas considerações, que o Governo tem tomado muitas medidas, usando da faculdade que lhe dá o Acto addicional na presença dos factos, que reclamam o decretamento dellas. E neste sentido, e sendo esta a minha convicção, comprometto-me desde já a dar o meu apoio ás Administrações futuras, sempre que ellas decretarem quaesquer medidas, para se beneficiarem as provincias ultramarinas, não levando ao maior rigor serem ou não serem de Urgência grande.
Observarei por esta occasião, Sr. Presidente, que os paizes da Europa que teem colonias, legislam para ellas de Um modo muito differente do que nós fazemos. Os Governos que nos precederam, e as Côrtes, teem procurado diminuir as difficuldades que demoravam a acção do Governo nas provincias do Ultramar, o foi assim que já muito bem providenciou o Decreto de 1 de Maio de 1843, quando estabeleceu o modo de se adoptarem algumas medidas que se reconhecesse serem urgentes, como agora se fax pelo Acto addicional.
Ora, o digno Par analysou uma a uma, toda» as medidas tomadas pelo ex-Governador geral de Angola, ao menos analysou uma grande parte dellas; mas permitta S. Ex.ª que eu lhe diga, que por certo é em grande parte sobre ellas que a syndicancia ha-de ter logar. Não me será difficil mostrar ao digno Par, que comparado o que está, com o que foi, as medidas alli tomadas são, não direi optimas, mas muito melhorei do que as que regulavam anteriormente, e assim são avaliadas não sómente por mim, que não conheço a provincia, mas por individuos que a conhecem, e direi mais até, por muitos que professam a politica do digno Par, e que dizem que essas medidas foram muito proveitosas para a provincia de Angola.
Disse S. Ex.ª, fallando da Portaria que determinou a collocação do guindaste, «o regula
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mento dos trabalhos braçaes da alfandega de Loanda, que o commercio soffrêra pela adopção destas medidas; não é exacto, o commercio paga menos, lucrou, e seus empregados, ao abrigo do sol abrasador daquelles climas, debaixo do tilheiro que alli se levantou, agradecem ao ex-Governador as providencias que adoptara.
O Sr. Conde de Thomar — Eu censurei o acto da imposição, e não a medida: nisso não entrei eu.
O orador — Basta esta declaração do digno Par para dar a razão, por que o Governo desde logo não denegou a sua approvação a esse acto alli praticado. O digno Par não quiz poupar o ex-Governador geral, não quiz mesmo poupar o Governo; e fallando algum tempo, não entrou na analyse, quanto a algumas medidas que alli se adoptaram, sobre o serem ou não preferidas as que já existiam ou não existiam, mas sim sobre o Governo e os Governadores geraes poderem providenciar por modo que obrigue os cidadãos no Ultramar. Ora o Acto addicional é explicito neste ponto, porque o § 2.° do artigo 15.°, diz assim (leu).
O Sr. Conde de Thomar — Apoiado.
O Orador — Intendo o apoiado do digno Par, S. Ex.ª de certo há-de insistir sobre a urgencia e que sem ella se não pode usar da concessão do artigo do acto addicional que acabei de ler, mas perguntarei, essa medida de que agora fallo seria urgente? Examinemos: e como o digno Par declarou que não tinha avaliado a medida, eu não posso deixar de o fazer. Essa medida assim dita em geral, parece de pouco interesse publico quasi de nenhum valor para quem considera aquella provincia com um clima ameno; e para ter que nas repartições identicas em Portugal temos todas as commodidades que effectivamente se não dão no porto de Angola — alli bate o sol com a força dos climas do equador, e colloque-se o digno Par naquella provincia, e diga-me, se os caixeiros das casas de commercio, os negociantes, os Capitães dos navios, e até os marinheiros, não precisam do abrigo e resguardo dos raios abrazadores do sol? S. Ex.ª intende que essa obra não era urgente. De certo na Europa é cousa de pouca monta, e de pequena entidade; mas para aquelles sítios não é assim; e posso declarar ao digno Par, que pessoas mesmo que não são da parcialidade do Governador geral de Angola, dizem que foi essa uma das boas medidas que elle tomou: e por esta occasião declarei, que a idéa de taes medidas não foi inicialmente do Visconde do Pinheiro, porque no tempo da administração do digno Par, outros Governadores tinham procurado effectua-las. O digno Par poderá dizer que os outros Governadores não estavam authorisados, mas o que eu quero mostrar é que era urgente, e se o era estava no caso da Lei, não excedeu a Lei; mas ainda vou mais longe; excedesse, ou não, conhecendo o Governo que era disposição altamente salutar, que concorria para o bem estar de todo o commercio, deve-se-lhe approvação, e eu declaro francamente ao digno Par, que me não peza na minha consciencia o tempo que tem estado em execução essa disposição segundo as informações que tenho.
O digno Par, como distincto jurisconsulto que é, avaliou até certo ponto a razão do Governo para não dar opinião sobre o que fórma base principal de processo ao individuo accusado, conheceu-se porém que S. Ex.ª se collocou até certo ponto a par de mim, mas S. Ex.ª desfiou para assim dizer o modo como a subscripção tinha sido feita, representou a maneira como ella tinha sido levada a effeito, as authoridades que nella tinham tomado parte, e o fim que as tinha dirigido. Se o digno Par quer que se conheça de tudo isso, e eu convenho, S. Ex.ª deve igualmente convir em que se deve conhecer por exames serios dessas manifestações, e é justamente o que se fará pela syndicancia, esta ha-de ir ao Supremo Tribunal de Justiça e então se reconhecerá qual é o effeito que produz essa avaliação julgamento da mesma syndicancia.
O Sr. Presidente – V. Ex.ª permittirá que eu aproveite esta especie de interrupção para dizer, que a hora já deu ha muito, e então talvez convenha ficar com a palavra reservada para a seguinte sessão.
O Sr. Ministro — Estou prompto para continuar, mas vejo bem que a Camara está cançada, e realmente pela luz do dia, a hora deve estar muito adiantada, talvez seja melhor continuar para a outra sessão (apoiados). Peço pois a V. Ex.ª que me reserve a palavra.
O Sr. Presidente — O parecer da commissão de fazenda, que hoje foi mandado para a Mesa, vai imprimir-se, e será distribuido para entrar na 1.ª parte da ordem do dia de segunda-feira. Na 2.ª parte continúa a palavra ao Sr. Ministro da Marinha.
Está levantada a sessão. Passava das cinco horas e meia.
Relação dos dignos Pares presentes na sessão de 28 de Fevereiro.
Os Srs. Marquez de Loulé; Silva Carvalho; Duque da Terceira; Marquezes de Fronteira, das Minas, e de Vallada, Arcebispo Bispo Conde; Condes das Alcaçovas, de Arrochella, do Bomfim, do Casal, de Fonte Nova de Mello, de Mesquitella, da Ponte, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, do Sobral, de Thomar, de Villa Real, e de Vimioso; Bispos de Bragança, e de Vizeu; Viscondes de Algés, d'Athoguia, de Balsemão, de Benagazil, de Castro, de Fornos de Algodres, de Francos, da Granja, e de Nossa Senhora da Luz, Barões de Lazarim, de Pernes, e da Vargem da Ordem; Mello e Saldanha, D. Carlos de Mascarenhas, Sequeira Pinto, Ferrão, Margiochi, Ozorio e Sousa, Aguiar, Larcher, Eugenio de Almeida, J. M. Grande, Duarte Leitão, Brito do Rio, Fonseca Magalhães, e Aquino de Carvalho.