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APPENDICE Á SESSÃO DE 9 DE JUNHO DE 1890 293-A

O sr Firmino João Lopes: - Sr, presidente, eu tinha na sessão anterior, tratando da eleição de Mirandella, lido tres telegrammas de que não repetirei hoje a leitura para não cansar a attenção da camara, e basta dizer em resumo o seu conteudo. O primeiro do sr. Eduardo José Coelho e Almeida Pinheiro, o segundo do sr. Rocha e Almeida Pinheiro e o terceiro do sr. administrador.

De todos deduzi que se procurava dar vulto ao acontecimento que, se valia alguma cousa por se abrir solução de continuidade politica entre amigos nunca discordes, não tinha significação pela prisão não realisada e, porque confiava no bom senso dos mais proximamente interessados. É certo que a interferencia do conselheiro sr. Eduardo José Coelho me veiu pôr de sobreaviso e desde logo acreditei que o conflicto se prolongaria, visto que lhe convinha a discordia entre pessoas que sempre o haviam repellido e guerreado.

Poucas occasiões teria o illustre conselheiro de prazer tão completo. Dirigir o combate com utilidade propria e prejuizo de seus contrarios, conservar os seus correligionarios no quartel da saude sem entrarem no sagrado fogo da discordia, e ver o campo juncado de cadaveres dos seus encarniçados inimigos politicos, seria o ultimo grau de felicidade que a fortuna não deixou durar muito.

Estudei o assumpto no ponto de vista juridico e legal e comprehendi de antemão o fim a que visava o illustre conselheiro em pura perda dos seus novos amigos, que sacrificava sem. piedade, abusando da sua boa fé e ignorancia juridica.

Esperei os acontecimentos, prevenindo o administrador para que procurasse manter a ordem e evitasse por todas as fórmas quaesquer conflictos e de tudo fui dando conta ao governo.

Sr. presidente, recebi muitos outros telegrammas com relação aos acontecimentos de Mirandella, exagerados em telegrammas para jornaes, recorrendo á intervenção do sr. ministro do reino e até do paço.

Era necessario chamar a attenção do paiz para o districto de Bragança!!

Sr. presidente, vou ler o telegramma que recebi do sr. ministro do reino, assinado pelo sr. director geral:

"Lisboa 22, ás 4 e 22 da tarde. - Governador civil Bragança.- Urgente.- Conselheiro E. Coelho argue administrador de Mirandella de assumir violentamente presidencia da commissão eleitoral e prisões arbitrarias do vice-presidente e secretario. Queira v. exa. informar sem prejuizo das providencias urgentes para a manutenção da ordem, repressão de quaesquer desmandos da auctoridades ou particulares e garantia dos legitimos direitos da commissão e de cada um de seus vogaes. - Fevereiro."

Todos concordara em que o presidente da commissão era Leopoldo Pimentel.

Todos concordam que este se achava suspenso do exercicio das funcções administrativas.

N'estas condições foi presidir á commissão em 22 de março; são os factos incontestados e provados por documentos.

As informações enviadas ao sr. ministro do reino não exprimem rigorosamente a verdade, como se deduz do proprio telegramma a que respondi logo o seguinte:

"Director geral Arthur Fevereiro, ministerio do reino, Lisboa. Administrador de Mirandella deteve vice-presidente da commissão quando se retirava com cadernos de recenseamento, não querendo entregar ao presidente as funcções e papeis. Vice-presidente por fim cedeu sem que houvesse a mais ligeira aggressão, completo socego, tudo em ordem o que se deve a attitude da auctoridade quebrando planos de illegalidades. Nenhuma prisão. Parece-me poder affirmar que em Mirandella se conservará ordem, salvo se a opposição, instigada, praticar ou continuar a praticar provocações = Assignado, Governador civil."

Sr. presidente, era tanta e tal a minha senceridade, que suppuz terminado o incidente e o vice-presidente entregue ao governo de sua casa e negocios, tanto mais que d'elle não havia recebido noticias directas.

No dia 23, porém, recebi delle o telegramma seguinte:

"G. C. de Bragança 23, 10 e 36 manhã. - Sendo meu intento manter a legalidade nos actos da commissão recenseadora e tendo a maioria desta entendido que o telegramma de suspensão do sr. administrador não lhe dava direito a presidil-a fui intimado a retirar-me, e o secretario a entregar todos os livros e papeis da commissão. Como recusássemos, fomos presos, mas tendo declarado que cediamos perante a força, protestando pelo arbitrio praticado, fomos postos em liberdade. Note v. exa. que todos sabem o fim que se teve em vista, e lamento as consequencias que hão de fatalmenta advir aos amigos de v. exa., que tambem considerava meus, até a provocação e insulto que deixo exposto.

"Se s. exa. não recommenda legalidade, embora perca a eleição, gravissimas desordens terão logar, pois que os adversarios estão tambem dispostos a tudo e teem a lei a seu favor. = Araujo Leite."

Conhece-se o dedo que redigiu este telegramma, e outro dirigido pouco depois em que o sr. vice-presidente é já então arrogante de força e auctoridade.

"Governador civil Bragança. - Arrebatado hontem violentamente da presidencia da commissão recenseadora e tendo a maioria da commissão reconhecido a minha competencia e não a do sr. administrador do concelho, apesar de allegar que estava suspenso, tenho a honra de participar a v. exa. que hoje assumo de novo a presidencia para cumprimento ao decreto do governo de 22 de fevereiro do corrente anno. Rogo a v. exa. providencei e tenho a honra de prevenir a v. exa. que se isso não acontecer, o que não espero, a commissão reunir-se-ha em logar apropriado para deliberar e fazer respeitar as suas deliberações. A auctoridade administrativa não póde por si, e ainda menos pela força, resolver esta questão de competencia, mas só o poder judicial, ande já pende recurso.

"Tambem me dirijo directamente ao governo de Sua Magestade. = O vice-presidente, José Benedicto de Araujo Leite. "

Quem diria que o meu querido amigo, soccegado, pacato, a propria paciencia, se tornava arrogante para, assumindo attribuições alheias, com o que praticava um crime, se fazer doutor em sciencia eleitoral e ordenar ao governador civil do alto da presidencia que não era sua, o que lhe indicava a estrepitosa gargalhada progressista?

Eu já tinha no dia 22 mandado um telegramma ao sr. José Benedicto de Araujo Leite, manifestando o meu desgosto se alguma cousa desagradavel lhe tinha succedido e permitta a camara que ainda note a circumstancia de mandar telegramma particular, pedindo em nome das nossas relações de amisade, invocando até as de familia, que pensasse mais reflectidamente e se não prestasse pelo seu nome e honrado caracter, a servir de instrumento a um expediente de que não conhecia os effeitos e, contra a sua propria vontade, dava margem a excitação e a desordens.

Todos os meus cuidados e esforços foram perdidos.

Forte devia ser a corrente que o arrastava na marcha de destruição de amigos e amisades, lançado aos pés do incansavel perseguidor seu e de todos os seus parentes!

O vice-presidente sem temor do codigo penal em cujas disposições encorria, cada vez se tornou mais cheio de auctoridade que provinha não da lei, mas do capricho, e continuava em telegrammas ameaçadores e terroristas, dizendo que continuaria a exercer funcções que lhe não competiam, e como o Espirito Santo percebeu que a insistente teimosia do vice-presidente não chegava ao quilate preciso, lembrou fallar em recurso para o juiz de direito, e confundindo propositadamente o conflicto de jurisdição entre poder judicial e administrativo com o exercicio de func-

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coes de presidente e vice-presidente da commissão, fez-se o recurso que depois foi o baluarte de variadas aggressões.

A esta especie de intimação do vice-presidente da commissão de recenseamento, respondi com o seguinte telegramma:

"V. exa. assumindo posição que lhe não compete tem de acceitar a responsabilidade do que fizer. Se é vice-presidente não tem funcções a exercer senão quando faltar o presidente. Previno a auctoridade para manter a ordem e a lei."

Eis-aqui o procedimento da opposição e do governador civil.

Comparem os dignos pares e resolvam com justiça.

Depois disso e antes d'isso, communiquei ao governo o que se estava passando, narrando-lhe tudo com rigorosa exactidão em varios telegrammas.

Ainda depois disso o mesme vice-presidente mandou-me outro telegramma que diz por oito horas da noite de 23 haver-lhe sido intimada uma sentença judicial que o declarava legal para presidir e illegaes todas as deliberações futuras sob a presidencia de Leopoldo Pimentel.

Se li este telegramma,, que não tem maior importancia é para o digno par ver que as insistencias e teimossas da parte do vice-presidente não podiam ser fundadas na sentença judicial, pois esta foi intimada no dia 23 e as insistencias e teimosias já existiam no dia 22.

Era o plano lançar mão do recenseamento de 1889 e dispor das mesas, fossem embora torpes os meios a empregar. Ainda hoje não sei classificar o procedimento do vice-presidente nem tal pretendo. Fica por sua conta e dos i>eus amigos a responsabilidade.

Os motivos que determinaram uma sentença precipitada são dignos de maiores commentarios mais proprios de outra occasião,

Quem sabe se o medo, a vingança e o interesse immediatos foram poderosos motivos da precipitação de que o proprio juiz foi victima?

No dia 24 o vice-presidente expediu o seguinte telegramma:

"Governador civil de Bragança. - O poder executivo não póde annullar uma sentença do poder judicial que resolveu o conflicto e que me declara unico competente para presidir a commissão excluindo da presidencia o administrador do concelho suspenso. Mantenho o meu posto do qual só pela f orça armada serei expulso."

Pela grande amisade e grande consideração que sempre tive pelo sr. Araujo Leite, acceitei aquelle acto de violenta provocação sem o menor resentimento: lamentei commigo o desvio de tão prestante cidadão e respondi-lhe no telegramma seguinte:

"Sr. Araujo Leite.- O poder executivo não quer annullar sentença. Repelle a aggressão do poder judicial se a houve. Juiz não podia dizer nada com respeito ao assumpto. V. exa. é vice-presidente, só tem funcções na falta do presidente. Se v. exa. insistir em transtornar o serviço legal da commissão, a auctoridade administrativa cumprirá o seu dever, empregando até a força no caso extremo, e levantando autos para punir crimes. V. exa. fica prevenido. Appello para a sua consciencia e bom senso, evitando uma disputa sem exemplo."

No emtanto, e depois de haver recebido outros avisos, disse para o administrador:

"Novamente sou avisado de que se trata de roubar o recenseamento e transtornar a eleição e que Araujo Leite se presta a figurar de presidente com o pretexto de uma sentença judicial. Empregue todos os meios brandos, caso seja preciso os da força levantando autos em seguida. Não póde haver sentença judicial, nem o juiz impedir o uso legitimo do exercicio da auctoridade."

Procurava eu evitar que se desse conflicto entre o poder judicial e administrativo, o que seria inevitavel desde que o juiz de direito he mettesse a decidir se o governador civil podia suspender ou não o administrador.

Nada me importava, senão pela obrigação de vigilancia, que presidente e vice-presidente questionassem.

Importava-me porém que um juiz viesse dizer que o administrador de concelho só ficava privado de funcções quando fosse demittido por decreto real publicado na folha official!

A invasão de poderes era manifesta. Ao oraculo, esfregando as mãos de prazer entre a grey progressista, aproveitava a confusão, gritava e fazia gritar a lenda eterna da independencia do poder judicial como, se eu, tambem juiz, não tivesse o maximo empenho em que a magistratura conserve o seu maior brilho, que procede especialmente do justo desempenho e do respeito pelos outros poderes separados e distinctos, nos termos da carta constitucional.

Sr. presidente, resolvido a esgotar o calix de amargas provocações e instado pelo administrador em perguntas successivas sobre o que devia fazer, indicava-lhe como pontos essenciaes: "ordem mantida, liberdade assegurada". Participou-me o attentado judicial de ser procurado o secretario ca commissão para entregar recenseamento de 1889, já fechado era 30 de junho, em que não podia juiz ou alguem fazer alteração alguma! Bem como de haver o juiz proferido a celebrada sentença.

O nobre ex-ministro tinha já então embrulhado na sua teia o illustre juiz, suppondo talvez este boa doutrina o que constituia manifesto abuso. Respondi ao administrador que em nenhum caso o secretario devia entregar papeis, de 1889, e que o responsabilisava pela sua guarda, e lembrei ao administrador que officiasse ao juiz de direito, dizendo-lhe que protestava contra a sua intervenção, pela incompetencia do juiz em materia administrativa.

Dirigi ao sr. delegado do procurador régio um telegramma, pedindo-lhe que me enviasse copia de uma sentença que José Benedicto Araujo Leite dizia proferida pelo juiz, pois queria tudo expor ao governo; dizia que, se tal existia, me parecia ter havido invasão de funcções administrativas, e esperava o seu auxilio para fazer castigar quaesquer attentados.

O agente do ministerio publico teve a bondade de satisfazer a minha requisição. E tambem, sr. presidente, enviei ao meu illustre collega de Mirandella, com quem entretinha relações de amisade, o seguinte telegramma:

"Consultado pela auctoridade administrativa ácerca de uma intimação judicial, a fim de considerar bons ou maus actos e funcções do presidente e vice-presidente da commissão recenseadora, respondi que, fora dos casos consignados nas leis eleitoraes, nada tinha que ver a auctoridade judicial. E incompetente, como é tambem para intervir quanto a funcções administrativas e incompatibilidade distas. Vou de tudo dar parte ao governo, mas desde já protesto contra a intervenção do poder judicial em assumpto que lhe é estranho e actos sem forma de processo nem audiencia de partes."

Não mereci do sr. juiz de Mirandella a attenção de uma resposta, mas considerei como tal o telegramma do sr. vice-presidente, em que diz:

"Poder executivo nada tem com a constituição da commissão recenseadora. Queira v. exa. ver o artigo 30.° n.° 1.° da lei de 21 de maio de 1884. Poder judicial julgou dentro da orbita de suas funcções.

"Eu hei de cumprir a sentença; v. exa. e os seus delegados poderão deixar de cumpril-a e perante os tribunaes serão responsaveis, assim pelo facto de cumprimento, como pelas violencias que empregarem para lhe obstar.

"Appello igualmente para o bom senso de v. exa., para que não seja a propria auctoridade que se revolte contra as decisões legaes do poder judicial.

"Sobre incompatibilidade não me cumpre dar lições a

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v. exa., mas a hypothese está resolvida e d'essa resolução mande v. exa., querendo, recorrer. = Araujo Leite."

Não vê a camara n'este telegramma tres pessoas distinctas: Jupiter despedindo raios de vingança e terror, juiz de direito garantindo a execução e o meu estimado Araujo Leite, senhor da sua emprestada posição, assignando inconsciente esta peça juridica de duradoura recordação.

Pois a minha boa disposição, o meu proposito de empregar todos os meios de persuasão, o intento de conservar a ordem e liberdade da uma era tal, que não duvidei através de mais algum desgosto ou desattenção, dirigir ao sr. juiz de direito de Mirandella, meu illustre collega, um officio nos termos seguintes:

"José Benedicto Araujo Leite em telegrammas tem dado noticia do conflicto entre elle e presidente da commissão recenseadora. Administrador tem pedido instrucções para manter a segurança individual e do recenseamento. Ultimamente faz aquelle menção de um despacho ou sentença de v. exa. com fundamento no artigo 30.° da lei de 21 de maio de 1884. Se v. exa. julgou que o presidente, por não estar exonerado por decreto, mas sómente suspenso por alvará meu, tinha funcções que lhe impediam o exercicio da commissão, parece-me ter invadido attribuições de outro poder.

"Seguir-se-ia. D'ahi que tambem as funcções do actual administrador seriam nullas por despacho de s. exa. O estado de incerteza por não conhecer bem os factos, a precipitação que supponho pela estreiteza de tempo, sem audiencia de partes, faz-me suppor processo precipitado sem formulas com invasão das funcções da auctoridade administrativa.

"Note bem v. exa., por agora, apenas presumo; mas por cautela, protestando o maximo respeito pelas decisões regulares do poder judicial, tambem protesto contra a invasão de attribuições que me pertencera, não na parte eleitoral, que ainda assim me cumpre vigiar para regularidade de todas as operações, mas no exercicio administrativo, lembrando o artigo 13.° § unico, 240.°- e seguintes, 371.° e outros do codigo administrativo.

"Se v. exa. quizesse mandar-me copia desse processo, concorreria para determinar com conhecimento de causa e dos factos o conflicto que terá de levantar-se e talvez para acalmar a agitação provocada em Mirandella."

Sr. presidente, empreguei quantos meios me suggeriu a minha fraca aptidão para evitar o transtorno da eleição; mas a victoria ficara escripta e consignada no centro progressista, apregoada nos jornaes, havia promessas e solemnes compromissos. Quizessem ou não os eleitores, a victoria por João Santiago, cavalheiro que muito respeito, mas que os eleitores não acceitavam de boa vontade, era o grito da opposição.

Pois sabem os dignos pares como é que o meu collega, a quem eu tratei, parece-me, com a maxima attenção, me respondeu?

Que satisfazia um dever de cortezia respondendo-me, sublinhou as palavras agitação imaginaria proveniente de provocação que se queria attribuir-lhe, e lembrou os artigos 1.° § 1.° da lei de 21 de maio e artigo 75.° do regulamento do supremo tribunal administrativo; decreto de 25 de novembro de 1886!!

Vi, portanto, que o sr. juiz de direito insistia em suppor que a sua decisão tinha sido justa e regular.

Não vale a pena repetir variados incidentes e promessas.

Se por um lado eu pedia ao sr. juiz de direito de Mirandella que me informasse das circumstancias para melhor conhecer se era preciso levantar judicialmente conflicto de jurisdicção entre o executivo e judicial, pelo outro protestava a minha estima pela pessoa e respeito pelas decisões proferidas regularmente, mesmo porque tinha a honra de pertencer á magistratura.

Em compensação recebia novos telegrammas impondo ordens e terrores e já constavam as ameaças de querelas que o sr. juiz tomou em realidade pronunciando.

Já eu suppunha, sr. pi evidente, quasi conjurada a tempestade de telegrammas pelo incidente de Mirandella, quando recebi outro de s. exa. o sr. presidente do conselho, assignado pelo sr. director geral Fevereiro, dizendo:

"Se uma sentença do poder judicial reconhece a competencia do sr. Araujo Leite, como este affirma em telegramma ao exmo. ministo do reino, para presidente da commissão elitoral de Mirandella, deve ser mandada nos termos de direito. = Fevereiro."

Deverá ler-se mantida em vez de mandada como esta no telegramma.

Ora aqui tem, sr. presidente, o caso horrendo. Um governador civil tyranno, déspota, que nem obedecia ás ordens do ministro do reino, era, dizia o meu nobre collega conselheiro e ministro honorario Eduardo Coelho, o attentado maior que se ha praticado. Escapa o Serpa mas o governador civil eu lhe fallarei.. . Tremi de susto, mas li o telegramma de que tinha ouvido fallar antes de o ler, e comparei as suas palavras com os factos e com o direito.

Vi então que as informações dadas ao sr. ministro do reino não eram verdadeiras.

Nunca houve duvida, sobre a qualidade de presidente; a questão era se o vice-presidente podia exercer funcções proprias do presidente, quando este, suspenso do exercicio das funcções administrativas, tomava couta da presidencia á frente da grande maioria da commissão (nove contra quatro).

Já agora posso allegar, por minha infelicidade, muitos annos de educação respeitosa por meus superiores apesar de ser cioso na lenda da independencia da magistratura; mas n'este caso tinha a responsabilidade politica, a afeição partidaria, a estima pessoal e a consideração devida ás qualidades do sr. Antonio de Serpa. Tudo concorria para o exacto cumprimento, que nem só de mim dependia, alem da obediencia que na ordem hierarchica é preciso manter como a primeira e principal garantia de execução.

Só por aberração condemnavel podia suppor alguem que eu propositadamente deixasse de cumprir essa, determinação do sr. presidente do conselho; nem ao menos o terrivel censor me concederia a faculdade da demissão, se porventura me repugnasse o cumprimento que devia ser conforme aos termos de direito?

E o direito mandava que nunca tenha execução uma sentença senão depois de intimada, e intimada foi muitos dias depois da eleição.

O direito manda que a sentença se não execute se é dada por juiz incompetente, e incompetentissimo é o juiz de direito para declarar contra lei expressa que o governador civil não póde suspender o administrador, mas só um decreto publicado na folha official. O direito manda interpor recursos até 7 de abril, para depois se fazerem por effeito delles as alterações, e o recenseamento de 1889 já estava encerrado em 30 de junho (lei de 1859, artigo 18.°).

O direito manda que a apreciação das condições e qualidades dos vogaes da commissão é da exclusiva attribuição do tribunal administrativo, que substituiu o conselho de districto, e não do juiz de direito como póde ver-se nas notas que o proprio chefe do partido progressista, o sr. conselheiro José Luciano, escreveu no seu livro Legislação eleitoral annotada, e o illustre jurisconsulto Barbosa Magalhães, no Codigo eleitoral portuguez.

O direito manda que se considere nulla a sentença que se funda em erros de facto, e a de que se trata affirma que Leopoldo Pimentel fôra administrador em 1889, quando os documentos no processo affirmavam o contrario.

Nulla é a sentença proferida sem fórma de juizo, sem audiencias das partes, e o que é nullo não tem execução.

Demais, que ao governador civil não cumpria dar ou não execução, era questão da commissão, questão eleitoral.

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Cumpria-lhe dirigir o seu subordinado para que a lei e o socego publico se não alterassem.

E ainda bem, sr. presidente, sirva ao menos de compensação de meus trabalhos a certeza de que o honrado ministro do reino fica salvo pelo sacrificio do seu leal amigo e soldado raso do partido regenerador!!

Cansado dos incidentes de Mirandella, sabendo que o chefe progressista o sr. conselheiro Eduardo Coelho tinha encetado nova excursão para outras terras, louvei a Deus, e no remanso do meu gabinete (suppondo que tinha gabinete) conclui por felicitar-me, pois na verdade já não imaginava que a sentença de Mirandella tornaria a apparecer para alimentar a esperança de arranjar presidentes que domais estavam já nomeados para as assembléas.

Só depois vi que a sentença proferida em 23 fora datada de 22 para flanquear o perigo do artigo 19.° da lei de 8 de maio de 1878!!

Pois, sr. presidente, n'este meu socego de alma que o illustre conselheiro fez durar pouco, recebi em 29, véspera da eleição, á meia noite, um telegramma que eu li e reli mal podendo acreditar o que continha.

Todos os horrores previstos deixaram de amedrontar, as illegalidades desappareceram, a sentença já não era; o brilho, lustre, independencia do poder judicial, tudo se restituia aos seus logares.

A lei era substituida por uma transacção.

N'estas cousas de eleição é o que nós quizermos, os eleitores nem votam.

A sua missão principia e acaba com a inscripção de nomes no chamado recenseamento.

E depois isto de leis é um aborrecimento.

Sr. presidente tenho minha difficuldade em lor o telegramma, mas é indispensavel para acabar esta historia da eleição de Mirandella, inventada e desenvolida para encobrir essa memoravel derrota, e offender quem cumpriu o seu dever de funccionario sem quebrar a linha do dever de cidadão, amigo e collega.

Pois o telegramma diz:

"Mirandella 29, uma hora e trinta e tres minutos da tarde.- Exmo. governador civil. Acaba de me ser proposto pelo sr. Eduardo Coelho o seguinte: 1.° presidir á assembléa de Mirandella o sr. Leopoldo Pimentel, por nomeação da commissão, havendo mesa mixta; 2.° presidencias da assembléa da Torre e Passos, os que estão nomeados pela commissão presidida pelo vice-presidente podendo os amigos do governo indicar quem pela sua parte querem que constitua a mesa. Não sendo acceitas estas propostas propõe-se: 1.° presidir na assembléa de Mirandella o substituto do vice-presidente da commissão Francisco Antonio de Araujo Borges Pinto, 2.° a nomeação por este feita e havendo mesa mixta indicando os amigos do governo havendo mesas mixtas.

"§ unico. Em qualquer das hypotheses não se procederá á eleição sem que as cadernos extrahidos do recenseamento original se verifiquem estar em harmonia com o mesmo recenseamento.

"Declara Eduardo signatario d'estas, que fica com copia que o governo tem conhecimento d'ellas. Diga v. exa. o que se deve responder. = 0 administrador do concelho, Cid."

Aqui tem a camara o varão justo, a vestal ira maculada, que tanto fazia goitar o cumprimento da lei, lei ou sangue, esquecendo o grande logro que pregou aos esquerdistas, e pondo já de parte o vice-presidente como cousa inutil, sem lhe importar cousa alguma que não fosse a sua conveniencia caprichosamente partidaria, fazer propostas que são a completa contrariedade.

Já póde ser presidente e portanto membro legal da commissão o administrador suspenso.

Quem não póde ser é o vice-presidente que dá substituto contra a letra expressa do artigo 43.° do decreto eleitoral de 1852.

Já a tremenda e terrivel sentença não é respeitada, não pelos agentes da auctoridade, mas por o seu proprio creador.

Bem dizia o digno par o sr. Coelho de Carvalho que perigavam as instituições, não pelos abusos da auctoridade, ma à pelo desprezo completo dos preceitos rudimentares de educação politica.

Largar os bancos do poder para a custa do seu prestigio e com sacrificio da independencia e liberdade do cidadão conseguir ou phantasiar uma victoria, póde ser um expediente lucrativo no sentido partidario, mas e tambem um golpe profundo na magestade da lei, e na estabilidade das instituições, que garantindo o exercicio dos direitos politicos, só duram e se fortalecem se praticamente se realisa. (Apoiados.)

Não sei se o governo teve conhecimento de similhante proposta.

Por mira não tive a menor hesitação em responder com o seguinte telegramma:

" Ao telegramma em que v. exa. me expõe as propostas feitas por E. Coelho, respondo da seguinte fórma: não póde a auctoridade superior do districto, nem seus delegados, acceder a condições illegaes como são as da proposta. A estas pertence fazer cumprir as prescripções das leis. Vice-presidente da commissão não póde ter substituto pois que elle é simplesmente substituto do presidente. O meu desejo é ordem e legalidade."

Sr. presidente, pouco antes desta singular proposta recebia outro telegramma do vice presidente, que diz: "a commissão a que presido pela lei e sentença judicial nomeou a presidencia das mesas, e pelos cadernos extrahidos de uma copia authentica do recenseamento, visto que violentamente foi arrebatado o recenseamento especial, se procederá á eleição no dia 30 do corrente. O resultado dos couflictos que surgirem, não me cabe a mim dizel-o. Todos os dias tenho pedido providencias a v. exa. e ao governo."

Ainda respondi, que eu não tinha intervenção nos actos eleitoraes, que se ainda insistia em figurar de presidente sobre si tomava a responsabilidade e que se houvesse como dizia conflictos, elle soffreria as consequencias, e como opinião minha lembrava que seria melhor moderar o seu procedimento, e não levantar conflictos que seriam decididos nos: tribunaes. Que eu tinha insistido com elle e com os meus delegados para manter a ordem, e lamentava se ella fosse alterada.

Evidentemente estes dois telegrammas comprehendiam o mesmo pensamento, aterrar primeiro e facilitar depois mais um convenio!

Tambem era o que faltava. Já havia accordos com esquerdistas de Mirandella, opportunistas de Carrazeda, esquerdos de Bragança, republicanos de toda a parte, faltavam regeneradores.

Ora, sr. presidente, quem até agora não soltou uma palavra em defeza sua e da eleição tratada em folhetos e memoriaes perante o tribunal e na imprensa, não terá direito de perguntar quem teve procedimento correcto?

Seria a auctoridade e os amigos do governo que defendiam a legalidade e ordem que a tanto custo se manteve, ou a opposição com os seus expedientes de força, com a pavorosa de desordens, e por fim com as propostas contrarias ao direito de votar?

Ainda bem que os tribunaes vão dando a cada um o que lhe pertence.

A rabula tristemente exercida estorva por momentos a decisão do pleito, mas raras vezes alcança triumpho.

Eu bem sei, sr. presidente, que é fastidioso ouvir leitura sobre leitura de documentos embora importantes, mas eu protestei provar tudo quanto affirmasse e tenho na demonstração empenhada a minha dignidade, adrede assaltada mais por prazer do que para argumento contra a validade da eleição.

Pois essa famosa sentença que constituíra o capitulo es-

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APPENCICE Á SESSÃO DE 9 DE JUNHO DE 1890 298-E

pecial da minha ousada tyrannia, foi revogada por cinco votos conformes, todos quantos juizes intervieram e taes como são o conselheiro conde da Aurora, Teixeira de Queiroz, conselheiro Rocha Fradinho, Soares e conselheiro Dias de Oliveira, juizes da relação do Porto.

E o accordão é expressivo e frizante no ponto essencial:

"Estando, pois, suspenso do exercicio de admistrador do concelho, o recorrente bem podia apresentar-se immediatamente como fez e exercer as funcções de um cargo de eleição, do qual sómente estava afastado pelo exercido de outras funcções. E nem qualquer interferencia que como fiscal da lei tivesse nos trabalhos do recenseamento póde impedil-o de tomar parte como membro da commissão do recenseamento nas deliberações que esta tome. O administrador do concelho não é, n'esta qualidade, considerado parte interessada.

"E quando o fosse seria parcial o seu impedimento. De contrario a nomeação de administrador de concelho importaria a perda do cargo electivo. Por estes fundamentos revogam a decisão recorrida. Porto, 20 maio de 1890."

Sobre o assumpto pouco mais direi, mas ainda é preciso que os dignos pares ouçam a declaração que vou ler, para mostrar até onde chegou a maldade do procedimento!

É a declaração feita pelo proprio vice-presidente quando foi intimado para entregar os papeis ao presidente:

"Cedo perante a força, não reconhecendo no meritissimo administrador faculdade para tal intimação por isso que tendo o cidadão Leopoldo Ferreira Sarmento Pimentel, sido nomeado administrador effectivo, e orno consta do Diario do governo de 31 de janeiro, não mostra por decreto algum posterior a sua exoneração, não sendo o telegramma da sua suspensão dada pelo governador civil que n'este acto me foi apresentado pelo mesmo sr. Leopoldo sufficiente documento para segundo a lei assumir o cargo de presidente da commissão.

"Mirandella, 22 de março de 1890."

Logo não foi preso. Logo estava suspenso o administrador como constava do telegramma.

Pois os homens honrados e capazes affirmara, e o sr. juiz acreditou, que fora detido em medonha prisão, porque assim o dizia o seu amigo Basilio no recurso!

"Esteve preso o vice-presidente e secretario até que chegasse o telegramma da suspensão!"

Aonde póde chegar uma perseguição quando o ex-administrador, o recorrente encartado, o empregado da, circumscripção hydraulica, o maior contribuinte, a nata do partido progressista no concelho de Mirandella, affirma tão medonha falsidade, e o sr. juiz acredita!

Nem tudo, sr. presidente, é tolerado em politica. Ha direitos a respeitar, leis a cumprir. Não é honesto affirmar falsidades e urdir trapaças.

Pois eu entendo que em politica tambem deve haver honestidade. (Apoiados.)

Tem certa graça o que se passou a proposito da prisão do vice-presidente e secretario que nunca existiu e agora deixo de referir; mas tem a maior gravidade se o sr. juiz de direito sob pretexto de que elle sabe os fins, pronunciou o administrador. Seria o cumulo da affronta judicial, da subserviencia desprezivel e um abuso prevenido no codigo penal.

Aqui está a copia da sentença, fabricada em dia 23, que foi intimada ao vice-presidente, no dia 23 á noite e que tem a data do 22!!

Este documento é curioso, já porque dá provados factos por notoridade publica contra documentos constantes do processo, já por reputar validos os que são inválidos, já porque julga alem do pedido.

Ha muitos dignos pares que, comquanto sejam versados era geographia, não se lembram de certo da distancia que ha entre Mirandella e Bragança; não é muito pequena; para se mandar um telegramma e receber a resposta ainda decorre algum tempo.

Por outra fórma a communicação leva dias.

Pois eu vou ler n'este curioso documento, obra do magno concilio progressista em Mirandella, uma affirmação do recorrente sr. Basilio da Costa: diz que o administrador do concelho prendeu o vice-presidente da commissão e o teve retido até chegar o telegramma do governador civil!!

Ora, digam-me se isto é acceitavel ou se o proprio vice-presidente não diz o contrario.

O assanhamento politico e o desconcerto dos planos levou a opposição a arranjar atrapalhadamente um recurso: recorrente certo, sr. Basilio; é uma funcção hydraulica.

Pois a camara vae admirar a graça e originalidade dos documentos para os quaes chamo a sua attenção.

Um tem uma data posterior: estava prompto a servir para qualquer cousa, serviu para esta.

Os poderes publicos têem. obrigação de prover de remedio taes demazias.

Para ganhar influencia, para adquirir votos nem todos os meios são permittidos.

A falsificação e o falsificador devem ser perseguidos em toda a parte. (Apoiados.}

Este desleixo na perseguição do crime para ir dar querelas e pronuncias dos administradores em exercicio é o que desprestigia a auctoridade e as instituições.

Um tem data posterior.

(Interrupção.)

Sim, senhor, uma data posterior.

Está aqui o documento que eu com muito prazer submetto ao exame do digno par e da camara.

O sr. Costa Lobo: - Eu não duvido, basta v. exa. affirmal-o.

O Orador: - Todos sabem que para se poder recorrer, é necessario ser eleitor. O recorrente juntou documentos para provar esta qualidade.

Fez-se em novembro de 1889 requerimento á camara de Mirandella. Creio que serve, ou é presidente, embora contra disposições legaes, o agrónomo chefe. A assignatura do requerente Joaquim Basilio Costa, foi reconhecida em março de 1890, e o despacho do presidente que não é, e que não foi, é de uma data muito posterior.

De maneira que, ha um documento com a data de 1889, que foi reconhecido em março de 1890, e que foi despachado pelo presidente da camara em novembro de 1889, presidente que não era, não tinha sido, nem podia ser.

E é com taes documentos que se levanta gritaria contra os que não deixaram proseguir a honesta opposição.

E com taes documentos e outros muito peiores, é que o sr. juiz de direito proferiu a celebre sentença, que me abstenho de ler porque se acha publicada, mas cuja data deve ficar bem accentuada - 22 de março de 1890.

É com taes documentos e processos que o illustre juiz pronuncia o administrador em exercido.

Direi de passagem que a indicação dos presidentes, feita em 23 não podia ser prejudicada pela sentença de 22, artigo 19.° da lei de 1878. Portanto a sentença julgou para os casos futuros!

Era o intento. Ou isso ou tudo em sangue, era o grito de guerra da opposição.

O sr. administrador andou correctissimamente. Alheio á politica faço esta affirmação que é a voz unanime do concelho.

Sr. presidente, o digno par que abriu o debate, queixou-se de invasões de attribuições judiciaes. S. exa., muito irado contra mim não quiz ler na carta constitucional que alem do judicial ha outros poderes. A sua preoccupação era infligir-me castigo pelo facto de estar aqui nesta camara. Fazia de mim um réu convicto e queria que a minha fuga augmentasse a presumpção.

Lamento ter incorrido no desagrado do digno par, mas

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298-F DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

deixe-me condemnar, embora com serenidade, esto facto singular.

Venho aqui cumprir deveres, entro aqui com direito garantido nas leis do paiz, e agora venho tambem com igual direito defender, com verdade manifesta, a validade da eleição do districto de Bragança, e venho defender me tambem das imputações injustas e violentas que o digno par fez ao meu procedimento e caracter.

Quando mesmo fosse um réu, tinha obrigação de estar presente.

(Interrupção.)

O Orador (continuando): - Mas v. exa. não tem rasão ainda assim. O direito manda que o réu seja presente ao julgamento; o accusador póde faltar.

Sr. presidente, é certo que o sr. conselheiro José Luciano exigiu o comparecimento do governo, caso singular desde que o governo não póde tomar parte na discussão. Emquanto o sr. Pereira Dias lançava toda a responsabilidade sobre o governador civil, que não queria ver presente o sr. José Luciano, imputava ao sr. ministro do reino, que desejava ver presente, a responsabilidade da eleição. Harmonias progressistas.

Mas, sr. presidente, esta desigualdade de meios empregados e a empregar não estorva o ponto de contacto de todo o partido - a perseguição - que outra cousa não é todo este apparato de requerimentos, demoras, artigos e discursos.

Reconhecem que um tribunal respeitavel já decidiu, não fazem caso da decisão, SMO injuriados pelos descontentes os proprios juizes e continuam!

Querem mais: ali no corredor os eleitos por enorme maioria, aqui o homem a quem accusam.

(Interrupção).

O Orador (continuando): - O governo? Para que? O governo ainda não foi atacado.

Se o querem ouvir annunciem-lhe uma interpellação.

Resumidamente direi ao digno par quem é que invadiu funcções alheias garantidas pela carta constitucional.

Diz o artigo 121.° do decreto eleitoral de 1852, que os membros da commissão por cada vez que faltarem ás sessões pagarão a multa de 40$000 a 100$000 réis.

Portanto, se o sr. presidente, que tinha sido suspenso das funcções de administrador, não fosse desde logo exercer as suas funcções na cornmissão, por cada vez que faltasse tinha uma multa.

Já vê o digno par que o presidente não foi lá por brincadeira nem politica.

Temos alem d'isso tres artigos no codigo administrativo que preciso lembrar; 117.°, n.° 9.°, que diz ser da competencia do governador civil suspender do exercicio e vencimentos os funccionarios debaixo da sua direcção, o artigo 240.°, § 5.°, que diz que os administradores de concelho podem ser suspensos pelo governador civil, e o artigo 397.° que diz: "Nenhum magistrado ou outro funccionario administrativo póde ser perturbado no exercicio de suas funcções pela auctoridade judicial, nem por qualquer outra".

Portanto, se eu não podia, como ninguem póde, invadir as attribuições do poder judicial, não ha quem reconheça igual direito ao poder executivo para não ser invadido nas suas attribuições pelo poder judicial? São até mais fortes os motivos, maior o interesse social na conservação do respeito na linha divisoria.

Pois haverá algum juiz n'este paiz que se lembre de dizer que um administrador, quando suspenso, tem funcções?!

Como é que o sr. juiz de direito de Mirandella vem dizer que as funcções do administrador só ficavam suspensas por decreto publicado na folha official?

Quem é que dizia, pois, que o governador civil não podia suspender o administrador do concelho?

Quem foi o invasor?

A auctoridade judicial, a titulo de um despacho impedindo o livre exercicio do magistrado administrativo, perturbando-o no exercicio de funcções, do que resultava em consequencia necessaria a nullidade de todos os actos praticados, ou a auctoridade administrativa que protestava contra o abuso?

Se o governador civil não podia suspender, ou a suspensão só podia dar-se por decreto, tambem não podia nomear e os actos praticados pelos de novo nomeados seriam invalidos.

Faço justiça ao sr. juiz de Mirandella para suppor que de momento não mediu todo o alcance da sentença que depois procurou sustentar.

Por maiores esforços que empreguei allegando que havia incompatibilidade de funcções e não do cargos, que não desconhecesse a independencia do executivo, tudo foi escusado e perdido, vindo uma insistencia criminosa dar margem, com o apoio da sentença, á perturbação de todos os preceitos legaes.

Quem invadiu?

Tenho a subida honra de pertencer á magistratura judicial.

Não quero outro encargo ou favor.

Tenho decidido empenho em que se conserve immaculada a sua reputação; nunca denunciei actos particulares ou publicos que determinassem a intervenção precipitada do conselho de ministros, mas nunca deixei quebrar nas mãos o decoro do logar que exerço.

Considerei sempre com especial estima os meus collegas e nunca exigi delles a menor intervenção politica.

Mas não coufundamos poder judicial com juizes. É bom ver se ha alguma differença.

A subserviencia, a esperança, a vingança podem ser factores de bastantes actos que não quadram com a independencia, cuja palavra exprime idéas complexas que praticamente é necessario descriminar.

A independencia judicial depende de nós juizes mais do que das prescripções legaes.

Sejamos iguaes para todos, já que não é dado ao homem ser absolutamente justo, não se difference o pequeno que póde pedir do grande que póde dar, e não haverá necessidade de, com independencia fingida e falsa politica, praticar factos irregulares.

Pela minha parte, como juiz, nunca pratiquei d'essas invasões: se o fizesse entendo que deviam ser mais rigorosos para com migo do que eu o fui como delegado do poder executivo, aconselhando simplesmente a não execução de uma sentença que representava uma invasão dos poderes, que me cumpria guardar.

As palavras prendem-se como se prendem as cerejas, e estas questões ligam-se tão intimamente umas ás outras, que não ha remedio senão appellar para uns papeis que aqui tenho e denunciam a coincidencia mais extraordinaria.

Sabe-se que a eleição de Mirandella foi muito disputada.

A opposição, batida em Villa Flor, fingiu-se aggravada em Mirandella com a falta de presidentes de mesas para seu uso e tomou o expediente já velho, mas inventado sob a direcção do sr. conselheiro Eduardo Coelho, do formar mesas era duplicado, fazendo actas, fingindo eleitores e descargas em qualquer casa ou curral.

Os amigos do governo fizeram a eleição regular nas tres assembléas, Mirandella, Torres e Passos, e mandaram para Lisboa as actas e mais papeis.

Houve o requerimento de quinze ou mais deputados e lá foi o processo para o tribunal de verificação de poderes.

Julgou-se, annullando a assembléa de Mirandella por ser feita fora do local annunciado.

Parecia o accordão um contrasenso; não concordava com os factos; depois de bastantes averiguações conheceu-se que ao tribunal especial não foram presentes a acta de

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APPENDICE Á SESSÃO DE 9 DE JUNHO DE 1890 298-G

apuramento, as actas parciaes, emfim, todas as que vieram da auctoridade competente e legitima!!

Taes acontecimentos não se commentam, lamentam-se.

Aqui estão, sr. presidente, tres certidões: primeira dos papeis que da camara dos senhores deputados foram enviados ao tribunal de verificação de poderes; segunda dos que deixaram de ser enviados; terceira declarando aonde taes papeis appareceram no dia 19 de maio, seis dias depois de julgada a eleição.

Foram remettidos todos os que vieram do lado da opposição, mas não foram remettidos os que vieram do lado dos regeneradores, papeis volumosos e que são actas da constituição da mesa e de apuramento, dois pareceres de commissões, um protesto, um diploma para delegado do administrador, dois attestados, officios, tres cadernos das assembléas constituidas dentro das igrejas de Mirandella, Passos e Torre, tres cadernos das actas das assembléas de Villa Flor, Valtorno e Valfrechoso, requerimentos, editaes, muitas relações e varios cadernos.

Ora eu ainda não pude descobrir como é que por descuido ou propositadamente, se substituiram ou supprimiram tantos papeis.

Os de Mirandella comprehende-se, porque fizeram um simulacro de eleição em assembléas arranjadas em qualquer parte; mas os que dizem respeito a Villa Flor ou nada estava no processo, ou dá-se uma mistificação rocambolica muito baixa.

Sr. presidente, o negocio da eleição de Mirandella está ré integra, tem de discutir-se e averiguar-se na camara ou no tribunal.

Não fallaria em tal se não prendesse com a eleição dos pares e se não se houvera invocado o accordão relativo á eleição de Mirandella como meio de prova contra esta.

Mas então é toleravel o que se está passando?

Então nada se investiga. E pura brincadeira arranjar diplomas. Se não prestaram fizeram bulha, o que já valle muito!

Ora quando isto succede: quando as surprezas vêem umas após das outras é que traçoeira e maliciosamente se vem macular a reputação do governador civil de Bragança?

E não tem elle o direito de levantar a voz? Todos têem dignidade e todos teem o direito de se defender; sejamos pois sinceros e correctos. (Apoiados.)

Será justo accusar alguem, simulando e inventando factos, quando chega o momento em que se faz luz, e prova plena da dissimulação!?

A opposição attribua a sua tremenda derrota ao erro dos seus accordos, aos arranjos que a opinião condemnou, á cegueira da sua vaidade e ao effeito da perseguição largamente exercida nos ultimos quatro annos.

Calle-se que isso lhe convem, e espere o justo castigo de seus peccados.

Illudir a eleição e os eleitores no apuramento de Villa Flor, nas assembléas de Mirandella, na de Carção: arranjar diplomas falsos, provocar desordens e ter por fim entrada nas camaras por algum tempo e vir aqui accusar o governador civil de Bragança, quando esse homem não tem na sua vida mancha nenhuma de que o possam arguir (Apoiados.); fazer espalhar por todo o paiz em periodicos baratos e caros insinuações contra elle, levantar suspeitas sobre um caracter que pelo menos tem direito a ser honrado (Apoiados.) e não ha de levantar a sua voz contra este procedimento altamenente criminoso?

Consultem os dignos pares todos estes documentos, contêem a historia completa e verdadeira.

Veja-se o que se tem passado desde 7 de janeiro em que a auctoridade progressista fugiu para estorvar a eleição da commissão de recenseamento, até 19 de maio em que appareceram os verdadeiros papeis da eleição de Mirandella.

Ha crimes e criminosos.

Porque se não descobrem e castigam?

Quem teve um procedimento correctissimo, á custa de muitos sacrificios e desgostos, lamenta ouvir que esta camara se enxovalha, approvando a eleição de Bragança!

Soldado de um partido em que tenho unicamente por aspiração receber limpa a minha baixa, conservo-me fiel a esse partido, e sem desconto do tempo de deserções que nunca fiz, passo á reserva inutilisado e declaro que sendo fidelissimo ás indicações do meu partido e do governo que o representa, a responsabilidade é só minha.

Ácerca da eleição o nobre ministro do reino, a quem o sr. conselheiro José Luciano quer attribuir culpas, não me disse mais nem menos do que consta destes documentos que todos os dignos pares podem querendo, examinar.

Aqui tem, sr. presidente, a minha culpa e a minha defeza no ponto mais grave eleição de Mirandella, verdade e documentos.

Quanto ao delegado de Villa Flor vejamos o que diz o respectivo parecer: "e lido o parecer sobre a eleição dos delegados municipaes de Villa Flor foi unanimemente approvado pela assembléa sem discussão "

No collegio districtal havia oito cavalheiros da opposição, approvaram e depois alguns delles são signatarios do protesto!

Dá pena quando homens de certa importancia declinam ou demittem de si, a proposito da politica, quanto corresponde a sisudez e gravidade em actos publicos.

Ora, sr. presidente, se porventura o collegio em que estavam oito individuos pelo lado da opposição, realmente approvou a eleição do delegado de Villa Flor, ha alguma cousa a dizer?

Alem d'isso, outra certidão aqui apresentada para mostrar que um individuo é mais novo do que outro, custa-me dizel-o, não é verdadeira.

Não quero alongar-me n'este ponto, porque farto de indicar crimes estou eu. Tenho aqui essa certidão relativamente a Carrazeda, para a qual chamo a attenção dos dignos pares do reino que aggrediram o parecer.

Abilio Alberto de Moraes requereu certidão; despachado o requerimento em 25 de abril de 1868 com rubrica que se não lê.

Tem esse documento vinte e dois annos, e foi agora apresentado ao tabellião e recebido de novo pelo apresentante, cujo nome se occulta!

Ora o delegado é A. A. Alves de Moraes, e documento com o qual se quer provar a differença de idade tem assignatura que se não lê, apresentante que se não diz, passado ha vinte e dois annos quando tinha dezeseis o requerente, e por fim o nome é diverso! E lá vem outra coincidencia singular.

Fingiram um telegramma expedido de Lisboa em 28 de março, dirigido para o padre Alves, assignado pelo procurador Thomás Carneiro, em que lhe communicava que a igreja de Espinhozella fora para o Figueira, e a secretaria da camara para o reitor de Sambade, com um bilhete tambem falso, dizendo: "Fomos comidos pelo telegramma, verá. Tenha paciencia.= Seu amigo, Alves."

Ora esta peça carnavalesca, engraçada e de auctor conhecido, que o codigo castiga com pena de degredo, foi outra vez imitada, e a coincidencia está especialmente que ambos, a certidão e telegramma, procuram attingir o mesmo individuo, o meu illustre amigo Alves de Moraes, prior da freguezia da villa de Bragança.

Sr. presidente, este Alves é realmente o delegado municipal eleito pelo concelho da Carrazeda, que parece ser diverso do requerente na certidão apresentada. E com taes documentos é que proclamam illegal a eleição de pares no districto de Bragança!!

É mais um facto criminoso; se os agentes do ministerio publico do districto de Bragança cumprissem o seu dever, não quero dizer que o não cumprem, mas emfim, se fossem solicitos em averiguar quem é que commette crimes, tinham

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muito que fazer; comquanto agora estejam entretidos, em examinar se porventura o sr. juiz de direito de Macedo de Cavalleiro, por exemplo, foi á assembléa de apuramento e tambem á primaria, tomando conta das urnas e guardando as como se fora um porta machado, vigiado, com a voz de alerta do seu delegado, de dia e do noite. Se folgassem na faina de querelar e requerer contra regeneradores, e procurassem os falsificadores, teriam com certeza prestado relevantes serviços á causa publica.

Pois que, forjar documentos falsos, intervir com o peso da auctoridade judicial, transtornar a, ordem e processo eleitoral, e falsificar recenseamentos, não são factos punidos na lei penal?

Ha de o paiz ver pronunciados em Mirandella, Macedo, Bragança e Vinhaes, ou condemnados em policia correccional aquelles que não cederam ás imposições dos proprios que os condemnam, e os seus perseguidores gosarem pela impunidade?

Não deve presumir-se.

Esperamos com impaciencia que justiça se fará.

Parece-me, sr. presidente, ter plenamente provado que todos os actos, pelo lado da auctoridade em Mirandella, foram correctos, e que* os delegados de Villa Flor e Carrazeda foram os designados na lei, nos precisos termos dos artigos 24.° e 26.° § unico da organisação da parte electiva d'esta camara, o que tudo bem consta das actas e documentos no collegio districtal.

Mas o digno par sr. Coelho de Carvalho ainda póde ter escrupulos e medo de não haverem sido respeitados os preceitos, por se não escolher pela sorte entre os substitutos igualmente votados?

A simples leitura do artigo 39.° § 1.° e 4.° exclue o alvitre, lembrado por sua excellencia.

Votam os eleitores inscriptos, os que tiverem recebido participações, e por fim os supplentes que estiverem presentes, embora não tenham recebido participações, se faltarem os effectivos.

Como consta das actas presentes, estiveram aquelles que votaram e não outros.

Nunca para este caso a lei cogitou um sorteamento; nem ao legislador occorreu a existencia da rabulistica interpretação que se lê em recentes numeros do Correio da noite.

Nem tal sorteamento podia haver.

O collegio districtal reuniu no dia 12, apurou no dia 13 os delegados e substitutos, procedendo aos variados serviços que ainda são bastante complicados.

Ora quem sabe aonde é Villa Flor e Carrazeda reconhece logo a impossibilidade de chegar a tempo. E necessario ir tomar o caminho de ferro de Tua e percorrer depois, desde Mirandella a Bragança, 56 kilometros.

Por isso foi, sr. presidente, que a lei em vez de sorteamento, quando se verifique igual votação, mandou que votassem os delegados effectivos, e por aquelles que faltassem os substitutos avisados, segundo o artigo 24.°, e por fira os substitutos ou supplentes, ainda que não avisados na falta dos effectivos.

Não bastara declamações. Quem accusa prova. Constituimos neste momento um tribunal que, de parte a politica e todas as considerações, acima de tudo deve e ha de ser justo.

Vamos agora entrar no ponto mais delicado da questão, que é o que se refere aos acontecimentos de Carção, concelho de Vimioso.

Se não fôra tão grave o assumpto, cabiam a proposito narrações deveras curiosas e muitas vezes engraçadas.

O digno par, sr. Pereira Dias, principiou a deslindar o autem genuit da familia Antas.

Descobriu que o filho do pae era sobrinho do tio, embora não fosse filho da mãe.

O digno par Coelho de Carvalho arredou de vez tão complicada averiguação, e frisou que o alferes Antas é um militar distincto.

S. exa. póde repetir era toda a parte a affirmação porque, alem de militar brioso, é um cavalheiro digno.

D'estas superiores qualidades procede a vergonhosa perseguição que tem soffrido n'estes ultimos quatro annos, dirigida por summidades do partido progressista, já quando o outro sobrinho e tios prenderam e fizeram prender os maiores contribuintes dentro da propria casa da assembléa para conseguir a commissão actual!

Esse sobrinho de então, que accumulava o emprego de primeiro official do governo civil de Bragança com o de administrador do concelho de Vimioso, foi o proprio que n'essa qualidade assistiu á conclusão do recenseamento de 1889, d'onde foi extrahida a certidão de que logo fallarei.

Sinto não ver presente o sr. conselheiro José Luciano de Castro, desejava invocar o seu testemunho e perguntar-lhe se aquelle sobrinho e do não foram reprehendidos por s. exa. pelos attentados praticados em Vimioso?

É certo que o agente do ministerio publico de então não querelou, é certo que os perpetradores dos crimes tiveram premios!

E é n'isto em que especialmente se distinguem os progressistas dos regeneradores.

Esses acontecimentos da assembléa eleitoral de Carção, já devidamente apreciados pelo tribunal especial de verificação de poderes que julgou valida a eleição de deputados pelo respectivo circulo de Bragança, têem sido de proposito alterados pela opposição.

A intervenção da força publica foi anterior á constituição da mesa. Era do seu dever manter ordem, satisfazendo a reclamação da auctoridade administrativa.

Essas eram as instrucções da auctoridade militar e administrativa, na conformidade da legislação.

Os presidentes das mesas só tem competencia para fazerem requisição da força armada segundo o artigo 59.° e paragraphos do decreto eleitoral depois de constituida a mesa que o presidente deve consultar para esse fim § 1.°

A desordem, de ante mão preparada para evitar que a eleição se fizesse, teve um motivo futil.

Quando uns queriam a collocação da mesa mais acima no altar mór, outros queriam que ella fosse collocada no centro da igreja, mais abaixo, por ser logar accessivel e esta é a disposição legal.

Pois tanto bastou, sr. presidente, para que os homens da opposição, de resolver em punho, aggredissem o delegado do administrador Este, depois de aggredido em aguado pediu a intervenção da força que, no rigoroso cumprimento da sua obrigação, foi prender os desordeiros que ainda tinham em disposição offensiva, com as proprias armas, como consta do processo a que se tem dado moroso e menos regular andamento.

N'estas circumstancias constatadas como verdadeiras em varios documentos publicos, e feita regularmente a requisição que devia fazer o commandante da força?

Interveiu, manteve a ordem, mas ganhou por isso um processo que o obriga a estar sob prisão na cidade do Porto!!

Inventou-se na queixa e um exame vinte e seis dias depois. Ha de chegar o dia de completa justiça em que o illustre official mostrará aos seus collegas e a todos a correcção do seu procedimento na diligencia que por escala lhe pertenceu.

Cora aquelle pretexto o supposto presidente retirou-se, levando todos os papeis necessarios para fazer-se a eleição de deputados e parallelamente a dos delegados municipaes para a eleição dos pares.

Foi procurado: o socego completamente restabelecido, mas não tornou a ser visto, nem elle, nem papeis. Ora, os artigos 49.° e 50.° do decreto eleitoral mandam que uma hora depois da fixada se proceda á eleição de presidente, se o nomeado não tiver apparecido ou se ausentar e se faça a eleição por qualquer copia autentica do recenseamento.

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APPENDICE Á SESSÃO DE 9 DE JUNHO DE 1890 298-l

E foi assim que os. eleitores procederam coadjuvados e vigiados os actos pela auctoridade administrativa.

E assim lavraram actas, formaram cadernos e tudo ficou authentico pela intervenção das pessoas legalmente escolhidas.

E assim se julgou no tribunal especial de verificação de poderes, o que lhe valeu acres censuras e ousados insultos, proseguindo a campanha do descredito em alguns jornaes.

Sr. presidente, quem ler escriptos publicados era jornaes que tenho presentes, com relação as eleições de Bragança, lamenta a ousadia de alguns sabios citando leis, que não entendem ou deturpam, e sobretudo o estulto atrevimento de ridicularisar os serviços d'aquelles que occupam os logares superiores da magistratura honrada.

Houve tal que, para tornar bem sensivel a offensa e trazer á evidencia á sua elevada e pouco bonita figura, dirigiu directamente e fez publicar cartas nos jornaes de combate.

Em uma d'essas missivas, endereçada ao sr. conselheiro Antonio Augusto Cabral de Sousa Pires, diz o meu illustre amigo João Antonio Pires Villar, reitor do lyceu era Bragança, que participava do assombro que a todos imprimiu aquella/"??2osa e singularissima exhibição da justiça publica, e reprehende o considerando do accordão quando diz que o aparamento feito pela minoria da assembléa das actas de Carçrio e de relações som authenticidade era nullo.

Pois ignora o illustre professor que a authenticidado provem da intervenção de official publico?

A opposição abandonando em Carção a mesa, a eleição deixou de ter o caracter official, o ficou limitado ao mister de provocar a confusão e desordem, que em verdade era a sua missão especial.

Sou o ultimo da magistratura portugueza, mas aproveito a occasião de lavrar um protesto contra a injuria de caracteres honrados, que têem dado na administração da justiça provas constantes da maxima rectidão.

O meu illustre amigo confessa a mais frisante transgressão, como presidente que era da assembléa de apuramento em Bragança.

Deixou a assembléa, foi para outra parte, levando papeis, pelo medo de conflicto grave!

Vejam os dignos pares de que lado está a rasão.

O presidente abandona a maioria da assembléa e vae na mesma casa formar com a minoria outra assembléa e tingir diplomas!!

Não está aqui evidentemente provado o plano da opposição?

Fique sem maiores commentarios, e fique o sr. Pires Villar com o remorso da seu procedimento.

E d'aqui proveiu aquelle officio do administrador de Bragança, que tanto mortificou o digno par sr. Pereira Dias.

Pela mesa foi participado ao administrador a apresentação de portadores de actas de Carção, evidentemente falsas.

O administrador levantou auto nos termos do artigo 242.° u.° 20.° do codigo administrativo, e como os factos principaes tiveram logar em Carção, concelho de Vimioso, mandou o referido auto e officio ao seu collega de Vimioso.

Não ha maior simplicidade e mais usual em qualquer administração de concelho.

Assim como usual e simples é mandar officios sem numero de ordem, como aconteceu commigo quando eram feitos fóra do governo civil.

Foi um ponto negro que descobriu o digno par, que tem explicação em varios telegrammas, dos quaes basta ler o seguinte:

"Porto, 28 ás 12h,35m da manhã. - Governador civil, Bragança. - Respondo ao ultimo telegramma de v. exa. e recebido agora, mais uma vez repito que não tenho mais força disponivel, o que já fiz constar ao ministerio da guerra. = General commandante."

Em outros telegrammas havia participado o general que não consentia na divisão de forças abaixo de vinte infantes ou quinze cavallos. Eu coutava para satisfazer as exigencias dos administradores com forças de Chaves e de Villa Real, que ainda tinham tempo de chegar a todos os concelhos, menos Vimioso, e por isso foi que o alferes Antas, em rigoroso cumprimento do dever militar e segundo a escala, como consta do propria officio do commandante, de Bragança, que o digno par leu, teve de commandar o destacamento em Carção.

Não precisava o nobre par fazer conjecturas, nem suspeitar sobre o meu caracter; bastava conhecer-me. Nunca supprimi officio, nem me concordei com alguem no sentido de prejudicar direitos.

Quanto se passou na eleição está aqui bem claro e patente.

As subtilezas e ardis que podem ter levado alguem até ás alturas do poder, não as troco eu pelas honradas franquezas que devem levar o ingenuo ao remanso escuro do seu gabinete.

S. presidente, já estamos causados, eu e os dignos pares; ainda porém é necessario mostrara legalidade da certidão do recenseamento de 1889, porque se fizeram descargas na assembléa de Carção.

Este achado importante não é mencionado no protesto; foi levantado na discussão oral perante o tribunal de verificação de poderes e agora beneficiado, como o terrivel microbio da eleição.

No furor da descoberta, nem poupam aquelle bom sobrinho e os seus correligionarios de Vimioso.

Elles proprios publicaram no Correio da noite, de 24 de maio, os termos de abertura e encerramento, aquelle datado de 25 de janeiro de 1889, assignado por toda a commissão e pelo administrador Almeida Pessanha.

Este, o de encerramento, datado de 15 de fevereiro de 1889 e assignado por Antonio Lopes, Álvaro Dias, Moura Vergueiro, José Antas e dito administrador Almeida Pessanha. A minoria da commissão assignou vencida.

Ora, sr. presidente, o § unico do artigo .º50.° do decreto eleitoral, manda estar patente o recenseamento por alguns dias e n'esse praso todas as pessoas podem examinal-o, tirar copias e fazel-as authenticar.

A lei de 21 de maio de 1884 declara no artigo 37.° como unicamente valido e legal para o acto da eleição, o recenseamento concluido no dia 30 de junho, immediatamente anterior.

No quadro dos prasos para a elaboração do recenseamento, lá vem designado o dia 25 de fevereiro para a sua organisação.

Logo as copias relativas a esse recenseamento são completas, embora podesse ter as alterações resultantes das reclamações e decisões judiciaes que não houve.

E nada mais se fez no resenceamento de 1889, que é o competente para se proceder por elle á eleição.

Queria o digno par então que só fossem validas as copias extrahidas depois de 30 de junho, quando a lei permitte que se tirem na epocha referida, o manda até que se passem em praso fixo (artigo 12.° da lei de 23 de novembro de 1859) e artigo 31.° § 4.° do decreto eleitoral).

Aqui tem mais este reducto lançado por terra.

Como resultado de todas as operações póde classificar-se legal e boa a eleição de Carção.

Nem a opposição disputou os delegados, como póde verse da assembléa de Vimioso, em que a opposição lançou listas brancas, tendo os delegados regeneradores 668 votos, maioria que era impossivel cobrir na assembléa de Carção.

A simples leitura da acta denuncia melhor este desastre.

Agora algumas palavras ácerca do collegio districtal.

Temos as actas da constituição da mesa e verificação de poderes dos dias 12 e 13, e acta da eleição do dia 14.

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298-J DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

A sua leitura mostra a competencia e aptidão da mesa e do collegio, composta de cavalheiros dos mais conhecidos e distinctos do districto.

Correram todas as operações com o maximo socego e regularidade.

Sr. presidente, desde que na escolha da mesa definitiva se apuraram 23 votos para regeneradores e 8 listas brancas para a opposição, a ninguem lembrou uma disputa ou questão.

Notando-se, porem, que tivessem ido de Lisboa dois cavalheiros, o sr. Villaça, deputado verdadeiro, e o sr. Santiago, deputado fingido, com um diploma que o sr. conselheiro Eduardo José Coelho mandára conferir-lhe era Mirandella, apesar de vencido nas seis assembléa do circulo. Em iguaes condições estava o sr. Alvaro de Mendonça.

Suppunham que o nobre conselheiro faria alguma terrivel explosão, mas não occorria ao mais avisado que pretendesse ganhar uma eleição com numero de votos inferior ao terço.

Os deputados verdadeiros e fingidos não apresentaram os seus diplomas ao collegio quando os poderes ainda não estavam verificados, como era seu dever nos precisos termos da ultima parte do artigo Í49.°, § 2.°, da organisação. E assim deixaram de ser incluidos na lista de que trata o artigo 36.°

No dia 14 procedeu-se á chamada dos eleitores, artigo 39.°, fez-se a votação por escrutinio secreto, § 2.°, e esperou-se meia hora, § 3.°

N'este tempo chegou o sr. conselheiro trazendo comsigo os srs. Villaça, Santiago e Alvaro de Mendonça. O plano estava feito, era preciso uma desordem e uma victima para gritar ás gentes..

O sr. Alvaro de Mendonça, de todos conhecidos, quiz votar, o presidente observou-lhe que não era eleitor. Então, para justificar o direito que se attribuia, apresentou, a titulo de diploma, um papel cuja authenticidade era desconhecida.

Que fosse identico o dr. Alvaro de Mendonça ao que exercera no governo civil o logar de secretario geral, sabiam, mas que fosse identico como um dos que obtiveram maior numero de votos na eleição de deputados, contestavam.

A identidade é relativa. Ainda no caso de haverem diplomas, é licito averiguai- a genuidade e valor do papel apresentado, não para substituir-se nas funcções proprias da carcará dos senhores deputados ou tribunal de verificação de poderes, mas para saber se lhe pertence.

Pois então o dono da casa não tem direito de averiguar se é chave ou gazua?

Aproveitemos, porém, a narração que os protestantes fizeram no seu protesto junto ao parecer, a que fez o sr. Eduardo Coelho no Correio da noite, assignando, e a que fez no Nordeste, assignando ou não assignando elle, ou algum seu amigo.

De todas é conclusão necessaria que o sr. conselheiro Eduardo José Coelho, que deixara de ser ministro ha dias, praticava e fazia praticar actos de criminosa provocação, agitava o districto com desalinho imperdoavel, com a maxima arrogancia desconhecia o respeito devido ás funcções publicas. O principio da auctoridade era para elle como não existente.

A sua vontade tudo dominava, fazia e defazia assembléas, concedia diplomas aos menos votados. Era tudo, mas não era ainda martyr!! É, portanto, são palavras do protesto:

"O conselheiro Eduardo José Coelho pediu então a palavra e fazendo-lhe o presidente observações pouco respeitosas, declarou que não usaria da palavra se não lhe fosse concedida, manifestando-se n'este momento tumulto por parte de alguns eleitores querendo assim impedir o dito deputado de fallar."

Diz o Nordeste: "N'esta altura pediu a palavra o sr. conselheiro Eduardo Coelho, que o presidente lhe negou em termos menos convenientes". A acta, documento authentico, affirma que, tendo o conselheiro Eduardo José Coelho pedido a palavra, o presidente lha não concedeu por ser estranho ao collegio, pois não era delegado nem apresentara diploma.

Deparou-se emfim a occasião desejada e saltando sobre uma cadeira desatou contra a mesa e contra a grande maioria do collegio uma torrente de improperios como affirmam documentos publicos, correspondente á sua actividade partidaria e genio violento, o que não é contestado pelo illustre par sr. Pereira Dias.

Deixando de parte o que podia succeder; começada a desordem entre muitos individuos de elevada posição, segundo a descripção feita na propria acta, tornou-se digno dos maiores elogios o presidente da assembléa, o homem sereno e pacato a quem o nobre conselheiro insulta nos seus escriptos, pedindo a intervenção do administrador e de força publica. O administrador ainda não teve ensejo dei praticar tão elevado serviço, como foi o de suspender a desordem já em começo de execução.

Sr. presidente, este incidente, de que logo fallarei ainda, em nada alterou a regularidade dos actos eleitoraes; quer dizer, que ficando suspensos pelo tempo designado na lei, reabriu a sessão para concluir o acto.

Feito o escrutinio deu 7 listas brancas e 23 votos para os .srs. visconde da Bouça e Antonio Caetano de Oliveira. Comprehende-se facilmente a idéa fixa do sr. Eduardo Coelho que os seus proprios amigos condemnavam e tanto que foi preciso escrever no jornal de Bragança Nordeste um artigo sob a epigraphe Um raciocinio para explicar que tendo a maioria só 16 eleitores limpos não dava maioria absoluta.

Dizia, "ora trazendo os nossos adversarios vinte e tres delegados apenas, sendo-lhe contestados tres de Mirandella, dos de Vimioso, um de Carrazeda e outro de Villa Flor, só ficam dezeseis limpos. O collegio é de trinta um delegados e mais quatro deputados nossos, logo trinta e cinco e dezeseis não é maioria absoluta."

O calculo parecia ser do proprio Calino. Não obstante, fez vir de Lisboa os srs. Villaça e Santiago.

Bem sabia elle que o não acreditavam, eram meios para conseguir duas testemunhas qualificadas e presenciaes dos seus soffrimentos pela causa santa da victoria que tinha ido por agua abaixo.

Elles que depozeram como testemunhas inquiridas era deprecada, contra o administrador diriam se não foram por todos respeitados.

E havia mais a urgente necessidade de virem attestar o martyrio do caudilho mais docil e ameno de que póde gloriar se o partido progressista de 1878 a esta parte.

Mas os sacrificios apenas eram ainda aquelles passeios o visitas a todos os logares, sem distincção de pessoas, aquellas insomnias que precedem os grandes acontecimentos, e os terrores, perigos e visões de sangue annunciadas em diversos jornaes. Isto era pouco e tornava-se indispensavel um ultimo esforço, arranjar uma desordem e dar vivas ao partido, o bem foi que os não desse á Christina.

E assim o quiz assim se fez, devendo felicitar-nos por que os resultados não fossem de maior gravidade, como a opposição desejava.

O jornal O Nordeste, fez uma contagem para concluir qve não havia maioria absoluta, essa conta foi repetida até dentro d'esta casa, e eu peço licença para era pouco tempo fazer a rectificação precisa.

O collegio constou de trinta eleitores, visto que faltou um delegado e os srs. Eduardo Coelho e Eduardo Villaça não apresentaram os seus diplomas.

Logo dezeseis que a opposição reconhece bons e os constituiam maioria absoluta.

A verdade porém, é que foram vinte e tres e não dezeseis.

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APPENDICE Á SESSÃO DE 9 DE JUNHO DE 1890 298-K

Se, como pretendeu- o digno par sr. Coelho de Carvalho, quizerem levar o calculo ao maior auge do escrupulo a maioria regeneradora augmenta.

Se ao collegio de trinta descontarem tres de Mirandella, dois de Vimioso, um de Villa Flor e outro de Carrazeda o collegio ficava reduzido a vinte e tres, descontadas sete listas brancas deixava uma votação de dezeseis, muito mais do que a maioria absoluta de vinte e tres.

Se querem ainda os votos dos dois deputados srs. Eduardo Coelho e Eduardo Villaça, não hão menor inconveniente, e ainda que se coutassem os dois adventicios sempre ficaria salva e completa a maioria absoluta dos eleitores presentes.

Calculos tão singelos que toda a gente faz, radicam o convencimento de que a opposição, ou melhor o seu chefe no districto, queria não vencer, pois reconhecia a impossibilidade e tanto que os seus amigos lançaram na uma listas brancas, mas provocar a alteração da ordem para fundamentar a lenda de violencias e desculpar a imprevidencia de dispor e prometter uma victoria que os eleitores não consentiram.

Repetirei mais uma vez que não tenho o intento de maguar pessoa alguma, nem de fazer accusações a pessoa ausente. Se indiquei nomes, sem animo offensivo de certo, foi pela necessidade de completar a narração.

Designadamente o nome do sr. conselheiro Eduardo Coelho nunca seria invocado se elle não fôra o signatario de alguns documentos e o digno par sr. Pereira Dias não houvera alludido a disputa de influencia entre dois juizes.

Continuando ainda no proposito de não offender, desejo consignar que as responsabilidades moraes e materiaes não pesam exclusivamente sobre os funccionarios administrativos, tambem os homens de posição social têem responsabilidade que augmenta na rasão da sua maior altura.

O castigo deve ser proporcional ao crime.

Muitas vezes praticámos a injustiça de attribuir culpas a innocentes e suppõe-se em regra que as opposições são immaculadas.

É um erro de fataes consequencias. Os poderes publicos ou corrigindo as leis ou fazendo-as cumprir com igualdade prestariam a todos os partidos incalculavel beneficio.

Sr. presidente, á camara dos dignos pares compete decidir definitivamente sobre as duvidas e reclamações que se suscitarem tanto durante a eleição de pares como durante a eleição de delegados, segundo a disposição do artigo 55.° da citada organisação, pois que o artigo 56.° diz: "São causas de nullidades as infracções de lei que affectem a essencia do acto eleitoral e podessem ter influido no resultado da eleição." Cumpre pois examinar bem, primeiro se houve faltas, segundo se ellas são de natureza e importancia que affectem a essencia do acto e influi iam no resultado da eleição.

E não se diga que a annullação de qualquer collegio importa sempre a repetição do acto eleitoral. A disposição do artigo 59.° bem como do artigo 57.° e 58.° estão subordinadas a regra geral do artigo 56.° com a differença de repetir-se a eleição sómente no collegio eleitoral ou a eleição nos collegios primarios porem só quando as infracções affectem a essencia ou influam no resultado.

Já se demonstrou até a saciedade que em todas as hypotheses sempre a maioria absoluta foi dos cavalheiros que esperam a decisão para entrarem nesta casa. (Apoiados.}

Cumpre me dizer por fira algumas palavras em relação á prisão do sr. conselheiro Eduardo Coelho de que o paiz tem noticia assombrosa, e peço licença para arrumar com a ponta dos dedos qualquer insinuação offensiva do caracter do homem de bem, a que não quero responder.

Tão pacificamente correram as operações nos dias 12 e 13.

Era tal a differença de eleitores que nem já se acceitava como praticavel a constituição de uma d'aquellas assembléas da exclusiva invenção do illustre conselheiro.

O meu illustre amigo Eduardo Villaça teve a amabilidade de visitar-me na cama, aonde estava por doença, seriam nove ou dez horas da manha, trocámos algumas palavras no sentido do nosso desejo e esperança de que tudo correria em socego, e creio piamente que por sua parte e do sr. Santiago não houve pensamento que os desviasse da linha correcta da sua esmerada educação.

Mal diriam talvez os incommodos do uma longa jornada, mas em compensação gosavam o panoramma da serra de Senabria e o prazer protestar de não repetir similhante viagem.

Infelizmente, no dia 14 contra a espectiva geral, chegou a annunciada desordem que o sr. conselheiro Eduardo Coelho promovia e pôde então realisar.

Findos os trabalhos, a proposito de tomar a palavra, o sr. Coelho procedeu ao sabor do seu genio, injuriando o collegio composto de pessoas respeitaveis.

Advertido pelo presidente de que não tinha nem podia ter a palavra por não ser delegado e não haver apresentado diploma de deputado, o sr. conselheiro redobrou de ferocidade na injuria; o que motivou enorme gritaria "batendo com cadeiras no chão e fazendo um chinfrim dos demonios", são as proprias palavras do Nordeste.

O presidente reclamou a intervenção da auctoridade e da força militar, que vieram cumprir o seu dever, prestando relevantissimos serviços á ordem publica.

O sr. Camillo de Mendonça, cavalheiro que não tenho a honra de conhecer, mas que respeito, que e considerado, destemido e valente, fez taes cousas, secundando o sr. Eduardo Coelho, que segundo diz o Nordeste foi fechado no gabinete do presidente da camara pelos seus proprios amigos, pelo estado de exaltação em que o viram.

Os deputados retiraram socegadamente.

Quando o administrador de concelho se dirigiu ao sr. Eduardo Coelho, deu este áquelle voz de prisão, dizendo:

- Vem prender-me?

- Eu é que o prendo.

- N'esse caso v. exa. é que fica preso, respondeu o administrador.

E desceram todos ou parte para o andar inferior.

Como o sr. Camillo havia sido preso, foi entregue ao commandante, mas o illustre conselheiro quiz acompanhai-o collocando-se á frente da força e dando pela rua vivas ao partido progressista.

O bom senso dos brigantinos e a sensatez da auctoridade administrativa e militar mais uma vez evitaram o aggravamento da desordem.

Nunca, áparte a discordia politica, houve entre mim e o sr. Eduardo Coelho incidente que viesse cortar relações pessoaes e a amisade de camaradagem, collegas e amigos.

Depois do meio dia, entrou o sr. secretario geral do governo civil de Bragança e em traços geraes contou-me que o sr. Eduardo Coelho lura preso e outro individuo que não conhecia.

Repetido o facto, que a principio considerei brincadeira, acreditei; levantando-me a custo, fui abrir um pequeno livro que tenho agora diante de mim e dictei o officio diligido ao sr. administrador do concelho, se bem me recordo, o proprio sr. secretario foi voluntariamente e cedendo a minha recommendação levar o referido officio, de que Portugal inteiro e seus dominios, têem conhecimento pela publicação da carta do sr. conselheiro Eduardo Coelho.

Diz o officio:

"Exmo. sr. vieram agora dizer-me que fora detido o conselheiro Eduardo José Coelho por haver transtornado a ordem dos trabalhos do collegio districtal. Se, como me parece, não houve crime a que corresponda a pena mais elevada da escala penal, elle como deputado já proclamado, gosa da garantia do artigo 3.° da lei de 24 de julho de 1885. Queira portanto v. exa. fazer declarar ao dito conselheiro que está era liberdade. O mesmo não suc-

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298-L DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

cede com quaesquer outros individuos que tenham sido presos em flagrante delicto. Deus guarde a v. exa., 14 abril de 1890. = Governador civil, Firmino J. Lopes."

Quanto em mina estava como collega, amigo, indifferente ou inimigo, fiz immediatamente. O sr. Eduardo Coelho acceite a designação que quizer.

Eu não podia fazer mais. Eu não devia fazer menos. Acudi á primeira noticia indicando á auctoridade a lei que talvez ignorasse.

Pois o sr. conselheiro Coelho sublinha phrases e procura insinuar intenções de reles velhacaria, na sua publicação feita em Dalguns jornaes!!

Não contem o officio a expressão mais genuina e sincera dos factos como me foram contados e como na verdade aconteceram?

Que o nobe ex-ministro redija melhor concordo, das que venha taxar de ignóbil o procedimento cavalheiroso e sincero, faz suppor que o não comprehendeu, ou quiz deturpal-o.

A vingança aconselha mal as suas victimas. Podia lembrar-se do exemplo vivo quando foi preso o sr. Ferreira de Almeida. E não foi o presidente da camara dos senhores deputados quem mandou prender. Foi o governo sem formulas, por facto a que corresponde menor pena, fora do flagrante delicto, estando no poder o partido progressista: podia o nobre conselheiro desprezar a pessoa, injuriai-a, que não fazia mais do que manifestar-se outra vez, mas não póde reprehender o acto legal e preciso de citar a lei determinante da ordem quem se attribue a faculdade de corregir-me.

Não obstante achar-se em liberdade porque lhe foi dada copia do officio, ou antes de entrar na cadeia ou logo em seguida, o sr. conselheiro não quiz deixar só o sr. Camillo e sobretudo era indispensavel completar o martyrio da prisão.

Recusou a liberdade e exigiu a amavel companhia do juiz de direito e delegado.

Só acceitou a liberdade que já tinha, depois de passado mandado judicial para pôr era liberdade quem não estava preso!

Era comedia.

O tyranno do administrador do concelho facilitou todas as exigencias do juiz sem usar, como podia, da faculdade de deter qualquer preso por vinte e quatro horas, e por isso foi pronunciado pelo proprio juiz!

Se eu esperasse informações officiaes como inculca dever do governador civil o illustre conselheiro, certo é que não podia dar tão rapidamente o officio para se considerar em liberdade, mas então nau tinha tempo para daquella horrenda masmorra, manietado por ferros d'El-Rei, dar noticias aos jornaes, reclamar providencias do governo e protestar ferozes vinganças.

Sr. presidente, só vendo póde acreditar-se.

E o meu illustre collega sr. Eduardo Coelho ficou ainda muito zangado.

Queria mais, muito mais; consentia que o apedrejassem se por tal lhe dessem como justificada a sua derrota politica.

Vem a proposito lembrar ao digno par, conselheiro José Luciano, um grandissimo favor que eu lhe prestei, supposto que inconscientemente, em todo o caso bem empregado tempo se eu directa ou indirectamente concorri para alguma cousa que lhe seja agradavel.

Talvez s. exa. não saiba, mas é verdade.

Eu não ponho a mão sobre brazas com respeito á realidade, mas vou coutar a historia tal qual era contada no districto dó Bragança.

Lia-se lá, nos jornaes, que s. exa., já aborrecido desta vida politica, estava um pouco resolvido a deixal-a e a não querer ser mais presidente do conselho.

Tambem na imprensa se dizia que havia certas discordias no partido e que o sr. José Luciano era o primeiro que expunha a necessidade de não ser chefe.

( Aparte do sr. José Luciano de Castro que não se ouviu.)

Lá, pois, fazia-se o seguinte raciocinio:

O sr. Eduardo José Coelho foi eleito uma vez por Chaves e Bragança; d'isso resultou ser chamado a ministro. Se chega a ser eleito outra vez por dois circulos vae a presidente do conselho.

O certo é que isto fazia com que muita gente se enthusiasmasse.

O nobre conselheiro que eu tenho sempre estimado como homem, como jurisconsulto e até como amigo, o sr. José Luciano, deve saber se isto é verdade.

Para concluir, direi que não concorri do modo algum, para a prisão do sr. Eduardo José Coelho.

Para que queria eu o sr. Eduardo José Coelho preso?! Morto estava eu por me ver livre d'elle, quanto mais prendei o! E para que? Depois da eleição, quando ou a sua influencia já não podia manifestar-se, ou seus votos eram inuteis.

O &r. Eduardo Coelho talvez meditasse já se procedeu bem e se as perseguições que obteve por mão dos collegas juizes satisfazem a uma consciencia pura e despreoccupada.

Sr. presidente, é preciso que se diga como verdade incontestada que o sr. administrador do concelho José de Sá, de esmerada educação, extremamente obsequiador, era incapaz de uma desattenção.

A voz de prisão provocada do mil formas pelo sr. Eduardo Coelho não teve a menor significação; não foi mantida a prisão pela auctoridade superior logo sem effeito, nem sequer iria á cadeia se o sr. Coelho não quizesse ir, exigindo do carcereiro a ordem escripta, que foi arranjar.

Por vezes tem succedido haverem sido presos alguns deputados e pares do reino.

Lembro-me dos srs. Castello Branco e João Pinto.

Este alem de preso foi maltratado a ponto de ficarem pelo corpo vestigios corporaes.

Parece-me que ainda hontem succedeu serem presos alguns cavalheiros nestas circumstancias de immunidade.

Logo que as prisões deixem de ser mantidas ninguem lembra o facto e segue ou não o processo, nunca lembrou a alguem querelar; pois o illustre conselheiro querelou e persegue no que terá mais um desgosto.

Conseguir uma pronuncia é para o sr. Eduardo negocio facil lá por aquellas paragens, mas uma condemnação tem de per meio a consciencia publica.

E então a sociedade fica á mercê de quem quizer ser desordeiro?

Os privilegios são concedidos para quem d'elles sabe usar.

Cedem, porque são favores, ao principio geral da obrigação especial da auctoridade administrativa de manter a ordem publica.

Tem para isso a lei preventiva.

Perante esta, não ha privilegios ou immunidades.

Ha de saber-se anteriormente que vae praticar crime a que corresponda a pena maior?

E a auctoridade administrativa ha de esperar que o facto aconteça?

O sr. Eduardo Coelho confessa que foi elle o provocador, insistindo em querer fallar sem lhe pertencer a palavra e sem apresentar diploma e portanto sem ser conhecido legalmente como deputado.

Esta é que é a verdade.

Concluirei por lembrar que se o partido regenerador póde ser accusado de demasiada tolerancia que toca as raias do medo, de rasão é que o partido progressista seja accusado de extraordinariamente feroz e violento.

Teem as provas no procedimento dos juizes que mais se pronunciaram na ultima eleição. O sr. juiz de Vinhaes condemnando em policias os que confidencialmente denuncia vara a sua interferencia politica, com quanto nunca tivesse

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APPENDICE Á SESSÃO DE 9 DE JUNHO DE 1890 298-M

condemnado alguem por crime praticado. O sr. juiz Macedo indiciando a correr, para dar copia da pronuncia antes de encerrado o summario, cidadãos innocentes por faltas que não praticaram, ao menos da gravidade das que o illustre juiz commetteu, indo com alçada, tomar conta das urnas.

Em Bragança, pronunciando o administrador do concelho, bem como em Mirandella por não accederem aos seus desejos.

Pobre independencia, é a apregoada independencia dos juizes.

Seja o partido regenerador tolerante, mas proteger ou não castigar o abuso é fraqueza. O sentimento publico offende-se tanto com o castigo do innocente, como com a impunidade.

Tenho dito.

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