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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO DE 13 DE FEVEREIRO DE 1865

PRESIDENCIA DO EX.MO SR. CONDE DE CASTRO

VICE-PRESIDENTE

Secretarios, os dignos pares

Conde de Peniche

Mello e Carvalho

(Assistia o sr. ministro da guerra.)

Depois das duas horas da tarde, tendo-se verificado a presença de 40 dignos pares, declarou o ex.mo sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da sessão antecedente

O sr. Conde de Linhares: — Eu peço ao digno par, o sr. secretario, que tenha a bondade de me ler a parte da acta em que me refiro á commissão consultiva.

O sr. secretario leu.

O sr. Conde de Linhares: — Disse que já na sessão passada o sr. visconde de Soares Franco e elle, orador, tinham concordado que a commissão consultiva não decidia ácerca dos negocios da marinha, porém sim consultava, esclareceu do e estudando convenientemente os ditos negocios, os quaes depois deviam ser aceitos ou rejeitados no sentido do parecer da commissão pelo ministro, unico responsavel em vista das nossas instituições politicas. Se o orador se referiu á commissão consultiva não foi porque desconhecesse estes principios; mas porque sabendo, ou julgando saber, que na dita commissão existem divergencias ácerca do systema de construcções navaes a seguir para maior utilidade e conveniencia da nação, convem que haja um ministro que, pela sua vigorosa iniciativa, e como unico responsavel perante a constituição do estado, aceite ou rejeite a opinião da maioria da commissão consultiva, e siga um systema qualquer, ou seja aquelle adoptado a esse respeito pelo muito illustra do ex-ministro da marinha Mendes Leal, ou qualquer outro que o actual ministro julgue melhor, e do qual elle aceite inteira responsabilidade como lhe compete.

Só n'esse sentido podia o orador referir-se á commissão consultiva, e foi o que fez, não lhe parecendo comtudo bem traduzidas as suas idéas na acta.

Fez estas reflexões, que espera que s. ex.ª, o sr. presidente, aceite com a sua costumada benevolencia, dando as necessarias providencias para a reforma da acta n'essa parte.

Disse mais o orador que, como s. ex.ª o sr. ministro da marinha já pediu a palavra, aguarda o seu discurso, para acrescentar as reflexões que julgue convenientes.

O sr. Conde de Thomar: — É muito louvavel o trabalho a que se dá o digno par, o sr. secretario, redigindo as actas das nossas sessões; pois descreve detalhadamente tudo o que se passa durante a discussão: porém eu devo dizer que julgo haver inconveniente em serem as actas redigidas por esta fórma (apoiados). Se me não engano parece-me que este inconveniente já foi notado ha annos em outra sessão. O digno par secretario póde muitas vezes não ouvir bem o orador, e referir inexactamente o que se passou; e é o que succede com as palavras proferidas hontem n'esta camara pelo sr. conde de Linhares. S. ex.ª disse que não havia ministro da marinha, o que obrigou o sr. presidente do conselho a chamar a attenção da camara sobre um decreto do poder moderador, nomeando o sr. ministro das obras publicas para servir interinamente no ministerio da marinha: o que esta na acta, não se acha de accordo com o que se passou na camara; o que, como já disse, foi devido unicamente ao sr. secretario não ter ouvido a asserção feita pelo sr. conde de Linhares, nem a resposta do sr. presidente do conselho. Fosse porém como fosse, o que é certo é que o antigo costume de se não desenvolverem na acta os discursos dos dignos pares é melhor systema (apoiados). Parece-me mais conveniente que só se mencione o sentido em que se falla e o voto, deixando ficar para os tachygraphos o trabalho de darem por extenso o que dizemos aqui (apoiados). V. ex.ª sabe que quando se lê a acta não se lhe dá muita attenção, e isso dá logar a que possa passar desapercebida qualquer inexactidão (apoiados). Cuido que a camara não terá duvida em tomar em consideração as breves reflexões que acabo de fazer (apoiados).

O sr. Presidente: — Em vista das reflexões dos dignos pares, o digno par rectificará a parte da acta a que se allude, e d'essa maneira julga-se approvada.

Tem a palavra o sr. ministro das obras publicas e interino na marinha.

O sr. Ministro das Obras Publicas (João Chrysostomo): — Sr. presidente, acaba de me constar pela leitura da acta, assim como já o tinha sabido pelo extracto das sessões d'esta camara, impressas nos jornaes, que o digno par o sr. conde de Linhares tinha pedido algumas explicações, em referencia aos negocios do ministerio da marinha e ultramar, que se acha a meu cargo, acompanhando o seu pedido com algumas reflexões, em que iam de envolta algumas censuras ao ministro que occupa este logar, sobre factos, cuja inexactidão eu não posso deixar de rectificar.

Sr. presidente, é para sentir que o digno par não aguardasse a occasião de estar presente o ministro da marinha, para pedir as explicações que desejasse, e fazer as reflexões que julgasse a proposito; assim não tendo eu ouvido a s. ex.ª é possivel que eu não dê resposta tão cabal como desejára.

Tambem é para sentir que o digno par, que occupa uma posição no ministerio da marinha pareça tão mal informado a respeito dos negocios d'aquella repartição; entretanto sem entrar em maiores considerações a este respeito, eu vou responder ás observações do digno par.

Parece-me que foram tres os pontos principaes sobre os quaes s. ex.ª chamou a attenção da camara:

1.° Que não havia ministro da marinha e que os negocios d'aquelle ministerio se achavam completamente paralisados.

2.° Que se não tinha renovado a iniciativa de varios projectos importantissimos, apresentados na camara dos senhores deputados, nas sessões anteriores, pelo meu digno antecessor o sr. Mendes Leal.

3.° Versa sobre o estado de certas madeiras destinadas para a construcção da fragata, que se acham, segundo affirmou, no arsenal da marinha em muito más condições, não se tendo sobre isto dado providencia alguma.

S. ex.ª fez tambem algumas referencias á commissão consultiva, porque julgou que este negocio lhe estava affecto.

Responderei ao 1.° ponto de que se occupou o digno par, contestando de facto a sua asserção de que não havia ministro da marinha apresentando-me aqui para lhe responder.

Tambem não é facil de acreditar que o ministro da marinha e ultramar deixe ir os negocios á revelia, ou que estejam elles paralisados não se dando solução a muitos negocios importantes quando é publico e notorio que esse ministro se demora nas secretarias seis e sete horas do dia, voltando a ellas muitas vezes de noite e não recolhendo a sua casa se não depois da meia noite em muitas occasiões. Ora trabalhando d'esta fórma e de um modo superior ás minhas forças, que reconheço que são muito pequenas, não sei como se possa crer que os negocios se acham paralisados, porque a um ministro que faz estes esforços, não se lhe podem dirigir similhantes accusações, sem grande injustiça.

O que posso affiançar a V. ex.ª, sr. presidente, e á camara é que os negocios que dizem respeito á repartição de marinha, têem sido sempre resolvidos, regularmente e como acontece em todas as mais secretarias d'estado, sem o atraso excepcional que o digno par parece suppor.

Nem me consta, sr. presidente, que hajam negocios de tal ordem e importancia, e que careçam de prompta resolução a que eu não tenha dado o devido despacho ou andamento.

É certo que no ministerio da marinha e ultramar, ha sempre importantes negocios que exigem profunda meditação e estudos da parte do ministro, estudos estes que lhe devem roubar muito tempo, principalmente no começo de uma legislatura, em que ha necessidade de preparar propostas de lei, que devem ser presentes ao parlamento; mas sr. presidente, completam-se hoje apenas dois mezes que eu tomei conta da pasta dos negocios da marinha e ultramar, e é cedo de mais a censura de não apresentar trabalhos ou de não resolver certos negocios. Ninguem ignora que quando se abre o parlamento ha sempre um grande acrescimo de trabalho para os ministros, que têem de comparecer ao mesmo tempo em numerosos actos publicos e officiaes, já no paço, já nas camaras, já nas commissões e em outras reuniões a que lhes é forçoso assistir.

Não seria pois de estranhar que n'estas circumstancias o expediente ordinario dos negocios soffresse algumas pequenas interrupções e demoras, o que não póde deixar de acontecer, e acontece effectivamente e sempre tem acontecido, mais ou menos, em todas as secretarias e em todos os tempos: tanto mais que no nosso paiz se reservam para a assignatura e despacho do ministro muitos negocios de menos importancia, que n'outros paizes são resolvidos pelos sub-secretarios d'estado ou pelos directores geraes.

Em fim o que eu posso asseverar á camara é que os negocios do ministerio da marinha marcham com toda a regularidade. Agora, em referencia aos projectos importantissimos, cuja iniciativa s. ex.ª diz que ainda não fôra renovada, tirando d'ahi motivo para censura, tambem me parece estranha a sua observação, pelas rasões já apontadas, e eu affianço aq digno par e á camara que não me tenho deixado de occupar das propostas que devem ser presentes ás camaras, e em breve serão presentes algumas, e então s. ex.ª verá que não foram postas de parte aquellas a que se referiu. Não se póde censurar o governo de não apresentar propostas de lei. Eu já apresentei uma bem importante, e dentro em pouco serão presentes outras ao parlamento, quer em relação ao ministerio das obras publicas quer em relação ao ministerio da marinha e ultramar, e os meus collegas tambem já têem apresentado algumas, tendo já começado a discussão sobre Uma assás momentosa. Entretanto ha poucos dias que a camara dos senhores deputados se acha constituida, e em circumstancias de poder entrar na discussão d'estas propostas.

Ora, emquanto ás propostas da marinha e mesmo em relação ás das obras publicas, eu conto dentro em poucos dias apresentar algumas que se estão completando, mas apresentar todos os projectos de uma vez não é possivel, porque, a camara sabe-o perfeitamente, durante o intervallo das sessões parlamentares, tive de occupar-me e de resolver negocios muito importantes que me absorveram todo o tempo e attenção, de maneira que para mim não houve ferias paramentares; mas só aturado trabalho. Foram reorganisados quasi todos os ramos de serviço publico dependentes do ministerio das obras publicas, que como s. ex.ª sabe são vastissimos. Fez se a organisação do corpo de engenharia civil, a dos architectos e conductores, a dos correios, a dos telegraphos, a dos trabalhos geodesicos e estatisticos. Os decretos regulamentares da policia dos caminhos de ferro, estradas, edificações e telegraphos, e preparam-se muitos outros trabalhos ou para serem presentes ao parlamento, ou para dar seguimento áquellas organisações e a outros negocios importantissimos que tem sido estudados ou pendem da resolução do executivo por aquelle ministerio. Alem d'isto houve a resolução de tres negocios difficeis e complicados, como foi a da empreza da navegação da Africa, Aço-

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res e Algarve, a da companhia das aguas e a do credito predial.

Similhantes negocios exigiram toda a minha attenção e tempo, e não me deixaram um só momento de descanso ou folga, para ter preparados e completamente promptos na abertura do parlamento todos os projectos que devem ser submettidos n'esta sessão á sua approvação por parte do ministerio "das obras publicas.

Pelo que toca ao da marinha e ultramar escuso lembrar o pouco tempo que tenho tido para estudar as questões que devem ser submettidas ás camaras; entretanto eu conto apresentar em breve alguns projectos que foram da iniciativa do meu digno antecessor, o sr. Mendes Leal, alem de outros que estou estudando e que entendo necessarios.

Mas não se venha dizer que existem muitos projectos importantissimos já nas camaras e cuja iniciativa eu não renovei. Isso não é exacto. Entre as propostas de lei que estio na camara dos senhores deputados e que têem passado de umas sessões para outras a que conheço de notavel importancia para a marinha é a do codigo disciplinar da armada (O sr. Visconde de Soares Franco: — Apoiado.), e esse ninguem dirá que é de urgencia ser apresentado nos primeiros dias de sessão. Eu tenho aqui uma nota, que peço licença á camara para ler, e por ella se verá quaes são os projectos a que o digno par alludiu (leu).

Ora, eis-aqui o que ha por a marinha, por o ultramar ha outros da mesma ordem; portanto não se diga que os projectos são de uma importancia e urgencia immensa, como se só d’elles dependesse a salvação das nossas colonias ou a regeneração da nossa marinha. Eu entendo que um ministro não cumpre só o seu dever apresentando muitos projectos ou propostas de lei ás côrtes; entendo quedos trabalhos e actos de um ministro podem ser tanto ou mais importantes n'outro campo, administrando com rectidão e justiça e com decisão firmeza e acerto, resolvendo todos os negocios que lhes incumbe.

Mas como já disse, hei de renovar a iniciativa a algumas propostas do meu antecessor, alem de outras novas; entretanto careço do tempo necessario para as estudar, e ainda que se disse que não havia ministro da marinha, eu não costumo assignar de cruz os negocios o projectos, examino-os e estudo-os, e para isso carece-se de tempo.

Portanto, por maior que seja a veneração respeito e homenagem que presto ás grandes qualidades e brilhantes talentos do meu digno antecessor e amigo o sr. Mendes Leal, a quem publica e particularmente sempre tenho dado testemunho do quanto o acato, isso não me dispensa da minha obrigação de examinar attentamente todos os negocios que devo resolver e todas as propostas que devo submetter á approvação das côrtes, ou cuja iniciativa devo renovar, tendo sido já apresentadas por aquelle digno ministro, cujos serviços ao estado, pela pasta da marinha, sou eu o primeiro a reconhecer e confessar.

Em conclusão, o que affirmo á camara é que não me descuido daquellas propostas do lei, mas que é mister tempo para as examinar e apresentar devidamente ás camaras.

O sr. Ministro da Guerra (Ferreira Passos): — Pedi a palavra para fazer um requerimento:

«Requeiro que sejam publicados no Diario de Lisboa todos os documentos constantes do processo para a concessão da medalha militar ao general Lobo d’Avila, bem como todos aquelles que sobre o mesmo objecto foram lidos n'esta camara, ou foram enviados para a mesa.

«Camara dos dignos pares, em 13 de fevereiro de 1865. = José Gerardo Ferreira Passos.»

Consultada a camara resolveu que se expedisse.' O sr. Visconde de Soares Franco: — Eu pedi a palavra unicamente para declarar ao digno par, o sr. Conde de Linhares, que na commissão consultiva não ha divergencia a respeito de construcções navaes; a não serem as ordenanças de marinha, não ha outra proposta do governo affecta á mesma commissão. Por esta occasião direi o que já disse: a commissão consulta os negocios que o governo lhe envia, sendo por consequencia toda a responsabilidade das resoluções tomadas pertencente ao sr. ministro da marinha.

Limito-me simplesmente a dar estas explicações, porque entendo não ser esta a occasião propria para tratar convenientemente d'estes assumptos (apoiados).

O sr. Marquez de Niza: — Eu desejava que a mesa me informasse se dirigiu á secretaria das obras publicas o meu requerimento, pedindo os documentos relativos á organisação do ensino agricola.

Aproveito a occasião de ver presente o sr. ministro para lhe dizer, que tendo posteriormente ao meu pedido havido uma representação dos lentes da mesma escola, desejava que viesse junta aos documentos que requisitei.

O sr. Secretario (Conde de Peniche): — Acabam de chegar n'este momento á mesa os documentos que o digno par pediu, relativamente ao ensino agricola.

O sr. Marquez de Niza: — Mas não vem a representação? O sr. Ministro das Obras Publicas: — Não vem a representação porque não ía incluida no requerimento; mas agora que sabe' os desejos do digno par dará as suas ordens para ser remettida uma copia da representação dos lentes.

O sr. Conde de Linhares: — Disse que tanto mais sentia que S. ex.ª o sr. ministro da marinha o não tivesse ouvido na sessão passada, quanto lhe parecia que s. ex.ª estava mal informado ácerca das palavras, e principalmente das intenções d'elle orador. Não ignora os meios indicados pelo regimento da camara para se fazerem interpellações ou censuras aos ministros; porém não era este o objecto que tinha na sua mente quando dirigiu uma simples pergunta, que havia de ser conhecida pelo sr. ministro lendo o extracto da sessão, e que se referia á aceitação e renovação de iniciativa de alguns projectos apresentados em outra legislatura pelo sr. Mendes Leal, sendo um dos principaes o codigo penal para a marinha de guerra; pergunta esta que elle, orador, fazia unicamente com o fim de julgar da conveniencia ou inconveniencia de usar da sua propria iniciativa para apresentar n'esta camara um projecto de lei abolindo os castigos corporaes na armada real; julga elle, orador, que vae longe d'esta pretensão a que pareceu, attribuir-lhe s. ex.ª, julgando as suas palavras como uma interpellação ou censura; e para não confundir cousas diversas no seu arrasoado, pede desde já ao ex.mo sr. presidente o inscreva para apresentar um projecto de lei, porque acaba de deprehender das palavras do sr. ministro que s. ex.ª aceita só com algumas reservas (o que aliàs é natural pela falta de tempo para estudo que s. ex.ª tem, encarregado de tantos e importantes negocios), o codigo apresentado pelo sr. Mendes Leal.

Disse mais, que não julgando opportuna a occasião para se alongar em considerações, respondendo ao sr. ministro, se limita a dizer-lhe que o julga habilitado com todas as condições necessarias para um optimo ministro da marinha, porém que tambem julga ser humanamente impossivel que hoje um ministro, por habil e zeloso que seja, possa simultaneamente resolver e estudar os negocios da competencia dos ministros das obras publicas e da marinha e ultramar, em que se estão actualmente dando grandes progressos. Nesse sentido, e só nelle, é que o orador pronunciou as seguintes palavras = não ha ministro da marinha =, e nem outra podia ser a interpretação dellas perante uma assembléa tão illustrada. Assim de certo o entendeu o digno par conde de Thomar.

Concluiu dizendo que o sr. ministro da marinha mostrava, em parte, estar nas idéas do orador, pois que declarando que se não tinha conservado ocioso durante as ferias parlamentares, e que mesmo assim carecia de trabalhar na sua secretaria durante muitas horas do dia e da noite, devia suppor que, conhecida a actividade e zêlo do ex-ministro Mendes Leal, muitos e importantissimos trabalhos estariam tambem alinhavados na secretaria da marinha, esperando pela iniciativa e estudos do actual ministro; não sendo só os projectos que s. ex.ª mencionou, e que foram apresentados - o anno passado na camara dos senhores deputados, aquelles sobre os quaes se deva chamar a attenção de um ministro que, reunindo ás qualidades que adornam s. ex.ª, menos occupações, os possa meditar, estudar, resolver e apresentar, usando da sua iniciativa, e tomando d'elles a responsabilidade que lhe compete pela carta constitucional. Foram estas unicamente as suas palavras, nem vê que se lhes possa dar outro sentido qualquer que importe a idéa de censura ou interpellação a s. ex.ª

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Sr. presidente, peço licença a V. ex.ª para acrescentar ainda algumas palavras em resposta ao que tem ponderado o digno par, e principalmente em referencia á questão das madeiras destinadas para a fragata que estão no arsenal, e que o digno par julga que se estão damnificando do modo como se acham. Esqueceu-me tocar neste ponto da primeira vez que tive a honra de occupar a attenção da camara. Devo dizer a V. ex.ª e á camara que sobre este objecto das madeiras não tenho nenhuma proposta, nem nenhum officio do chefe d'aquelle estabelecimento, e estou bem persuadido que o digno funccionario que esta hoje á testa do arsenal não se descuidaria do propôr o que fosse necessario se essas madeiras soffrerem o prejuizo que pretende o digno par. Esse funccionario muito competente, pediria sem duvida as providencias que dependessem do governo a tal respeito, se o julgasse necessario. O que é certo é que o digno par me procurou por duas vezes e me fallou largamente sobre este objecto; mas isto não passou de uma conversação, por que officialmente só ao sr. inspector do arsenal é que compete propor o que for mais couveniente á melhor ordem do serviço do arsenal e das construcções navaes. Este negocio não podia portanto ser resolvido por uma simples conversa; nem é certo que as construcções navaes estejam paradas, mas procede-se n'ellas na ordem que tem parecido mais conveniente preferindo os trabalhos de maior urgencia. Nada mais tenho a dizer.

O sr. Presidente: — Vae ler-se a carta regia pela qual foi elevado á dignidade de par do reino o sr. conde de Bertiandos, e o parecer que a commissão deu sobre ella. O sr. Secretario: — (Leu).

«Conde de Bertiandos, Sebastião José Correia de Sá Brandão, amigo, eu El-Rei vos envio muito saudar como áquelle que amo. Tomando em consideração os vossos merecimentos e qualidades: hei por bem, tendo ouvido o conselho d'estado, nomear-vos par do reino.

« O que me pareceu participar-vos para vossa intelligencia e devidos effeitos. Escripta no paço da Ajuda, em 23 de fevereiro de 1864. = EL-REI. = Duque de Loulé. »

A commissão encarregada de examinar a carta regia, pela qual foi elevado á dignade de par do reino o ex.mo sr. conde de Bertiandos Sebastião Correia de Sá Brandão, verificou que a refericada carta regia tem todos os requisitos legaes, pelo que é de parecer que o nomeado esta nas circumstancias de tomar assento na camara, prestando previamente o juramento do estylo.

Sala da commissão, em 10 de fevereiro de 1765. == Visconde de Soares Franco = D. Antonio José de Mello e Saldanha — Visconde de Gouveia.

O sr. Presidente: — Os dignos pares que approvam o parecer da commissão tenham a bondade de se levantar; foi approvado.

O sr. Presidente: — Logo que o sr. conde de Bertiandos se apresente tomará assento na camara.

ORDEM DO DIA

continuação da interpellação ao sr. ministro da guerra

O sr. Presidente: — Passâmos á ordem do dia. Tem a palavra o digno par o sr. Ferrão.

O sr. Ferrão: — Observa que não ha nada peior que a defeza de uma causa má, porque obriga o defensor a sustentar proposições que nem o seu coração, nem a sua rasão aceitam. Foi isso que aconteceu ao digno par Moraes Carvalho, pois que s. ex.ª cegou-se pelo desejo de defender, e em todo o discurso seu laborou n'um sophisma que o forçou até a apresentar proposições injuridicas, o que passou a demonstrar.

Pelas rasões que expoz, as ordens do dia têem força de lei por effeito da lei de 18 de agosto de 1769; e aquella que prohibe as manifestações de que se trata, as quaes sito verdadeiros attestados, não esta revogada pelo regulamento disciplinar, como pretende o orador a quem responde, porque a clausula final — ficam revogadas as disposições em contrario, não se entende com aquella ordem do dia cujas disposições não contrariam as do regulamento. Isto posto, e! sendo certo que as manifestações dos officiaes eram mais do I que felicitações, já porque tanto o filho do general, como o! sr. Moraes Carvalho reconheceram n'ellas o caracter de resposta e contrariedade ao que diziam os jornaes; é evidente que estavam prohibidas.

Tratando das medalhas, observou que a creação dellas era uma usurpação do poder legislativo; facto punido pelo codigo penal emquanto não houver a lei especial da responsabilidade dos ministros; e que, o sr. ministro até excedera as attribuições do executivo, substituindo por um outro regulamento aquelle que primeiro se tinha feito; o que é tambem facto punivel.

Estranhou que o sr. Moraes Carvalho dissesse que se podia revogar um decreto por uma simples portaria; porque alem de importar uma negação do nosso direito e praxes constitucionaes, era annullar o rei, que é em quem reside 'o poder executivo, que exerce pelos seus ministros. A proposição, que não podia deixar de condemnar, era portanto uma completa inversão dos principios da carta: e se não era assim, que então escusavam os ministros de ir ao paço á assignatura real.

O orador entende que o sr. ministro da guerra podia sanccionar ou não a consulta do supremo conselho de justiça militar; mas que não podia altera-la. Não esta de accordo com o sr. Moraes Carvalho quando pretendo que o nome do consulta esta dizendo que se trata só do funcções consultivas. Não é assim. Ha consultas e consultas; algumas d'estas têem esse nome por mera cortezia, como são as do contencioso administrativo no conselho d'estado, e as do supremo tribunal de justiça em diversos casos que mencionou.

Depois de muitas outras considerações, concluiu observando que a proposta de censura que se discute, lhe parece diminuta para se limitar á infracção dos regulamentos de disciplina, quando ha cousas muito mais graves como já mencionou.

(O discurso do digno par será publicado na sua integra logo que o restitua correcto.)

O sr. Vellez Caldeira: — Eu tenho a palavra n'esta occasião havendo-a pedido a V. ex.ª no momento em que o digno par o sr. marquez de Vallada havia annunciado um facto, que muito me custava a acreditar; e não pude dispensar-me de interromper o digno par que me auctorisou, nesse momento ás observações que eu então queria fazer; nem mesmo V. ex.ª me chamou á ordem, no entretanto pareceu a alguns dos dignos pares daquelle lado da sala que era melhor que eu não fallasse de permeio ao discurso de s. ex.ª e eu submeti-me á ordem. Direi pois fallando agora mais livremente, por isso que a palavra me pertence, que me penalisou summamente ouvir dizer ao digno par que tendo entrado de visita numa prisão, encontrara ali um preso que estava ali eram já passados seis mezes sem que todavia tivesse ainda sido chamado a preguntas! Ora eu quiz logo mostrar quanto isto me maravilhava, fiz uma brevissima observação, mas agora peço a s. ex.ª a declaração de quem era o preso, quando é que foi recolhido na cadeia, e o motivo da sua prisão, para se verificar como é que se póde dar um caso tão extraordinario, pois custa muito a crer que por tanto tempo existisse preso um individuo qualquer, seta que o ministerio publico tenha requerido que se lhe façam as preguntas estando n'esse caso, isto é em começo de processo. E tanto mais me penalisou ouvir a exposição que fez o digno par, quanto é certo que nos disse como V. ex.ª ha de estar lembrado, que, segundo parecia, a rasão de tanta demora era porque o preso era' um homem pobre e desgraçado! O que falta saber é se era réu que já tivesse sido sentenciado, e cujo processo estivesse perante a relação. Este é o caso que se póde dar de um réu estar sem preguntas; mas outra cousa não posso acreditar, e por agora tenho dito sobre este ponto, esperando que s. ex.ª nos esclareça melhor depois de estar completamento informado.

Sr. presidente, agora tratando da questão que occupa a camara, o digno par que me precedeu e que disso que quem dizia que sabia direito mentia; direi que s. ex.ª se encarregou mesmo de demonstrar que não era assim, que se não podia estabelecer tal proposição; o que é um facto é que cada um entende as questões de direito a seu modo, mas isto não exclue a proficiencia, como s. ex.ª nos provou mais' uma vez pelo discurso que todos nós acabamos de lhe ouvir; eu vou explicar tambem o meu voto, porque é certo que sempre gosto de expor a minha opinião nas questões importantes que vem á camara, e mesmo naquellas a que se pretende dar importancia como na presente.

Não tratarei agora das doutrinas apresentadas pelos dignos pares que têem fallado, quer de um quer do outro lado, vou unicamente dizer a minha opinião á face da proposta ou moção de ordem mandada para a mesa pelo digno par, o sr. Sebastião José de Carvalho (leu.)

Vamos a ver se isto procede: que diz a ordem do dia que se citou (leu-a.)

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Eu creio, sr. presidente, que em boa fé ninguem póde sustentar que tal manifestação seja um certificado, portanto escusado é haver demora em sustentar que não existe o certificado, deixo á intelligencia e probidade dos dignos pares o decidirem se é certificado! E que diz o artigo 51.° do regulamento de 30 de setembro de 1856 (leu.)

Onde esta tambem aqui(a reclamação? Pois os dignos pares não sabem, não sabe todo o militar que a reclamação é quando ha motivo de queixa, quando se faz uma injustiça, ou se suppoz feita, ou que existe qualquer determinação a respeito de um ou mais militares, o se reclama contra essa resolução? Esta é porventura a especie em que estamos? Não é por certo, e assim eu estou de accordo com o digno par o sr. Ferrão, emquanto nos diz que cada um entende a legislação a seu modo; é quanto me basta para eu poder sustentar que não esta comprehendida a manifestação nas disposições da ordem do dia, ainda que o digno par o sr. Ferrão quiz fazer uma distincção de jurisprudencia com a disposição do codigo penal, que não julgou applicavel ao caso de que tratamos.

Do codigo penal vou eu agora ler o artigo 18.°, ainda que não foi esse o que o digno par citou (leu).

Sr. presidente, póde haver maior pena para um ministro da corôa do que a censura que formula o digno par o sr. Sebastião José de Carvalho? Eu creio que não; e que por isso não se poderá a ella fazer applicação de disposiçoes penaes por analogia ou inducção. Poucas palavras mais direi, porque não quero tomar tempo á camara; não é esse o meu costume, não sei fazer longos discursos, nem a minha fraca saude o permitte. Assim eu lembro sómente aos dignos pares que extranham que o ministro se não conformasse com a consulta, que isso é contra todo o direito; as consultas são sempre dependentes da approvação do governo; sempre que a lei que as estabeleceu não tem clausula em contrario (apoiados); é necessario que a clausula seja expressa (apoiados). Que dizem os artigos d'este regulamento o 7.°, o 2.° e o 10.°? (Leu-os.)

Isto é a sancção de todas as praticas, e mesmo nas consultas do supremo tribunal de justiça, a quo o digno par o sr. Ferrão se referiu, a lei tem determinado a consulta de tres juizes, póde o governo escolher d'estes o que quizer; mesmo nas consultas sobre aposentações, se o tribunal consultar com vantagens, que não estão na lei, quem dirá que o governo não póde, n'este caso, decidir a consulta nos termos precisos da lei? Conseguintemente não restringindo o decreto, esta para mim claro, que o ministro podia, nos casos de que se trata, decidir a consulta como o fez.

Não discuto agora sobre o decreto de 2 de outubro do 1863, porque a A camara o viu passar desde outubro de 1863, o nunca se lembrou de o impugnar. -Ora se esse decreto autorisava o sr. ministro da guerra de então a fazer um regulamento, não podia o ministro seguinte fazer outro derogando aquelle? Parece-me que isto esta justamente, e deveras nos termos de se dizer que em jurisprudencia cada um toma a seu modo o que quer.

Ora como se fallou em que o sr. ministro da guerra devia demittir ou suspender aquelle militar, só pela rasão de se ter elle mesmo imposto suspeição para o exercicio das funcções legislativas, direi que, se o sr. ministro tal fizesse praticava uma arbitrariedade, porque não haviam circumstancias que podessem tornar legal esse procedimento.

O que eu sinto é que esta questão se trouxesse aqui no momento em que esse official chamava ante o poder judicial o accusador, pois é para sentir que assim se possa dizer que houve intenção de por alguma fórma se ir influir em juizo. Tenho explicado a rasão do meu voto nada mais digo.

O sr. Marquez de Vallada (sobre a ordem): — É unicamente para dizer que me reservo para responder ao sr. Vellez Caldeira, quando tomar a palavra no logar que me competir.

O sr. Conde de Mello: — Sr. presidente, pouco tenho a dizer depois do que acabâmos de ouvir ao digno par o sr. Ferrão, com cujas opiniões em grande parte me conformo, e porque a respeito de representações, reclamações, certificados ou manifestações eu tambem já expuz a minha opinião quando usei da palavra em uma das ultimas sessões, se bem que o fiz succintamente, visto que então esse ponto não comportava uma discussão tão larga como agora é mister que tenha depois que usou da palavra o digno par o sr. Moraes de Carvalho. Apontei então os inconvenientes que de se permittirem taes manifestações haviam de resultar, e de passagem alludi a um facto que se passara commigo, para mostrar como se devem reputar pouco espontaneas taes manifestações, debaixo de qualquer fórma ou caracter que se lhes dê, e nisso parece-me ver accordes quasi todos os dignos pares (apoiados).

Sr. presidente, não quero cansar a camara repetindo menos bem do que o disse o digno par o sr. Sebastião José de Carvalho, como é facil voltar a defeza contra aquelles que sustentam ser conforme e regular este procedimento. Já indiquei e novamente indico ao illustre ministro da guerra as prescripções que contém aquella ordem do dia que tanto se tem aqui citado, e que s. ex.ª deve seguir como bom exemplo deixado por um dos bons organisadores de exercitos, e por certo o melhor que temos tido, o marechal Beresford, ao qual deveu o exercito portuguez o boa fama que ganhou na Europa. E sabe a camara porque tanto louvor merece? Porque marchou de triumphos em triumphos desde as linhas de Torres Vedras até pisar terras de França? Foi porque esse general soube não só estabelecer os mais solidos principios de disciplina, mas faze-los executar. A esta disciplina, a estes feitos brilhantes fez inteira justiça o marechal Soult, dirigindo-se a lord Wellington em uma reunião de generaes que houve em París depois da guerra.

Julguei, sr. presidente, não ter nada mais a dizer, porém hoje não posso ficar silencioso depois da insistencia com que se pretende defender um acto que eu não posso de maneira nenhuma approvar: não me incita o desejo de me fazer ouvir, sei que não sou orador, mas com a franqueza e lealdade de soldado cumprirei mais largamente o meu dever dizendo novamente a minha opinião, não só com general, mas como membro de um tribunal superior que tem por principal missão, o fazer manter as leis da disciplina, e inflingir castigos aos que dellas se apartam. Sinto que as poucas rasões que aqui expendi não convencessem a todos, e que fossem combatidas pelo digno par o sr. Moraes de Carvalho respondendo aos dignos, pares Sebastião José de Carvalho e Marquez de Vallada. E me pois forçoso responder a s. ex.ª.

Sr. presidente, o digno par a quem me refiro não só santificou estas manifestações a que chamou felicitações, mas disse que fazendo-as os officiaes de artilheria 4, tinham cumprido um dever, porque, disse s. ex.ª, que tendo-se propalado pela imprensa que elles queriam representar contra o seu commandante era do seu dever responder por aquelle modo.

Sr. presidente, é sobre este ponto que eu vou entreter por breves momentos a camara, bem como com uma rapida analyse da manifestação daquelles officiaes, pedindo á camara a mesma benevolencia que me concedeu na outra sessão (apoiados).

Sr. presidente, o digno par, o sr. Ferrão, disse que cada jurisconsulto entende o direito a seu modo, mais facilmente espero eu que se me conceda ter uma opinião sobre este objecto diversa do que têem os que me combatem.

Sr. presidente, aos boatos que propalou a imprensa não tinham os officiaes de artilheria outra resposta a dar senão mostrarem que sabiam cumprir o seu dever, obedecendo ao commandante que o governo lhes dera; assim esse boato desvanecia-se, e a disciplina seria mantida.

Sr. presidente, talvez eu esteja em erro, mas é minha opinião que reconhecendo-se aos inferiores o direito de julgarem das qualidades -.de seus superiores apreciando-os em bem, garantido lhes -fica logo o direito de os apreciarem menos favoravelmente.

Mas, sr. presidente, eu nem preciso esperar para mais tarde para ter que notar esta contravenção de todas as regras de disciplina, não só decretadas no nosso paiz, mas em todos os exercitos do mundo; é a mesma manifestação dos officiaes de artilheria que apresenta estes inconvenientes.

Eu vejo n'esta manifestação, elogio, censura, e tambem um programma; o programma esta aqui (leu.)

Eu quasi que repito o que têem dito outros oradores, mas não posso deixar de o fazer para explicar as minhas idéas a este respeito. Vou ler a censura (leu.)

Eu entendo que este periodo contém uma censura, bem pouco incapotada, ao illustre general Baldy. O sr. Baldy: — Peço a palavra.

O Orador: — S. ex.ª verá que eu lhe faço toda a justiça que merece. S. ex.ª é dotado de todas as boas qualidades, é um distincto cavalheiro, o sabe que eu o conheço, e por isso ha muito tempo que lhe tributo respeito e consideração, entre essas boas qualidades avulta a da generosidade, foi esta generosidade que fez com que s. ex.ª não quizesse ver a censura que lhe rogavam, porque ella aos meus olhos não se apresenta incapotada, mas apenas coberta com um véu muito transparente, que bem deixa ver a censura a s. ex.ª -Censura immerecida, porque se o illustre general' não alcançou mais melhoramentos para a arma de artilheria, que tão dignamente commandava, é porque o governo não póde ou não quiz attender ás suas reclamações.

Mas o facto é que por não terem havido esses melhoramentos na arma de artilheria, dizem os signatarios da manifestação, esta ella no estado do marasmo, de que só os grandes dotes que possue o general Lobo d'Avila a podem tirar.

É por isso que eu disse que n'estas manifestações ha censuras, ha elogios que eu não contesto, e ha um programma. O programma é este (leu).

Ora tendo os officiaes de artilheria mencionado os grandes talentos e eminentes qualidades do general Lobo d’Avila, indicando-lhe o que desejam e dizendo que confiam que s. ex.ª fará, pareceme que mais o indigitam como futuro ministro da guerra, do que para seu commandante (apoiados). Deixarei isto de parte, e direi sómente o seguinte: Supponhamos que este general se acha collocado na mesma impossibilidade em que esteve o seu antecessor de poder satisfazer aos desejos dos seus subordinados, o que se segue, é que todas estas esperanças se desvanecerão, e então quem poderá negar a estes officiaes, ou a outros, o direito de o censurarem, e de voltarem os olhos para outro general, dizendo tambem que esse é o unico capaz de acabar com o marasmo em que esta a arma de artilheria? Será uma serie nunca interrompida de censuras e de elogios, censuras ao que não tiver podido fazer nada, e elogios ao que se espera que faça, mas juntando-lhe, já se sabe, um programma do que ha de fazer! Isto não póde ser. - De tal pratica resulta a aniquilação completa de todas as boas regras da disciplina, d'aqui o direito que se arrogam os inferiores de julgarem do merecimento dos seus superiores, d'aqui finalmente o supposto direito de censurar, prohibido por todos os regulamentos militares.

Julgará porventura a camara que eu estou vendo em negro o futuro, que invento cousas que nunca existirão? Pois não é assim, o mal já começa a sentir-se, a semente era boa, os fructos não tardarão a apparecer.

Veja a camara o que produziu a manifestação dos officiaes de artilheria n.° 4. O facto que vou relatar é posterior á data d'essa manifestação.

Todos sabem que a força armada portugueza se compõe do exercito de terra e de mar, e ainda que os serviços sejam differentes, as regras de disciplina são as mesmas, temos os mesmos artigos de guerra.

Vejo ali na sua cadeira o digno par visconde de Soares Franco, major general da armada, e peço a s. ex.ª que me corrija se eu não for exacto.

O commandante da corveta Infante D. João julgou dever prender um dos seus officiaes; os camaradas "d'este, quando elle foi solto, julgando-se offendidos por aquella prisão de um seu camarada, mas fazendo menos que os officiaes de artilheria, animados porém com o exemplo que elles lhes deram, pediram permissão ao seu commandante para irem á sua presença, e collectivamente lhe pediram que os mandasse desembarcar, visto que não estava contente com o seu serviço.

S. ex.ª teve conhecimento d'este facto, e como fiscal que é da disciplina, logo, no desempenho do seu dever, e honra lhe seja feita, mandou-os responder a um conselho de investigação.

Ouço dar a hora, mas como muito pouco me resta a dizer, peço á camara que me permitta concluir o meu discurso.

Vozes: — Falle, falle.

O Orador: - Pelo conselho de investigação conheceu-se que o crime d'estes officiaes não estava previsto no regulamento, e que por isso não havia castigo determinado.

O sr. Visconde de Soares Franco: — Se o digno par me dá licença eu explico este facto. Effectivamente houve a prisão do official por não ter dado plena execução a uma ordem, e quando o commandante o mandou soltar, os outros officiaes foram pedir licença ao commandante para lhe fallar, o commandante deu a licença, então o official immediato, em seu nome e no de todos os mais disse: «visto não estar satisfeito o commandante com o seu serviço pediam licença para mudar de navio ou desembarcarem»; isto é uma cousa muito differente do que fazer felicitações, e tanto mais porque aquella corveta só esperava tempo proprio para levantar ferro.

O Orador: — Mas s. ex.ª zeloso da disciplina, como já disse, no desempenho dos seus deveres, como excellente official que é, ponderou ao seu respectivo ministro que, embora não houvesse pena estabelecida para um procedimento d'esta ordem, era mister não deixar sem correcção um acto tão contrario á disciplina e se mandassem reprehender aquelles officiaes. Em consequencia d'isto baixou uma portaria, e os officiaes de toda a divisão naval passaram a bordo da Estephania, que era o navio chefe, e ali lhes foi lida a portaria que reprehendia os officiaes da corveta Infante D. João.

Fez V. ex.ª muito bem. Porém se algum dos officiaes ali reprehendidos dissesse: faço parte da força armada, o exercito de terra tem os mesmos artigos de guerra que eu tenho, então porque sou eu reprehendido, por uma manifestação respeitosa, e os outros que as fazem para a imprensa, em outros termos, e para responder a boatos propalados, não são castigados?! O que se lhe havia de responder? Não sei; ou antes sei mas não o quero dizer.

Sr. presidente, na carreira militar ha deveres que não podem deixar de cumprir-se, é necessario que haja obediencia aos superiores, e que não se consinta que os inferiores se arroguem o direito de julgar da capacidade dos superiores, que o governo entende dever dar-lhes para os commandar. É necessario que os inferiores se lembrem que têem obrigação restricta de obedecer ás ordens que o commandante lhes dá, e quando essas ordens ferirem as leis militares e o seu decoro, obedeçam primeiro, e queixem-se depois da injustiça que lhes fizerem. Era cumprindo assim os seus deveres que os officiaes de artilheria deviam responder aos boatos da imprensa, o uso e abuso que se tem feito das chamadas felicitações já produziu os males que referi, maiores serão no futuro, se tal pratica continuar a ser não só tolerada, mas protegida.

Sr. presidente, ainda que o exercito não tivesse lei escripta, haviam os principios, o exemplo das outras nações, mas nós temos lei escripta para os militares, são as ordens do dia de 26 de julho de 1811, de 23 de julho de 1824, é a ordem do sr. duque da Terceira, e são as ordens de todos os generaes que têem commandado o exercito portuguez, ou têem sido ministros da guerra.

Sr. presidente, sem disciplina, teremos um agregado de homens armados, valentes sim, porque todos os portuguezes o são, mas não teremos exercito, e essa porção de homens armados a que queiram chamar exercito, não poderá seja na paz ou na guerra corresponder ao que a nação que o sustenta tem direito a esperar d'elle.

Como não quero cansar a camara, e abusar da sua benevolencia, vou concluir, pedindo novamente ao sr. ministro da guerra, e hoje ainda com maior instancia, que por bem da disciplina do exercito, faça com que as disposições que se contêem na ordem do exercito do marechal Beresford, e nas dos outros generaes que têem commandado o nosso exercito, sejam rigorosamente cumpridas.

O sr. Presidente: — Está levantada a sessão. Continua ámanhã a mesma ordem do dia.

Eram mais de cinco horas da tarde.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 13 de fevereiro de 1865

Ex.mos srs. Conde de Castro

Marquez de Alvito

Marquez de Ficalho

Marquez de Fronteira

Marquez de Niza

Conde de Alva

Conde d’Avila

Conde de Linhares

Conde da Louzã

Página 427

427

Ex.mos srs. Conde de Mello

Conde de Peniche

Conde de Rio Maior

Conde de Sampaio

Conde do Sobral

Conde de Thomar

Visconde de Benagazil

Visconde de Condeixa

Visconde de Ribamar

Visconde de Soares Franco

Barão de Ancede

Antonio de Azevedo Coutinho Mello e Carvalho

Alberto Antonio de Moraes Carvalho

Antonio José de Mello (D.)

Antonio Luiz de Seabra

Diogo Antonio Correia de Sequeira Pinto

Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão

Francisco Simões Margiochi

Amaral Osorio de Sousa

Joaquim Antonio de Aguiar

Joaquim Filippe de Soure

José Augusto Braamcamp

José Bernardo da Silva Cabral

José Joaquim dos Reis e Vasconcellos

José Gerardo Ferreira Passos

Luiz Augusto Rebello da Silva

Manuel Antonio Vellez Caldeira Castello Branco

Miguel do Canto e Castro

José de Menezes Pita

Sebastião José de Carvalho

Vicente Ferrer Neto Paiva.

Entraram depois de aberta a sessão:

Ex.mos srs. Duque de Loulé

Marquez de Sabugosa

Marquez de Vallada

Marquez de Vianna

Conde de Fonte Nova

Conde de Paraty

Conde de Santa Maria

Visconde de Fornos de Algodres

Visconde de Gouveia

Visconde de Ovar

Barão de S. Pedro

Antonio de Macedo Pereira Coutinho

Bazilio Cabral Teixeira de Queiroz

João de Almeida Moraes Pessanha

José da Costa Pinto. Bastos

José Izidoro Guedes

José Lourenço da Luz

José Maria Baldy

Luiz de Castro Guimarães

Luiz do Rego da Fonseca Magalhães.

Em virtude da resolução da camara dos dignos pares do reino, tomada em sessão de 13 do corrente mez, a requerimento do digno par ministro da guerra, publicam-se os seguintes documentos que á mesma foram presentes.

Ministerio da guerra — 1.ª direcção — 1.ª repartição — Copia — Podendo suscitar-se duvida com respeito á contagem de tempo de serviço sem nota alguma, exigido pelo § 5.° do artigo 4.° do decreto de 2 de outubro de 1863, que instituiu a medalha militar; considerando que o referido paragrapho não esta claramente expresso, e que a literal execução d'elle excluiria de uma graça, apreciavel pela sua importante significação, officiaes e praças de pret que tendo commettido leves faltas no encetar da sua carreira militar, extremaram depois um comportamento irreprehensivel por quinze, vinte annos e mais; tendo finalmente na merecida consideração a consulta que em data de 4 de fevereiro ultimo fez subir a este ministerio o supremo conselho de justiça militar, na qual o mesmo tribunal, reunidas ambas as secções, foi de parecer que a falta commettida e expiada, antes do periodo necessario para se cumprirem vinte annos de serviço com boas informações, só poderia prejudicar a concessão da ordem de Aviz, se a lei expressamente o declarasse: manda Sua Magestade El-Rei communicar ao supremo conselho de justiça militar, para os devidos effeitos, e em harmonia com a sua supracitada consulta, que todos os officiaes e praças de pret que tenham servido sem nota o numero de annos necessario para a concessão da medalha militar, poderão obte-la, embora tenham commettido algumas leves faltas; com a condição porém de que estas sejam anteriores a esses annos consecutivos de exemplar comportamento, e que a ellas não hajam correspondido castigos de mais de quinze dias continuos de prisão, ou vinte dias interrompidos.

Paço, em 28 de outubro de 1864. = = José Gerarão Ferreira Passos.

Esta conforme. = Secretaria d'estado dos negocios da guerra, em 4 de fevereiro de 1865. = O chefe da repartição, João da Cunha Pinto.

Supremo conselho de justiça militar. — Vendo-se no supremo conselho de justiça militar o processo relativo á concessão da medalha militar com que se propõe a ser condecorado o tenente coronel do corpo do estado maior, Antonio de Mello Breyner, é de parecer o mesmo tribunal que este official merece as medalhas de oiro correspondente ao valor militar e aos bons serviços, e a de prata correspondente ao comportamento exemplar, creadas por decreto de 2 de outubro de 1863.

Sala das sessões do supremo conselho de justiça militar, 12 de novembro de 1864. = Visconde de Ribamar = Visconde de Santo Antonio = Visconde de Leceia = Conde de Mello = Francisco Jaques da Cunha, relator.

Ministerio da guerra — 1.ª Direcção — 1.ª Repartição — Ill.mo e ex.mo sr. — O supremo conselho de justiça militar consultando ácerca da concessão da medalha militar das tres classes ao tenente coronel do corpo do estado maior Antonio de Mello Breyner, é de parecer que este official merece as medalhas de oiro correspondentes ao valor militar e bons serviços, e a de prata por comportamento exemplar. Entendo ser muito justa a deliberação do supremo conselho emquanto á primeira e ultima especie, por isso que o agraciando comprova dignamente o seu esforço e arrojo no campo da batalha, e ha tido sempre o proceder mais irreprehensivel; não parece comtudo á commissão que esta muito conforme com o decreto de 2 de outubro, que instituiu a medalha militar, a concessão da mesma, correspondente a bons serviços, sendo de oiro. O § 2.° do artigo 4.° prescreve o seguinte:

Á classe de bons serviços toca tambem medalha de oiro e de prata: a de oiro para galardoar um serviço distinctissimo em notavel desempenho de muito importante commissão extraordinaria; a de prata recompensa de esclarecido e provado zêlo em comprimento de commissão tambem extraordinaria.

O tenente coronel Mello Breyner desempenhou duas commissões importantes e que constam da certidão respectiva do livro de registo; mas não ha documento official que as tenha qualificado de serviço distinctissimo, como era mister para o exacto cumprimento da lei. Sem lhe negarem caracter, é impossivel comtudo á commissão fazer obra por uma simples menção, como a que se acha exarada no citado livro. Não podendo pois ser tão latitudinaria a commissão, como o foi o supremo conselho, entende ella todavia que poderá ser applicavel ao requerente o § 3.° do já citado artigo 4.°

Diz este:

A medalha de prata d'esta classe (bons serviços) poderá ser concedida tantas vezes quantas os serviços que lhe derem jus.

O tenente coronel Mello Breyner desempenhou duas commissões arduas em differentes epochas. Sem ir de encontro á letra e espirito da lei, poderá conceder-se-lhe duas vezes a medalha de prata, a qual quando o serviço fosse declarado relevante em conformidade com ò § 4.°, nem offuscaria o melindre do agraciado, nem offenderia a lei pela concessão da medalha de oiro sem transição e fundamento valioso.

Em 26 de novembro de 1864. = Lacerda. Conformo-me, 28 de novembro de 1864. = José Gerardo Ferreira Passos.

COMMANDO GERAL DE ARTILHERIA

Guia de passagem do major do estado maior de artilheria Francisco de Paula Lobo d'Avila, que por decreto de 20 de julho de 1844, publicado na ordem do exercito n.° 33 de 31 do dito mes, passou para a 3.ª secção do exercito

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