SESSÃO N.° 23 DE 26 DE JUNHO DE 1891 5
pela origem, pela lingua, pelo vinculo religioso, o mais poderoso no Indostão. Com escolas proprias, igrejas, asylos, hospitaes, associações, uma imprensa illustrada, uma larga collocação para os filhos de Goa. Prelados portuguezes, todas as igrejas dotadas, muitas consideravelmente ricas, extraordinariamente mesmo, e este estado diffundido desde Calcuttá e Dacká, bordando até ao Coromandel, e do lado occidental ou antigo Malabar, desde Broach e Surrate no golpho de Cambay até Cochim e ainda Malaca. Póde o illustre ministro informar-se cio respeitavel prelado portuguez que rege com superior competencia e zêlo a laboriosa diocese de Cochim, hoje com cerca de 80:000 almas, de 36:000 que tinha antes.
Não posso n'este momento fazer uma exposição desenvolvida do que é esta vasta colonia de portuguezes, que comprehende fora de Goa em territorio inglez cerca de meio milhão de portuguezes, que o paiz não tem direito de repudiar. Portugal tem hoje ali um estado organisado como jamais o teve. Quero e devo dizel-o aqui. Não se faça illusão a camara, a venda da Africa oriental seria a perda inevitavel de Goa, ou pela venda tambem, ou por qualquer outro meio, que a derrocada geral precipitaria, e essa levaria tudo!
A Italia embora as difficuldades com que lucta, esteve, como já disse ha pouco, quasi a ter um rompimento com a França, para não perder a influencia sobre a sua colonia italiana na Tunosia. Grave seria a accusação contra a geração decadente, que consentisse voluntaria em mutilar o patrimonio glorioso de Portugal!
Sr. presidente, estou fatigado, não posso alargar mais as minhas considerações, e vou concluir.
Sobre a questão de ordem publica direi apenas com o celebre pensador allemão - um governo forte é tão necessario como um forte exercito. É com respeito á questão operaria, direi apenas que porque adquire força innegavel, vae entrando n'um caminho serio. O capital que tenha essa larga comprehensão e facilite aos governos estabelecerem condições regulares, que possam satisfazer as justas aspirações da classe operaria, e que esta pela sua parte modere as suas reclamações pelos principios do justo e do rasoavel. Outra não póde ser a politica sobre este ponto.
Termino aqui.
Tenho cumprido o meu dever.
(O orador foi comprimentado por quasi toda a camara e srs. deputados presentes.)
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Conde de Valbom): - Sr. presidente, muito pouco tempo tornarei á camara, não só porque não desejo, na altura em que vae a sessão parlamentar, protelar este debate, mas ainda por que não quero privar a camara de ouvir a voz eloquente e prestigiosa do eminente orador, que deve seguir-se no uso da palavra. De resto o meu intuito é antes manifestar a minha deferencia e a consideração do governo pelo digno par, que acaba de fallar, do que responder ao seu sentato e elevado discurso, com cujas affirmações em grande parte concordo.
Referiu-se, porém, o sr. Mártens Ferrão, com particular insistencia e com a incontestavel auctoridade que lhe dão os seus talentos e serviços, o seu saber e a sua experiencia, ás questões externas e á politica internacional do nosso paiz, e julgo por isso do meu dever dizer singelamente á camara qual é, sobre estes melindrosos problemas, a opinião e a attitude do governo.
Já no outro dia, n'uma sessão a que deveras senti não assistir, o meu antigo e prezado amigo o sr. conde do Casal Ribeiro fez sobre estas questões um d'aquelles primorosos e levantados discursos, em que se revela a um tempo o brilho da sua eloquencia e a superioridade do seu talento.
Tanto o sr. Mártens Ferrão como o sr. conde do Casal Ribeiro são estadistas e diplomatas experimentados. As suas reflexões foram por isso tão elevadas como discretas.
Todavia as responsabilidades, que prendem e enleiam aquelle que tem a honra de gerir a pasta dos negocios estrangeiros, são ainda mais graves do que aquellas que cabem aos dignos pares, e impõem o dever de respeitar rigorosamente todos os melindres e conveniencias internacionaes.
A politica externa do governo cifra-se singelamente em poucas palavras.
O governo entende que deve tomar por norma o manter as boas relações estabelecidas entre Portugal e todas as potencias estrangeiras: que deve, sem preterir a defeza dos nossos direitos elegitimos interesses, não se deixar arrastar nem por sympathias, nem por preconceitos, nem por suggestões instinctivas a levantar qualquer questão que possa produzir um conflicto desagradavel, e muitas vezes perigoso, entre o nosso paiz e qualquer outra nação.
Sr. presidente, isto não quer dizer que o governo adopte a politica externa de isolamento. Mas a politica das allianças é uma politica que é necessario considerar muito maduramente. As allianças não se improvisam, não se fabricam de um dia para o outro; nascem das circumstancias, fomenta-as o interesse commum e desenvolvem-nas as relações reciprocas; para se dar qualquer passo em similhantes assumptos é necessario estudar bem o estado das nações. (Apoiados.)
O interesse, sr. presidente, considerado isoladamente póde muitas vezes ser tido como um motor menos digno da politica externa; mas o sentimentalismo exclusivo é quasi sempre a mais perigosa politica. (Apoiados.)
É necessario que ao levantar qualquer questão externa se considere bem até onde podem chegar os seus resultados, de modo a conciliar sempre a dignidade e o decoro do paiz, com os seus legitimos interesses.
Nós, infelizmente, sr. presidente, atravessámos uma crise dolorosa que inutil é recordar. A final celebrou-se um tratado que, na opinião de toda a gente imparcial, se não é o mais vantajoso que seria para desejar, representa, todavia, uma transacção em que o decoro e a dignidade do paiz ficaram a salvo. Trata-se agora da execução d'esse convenio; é uma questão que preoccupa, como não podia deixar de preoccupar, muito seriamente a attenção do governo, que não julga nem podia julgar que por o tratado ter sido já assignado, terminou em absoluto a pendencia em que nos temos achado envolvidos. E assim, para se chegar á pratica, á execução do tratado, evitando-se quaesquer novos conflictos, é que o governo entendeu que devia nomear um commissario regio com todos os poderes necessarios e dando-lhe as devidas instrucções, a fim de que elle, com a sua auctoridade superior e com o conhecimento profundo que tem destas questões, coadjuvado por todos os officiaes technicos que se acham n'aquellas colonias, dirigisse a difficil e melindrosa missão, que deve ultimar de vez a pendencia.
O commissario regio escolhido, sr. presidente, é um homem de reconhecida competencia e de não menos reconhecido talento; é um nobre caracter, profundamente dedicado a estas questões e sempre prompto a servir o seu paiz. (Apoiados.) Eu devo declarar francamente, sr. presidente, perante a nação, que dei as instrucções devidas para que o tratado seja fielmente executado em todas as suas partes, salvando se os direitos e interesses de Portugal.
E já que fallo em direitos, permitta-me v. exa. que eu diga que não desconheço a força do direito, que não desconheço que o direito é de uma alta influencia e que, como o acabou de provar o digno par sr. Mártens Ferrão, tem muita ponderação; mas a camara não ignora tambem que, infelizmente, na pratica nem sempre o direito triumpha e as nações pequenas não raro se encontram privadas de fazer valer em toda a sua extensão os seus direitos, que não póde apoiar-se na força.
As nações fortes, as grandes potencias da Europa,