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Sessão de 10 de Fevereiro, Diario n.º 37, pag. 163, col. 1.ª, logo depois da ordem do dia.
O Sr. C. de Thomar — Tenho de continuar hoje o meu discurso, e fa-lo-hei sem preambulo algum, lembrando sómente á Camara, que em vista de tudo quanto hontem expuz, se póde facilmente conhecer, que os nossos adversarios politicos apresentam, sim, como seu programma, a união da familia portugueza, mas que os factos desmentem aquillo que significam as palavras. Lembrarei tambem á Camara, que em vista da minha exposição se conhece evidentemente, que os meus adversarios politicos, não tendo razões com que combater-me, tem fugido do campo da argumentação para o do sentimentalismo, e tem formado castellos no ar para mais facilmente os destruirem.
Os D. Pares do outro lado da Camara, queixaram-se fortemente de mim por lhes haver atribuido sentimentos revolucionarios, e o intento de quererem desthronar a nossa sempre chara Rainha, e de estabelecer uma Republica em Portugal. O Sr. C de Lavradio, que se mostrou mais irritado contra as minhas asserções, deveria lembrar-se de que eu, estabelecendo uma tal proposição, fiz pelo que respeita aos sentimentos revolucionarios, excepção a respeito d'alguns individuos, que no meu entender se tem constantemente opposto ao emprego da força, para que a opposição chegue ao poder. Não me pertence a mim fazer uma tal classificação: metiam os D. Pares a mão nas suas consciencias, e decidam quaes os que devem comprehender-se na regra geral, e quaes os que devem comprehender-se na excepção.
O D. Par, assim como os seus amigos, deveriam observar, que eu não lhe fiz accusação alguma por quererem SS. Ex.ªs desthronar a Sua Magestade, ou proclamar uma Republica. Eu não fiz mais do que exigir, que os meus contrarios politicos, os quaes tem ido buscar ao Livro azul fundamentos para dirigir-me graves e injustas accusações; (a esse Livro azul, que me parece ter com razão denominado o Livro negro da Nação Portugueza) dessem cathegoricas explicações sobre os planos e intenções criminosas, que nesse mesmo Livro azul lhes são imputadas pelas principaes personagens do parlamento inglez, e pelos proprios Ministros de S. M. Britannica.
Foi lendo documentos officiaes da maior importancia; foi lendo os discursos d'alguns Ministros Britannicos; foi lendo as proprias frazes do Duque de Wellington, desse grande capitão do seculo, que eu apresentei a minha exigencia. Nesses documentos, nesses discursos se diz: que se a Junta do Porto vencesse, a consequencia infallivel seria o desthronamento da Rainha, e a proclamação d'uma republica. O Duque de Wellington asseverou: que o fim da expedição saída do Porto, debaixo do commando do Presidente da Junta, era sem duvida desthronar a Rainha, expulsa-la dos seus Reaes Paços, e obriga-la a embarcar em um navio de guerra Britannico. — Respondei a estas accusações, (sensação profunda — apoiados). Espero a resposta, porque nos bancos contrarios está o illustre General, que tomou a parte mais importante em todos os acontecimentos da revolução, ccommandava em chefe essa expedição.
(O Sr. Conde das Antas — Já pedi a palavra — sussurro). Quero acreditar que o D. Par não tinha uma tal pertenção; eu não posso admittir, que haja um só portuguez, que nutra em seu peito tão perversa intenção! (apoiados geraes). Estimarei muito ouvir as explicações do D. Par; oxalá que ellas sejam satisfatorias! oxalá que ellas destruam completamente tão fortes accusações!!...
Os D. Pares a que respondo, para declinarem a responsabilidade dessa miseravel revolução, que tantos males, tantas desgraças trouxe, que destruio a prosperidade publica, e arruinou a fortuna dos particulares; tem pretendido demonstrar que o Ministerio de 20 de Maio não fóra um Ministerio revolucionario, e que não merece o titulo de Ministerio da Revolução, porque fóra antes Ministerio de circumstancias, e filho da revolução. Seja o que quizerem — Ministerio revolucionario, ou de circumstancias, Ministerio da revolução, ou filho della — o que convem é examinar quaes foram os seus actos, e quaes as suas tendencias governativas. (O Sr. Fonseca Magalhães — Exactamente). Pois bem, examinaremos esses actos, e desenvolveremos ao mesmo tempo os fundamentos com que o D. Par pretendeu justifica-los.
Disse S. Ex.ª, que o fim desse Ministerio era fazer parar a revolução, prescindindo do emprego da força, cuja ineficacia estava provada, e pacificar os povos pelos mesmos povos, cercando-se dos homens bons do paiz, os quaes sendo mandados ás provincias, pelos seus exemplos, pelas suas obras, e pelos factos, podessem trazer os povos á ordem, destruindo assim a anarchia. Accrescentou S. Ex.ª que no numero desses homens bons entrava a sua pessoa (susurro — agitação). Eu considero como homem bom o D Par, e compraz-me repetir a declaração que já fiz, de que o D. Par é um homem de ordem, e de grande merito. (O Sr. Fonseca Magalhães — Muito obrigado.) Direi mais, que estou convencido de que esta mesma opinião merecia o D. Par ao Ministerio que o nomeou para desempenhar uma importante commissão, e não deixará de concordar comigo nesta parte o Sr. Conde de Lavradio. (O Sr. Conde de Lavradio — apoiado.) Mas não obstante a vantajosa idéa que eu formo da capacidade e mais circumstancias, que concorrem no Sr. Fonseca Magalhães, entendo que a sua nomeação para Supremo Chefe politico do Districto de Coimbra e outros, foi um grande erro comettido pelo Ministerio da revolução. S. Ex.ª não era seguramente o mais proprio para o desempenho d'uma tal commissão. (O Sr. Fonseca Magalhães — Tambem eu pensei o mesmo.) Decidi-me a entrar no
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desenvolvimento desta materia, porque o D. Par, sem motivo justificado, attribuio esse acontecimento (que denominou, chiarivari, e eu considero como uma formal desobediencia ao Governo de Sua Magestade, e uma prova da anarchia que ainda então reinava no paiz), attribuio esse acontecimento, digo, ás excitações de agitadores pertencentes ao partido Cartista, e ás circumstancias de haver o povo de Coimbra considerado o D. Par como Cabralista! (riso).
O D. Par sabe muito bem, que o seu nome e a sua pessoa, de ha muito são mal vistos pelos habitantes de Coimbra, pelo motivo de haverem os mencionados habitantes considerado, que o Instituto, creado por S. Ex.ª, em quanto Ministro do Reino, tendia a destruir a Universidade. S. Ex.ª não póde ignorar, que por occasião das eleições, a que se procedeu no anno de 1840, sendo nós então Collegas no Ministerio, a opposição fez dura guerra contra a Administração, e pregou aos habitantes de Coimbra, que deviam votar a favor da opposição e contra o Governo, porque no caso de victoria a favor deste, não só a Universidade seria destruida, mas seria proclamado o absolutismo! Nesta época tambem S. Ex.ª era mimoseado pela opposição com esta grave accusação (riso — apoiados). Tudo isto prova, que não era S. Ex.ª o homem do povo mais proprio, para pacificar o povo de Coimbra.
Vejamos agora se foram os agitadores do partido Cartista, ou a circumstancia de ser o D. Par reputado Cabralista, o que produzio a sedição de Coimbra. Tudo é notavel neste negocio! até a circumstancia de haver o D. Par tido conhecimento de que ia nomeado chefe politico, só de depois que em Coimbra recebeu o Diario do Governo! Devo acredita-lo, porque S. Ex.ª assim o affirma, ainda que me julgaria authorisado a duvida-lo, attendendo ao seu talento e capacidade, e attendendo mais, a que não posso imaginar, como S. Ex.ª se resolveu a saír de Lisboa sem primeiro conhecer a Commissão de que ia encarregado, e sem examinar em fim se poderia fazer alguma cousa util. (O Sr. Fonseca Magalhães — Eu sabia que ia em Commissão do Governo, mas não sabia se estava nomeado Supremo Chefe politico.) Bem: eu vou dar conhecimento ao D. Par d'algumas circumstancias, que seguramente o teriam habilitado a não fazer as asserções que fez, se por ventura as conservasse em lembrança. Esqueceu ao D. Par, que chegando a Condeixa, escreveu a um seu amigo communicando-lhe, que marchava para aquella Cidade em serviço do Governo? Esqueceu ao D. Par, que depois de ter chegado a Coimbra, se dirigio á residencia do Presidente da Junta revolucionaria, e, que durante a conferencia se reuníra um grande numero de populaça, commandada por um tal P.e Antonio da Botica, e que este, na qualidade de Parlamentario da Canalha (e estes são os Padres moraes daquelle lado da Camara) (sensação) vestido com a sua longa batina, e de barreie de clerigo na cabeça, intimara o D. Par, para que immediatamente sahisse de, Coimbra? (riso). — (O Sr. Fonseca Magalhães — E sahi!) E sahio, diz o D. Par; mas não poderá dizer, que esse P.e Antonio da Botica, e a parte da nação que elle commandava, fossem instrumentos nossos! Nessa época achava-me eu fóra do paiz, e os meus amigos eram incapazes de lançar mão d'um similhante meio; e digo mais: nem esse, Padre se prestaria a servir de seu instrumento.
O D. Par não póde ter-se esquecido, de que depois desta intimação do Padre, e da conferencia tida posteriormente com a Junta, o unico objecto que occupou as suas attenções, foi combinar o modo porque podia escapar-se. Alguem se encarregou então de fallar á populaça, e lhes fazer vêr, que visto estar seguro e em poder da Junta o Sr. Fonseca Magalhães, o que se tornava necessario era demittir o Reitor da Universidade; essa populaça correu então desenfreada ao palacio do Reitor; o Reitor foi demittido; e um novo attentado se cometteu! (Sensação profunda).
Foi durante o tempo em que se cometteu este novo crime, que o D. Par se escapou, mandando a sua caleça pela ponte, e atravessando o rio em logar distante. E eis-aqui a razão porque S. Ex.ª não se assustou, e apenas ouviu os tiros que foram dados pela canalha sobre a caleça (riso). Desci com difficuldade a estas explicações; mas a tanto me obrigou o D. Par, na parte em que pretendeu fazer acreditar, que a sedição de Coimbra fóra devida aos agitadores do partido Cartista, e á circumstancia de ser em Coimbra S. Ex.ª reputado como Cabralista.
O D. Par não póde hoje ignorar, que tudo quanto succedeu em Coimbra foi resultado de ordens mandadas desta Capital. Eu esperava que o D. Par me tivesse respondido por outra fórma. Eu não havia censurado o D. Par por haver aceitado uma tal Commissão; eu havia sómente censurado o Governo, por ter não só deixado impunes os attentados comedidos contra o D. Par, e contra o proprio Governo, mas de os haver quasi galardoado, consentindo que continuasse a existir, como governo, a Junta revolucionaria de Coimbra! (apoiados).
Folgo de que os homens que formaram o Ministerio de 20 de Maio, e bem assim os que nesta Camara o tem defendido, rejeitem já a responsabilidade desse movimento revolucionario, que até agora tem sido apresentado como nacional. Uma tal rejeição equivale á condemnação desse movimento; uma tal sentença de condemnação não póde ser suspeita, e veio confirmar tudo quanto nós temos dito para estigmatisar essa ominosa revolução. A Camara reconhece agora, que essa bandeira negra da calumnia e da falsidade, que fôr hasteada no paiz e no estrangeiro, cahiu nesta Casa aos golpes dos mesmos que a tinham arvorado. Lembra-me d'uma asserção, que na outra Casa foi feita por um illustre Membro della. Quando se discutia uma importante medida (a lei de repartição, se bem me recordo), disse um illustre Deputado — «que o partido da opposição não podia aspirar ao apoio da parte mais importante da Nação, porque havia o receio de que chegados ao poder, não poderiam governar tranquillamente, mas só por meios revolucionarios.» Acrescentou esse illustre Deputado — «que um tal receio não tinha elle, e que estava pelo contrario convencido, de que a opposição, subindo ao poder, governaria constitucionalmente.» Os factos vieram provar, que os receios do publico eram fundados, e que o illustre Deputado, a que me refiro, se enganou no seu juiso. Que documentos não poderia eu apresentar para comprovar os males causados por essa revolução, que talvez se poderá ter atalhado, senão tivessem apparecido certos caprichos, e algumas dissidencias! O grande, pequeno, o rico, e o pobre, todos estão sentindo as consequencias desse terrivel abalo, (apoiados repetidos).
O Sr. Fonseca Magalhães disse — que o Ministerio de 20 de Maio tivera a melhor vontade, e os maiores desejos de dirigir a revolução em bom sentido: póde ser que assim fosse; mas os factos estão em contrario. Esse Ministerio não só concedeu tudo quanto a revolução exigio, mas foi ainda muito além; e tanto marchou, que o D. Par foi obrigado a reconhecer, que esse Ministerio era mais um Ministerio de facto, do que de direito.
Seria dirigir a revolução em bom sentido, revogar leis importantes de que dependia a prosperidade publica? Seria destruindo inteiramente o credito, e annullando contractos solemnes, que se dirigia a revolução em bom sentido? Seria em fim dimittindo os melhores servidores do estado, aquelles que em toda a sua carreira publica haviam dado as maiores provas de fidelidade ao Throno, e á liberdade, que esse Ministerio entendeu que bem dirigia a revolução?... Digam antes que não governavam!... As provas de fraqueza indisculpavel, que o Governo nos deu contra as exigencias injustas da revolução foram taes, que segundo nos disse o D. Par, obrigaram um homem d'honra e probidade, que existia naquelle Ministerio, a pedir a sua dimissão para não consentir no oprobrio do Ministerio a que pertencia (apoiados): grande confissão é esta, e é prova... (O Sr. Fonseca Magalhães — Eu disse que pensava fosse esse o motivo, pelo qual aquelle cavalheiro saíra do Ministerio, mas não o posso affirmar: disse que era aquella a minha opinião.) Tambem é a minha, e é para mim de grande valor a opinião de S. Ex.ª Continuarei por tanto dizendo, que a confissão feita pelo D. Par, de que é verdade, que esse Ministerio não governou, e que cedendo a todas as exigencias injustas da revolução, se sujeitou a tudo pela unica ambição de conservar o poder; é da maior importancia!... Após desse cavalheiro que já mencionei, um outro pedio a dimissão, e todos sabem que o motivo fóra, por não querer ser o instrumento cego dos revolucionarios.
Em prova do que deixo dito, bastará attender a que as modificações e alterações feitas no gabinete, se verificaram sempre no sentido mais revolucionario. Todos sabem, que depois da promessa formal e solemne, que se havia, feito de conservar o Commandante da Divisão Militar, cuja honra e valor não é necessario elogiar, os Commandantes dos Corpos, e os primeiros Empregados Administrativos; a tudo se faltou! Essas promessas não mostram senão, que o Governo pretendia illudir esses honrados funccionarios, até ao momento de poder dimiti-los sem perigo para o Ministerio e para a revolução; prova tambem que o systema do Governo, logo desde o seu principio, foi um systema de engano e decepção! (apoiados).
Não passarei adiante sem fazer uma reflexão, que julgo importante, visto que foi já confessado pela opposição, que o Governo teve de ceder ás exigencias injustas da revolução, demitindo muitos funccionarios publicos: permitam ao menos que eu lhes rogue, hajam de não fazer recaír sobre estes a nota de corruptos, (apoiados).
Mas esse Ministerio reorganizado, não se contentava só em dimitir os Empregados, que sempre haviam servido bem o seu paiz, e não tinham outro crime, senão o de haverem trabalhado para evitar os males da sua Patria, e destruir a anarchia: esse Governo quiz levar a sua ferocidade mais longe; esse Governo mandou saír da Capital mais de 200 officiaes desligados, e mandou deportar alguns para lugares... (Vozes — Que logares?) Para logares onde a revolução se tinha desenvolvido com mais ferocidade; onde as guerrilhas imperavam ainda; e onde a authoridade publica não era reconhecida!... (Vozes do lado esquerdo — Não! Não!) Aqui tenho os documentos que o provam, aqui tenho as listas desses officiaes deportados. Este acto de deshumanidade foi ainda acompanhado d'uma circumstancia mais aggravante. Alguns desses officiaes representaram ao Governo, e pediram ficar antes presos no Castello de S. Jorge. Este requerimento para serem encarcerado, e este pedido que fazia cessar todas as suspeitas que o Governo podesse ter contra esses officiaes; foi desattendido!... (Sensação profunda — Vozes, É verdade, É verdade.) — Oh Sr. Presidente! e este facto deshumano foi praticado pelos homens que pregam a união da familia portugueza, e que nesta Casa nos tem ostentado amor de paz e de conciliação!! Não ha de ser obrando por tal fórma que essa união tão desejada se ha de verificar. É necessario que a opposição, quando sobe ao poder seja coherente, e não proceda em sentido inteiramente contrario ao que nos prega, em quanto opposição (apoiados — apoiados).
O Sr. Conde de Lavradio não se limitou a pretender provar que não fóra, nem é revolucionario; aproveitou como sempre costuma, a occasião para fazer uma insinuação, da qual, se não fóra devidamente explicada, poderia resultar algum odioso contra mim. Perguntou S. Ex.ª — «se eu o tinha visto na associação dos Camillos, ou se me constava que o seu nome havia sido escripto pelos revolucionarios em lettras d'ouro.» São no meu entender objectos estes, que por estranhos á discussão não deveriam ter merecido a attenção do D. Par; mas visto que se pretendeu tirar partido dos mesmos contra mim, forçoso é que os explique em devida fórma.
A respeito dessa associação, vulgarmente denominada dos Camillos, ninguem poderia dar-nos melhores informações, do que os Srs. Silva Carvalho, e Fonseca Magalhães (Riso — O Sr. Fonseca Magalhães — Eu! nunca pertenci a essa associação.) Não se assuste o D. Par, ouça primeiro a minha explicação. A associação dos Camillos foi uma associação politica, a que pertenceram quasi todos os individuos que formaram a opposição de 1834. Muito cuidado deu essa associação aos Ministerios dessa época! Todos estarão lembrados, de que um Ministro, que foi victima das nossas guerras civis, cuja falta todos deploramos, mandou suspender os trabalhos daquella associação, o que deu em resultado augmentar-se o numero dos seus membros, e trabalhar com mais assiduidade. Fui eleito Deputado, e tomei assento nas filas da opposição daquella época; e daqui resultou, que fui um dos que me alistei na mencionada associação dos Camillos. Mas se é de pouca importancia a allusão que se fez por tal motivo, não acontece o mesmo ao importante acontecimento, de ter o meu nome sido escripto em lettras de ouro pelos revolucionarios! Aqui deve haver algum segredo de mui alta significação! (Riso.) Eu passo a dar conhecimento á Camara deste importante enigma.
Em 9 de Setembro foi derribada a Carta Constitucional, proclamando-se em seguida a Constituição de 1820. Segundo as disposições desta Constituição, os Ministros eram inelegiveis para Deputados; mas os Ministros, que haviam mandado proclamar a sobredita Constituição, rasgaram por um Decreto do Executivo o artigo, pelo qual SS. Ex.ªs eram inelegiveis para Deputados; fizeram se eleger effectivamente; e apresentaram-se no Congresso Constituinte como Deputados eleitos. Quando se abriu a discussão sobre a legalidade de uma tal eleição, fui eu o primeiro Deputado que levantei a voz para a combater. O Congresso decidio contra a minha opinião, mas votaram comigo dezesete Deputados. A associação dos Camillos simpathisou com um tal procedimento; e sobre proposta d'um dos seus Membros decidio fazer inscrever em lettras de ouro os nomes dos dezoito Deputados que votaram contra o Ministerio da Revolução. Ora eis-aqui tem a Camara o motivo, porque eu tive o meu nome escripto em lettras de ouro pelos revolucionarios (hilaridade geral).
Ainda desejo que este negocio fique mais cabalmente esclarecido, para evitar algumas duvidas que porventura possam ainda existir da parte do Sr. Conde de Lavradio. Vou dar conhecimento á Camara dos nomes dos Deputados que votaram conjunctamente comigo, e espero que todos, ou a maior parte desses nomes, não deixem de merecer a maior consideração ao D. Par. Eis-aqui a nota extraída da sessão respectiva. — No Congresso constituinte votaram contra a eleição dos Ministros. — (Sessão de 21 de Janeiro de 1837) — Os Srs. Costa Cabral — Barjona — Cesar de Vasconcellos — Marreca — Lopes Monteiro — Salazar — Bernardo da Rocha — Tavares Ribeiro — Pinto Basto — Pinto Basto Junior — José Caetano de Campos — Silva Sanches — Coelho de Magalhães — Barreto Feio — Sousa Saraiva — Antonio de Vasconcellos — Fernandes Thomás — Marcellino dos Santos — Foi por tanto approvado por 43 votos contra 18.
Todas estas personagens tiveram, como eu, os seus nomes escriptos em lettras de ouro pelos revolucionarios (riso). O D. Par vê entre o numero dos contemplados, o Sr. Silva Sanches, que foi collega de S. Ex.ª na Administração de Maio; e espero que S. Ex.ª nem por isso se tenha julgado deshonrado.
Quando fallei a primeira vez, provei que a lei das estradas tinha sido um dos pretextos, de que a opposição se servira para sublevar os povos. Folgo muito de ter observado, que esta verdade foi já reconhecida pela opposição, muito embora queiram desfigura-la, pretendendo fazer acreditar, que a lei das estradas, que serviu de pretexto para a revolução, não fóra a lei das estradas que teve principio na opposição! O Sr. C. de Lavradio, e depois delle um outro D. Par, propozeram-se a dar conhecimento á Camara da historia dessa lei; mas a par das inexactidões, que se contém no relatorio feito pelos D. Pares, appareceram certas asserções, das quaes umas devem ser explicadas, outras combatidas, para que senão formem juizos errados sobre tão importante materia. Torna-se isto tanto mais necessario, quanto essas asserções, não obstante muitas vezes destruidas, foram na presente discussão novamente apresentadas. Não ha duvida, de que a lei das estradas teve principio na opposição; e tambem não ha duvida de que os D. Pares, a que respondo, entraram no numero daquelles, que tiveram originariamente esse grande pensamento. O projecto das estradas, feito pela Commissão externa, não foi como disse o Sr. C. de Lavradio offerecido ao Governo, foi apresentado pelo Sr. Mousinho de Albuquerque na Camara dos Srs. Deputados, onde depois de percorrer os devidos tramites veio á discussão, e foi approvado com algumas alterações; sendo para notar, que em todas essas conveio o Sr. Mousinho de Albuquerque. Tenho presente o parecer da Commissão de Administração Publica da Camara dos Srs. Deputados, e pela leitura delle reconhecerá a Camara a verdade do que deixo dito. Disse-se no mencionado parecer «A Commissão não deve deixar de informar-vos, de que varias alterações e additamentos, alguns delles por ventura importantes, foram introduzidos no projecto originario, apresentado pelo Sr. Deputado Mousinho de Albuquerque, e a todos elles acquiesceu voluntaria e inteiramente o seu illustre auctor.»
A guerra feita á lei das estradas não data sómente da época marcada pelos D. Pares, data de época mais remota. Todos se recordarão, de que nessa época foi dada a dimissão a um alto funccionario. Todos se recordarão, de que immediatamente a essa dimissão, se começou a fizer opposição na discussão do projecto da lei das estradas, pelo fundamento de que esse empregado dimittido não era já o encarregado de executa-la (Vozes — É verdade. É verdade); e força é confessar, que um tal fundamento nunca deveria ter sido apresentado (apoiados).
A lei passou em ambas as Camaras, foi publicada, e em seguida se publicaram tambem os precisos regulamentos para a sua boa execução. Installou-se a Commissão central em Lisboa; installaram-se as Commissões filiaes nas Capitaes dos Districtos; mas ninguem poderá negar, que principiaram a descubrir-se grandes difficuldades, mesmo por parte das Commissões, que S. Ex.ª denominou a melhor garantia para a boa applicação do imposto. Começou então a vogar a idéa, de que seria preferivel a factura das estradas por via de Companhias; fizeram-se effectivamente alguns contractos; e a final organisou-se a Companhia das Obras Publicas, fazendo-se o contracto que ultimamente mereceu a approvação do Corpo Legislativo. Eu não sei se essa Companhia era, como lhe chamou o D. Par, uma Companhia monstro: o que eu sei, e se prova pelos factos é, que essa Companhia começou com o maior zelo a dar um grande desenvolvimento ás obras publicas, (esta é que eu chamarei a verdadeira e melhor garantia sobre a applicação do imposto) esse desenvolvimento que eu já fiz conhecer no meu primeiro discurso; e que a direcção dos trabalhos estava confiada a engenheiros de primeira ordem, vindos do estrangeiro; e que um corpo de sub-engenheiros praticos, corpo de que tanto carecemos, existia tambem organisado: o que eu sei finalmente é, que se essa revolução, a que appellidam nacional, não tivesse vindo destruir essas emprezas, e as esperanças da prosperidade do paiz, as estradas estariam, senão concluidas, ao menos muito adiantadas (apoiados).
O D. Par accusou a Administração, de que fiz parte, por haver feito transacções muito inconvenientes; mas S. Ex.ª contentou-se em enunciar esta proposição, e não se deu ao trabalho de demonstra-la. Em materia do facto é necessario apresentar a prova, e se esta não apparece a accusação cahe por terra. Não obstante, em vista das graves accusações que nos foram dirigidas pelo D. Par, não posso dispensar-me de fazer algumas observações, que no meu entender, destroem triumphantemente as accusações produzidas contra nós.
Pretendeu-se fazer acreditar, ou seja pela imprensa, ou seja por algum parecer que exista nas Secretarias, que os emprezarios das estradas do Minho ganharam 400 por cento. Tem-se igualmente pretendido fazer acreditar (e já aqui foi repetido pelo Sr. Conde de Lavradio), que o Governo fez presente á Companhia Lombré de réis 500:000$000! Pois bem: a Camara vai ouvir uma explicação, que não póde deixar de a satisfazer completamente. Os emprezarios das estradas do Minho tem representado ao Governo, que se contentam com 10 por cento de lucro pelos desembolços feitos; e a Companhia Lombré tem igualmente representado e pedido, que se reponha o seu contracto no primitivo estado (profunda sensação. — Vozes — Muito bem, muito bem); posso mesmo affirmar, que a Companhia Lombré cederá em favor do Sr. Conde de Lavradio os 500:000$, de que S. Ex.ª diz o Governo fizera presente á dita Companhia (hilaridade).
O Governo acaba de mandar a esta Camara, a pedido do D. Par, toda a correspondencia original da Companhia das Obras Publicas com o Governo. O D. Par prometteu analysa-la escrupulosamente: agora já não póde queixar-se da falta de documentos para provar as asserções que fez. Eu espero que o D. Par ha de provar nesta Camara, quaes são as malversações dos Cabraes, a que S. Ex.ª alludiu no seu discurso. (O Sr. Conde de Lavradio — Eu não me lembro de dizer tal.) No discurso de S. Ex.ª se encontra esta expressão, eu tenho direito a esperar que se produzam as provas, e se por ventura ellas não apparecerem, tenho igualmente direito para declarar falsa e calumniosa uma tal accusação. (O Sr. Conde de Lavradio — Quando me derem os esclarecimentos, que pedi á Secretaria dos Negocios do Reino, e que até agora não vieram porque os escondem.) Ninguem os esconde, não ha motivo para isso, eu sou o primeiro interessado, em que todos os documentos pedidos pelo Sr. Conde de Lavradio sejam remettidos quanto antes a esta Camara, eu peço encarecidamente ao Governo que os envie quanto antes; mas fique o D. Par na certeza, de que se em vista delles não provar a sua accusação, eu me julgo com direito de considera-la calumniosa e falsa.
Vem a proposito seguir o exemplo do D. Par, o Sr. Fonseca Magalhães, que por mais de uma vez tem feito referencias a differentes jornaes, muito embora eu esteja convencido de que não é conveniente responder nesta Casa, ao que publicam os jornaes (apoiados). Os seus redactores tem ampla liberdade de escrever o que bem lhes aprouver.
A Camara estará lembrada, de que eu requeri, quando foi lido o officio do Sr. Ministro do Reino, remettendo a correspondencia original do mesmo Governo com a Companhia das Obras Publicas, que se tivesse a maior cautela na guarda da mencionada correspondencia, pois que sendo a original, e devendo servir de base ás resoluções, que o Governo deve tomar sobre as reclamações apresentadas pela dita Companhia, na importancia de muitos centos de contos de réis; era mister que nenhum daquelles documentos se desencaminhasse. Eu tive em vista advogar então os interesses do Governo e da Nação: quer no entanto a Camara saber, o que no dia seguinte
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escreveu um Jornal? Escreveu que eu tinha feito um tal requerimento, com as Vistas nas sommas que tinha a receber, em virtude das reclamações apresentadas pela Companhia! (Sensação.) E eu, Sr. Presidente, não tenho uma unica acção, não tenho um só real de interesse nessa Companhia! Mas ainda não é tudo. Esse mesmo jornal teve a impudeneia de accrescentar, que se eu me julgava offendido pela imprensa, chamasse perante o Jury os jornaes que me accusavam! Mas quem ha ahi que ignore, que se não recorde ainda da celebre questão do borrão (apoiados)? (Algumas vozes — Questão do borrão?!!) Eu explico á Camara esta celebre historia. Depois da restauração da Carta em 1842, foi publicado nesta Capital um papel altamente immoral e indecente, contra um individuo que vivia nos Paços Reaes; foi conhecida no publico a má impressão que alli fez uma tal publicação; e desde logo os nossos adversarios politicos quireram tirar partido desta circumstancia. Um jornal, o orgão principal da opposição, escreveu que meu irmão Silva Cabral fóra, quem pelo seu proprio punho escrevera aquelle indecente papel. Accrescentou o mesmo jornal, que conservava em seu poder o borrão, que tinha servido para a composição na imprensa! Depois de uma tal asserção, quem poderia duvidar da voracidade do facto? No entanto eu tinha a certeza da sua falsidade. Meu irmão queria despresar a asserção do jornalista, mas eu obriguei-o a chamar perante os Tribunaes o periodico, que havia feito uma tal publicação. Correu o processo os devidos termos, e quando todos esperavam, que na audiencia do julgamento apparecesse esse borrão attribuido a meu irmão, em logar disso appareceu o Réo declarando, que o havia perdido! E não obstante, houve um Jurado que absolveu e julgou improcedente a accusacão! (Sensação profunda — Vozes — É horroroso! É horroroso!)
Eis-aqui tem a Camara, porque os jornalistas diariamente apresentam accusações falsas e calumniosas; eis-aqui tem a Camara, porque nenhum homem publico ainda que seja diariamente insultado chama ao Jurado o jornal, que assim falta aos seus deveres, e prostitue essa liberdade de imprensa, da qual, se por ventura se fizesse o devido uso, tantas vantagens podiam resultar. Eu sou partidario dessa liberdade de imprensa; eu desejo-a sinceramente; mas sinto ao mesmo tempo que ella se esteja prostituindo da maneira que todos conhecemos (apoiados repetidos). Se a imprensa se limitasse unicamente a denunciar os crimes dos homens publicos; quando uma destas accusações apparecesse, seria forçoso chamar ao Jurado o jornal que apresentasse uma tal accusação; mas quando diariamente se accusam faltas ou crimes que não existem, que não podem provar-se, e sobre as quaes se tem dado explicações que não podem em boa fé deixar de ser julgadas satisfactorias; como póde entender-se que em tal caso sejam os homens publicos obrigados a querellar diariamente de similhantes jornaes? E fallando agora mais particularmente de mim, como poderia eu occupar-me de chamar ao Jury os jornaes que diariamente me accusam? A tanto me não abato eu. É neste logar, é no parlamento aonde eu estou decidido a responder a todas essas accusações; é na presença da Nação, que eu quero provar a injustiça das aggressões que me são feitas. Eu não posso considerar que esses jornaes, que assim se conduzem, signifiquem a opinião publica: elles não significam mais que a opinião de dous ou tres individuos que os redigem (muitos e vivos apoiados).
Sr. Presidente, havia eu dito no meu primeiro discurso, que a Lei da Contribuição de Repartição havia sido um dos pretextos, de que igualmente a opposição havia lançado mão para induzir os povos á revolta: antes de passar adiante farei uma declaração, que provará aos meus adversarios politicos a lealdade, com que os combati. Eu disse, quando pela primeira vez fallei, que o Governo da revolução, abolindo por um simples Decreto a Lei da Contribuição de Repartição, procedêra com tanta precipitação, que nem. se quer declarara qual a legislação que ficava em vigor. Enganei-me effectivamante: o caso se passou como o fez saber o Sr. C. de Lavradio; mas S. Ex.ª não destruiu completamente as considerações que eu fiz a tal respeito. A Camara estará lembrada, de que eu não fiz uma asserção positiva, eu usei da seguinte frase — se bem me lembro — Eu conservava na lembrança, que o Governo nada tinha decidido a respeito do Quinto, que a Lei mandava para as Estradas; eu lembrava-me de que o Governo ainda ultimamente pelo Decreto de 21 de Agosto de 1848 havia determinado, que esse imposto do Quinto não fosse contemplado no lançamento da Decima e impostos annexos. As considerações, por tanto, que eu fiz a respeito da Lei de Contribuição colhem, e são applicaveis ao Quinto para as Estradas. O Governo não se attreveu a revogar este imposto, porque não quiz ser accusado de destruir inteiramente os meios votados para a construcção das estradas; mas tambem não se attreveu a decretar a continuação da cobrança do referido imposto; quer dizer, o Governo continuou a viver n'um verdadeiro estado de decepção, que era o signal mais caracteristico da sua administração.
E pois que fallei novamente em estradas, direi com o Sr. Fonseca Magalhães, que para as possuir-mos devemos fazer os maiores esforços. Dai estradas a um povo, e vereis como dellas resultam a prosperidade e a civilisação (apoiados repetidos). Eu não tenho duvida de dizer francamente a minha opinião a este respeito; eu não tenho duvida em affirmar, que todos os sacrificios que o povo fizer para ter boas estradas, são inferiores ás vantagens que das mesmas ha de colher. Entendo que todos os homens amantes da prosperidade do paiz, e verdadeiramente amigos do povo, em logar de o excitar contra os impostos que são applicados para as estradas, devem empregar os maiores esforços para esclarecer a opinião e evitar novos transtornos; oxalá que convencidos, como estamos todos hoje das desgraças passadas, nos empenhemos no futuro em destruir as illusões do povo! (Apoiados).
Approveito esta occasião, para chamar a attenção do Governo a respeito desse imposto do quinto, cuja cobrança está suspensa. Segundo sou informado, a importancia desse imposto excede a 300:000$000 réis; que ao menos esta somma seja applicada para a conservação das estradas feitas, para a sua continuação, e se possivel for, para a abertura de outras novas (apoiados).
Pela ordem natural das materias, que foram tractadas pelos D. Pares a que respondo, estou em fim chegado ao povo de Soajo (riso). Havia eu dito, que além dos protestos de que a opposição se havia servido para sublevar os povos, se tinham tambem empregado varios embustes tendentes a illudir e allucinar os mesmos povos. Havia eu dito, que desgraçadamente pessoas notaveis, e mesmo algum D. Par, membro desta casa, havia trabalhado para esse fim. Apresentei um documento, que não podia, que não poude ser contrariado com razões, foi por tanto forçoso tractar a questão pelo lado do ridiculo. Eu bem sei que se lança mão de um tal sophisma, quando faltam razões para combater o adversario; mas o D. Par o Sr. Fonseca Magalhães, pelos talentos que possue, e pelas suas qualidades oratorias, não tinha necessidade de recorrer a essa arma. O D. Par admirou-se, de que o seu amigo desse tanta importancia ao povo de Soajo, e chegasse ao ponto de declarar, que o escolhêra como instrumento para a revolução. Em confirmação da pouca importancia desse povo de Soajo, nos deu o D. Par conhecimento de um requerimento, que os habitantes desse Povo haviam dirigido a Junot, quando os francezes dominaram na nossa bella patria. «Senhor! livre-nos Vm.ce (disseram os habitantes de Soajo a Junot) dos nossos inimigos Castelhanos, que nós nos defenderemos dos francezes, e obedeceremos a Vm.ce, e a El-Rei nosso Senhor.» (Hilaridade). Accredito que assim representaram os habitantes de Soajo a Junot; mas que prova este requerimento, senão que os habitantes deste Povo são demasiadamente ignorantes e simples; que prova esta circumstancia a não ser, que era este povo simples o mais apto, para servir de instrumento cego aos que trabalhavam por detraz da cortina? (Repetidos apoiados — O Sr. Visconde de Laborim — Muito bem — Muito bem.) Eis-aqui, Sr. Presidente, como se vai provando o que por mais de uma vez tenho já repetido nesta Camara: são estes os meios de que se serviu a opposição para levar os povos á revolta, e destruir a prosperidade do paiz, e a fortuna dos particulares! Eis-aqui como essa bandeira da calumnia e da falsidade vai cahindo aos golpes dos proprios, que a arvoraram! (Longos e vivos apoiados.) Desculpe-me a Camara se algumas vezes me mostro commovido, e se óro com mais força: lembro-me do estado em que estava o paiz antes da revolução, e vejo a miseria que actualmente abrange a todas as classes! (Repetidos apoiados.)
E tambem a opposição se occupou das tranças do bello sexo, e nesta parte não respondo ao D. Par o Sr. Fonseca Magalhães, responderei ao discurso do Sr. C. do Bomfim, que nesta occasião se apresentou como o defensor do bello sexo! (Riso.)
As pessoas a quem é applicavel o titulo de bello sexo, não entraram na revolucção. As Senhoras civilisadas e bem educadas, não podiam tomar parte em acontecimentos de tal natureza. Que! poderia o bello sexo andar pelas tabernas, e ahi no meio da algazarra e dos copos de vinho, excitar as massas populares?! Não, Senhores: as mulheres que tomaram parte no movimento revolucionario, são essas a que vulgarmente se chama de face e calháo. (Hilaridade geral — É verdade
— É verdade). O D. Par o Sr. C. do Bomfim, para fazer realçar melhor a defeza, que apresentou em favor deste bello sexo, lembrou á Camara, que no relatorio que precedeu o projecto da lei da regencia, por mim apresentado ao Corpo Legislativo, já eu havia commettido o attentado de insultar uma Alta Personagem; e o D. Par teve a intrepidez de vir misturar com o bello sexo da revolução do Minho tão Augusta Personagem! Deixo ao D. Par a gloria de uma tal lembrança! (Vozes — Muito bem — Muito bem.)
De nenhum pezo foram julgadas pelos D. Pares as considerações, que fiz sobre os meios, que se empregaram para illudir os proprietarios das Provincias, fazendo-lhes crer que as declarações pedidas das suas propriedades (declarações que segundo eu já disse no meu primeiro discurso, deveriam unicamente servir para a melhor, e mais igual distribuição das contribuições), tinham por fim vender, ou pelos menos hypotecar as ditas propriedades aos inglezes. O Sr. Fonseca Magalhães a este respeito contentou-se em dizer — que nenhum povo tem medo, só porque alguem lhe diz que o tenha. O D. Par deveria lembrar-se do que mais tarde nos disse, quando fez o relatorio dos acontecimentos de Coimbra. S. Ex.ª esforçou-se então para nos convencer, de que os habitantes de Coimbra foram victimas da illusão, e das excitações dos agitadores; S. Ex.ª pretendeu fazer-nos acreditar, que nenhum povo é mais sujeito a condescender com os embustes propalados pelos agitadores, do que o povo portuguez! E não foi só aquelle um dos meios empregados pela opposição, para illudir os proprietarios das Provincias: eu sei, porque um D. Par que se senta nos bancos inferiores assim me certificou, e porque segundo me consta algum documento existe nas Secretarias que assim o prova, que uma sociedade de valentões se propoz a executar o maligno plano, de fazer cortar muitas arvores em differentes propriedades, declarando aos proprietarios de taes arvores, no acto de commetterem tal attentado, que não deviam levar a mal este procedimento, porque a terem os inglezes de tomar posse das mesmas propriedades dentro em pouco tempo, melhor seria que as recebessem destruidas!
E quem sabe se estes, e outros planos foram devidos a essa, que o D Par denominou innocente Commissão? Nós temos pelo menos motivo plausivel para assim o acreditar, tendo em vista as communicações officiaes de Mr. Southern ao Governo britannico. Este diplomata inglez, como já tive occasião de notar á Camara, fez saber ao seu Governo, que os Commandantes dos denominados Corpos Nacionaes, eram assalariados por essa Commissão: não se queixem por tanto de mim os D. Pares, se isto não é verdade, queixem-se do Encarregado de negocios de Inglaterra.
Os D. Pares do outro lado da Camara, propozeram-se a analysar as verdadeiras causas da revolução do Minho; mas é forçoso confessar, que não desempenharam como cumpria esta difficil tarefa. SS. EE. não só senão combinaram entre si.....(O Sr. Fonseca Magalhães — E para que?) Para que! Pois a causa que, defendem não é a mesma? Deixemo-nos dessas differenças. Não só senão combinaram entre si (dizia eu), mas até algum D. Par não se accordou comsigo mesmo. O Sr. Conde de Lavradio apresentou como verdadeiras causas da sublevação, o pensamento unico e fixo da Administração de que tive a honra de fazer parte, isto é, a sua conservação, a corrupção, e a violencia dos Empregados do Governo; e depois de nos ter coberto de injurias disse mais tarde, que a revolução só fóra devida ás malversações dos Srs. Cabraes. Já S. Ex.ª em um á parte disse, que não tinha proferido similhante expressão; mas a verdade é que ella existe no seu discurso, e este vai correr por toda a Nação, e até pelos paizes estrangeiros! O Sr. Fonseca Magalhães, servindo-se do seu talento, e reconhecendo a difficuldade da tarefa, que se impozera o seu visinho, não quiz entrar no desenvolvimento da materia, e foi encontrar as causas da revolução do Minho em um não sei que, em um desgosto geral que st descubria no povo, tanto mais temível quanto se lhe não conheciam as causas. S. Ex.ª seguindo a doutrina, de que muitas vezes apparecem grandes effeitos sem serem conhecidas as causas, fez-nos a profissão de fatalista!
Em vista do exposto, eu poderia dispensar-me de entrar na analyse das encontradas asserções dos D. Pares; mas attenta a minha posição, não posso dispensar-me de continuar a entreter a Camara com as minhas observações, muito embora tenham ellas ainda de ser longas. Sinto cançar a Camara. (Vozes. — Não — Não), todos reconhecerão que a minha posição é especial. (Vozes — Falle, Falle.)
É na verdade bem original o modo de argumentar do Sr. Conde de Lavradio! Em poucas palavras se reduz ao seguinte — o pensamento fixo da Administração Terceira-Cabral, era a sua propria conservação; para conservar-se carecia de uma Camara de Deputados inteiramente sua; para obter esta Camara lhe era necessario ganhar as eleições; para ganhar as eleições tinha de empregar meios de violencia e corrupção; para empregar taes meios carecia de homens perdidos, e estes eram os Empregados dessa Administração.
Esta accusação tão forte carecia de provas apresentadas no momento. Uma tão injusta asserção não devia com lealdade ser apresentada, sem que o D. Par nos desse conhecimento dos factos, que o authorisavam a lançar um tal stigma sobre um partido inteiro. Eu poderia fazer uma comparação das qualidades, do merito, e da moral de uns e outros Empregados; eu poderia exclamar — Vós, que nos accusaes de corruptos e immoraes; vós, desde o mais alto até ao mais inferior Empregado sois todos corruptos e immoraes! Fazendo-o assim, eu seguiria o exemplo dos meus adversarios politicos; mas não o farei. Eu tremi quando aos meus ouvidos soaram aquellas palavras: eu não me atreveria nunca a fazer uma tal accusação, sem ter na minha mão as provas. (Repetidos apoiados.) Eu não quero dizer, que todos os Empregados que serviram com a Administração de que fiz parte, são homens perfeitos; eu não quero dizer que algum delles não tivesse faltado aos seus deveres; mas qual é o partido politico, que póde affirmar que todos os seus Empregados são homens sem defeito? A comparação será odiosa; mas se quereis descer a esse campo, attendei a que nada recciamos. Não façamos monopolio da honra (disse eu já em outra occasião); e agora direi com o Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, que ninguem se apresente como typo de perfeição. S. Ex.ª empregando estas frases dirigiu-se a este lado da Camara; e eu na materia sujeita, faço dellas applicação ao lado da Camara que nos combate.
O Sr. Fonseca Magalhães já fez justiça a este lado da Camara; mas o Sr. Conde de Lavradio estabeleceu uma regra geral. (O Sr. Conde do Lavradio — Não senhor, não foi geral.) Foi, e lá se contém no seu discurso, se assim não é deve S. Ex.ª queixar-se dos Tachygraphos; mas eu entendo que não ha motivo para isso, porque o discurso de S. Ex.ª está nesta parte conforme com as notas, que eu havia tomado durante a discussão.
Para nada faltar, o D. Par o Sr. Conde de Lavradio até nos accusou da immoralidade do clero, e trouxe em prova dessa accusação o não estabelecimento dos Seminarios; por esta occasião fez-se uma nova appellação para V. Eminencia, a qual eu não repetirei; mas não tenho duvida affirmar, que nenhum Governo se occupou tanto do estabelecimento dos Seminarios, como aquelle de que fiz parte. Todos sabem, e V. Eminencia o sabe melhor que ninguem, que se o Governo não fez mais, foi unicamente por falta de meios: o Sr. Conde de Lavradio era o menos competente para nos dirigir similhante accusação. O Governo, de que S. Ex.ª fez parte, não adoptou uma unica medida a tal respeito, nem uma unica palavra deu sobre tal objecto: talvez S. Ex. me diga, que apenas esteve quatro mezes no Ministerio: é esta uma das fatalidades que ordinariamente acontecem a S. Ex.ª (O Sr. C. de Lavradio — Já estive um anno, que sempre é mais do que quatro mezes — riso.) Eu sinto, na verdade, que a Nação se não queira convencer, de que tem no D. Par o seu salvador; lastimo que os differentes partidos politicos, lhe não venham todos offerecer o seu apoio, para curar as feridas e as desgraças que pesam sobre nós (hilariedade). A accusação dirigida contra nós pelo D. Par, em quanto nos crimina pela immoralidade do Clero, é extremamente forte, porque equivale a dizer, que o Governo teve em menos conta a Religião, e a moral publica. Que! Accusam-nos de nada praticar em favor da moral publica os homens, que premiaram, que pagaram soldos e gratificações a esses padres, que commandaram as guerrilhas, e levaram a devastação e a carnagem a todas as povações do Reino? Accusam-nos aquelles que tem dado apoio a esses paduas, que largando a mansidão, tão necessaria aos Ministros da Religião, se arvoraram em agitadores das massas, e roubaram as fortunas dos particulares, das misericordias, e outros estabelecimentos de caridade? (Profunda sensação.) Accusam-nos de nada ter feito pela moral publica os homens, que separaram da Administração da Justiça os juizes probos e honrados, para os substituir por aquelles, que rasgando a toga, empunharam a espada, ou pegaram no fuzil, para destruir a tranquillidade que gozava o paiz, e promover a desobediencia das leis? Não desçam os D. Pares a especialidades; em quanto assim obrarem entendam que estão n'um campo desfavoravel; lembrem-se de que eu estou no campo da defeza, e que para defender-me não terei duvida de dizer a verdade, sem consideração alguma. (O Sr. M. de Loulé — Apoiado.) Folgo muito de que o D. Par me apoie, prova é de que está conforme com as minhas idéas (riso).
Uma das graves accusações, feita pelo Sr. Conde de Lavradio, contra a Administração de que fiz parte, foi — que durante essa Administração se impediu o livre uso do direito de petição. Disse-nos o D. Par que foramos ainda além do que se praticava nos tempos absolutos, e trouxe em prova disso o que se passou no reinado do Sr. D. João VI, o qual recebia das mãos de qualquer individuo do povo, representações contra os seus proprios Ministros. Invocou-se a este respeito o testimunho do Sr. Duque da Terceira, e nada disto era necessario, porque ninguem ainda negou, que o direito de petição fóra sempre usado entre nós, e ninguem poderá provar, que, durante a Administração a que pertenci, se não usasse amplamente de um tal direito. Todos sabem que milhares de representações chegaram ao Chefe do Estado, e ao Corpo legislativo; o D. Par não poderá provar que o Governo impedisse a alguem o fazer chegar ao Chefe do Estado, ou ao Corpo legislativo representação alguma. O Sr. Conde de Lavradio é o ultimo que deveria fazer tal accusação; porque S. Ex.ª, não obstante ter uma cadeira no Parlamento, lá foi intrigar nas salas dos Paços Reaes, entregando pessoalmente ao Chefe do Estado uma representação, em que se pedia a demissão do Ministerio! (Sensação.)
Temos nós culpa de que o Chefe do Estado não tomasse em consideração uma tal representação, e que entendesse que só motivos de ambição (o que mais tarde se provou pelos factos) levaram o D. Par a apresentar uma tal representação? Somos nós culpados de que o partido do D. Par haja sido constantemente repudiado pela urna? Repudio antigo, repudio que não data de época moderna! Não me occuparei de uma época anterior; mas irei procurar fundamentos para provar o que acabo de expor — a época posterior a 28 de Novembro de 1839, em que pela primeira vez fui chamado aos conselhos da Sua Magestade, sendo então meu collega o Sr. Fonseca Magalhães.
Todos se recordarão, de que nesse periodo uma minoria facciosa empregou todos os meios, para embaraçar a discussão das mais importantes e uteis medidas: foi em consequencia disso, que a Administração de 26 de Novembro julgou do seu dever aconselhar ao Chefe do Estado a dissolução do Corpo legislativo. Procedeu-se a uma nova eleição; e ao menos a respeito da legalidade desta conto com o testimunho do Sr. Fonseca Magalhães (O Sr. Fonseca Magalhães — É exacto): ainda bem! esta eleição ao menos fica salva da nota de illegal (riso). É forçoso por tanto que admittam como legal a Representação Nacional que della foi resultado. A opposição ficou em diminuto numero; e ainda assim a maior parte dos membros da opposição da Camara de 1840, tinham sido eleitos como pertencentes ao partido Cartista, e alguns delles deveram a sua eleição a influencias do Governo. A parte dessa opposição, que se separou do partido Cartista, levantou então a bandeira da desunião, e talvez desse passo errado e impolitico resultassem muitos dos males que estamos soffrendo! (Apoiados.)
Em 1842 procedeu-se a uma outra eleição; e todos estarão lembrados, de que a opposição apenas contou nas suas filas 17 Deputados! Em 1845 uma terceira eleição teve lugar; e as filas da opposição appareceram diminuidas, e apenas dez individuos pertencentes á opposição a representaram na Camara dos Srs. Deputados!
Em 1848 procedeu-se a uma quarta eleição, e a opposição creio estar representada na Camara dos Srs. Deputados com zero! (Riso.)
O repudio que a opposição soffreu ha uma durante quatro eleições successivas, não será uma prova concludente de que a opinião nacional rejeita a opposição? E não se diga, que essa opposição não concorreu á uma, ou que o direito eleitoral não é tão amplo entre nós como deve ser: é facto que a opposição em todos essas eleições desenvolveu as suas forças, para obter um triumpho (apoiados). A circumstancia de não estar representada na outra casa a opinião politica mais exaltada, não devia ser motivo bastante para que o D. Par o Sr. Fonseca Magalhães lançasse sobre o outro Corpo Collegislador o estigma, que lançou. Eu não sou
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da opinião do D. Par, e julgo além disto, que esta Camara é incompetente para decedír da legalidade da Camara dos Srs. Deputados. Eu sinto muito que se viesse trazer esta questão ao Parlamento, porque poderá isso dar logar a suppôr, que se pretende dar força a reclamações estrangeiras, que actualmente pendem sobre esta importante questão (apoiados).
Prevendo que os nossos adversarios politicos, para justificar a sua derrota, haviam de trazer á discussão a questão eleitoral, preparei-me convenientemente com os respectivos documentos. Fique a Camara na certeza, de que os documentos de que vou dar-lhe conhecimento, estão conformes com as actas remettidas pelos Collegios Eleitoraes á Camara dos Srs. Deputados. Permitta-me a Camara, que antes de provar a proposição que estabeleci, eu faça uma pequena digressão para demonstrar, que não ha motivo sufficiente para dizer, que o direito de votar é entre nós limitado: quanto a mim, elle é excessivo, e em logar de ser estendido, deve ser restringido (apoiados). Tenho diante de mim o mappa demonstrativo do total dos Eleitores no Reino visinho: é de 99:129: e note bem a Camara, que a população de Hespanha excede a 14 milhões de habitantes! O numero dos Eleitores entre nós é de 139:183; e note a Camara, que a nossa população excede muito pouco a 3 milhões de habitantes! Quizera pois, que em vista destes dados estatisticos se me disse-se, se ha motivo para a opposição se queixar, de que o direito de votar entre nós é limitado! É minha opinião, e com sentimento o digo, que no paiz visinho o objecto eleitoral está mais bem regulado.
Eu poderia dar conhecimento á Camara do resultado geral das Eleições em todo o Reino, mas para não cançar a Camara escolherei a Provincia da Estremadura, por ser a mais importante e a segunda em população. A Provincia da Estremadura composta dos Districtos Administrativos de Lisboa, Leiria, e Santarem, tem recenseados para votar nas Assembléas Primarias, 34.847 Cidadãos; deste numero concorreram á uma 21:483; votos em favor da opinião Cartista 11:825, e em favor das opiniões colligadas 9:434; maioria a favor da opinião Cartista 2:391! (Vozes — Muito bem, muito bem) Pergunto agora em vista destes factos — está ou não provado que o partido da Colligação concorreu á Urna, e ficam por tanto destruidas todas as considerações, que a tal respeito tem sido feitas?
Observo que os meus adversarios politicos se mostram muito satisfeitos, com o que acabei de dizer sobre o resultado das eleições: verei se posso previnir um argumento, que de certo apresentarão para confirmar as opiniões que tem emittido. É natural que pretendam dizer, que se as reclamações apresentadas a favor do seu partido fossem attendidas, outro teria sido o resultado. Pois bem: desde já lhes affianço, que ainda admittidas todas essas reclamações, e mesmo as que foram apresentadas contra alguns eleitores da opinião Cartista, assim mesmo o resultado nos seria favoravel. Agora argumentem. (Riso Apoiados.)
E vem agora a proposito dizer duas palavras sobre a importante questão tratada pelo D. Par o Sr. Fonseca Magalhães; isto é, a questão da significação das maiorias parlamentares. Eu tambem não sou da opinião daquelles que sustentam que as maiorias parlamentares significam sempre a opinião nacional; mas sou da opinião dos que dizem, que esta é a regra, e que o contrario é a excepção (apoiados). E qual será o Juiz competente para decidir uma tão importante questão. Eu não vejo outro senão a Urna. Quando uma maioria, accusada de não representar a opinião nacional, se apresenta uma, duas, tres, quatro vezes successivas á Urna, e a Nação se decide constantemente pelo partido politico representado por essa maioria; como póde duvidar-se de que essa maioria não represente ainda a opinião nacional? Neste caso estamos agora (apoiados repetidos). Que! Hão de ser quatro periodicos, que representam a opinião do quatro individuos; hão de ser meia duzia de D. Pares, despeitados pela derrota que soffreram, os que hão de julgar, e decidir se a Camara actual dos Srs. Deputados representa a opinião nacional? Nas passadas eleições, quando á frente dos negocios estava um governo que representava a opinião do partido Cartista, ainda a opposição poderia allegar, que o Governo havia usado de sugestões, havia dispensado graças, e empregado meios de violencia para obter a victoria eleitoral. Mas em 1848 havia um Governo, que segundo a propria confissão do Sr. Fonseca Magalhães, representava uma opinião contraria. E não se diga, que esse Governo deixou de empregar todos os meios para vencer as eleições. No artigo promessas, por exemplo, foram feitas em demasia, e as ameaças tambem foram por mais d'uma vez postas em pratica! Mas se d'um lado estava esse Governo, e apoz elle se seguiam as promessas e as ameaças; do outro lado estavam os principios, estava a razão, e a justiça, e estava uma Bandeira que dizia — Rainha, Carta, Independencia Nacional. — (Apoiados repetidos. Vozes: — Muito bem, muito bem.) E como póde depois de todos estes factos lançar-se ainda um estigma tal sobre o outro corpo colegislador (apoiados).
O Sr. C de Lavradio disse (pelo menos está impresso no seu discurso), que a revolução fóra devida ás malversações dos Cabraes. Esta accusação, por infundada, não deveria ser produzida, sem que se tivesse a lealdade de especificar factos, e produzir as provas. Fallo alto e bom som nesta Camara; desafio todos os meus inimigos a que provem o menor acto de malversação; tenho direito a esperar depois desta declaração, a que produzam as provas contra mim; e se as não tem, que sejam bastante leaes para confessar, que erraram no juizo que formaram a meu respeito, ou que foram mal informados. Quem ignora que nos calamitosos tempos em que vivemos, os homens publicos, e principalmente os que se distinguem por qualquer fórma, sofrem diariamente accusações de tal natureza? Quem foi mais victima dessas accusações, que o D. Par que se senta diante de mim o Sr. Silva Carvalho? Este D. Par foi durante muitos annos accusado pelos orgãos daquelle lado da Camara, de toda a qualidade de crimes; o no entanto quem poderia duvidar da probidade, e honestidade de S. Ex.ª? Os tempos correram, e hoje até os seus proprios inimigos lhe fazem justiça. Quem foi mais fortemente atacado do que o Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães por esses mesmos jornaes, que lhe fazem agora elogios? Não houve crime grave e offensivo da sua honra e probidade, que lhe não fosse imputado por aquelles jornaes; foi mesmo accusado de querer plantar o despotismo neste paiz, e no entanto o D. Par foi sempre um homem de bem, e combateu sempre no campo da liberdade. Que horrores não escreveram esses mesmos jornaes contra o Sr. C. do Bomfim? (e agora conhecerá o D. Par, que não obstante essa forte animozidade, que mostrou contra mim, eu sei fazer-lhe justiça), eu devo declarar que tive a honra de servir por muito tempo debaixo da presidencia de S. Ex.ª, e que sempre conheci o D. Par como um homem de bem, zelozo sempre no cumprimento dos seus deveres, e desejando promover o bem da Nação por todos os meios ao seu alcance; e no entanto ainda estão soando aos meus ouvidos as accusações fortissimas, que foram dirigidas na outra Casa contra S. Ex.ª, por um Deputado hoje bem ligado com o D. Par! Eu não sei se dê conhecimento á Camara dessa tremenda accusação; falo-hei para mostrar até que ponto as animosidades politicas nos obrigam muitas vezes a ser injustos. O D. Par, depois de ser accusado de muitas malversações, ouviu dizer na outra Camara — que a sua farda tinha tantas nodoas, que nem toda a agoa do mar era capaz de lava-la! (Sensação.) E o D. Par era um homem de bem; e o D. Par não havia commettido malversações; e o D. Par em fim, não tinha na sua farda nodoas algumas, mas tinha buracos feitos pelas balas que lhe haviam atravessado o corpo em defeza do Throno da Rainha, e da Carta. (Repetidos apoiados — Vozes — É muita generosidade).
Concedo que a revolução fóra feita contra os Cabraes, como asseverou o Sr. C. de Lavradio; reconheço, se assim o quizerem, que todo o odio era contra as suas pessoas; mas notae, que esses Cabraes, apenas em logar competente se fez saber, que a sua retirada da Administração podia aplacar a revolução, immediatamente resignaram o poder, e declararam que não queriam a responsabilidade d'uma só gota de sangue derramada por sua cansa. Notae, que no momento em que esses Cabraes largaram o poder, a revolução se desinvolveu com mais facilidade; e que á proporção que a noticia da sua dimissão se propagava, crearam-se Juntas revolucionarias nas cidades, nas villas, e até em pequenas povoações; e segundo sou informado, até na Lourinhã! (Riso — Hilaridade geral.) Notae, que esses Cabraes sahiram de Portugal, e que foi depois dessa sahida que as exigencias revolucionarias se desinvolveram no maior auge; que esse ministerio da revolução foi obrigado a destruir leis importantes, das quaes devia resultar a prosperidade do paiz! Foi depois d'essa sahida que foram violados, e até revogados varios artigos da Lei fundamental! Se esses Cabraes eram tão ominosos ao paiz, porque, estando elles fóra do poder, e até do paiz, não pozestes um dique aos furores e ás exigencias revolucionarias? O programma dessa associação da Calçada do Sacramento, o qual representava verdadeiramente o objecto e os fins da revolução, será a sombra que vos seguirá por toda a parte! (apoiados.) Ao lado dessa associação existia outra, vulgarmente chamada a associação do Calhariz. Essas duas associações entendiam se perfeitamente, as deputações cruzavam-se, e a esta ultima, segundo sou informado, pertenciam alguns D. Pares que presentes estão. Ao menos dessa associação espero eu não deixem de declarar-se membros. (Sussurro na esquerda. — O Sr. Conde de Rio Maior — Eu declaro que não pertenci. — Hilaridade.)
O Sr. C. de Lavradio foi buscar á circumstancia da fugida dos Cabraes, a prova de que a revolução tinha sido effectivamente contra nós. A Camara já ouviu as minhas explicações a este respeito; limitar-me hei por tanto a dizer, que ella foi principalmente devida á perseguição do Governo, e a não quirerem esses Cabraes vêr-se sacrificados como victimas á revolução. Grande susto tinha o Governo de dous homens! Se elles eram tão odiados como dizeis, porque os não deixaveis socegados em suas casas? Se esses nomes eram tão mal vistos pela Nação, porque evitaveis o seu regresso á patria? É porque vós temieis que esses dous homens, os quaes não passam de simples soldado no seu partido, servissem de centro aos seus amigos politicos, e então, como agora, soffresses uma derrota eleitoral.
O D. Par a quem respondo; tambem nos dirigiu a accusação de que, exercendo o poder durante quatro annos, e apoiados sempre por maiorias compactas, nada tinhamos feito de proveitoso para a Nação. Eu cançaria a Camara se repetisse o que disse já sobre este objecto, e o que disseram mais extensamente os meus antigos collegas, os Srs. Gomes de Castro e C. do Tojal. Não ha duvida que o Governo exerceu o poder durante quatro annos; e tambem não ha duvida que, honrado com o apoio de maiorias compactas, adoptou mediias de grande interesse para a Nação; mas tambem é certo que em frente dessas maiorias combateram minorias fortes e violentas, que durante a discussão desvirtuaram essas medidas (apoiados).
Não se diga que a Nação se levantou contra o procedimento da Camara, por discutir as leis em feixes. Esta accusação prova ainda a variedade de opiniões sobre as causas da revolução. Todos sabem que esse chamado feixe de leis era um complexo de medidas que formavam um systema e um pensamento. A discussão que então teve logar durou muitos dias, e foi luminosa. Se uma dessas medidas fosse rejeitada, cahia por terra o pensamento do Governo, e teria este de retirar-se, como declarou por essa occasião. É no entanto para admirar que uma tal accusação parta d'um D. Par, que para evitar a discussão das leis, mesmo em feixes, se declarou dictador absoluto!... (Repetidos apoiados.) Ahi estão as columnas do Diario cheias de Decretos, que essa dictadura publicou, e a respeito dos quaes o Corpo Legislativo deve occupar-se mui seriamente. Não admira que esse Ministerio da revolução se declarasse absoluto, porque o seu Presidente, em quasi todas as vezes que tem subido ao poder, tem proclamado a dictadura; e com isto não quero eu dizer que esse Presidente pretendesse plantar o absolutismo neste paiz, estou antes persuadido de que elle ama a liberdade, e que lhe tem feito relevantes serviços
Em prova da lealdade com que discuto com os meus adversarios politicos, farei uma rectificação a respeito do que eu disse, quando analysei o Decreto de 30 de Agosto. Havia eu dito, que o Governo do 1.° de Agosto, não havia feito obra por elle senão depois de approvado pelo Corpo Legislativo. Enganei-me; porque algumas transferencias dos Juizes de 1.ª Instancia haviam sido feitas antes da mencionada approvação. Esta porém não é a questão; e não devia o D. Par pertender tirar grande partido de um insignificante erro de facto, para evadir-se á palpavel contradicção que lhe notei. S. Ex.ª, assim como os seus Collegas no Ministerio, haviam-nos accusado fortemente por termos publicado o Decreto do 1.º d'Agosto, o qual, ordenando as transferencias dos Juizes, havia na sua opinião destruido a independencia do Poder Judicial. Revogado o mencionado Decreto do 1.° d'Agosto por SS. Ex.ªs, deveriam ser coherentes, e não adoptar a medida que nelle se contém, contentando-se outrosim com a legislação, que vigorava antes do referido Decreto. Mas SS. Ex.ªs queriam uma medida de circumstancias, e julgaram por isso mais a proposito praticar um acto, que tão criminoso achavam do lado dos seus contrarios! Mas isto ainda não é tudo. Para mais facilmente attenderem os Juizes, que ou tinham sido Membros das Juntas revolucionarias, ou foram commandantes de guerrilhas, adoptaram no artigo 1.º § 2.º um novo methodo de contar o tempo, dentro do qual devem ser feitas as transferencias dos Juizes! Além disto adoptou-se no preambulo desse Decreto um motivo falso; porque, dizendo-se naquelle preambulo, que grande numero de Juizes se haviam retirado das suas Comarcas, e que a Administração da Justiça estava quasi abandonada no Paiz, constava sómente na respectiva Secretaria, que apenas quatro Juizes estavam ausentes das suas Comarcas! Desejára por tanto que se me respondesse, se a ausencia de quatro Juizes podia ser motivo justificado para uma tal medida, e sobre tudo para salvar a contradicção por mim notada!
Tendo nós sido apresentados como exclusivistas e intolerantes, propuz-me demonstrar, e demonstrei effectivamente, que o Ministerio de 20 de Maio que nos succedeu, levára a sua intolerancia e o seu exclusivismo a um grande excesso. Eu provei, que ninguem tinha exercido o poder dimissorio com mais amplitude do que aquelle Ministerio: e designei entre outros factos o de haver dimittido entre a classe dos Escrivães 238, havendo a circumstancia aggravante, de que alguns desses Escrivães tinham sido dimittidos, não obstante ter a primeira Authoridade Administrativa declarado, que lhe não conhecia erro d'Officio! Uma outra circumstancia tornava ainda muito censuravel o acto de similhantes demissões; pois se provava por documento Official, que algumas dellas tinham sido dadas por politica, e para entreter as esperanças do partido vencido em Evora-Monte.
O Sr. C do Lavradio redarguiu-me com umas chamadas estatisticas, pelas quaes pertendeu provar, que a Administração de que fiz parte, havia igualmente exercido o poder dimissorio com excesso, a respeito da mencionada classe d'Empregados: passo a affiançar a S. Ex.ª que as suas estatisticas não são exactas. Eu respondo pelas minhas; e segundo estas — Escrivães dimittidos com causa fundada, desde Fevereiro de 1842 até Maio de 1846, quer dizer, mais de 4 annos, foram apenas 69. Combine agora o D. Par este numero com o de 238 dimittidos em 4 mezes! Isto prova sim tolerancia, mas uma tolerancia revolucionaria. (Riso — Apoiados.)
Sr. Presidente, não posso deixar de fazer algumas considerações sobre um objecto, a respeito do qual o D. Par se explicou largamente; objecto que mereceu as attenções da Camara, e não póde deixar de merecer as attenções da Nação; objecto a respeito do qual me parece não póde haver senão uma opinião. Fallo da pensão que se deve dar á viuva do Sr. Silvestre Pinheiro. (Apoiados.) Quando fallei sobre este negocio disse — que votaria por essa pensão quando fosse devidamente apresentada ao Parlamento; declarei porém — que o Governo decretando e mandando pagar esta e outras pensões, havia violado as disposições da Carta Constitucional. O Sr. C. de Lavradio, fugindo do ponto da questão, provocou o sentimentalismo em favor da viuva do Sr. Silvestre Pinheiro! Fallou muito dos serviços do Publicista portuguez; esforçou-se por demonstrar que pelos seus relevantes serviços tinha direito á gratidão nacional; e por fim fallou muito do lamentavel estado, a que estava reduzida a sua viuva! Veja agora o D. Par se fugiu do verdadeiro ponto da questão para o campo do sentimentalismo! O D. Par, inculcando-se muito conhecedor das disposições da Carta Constitucional, fez vêr á Camara que a minha opinião só poderia ter fundamento na Constituição de 38, para a qual eu tinha concorrido. S. Ex.ª lançou-me a nota de ignorante da Carta; não lhe devolverei essa nota de ignorante; mas peço lhe quando pretender argumentar em direito positivo, haja de primeiramente estudar esse direito. (Riso.) A Carta concede sim ao Governo o poder de decretar pensões, mas faz depender as pecuniarias da approvação do Corpo Legislativo (Apoiados).
O Sr. C. de Lavradio mostrou-se muito conduido da miseria, em que ficou a viuva do Sr. Silvestre Pinheiro, e logo depois fez a confissão, de que não sabia se essa pensão se tinha pago. Que philantropia! Não prova esta confissão, que esse Decreto violando a Carta, teve por fim sómente ostentar um fingido interesse pela memoria, e pelos serviços do Sr. Silvestre Pinheiro? E vós homens bondosos, que tinheis as vossas bolças abertas para os desgraçados, porque as não abristes em favor dessa infeliz viuva, deixando de praticar uma violação da Carta? Porque a não soccorresteis durante 4 ou 5 mezes, que seria o tempo necessario para a reunião das Côrtes? (Apoiados.)
Entre os actos inconstitucionacs praticados pelo ministerio da revolução, enumerei o da demissão de dous Conselheiros de Estado contra a lettra expressa da Carta. Eu esperava que o Sr. C. de Lavradio, membro daquelle ministerio; nos apresentasse alguma rasão plausivel, que ao menos aparentemente justificasse um seu acto. Sinto porém dizer, que as rasões apresentadas por S. Ex.ª sómente provam, que se quiz exercer um miseravel e mesquinho acto de vingança! O
D. Par reconheceu a inconstitucionalidade do acto, e para a justificar apresentou as tres seguintes rasões — 1.ª Violámos a Carta, porque receavamos que os dous individuos dimittidos do cargo vitalicio de Conselheiros de Estado, regressassem do paiz estrangeiro e se fossem sentar nos Conselhos da Soberana — 2.ª Violámos a Carta, porque se esses homens continuassem a ser considerados como Conselheiros de Estado, resultaria uma revolta — 3.ª Violámos a Carta, porque tendo-a violado em pontos muito importantes, não valia a pena deixar de a violar em objecto de tão pequena monta (riso).
Não é porque eu seja um desses dimittidos, que novamente me proponho a fazer algumas reflexões a este respeito: é pela questão da moralidade publica: é pela questão dos principios; é pela questão da Carta Constitucional (muitos apoiados), que eu entendo deve ser tractada esta questão. O D. Par declarou, que muito se havia maguado o seu coração, quando foi obrigado a convir e aconselhar a mencionada dimissão. Esta magua porém não se combina com as repetidas instancias, que se fizeram durante um mez para obter essa dimissão; e ainda assim foi necessario acoberta-la com a opinião do Conselho de Estado (sensação). Devo aproveitar esta occasião para declarar, que não me queixo dos membros do Conselho de Estado, muito embora eu esteja convencido de que se estabeleceu um precedente, que póde ser fatal, para aquelle alto Corpo do Estado. Os motivos que foram apresentados pelo Governo, para que os meus collegas condescendessem com a violação da Carta Constitucional, foram muito ponderosos. Segundo me affirmam, foi representado pelo Governo que a segurança do Throno, das Instituições, e da tranquillidade publica, dependiam dessas dimissões: os meus collegas fizeram, portanto, muito bem em não expor ao menor risco tão sagrados objectos.
Se a volta desses dous homens dimittidos podia ou não causar uma revolta, está provado pelos factos. Depois das excitações, e depois da exaltação vem a reflexão; a Nação desenganou-se; e esses dous homens, voltando á Patria, receberam decididas provas da estima publica. Esses homens podem-se ter enganado, e enganaram-se effectivamente em algumas das suas medidas; mas tiveram sempre a intenção e a consciencia, de que trabalhavam em favor do Throno, da liberdade, e da prosperidade do seu Paiz (apoiados). Não devo deixar de mencionar á Camara, que nenhuma Representação tinha sido enviada ao Governo sobre tal objecto! Ninguem havia pedido em nome dos povos uma tal dimissão!
Se fóra preciso apresentar mais provas contra esse acto de mesquinha vingança, bastaria referir a terceira rasão dada pelo Sr. C. de Lavradio, para justificar a violação da Carta. — O Governo violou a lei fundamental, dimittindo dous Conselheiros de Estado, porque não valia a pena de deixar de a violar em objecto de tão pequena monta. Um ministerio que apresenta tal rasão está julgado.! (Repetidos apoiados — Vozes — Muito bem — Muito bem).