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304 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Disse mais, o digno par que Portugal não tinha meios sufficientes para sustentar todas as igrejas do padroado. Mas nós, sr. presidente, que ficamos sómente com quatro dioceses, tendo cedido das outras vinte e uma, que foram erigidas na India, segundo o digno par nem mesmo para essas temos recursos suficientes. O digno par é mais pessimista que a Santa Sé que as concedeu a Portugal. E que grandes recursos exige a mais a sustentação d'essas poucas christandades, que solicitam a sua conservação no padroado? Se a Santa Sé receia que nós não tenhamos recursos para sustentar essas missões, que exija d'ellas as contribuições necessarias para esse fim, e achará que ellas se não recusam a todos os sacrificios.

O sr. Conde de Alte: - Elles dizem que lhes pecam a vida, mas que lhes conservem o padroado.

O Orador: - Pois se a propaganda é tão rica, não tem ella em que empregar os seus grandes cabedaes? Não ha 250.000:000 indios que desconhecem a fé catholica? Não tem ella essa immensa seara a que applicar os seus obreiros e as suas riquezas? Porque motivo regatear ao padroado até essas poucas christandades de Ceylão?

Por fim aconselha-nos o digno par, que tiremos o sentido da Asia, que é o passado, e que volvamos as nossas vistas e o nosso lavor para a Africa.

Responderei ao digno par que a maneira, porque somos agora tratados, é um fraco incentivo para que sigamos, o seu conselho.

Sr. presidente, se eu tivesse a honra de advogar a causa das christandades de Ceylão perante o Santo Padre, eu lhe diria: Memento dierum antiquorum. Eu lhe lembraria os sacrificios de Portugal, e a heroicidade dos seus missionarios, que trabalharam na conversão de Ceylão. Eu lhe pediria para esses varões apostolicos a benção que o Ecclesiastico promette á memoria do varão justo: que a sua memoria seja abençoada, e que os seus ossos germinem no sepulchro; e que o seu nome permaneça para sempre, permanecendo para seus filhos a gloria d'aquelles santos varões.

Ora, os filhos d'aquelles santos varões, que implantaram a fé em Ceylão, somos nós, os portuguezes. Pois se a igreja tem em tanta veneração a menor reliquia dos seus santos, e até aquelles objectos que foram do seu uso ordinario; se a igreja conserva com tão affectuosa tenacidade todas as tradições do seu glorioso e benefico passado; não deverá ella tambem conservar em Ceylão o monumento do padroado para galardão e memoria eterna dos cavalleiros de Christo, e dos varões apostolicos, que ali plantaram, e regaram com o seu sangue, a arvore da cruz?

Agora, sr. presidente, se eu tivesse de advogar a mesma causa perante o Prefeito da congregação de propaganda fide, a minha linguagem seria outra. Em um documento inserto no Livro branco, e que evidentemente foi redigido por essa congregação, ha uma phrase, em que essa congregação parece reclamar para si, da parte do governo portuguez, a mesma reverencia de linguagem que elle tributa ao Summo Pontifice. Essa phrase tem aqui sido objecto de commentarios. Pela minha parte, declaro que, se é esse o sentido da phrase, eu não reconheço uma pretensão tão exorbitante e desasisada.

Assim, sr. presidente, perante o prefeito da propaganda eu allegaria que os canonistas, quando se occupam da primitiva disciplina da igreja, explicam a eleição do bispo pelo clero e pelos fieis, pelo motivo de lhes não ser imposto, aos fieis da diocese, um prelado, de que elles não quizessem: ne episcopus daretur invitis, diz Dominicus Cavallarius nas suas instituições de direito canonico. E este mesmo canonista, aponta entre as causas justificativas da renuncia dos bispos, o empenho, de procurar a paz da igreja, studium procurando! pacis Ecclesix. Ora o unico meio de alcançar a paz na igreja oriental é o acceder aos votos das christandade, que clamam, com dolorosos brados, pela sua conservação no padroado.

Sr. presidente, se o prefeito da propaganda me objectasse quererá maior o fructo espiritual colhido pelos seus padres, do que pelos padres do padroado, eu lhe replicaria que, quando isso fosse exacto, o que eu não creio, eu submettia á sua reflexão as seguintes instrucções, que S. Francisco Xavier dava aos seus missionarios, instrucções que refere o seu biographo portuguez, o jesuita João de Lucena: "Assim dos que se occupavam na conversão, como geralmente de todos que tratavam o proximo, esperava trabalhassem por não aggravar nem escandalisar ninguem com capa de zêlo, a pretexto do fructo espiritual das almas, tendo por muito maior serviço de Deus o pouco que se fazia sem escandalo, que o que com elle se acabava por muito que fosse. E que houvessem que fallava o apostolo com os da companhia, quando disse: Tende paz com todos".

E emfim, sr. presidente, se, não obstante todas estas instancias, o meu requerimento fosse repellido, então eu não me poderia conter que lhe não recordasse a historia da vinha de Naboth.

Achab, rei da Samaria, disse a Naboth: Dá-me a tua vinha, porque está junta ao meu palacio.

E Naboth lhe respondeu: O Senhor seja por mim, para que eu te não de a herança de meus paes.

Mas Naboth foi desapossado da sua vinha por violencia.

Ora, como o prefeito da propaganda é uma alta dignidade da igreja, elle sabe o resto da historia muito melhor que eu.

Tenho concluido.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O orador foi cumprimentado por muitos dignos pares.

O sr. Presidente: - A hora está a dar. Não sei se o digno par, o sr. arcebispo resignatario de Braga, quer que lhe reserve a palavra para a sessão seguinte.

O sr. Arcebispo de Braga (resignatario): - Sim, senhor.

O sr. Presidente: - A proxima sessão terá logar ámanhã, 31 do corrente, sendo a ordem do dia, na primeira parte, a discussão do parecer n.° 49, e na segunda a continuação da discussão da resposta ao discurso da corôa.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas menos tres minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 30 de maio de 1887

Exmos. srs.: João Chrysostomo de Abreu e Sousa, João de Andrade Corvo; duque de Palmella; marquezes, de Fronteira, de Sabugosa; arcebispo de Braga (resignatario); condes, de Alte, do Bomfim, de Castro, da Folgoza, de Gouveia, de Linhares, de Paraty, da Ribeira Grande, de Seisal, de Valenças; viscondes, da Arriaga, de Azarujinha, de Benalcanfor, de Borges de Castro, de Carnide, de S. Januario, de Asseca; barão do Salgueiro; Ornellas, Aguiar, Sousa Pinto, Adriano Machado, Silva e Cunha, Couto Monteiro, Senna, Oliveira Monteiro, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Telles de Vasconcellos, Barjona de "Freitas, Cau da Costa, Augusto Cunha, Bazilio Cabral, Carlos Bento, Pinheiro Borges. Fernando Palha, Francisco Cunha, Margiochi, Ressano Garcia, Barros Gomes, Henrique de Macedo, Jayme Moniz, Candido de Moraes, Holbeche, Valladas, Mendonça Cortez, Vasco Leão, Gusmão, Braamcamp, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, Costa Pedreira, Castro, Silva Amado, Raposo do Amaral, Teixeira de Queiroz, Sá Carneiro, José Pereira, Mexia Salema, Silvestre Ribeiro, Sampaio e Mello, Bocage, Camara Leme, Seixas, Pereira Dias, Vaz Preto, Franzini, D. Miguel Coutinho, Miguel Osorio, Cabral de Castro, Placido de Abreu, Carneiros, Thomás de Carvalho, Serra e Moura, Luciano de Castro, Antunes Guerreiro, Hintze Ribeiro, Coelho de Carvalho.

Redactor: - Alberto Pimentel.