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SESSÃO N.° 23 DE 26 DE JUNHO DE 1891 7

poraneo d'elle, seria intransigente adversario da sua politica.

A mesma denominação partidaria tem differentes significados em 1840 e em 1891. Entre estas duas datas desdobra-se um longo estadio, dentro do qual o nosso paiz progride incessantemente nas ampliações do seu direito politico e em successivas reformas da sua administração publica. Desde o direito das ordenações até ao codigo civil; desde a lei administrativa de 1842 até ao codigo de 1887; desde a carta constitucional de 1826 até ao actual estado da nossa administração politica, a distancia é enorme; e conservar o que hoje vigora não é o mesmo que reagir contra o que então se pretendeu, justamente, innovar. (Apoiados.)

Ser de um ou outro partido não é apenas uma questão de temperamento; é tambem, e principalmente, uma questão de meditação e de raciocinio. D'esta fórma quem é radical em determinadas condições, póde ser n'outras, sem faltar á coherencia,, convictamente conservador. Naturalmente isto não parecerá assim ao digno par que, como fanatico da sua idéa, não vê a verdade fóra d'ella; mas a verdade não entra ou, se entra, não fructifica nunca em systemas que não são amplos e em doutrinas que não são tolerantes...

Mas, sr. presidente, como argumentou o digno par contra a minha doutrina?! Como impugnou a minha theoria politica?! Como julgou a minha maneira de ver sobre a sociologia humana?!

Versou, porventura, algumas d'essas grandes theorias metaphysicas, em que o radicalismo liberal é a logica deducção de principios extremes: uma d'essas theorias que o tempo venceu, que pertencem já á historia da philosophia, mas que quando apparecem em algum raro sobrevivente das antigas escolas obrigam a receber-lhe o desafio, até aquelles que lhe não acceitam o methodo por extremamente simples, nem a fórma por demasiadamente abstracta, nem a ousadissima pretensão de antepor sempre, e em tudo, a realidade á idéa e a meditação subjectiva ao estudo dos factos e das cousas?! Sondou, penetrando-o, o intimo sentido da, historia moderna, e mostrou-nos ahi a evolução da sua idéa, argumentando depois do facto da sua existencia para a sua triumphante legitimidade?! Fez como Thiers em 1863, quando reentrou gloriosamente na vida publica, reclamando do segundo imperio as liberdades necessarias, com a mais generosa eloquencia, verdadeira, positiva, efficaz?! Folheou os nossos codigos, e indicou os defeitos que é necessario emendar, as imperfeições que é preciso expungir, as violentas anomalias que é urgente eliminar por qualquer fórma?! Dirigindo-se por diverso rumo, viu e mostrou algum ataque permanente ás liberdades de fallar, de pensar, de escrever, ou a infracção impune, por parte dos governos, de algum dos direitos fundamentaes com que se defende e garante a personalidade individual?!...

Nada d'isto fez; e nada d'isto sequer tentou fazer!

Sobra-lhe talento para tudo; mas preferiu trazer-nos, no atticismo da sua phrase admiravel, as reminiscencias revolucionarias de 1846 e 1848, acrescentadas ainda com o que a mais malévola dicacidade da nossa terra editou nos ultimos tres annos, realmente pouco felizes, da nossa vida nacional! Com estas flores do mal compoz o seu ramo oratorio, e veiu depol-o como offerenda no altar da patria, em horas de immensa provação (Apoiados.) Foi isto o que s. exa. fez; e n'este momento de intensissima gravidade, o digno par, que é rico de grandes talentos, podia trazer cousa melhor!

Podia. Devia.

O periodo que atravessâmos é temerosamente sombrio; na nossa historia, desde muito decadente, não ha muitos assim.

Temos a questão colonial, que ou ha de transformar a nossa habitual indolencia n'uma actividade que venha resgatar longos annos de incuria e indifferença, ou veremos sacrificados os sentimentos fidalgos que herdámos dos nossos avós, dividindo com estranhos uma soberania que não sabemos exercer. Temos uma questão economica a resolver, e ou se resolve depressa ou nos mata depressa, inevitavelmente. Temos o problema da cohesão moral da familia portugueza: o dever de reduzir as malquerenças que nos separam, a necessidade de combater esta ruim desconfiança que lavra por toda a parte, - desconfiança perigosa, que ámanhã póde transformar-se em guerra inevitavel, em exterminio certo dos que nasceram n'esta pequena porção de terra, onde poderiamos viver em paz e em com mura, debaixo d'este céu azul e claro de que não são dignos os que trazem no sangue a febre do odio e no coração a sede da vingança! (Apoiados.)

Era para isto que eu queria o formosissimo engenho do sr. bispo de Bethsaida. Um conselho positivo podia ser uma lição utilissima; uma palavra de bondade como a sua artistica eloquencia podia dizel-a, seria uma consolação abençoada no ardor das nossas desvairadas contenções. Quem tem no cerebro um lampejo de luz, e quem sente uma energia inflexivel na vontade não deve faltar n'esta hora - disse o digno par. E o digno par veiu, appareceu, não faltou; mas a luz que relampejou no seu discurso foi a de uma espada cruel e não a de um entendimento sereno, e a sua inflexibilidade sómente se mostrou no proposito feito de arguir e maguar, com dureza inverosimil, até aquelles que nunca desmereceram do respeito da sua consciencia!

Sr. presidente, o digno par citou aqui, como auctoridades em seu favor, em reforço ás suas opiniões radicaes, o cardeal Maning e o cardeal Lavigerie. Mas perdoe-me se lhe digo que não ha nada parecido entre a intenção e a obra d'estes dois benemeritos prelados e a attitude de s. exa. n'esta camara.

O cardeal Maning, intervindo n'uma crise operaria em Londres, não fez mais do que seguir um plano já anterior da diplomacia catholica, o conhecido plano de dirigir e dominar o movimento socialista que lavra por todo o mundo; e o cardeal Lavigerie, reconhecendo como legitima a fórma de governo da republica franceza, no que fez o seu dever, aproveitou habilmente o primeiro ensejo bem azado para recompor e apertar mais as relações entre o governo francez e a curia romana. Que ha de commum entre o procedimento d'estes dois gloriosos prelados e o do sr. bispo de Bethsaida, que ainda não teve ensejo de proteger efficazmente o operariado portuguez, e nem o de resgatar um escravo em Africa - e veiu aqui, na discussão de questões internas, produzir a mais exaltada expressão que ainda soou neste recinto, ferindo com uma palavra acerba, e quasi sempre injusta, os que não participam de seu antigo radicalismo, resuscitado agora, não se sabe porque, depois de tantos annos em que esteve ou pareceu morto sob a sua cruz peitoral?!

Não ha nada de commum. E ainda bem. Se de um momento para o outro, bruscamente, desapparecesse do mundo a tradição pacificadora, conservadora, da Igreja - tão necessaria ainda como sancção da moral humana, tão precisa ao puro mysticismo de tantas almas, tão indispensavel, como elemento de ponderação, ás forças extremas da civilisação Occidental - faltaria agora ao espirito humano um dos seus principaes centros de gravidado, e elle fluctuaria n'uma oscillação terrivel, sob muitos aspectos perigosa! (Apoiados.) Acabou de me convencer d'isto a perturbação causada pelo discurso do digno par!

Admirou-se o digno par de que eu, fazendo justiça ao progresso politico e á elevação moral do meu tempo, negasse a existencia de impedimentos creados pelos poderes politicos á liberrima expansão das faculdades e energias humanas. Mas continuo a negar. Onde existem? Que nação culta os soffre e tolera hoje? A Allemanha, que em toda a superficie do paiz tem uma vida local intensamente