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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

Extractos dos discursos do Digno Par o Sr. Marquez de Vallada, em 21 de Fevereiro de 1859, que por desvio do competente empregado não foram incertos, como se devia, no respectivo extracto da sessão desse dia estampado no Diário do Governo n.º 90, de 21 de março corrente.

(1.° DISCURSO.)

0 Sr. Marquez de Vallada pede a attenção do Sr Ministro dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça. S. Ex.ª e a Camara se recordarão que no dia 19 do mez de Novembro do anno passado elle orador chamára a attenção dó Sr. Ministro, em relação a um escripto que se publicou nesta capital, e se espalhou ás mãos cheias em Lisboa, intitulado Jesus Christo e a Igreja. Depois de annunciar a sua interpellação ao Sr. Ministro da Justiça, comprometteu-se elle orador a enviar-lhe aquella obra, e effectivamente a enviou no dia seguinte; entendendo comtudo que não devia censurar então o Governo, por não ser este culpado de um homem publicar qualquer obra. Nem por isto o censurava, e sómente o devia fazer quando soubesse que não cumpria com o seu dever. Mas disse logo, e S. Ex.ª se recordará, que esperava que o Sr. Ministro tomasse todas as medidas sobre o objecto, porque elle orador não deixaria de voltar a esta materia, apesar das ameaças que continuamente lhe faziam nos jornaes da demagogia e da impiedade, porque a coragem e uma das qualidades que deve ter no seu procedimento todo o homem publico, e elle orador tem dado provas della nesta Camara em varios assumptos.

Este objecto não é daquelles de que tracta a Lei da liberdade de imprensa, porque esta apenas tem relação com os abusos da imprensa periodica, e a publicação a que allude foi feita por meio de um livro, e não de um periodico, e a pena imposta a estes impressos está muito bem definida no Código Penal no artigo 130.°, do qual passa a fazer leitura (leu.) Por consequencia o Código Penal é bastante claro a este respeito, e o Sr. Ministro da Justiça tem bastante alcance, talento e conhecimento das cousas para saber como havia de proceder neste caso. Sabe elle orador que S. Ex.ª se dirigiu ao nosso eminentissimo Prelado, e sabe tambem que a sua resposta ainda não foi publicada. S. Em.ª mandou consultar os Lentes de theologia do seminario de Santarem, e a Camara Ecclesiastica, respeitaveis corporações. Estas elaboraram duas consultas escriptas perfeitamente, e nas quaes se tracta a materia ex-professo. O Sr. Patriarcha dirigiu depois uma consulta ao Governo, que já foi recebida, no Ministerio dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça, e portanto elle orador pede ao Sr. Ministro queira dar as suas ordens para que seja publicado no Diario do Governo o parecer do Sr. Patriarcha, e aquellas duas consultas que o acompanharam da corporação dos Lentes de theologia do seminario de Santarem e da Camara Ecclesiastica. Sabe tambem que foi condemnada a obra como revolucionaria e como herética.

Consta-lhe igualmente que o Governo já mandára querelar, e que se desejou por parte de alguem, que a pessoa que publicou a obra fosse aos jurados para se dar o escandalo da discussão sobre uma materia religiosa: mas S. Ex.ª o Sr. Ministro já lhe disse, e elle orador acredita, que não havia que fazer no tribunal, porque não ha alli que ver senão a identidade da pessoa, para saber se elle é que publicou aquella obra, e depois não poderá deixar de se lhe applicar a pena estabelecida no Código Penal.

Deseja pois que o Sr. Ministro dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça diga, se effectivamente já houve querela por parte do Ministerio Publico? e se S. Ex.ª, depois de ver o parecer do Em.mo Sr. Patriarcha, está resolvido a cumprir a Lei? Os Ministros devem cumprir com os seus deveres, sem que tenham receio por isso decair no desagrado de certa gente, que nunca devia ter estado ao lado dos Ministros. Nas ameaças, que ha pouco disse lhe tem sido dirigidas, entra a de um jornal, que umas vezes ataca o Governo, e outras defende, como lhe convem, mas elle orador sempre escarneceu daquellas ameaças, e diz ao Sr. Ministro que paga a este jornal por uma maneira inexplicavel, conservando interinamente n'um logar de Tabellião, em Lisboa, a um dos seus redactores, e não nomeando ha muito tempo outra pessoa para exercer aquelle cargo. Já se vê que este é um procedimento inexplicavel da parte do Sr. Ministro da Justiça, e como elle orador não póde abdicar da sua intelligencia, diz com muita gente de bom senso que o Sr. Ministro está pagando um jornal, que, todos sabem, é inspirado por homens que pregam as idéas protestantes.

N'uma das ruas mais populosas desta capital existe um individuo, chamado D. Vicente Gomes de Tojar, que publicou uma serie de cartas, dirigidas a elle Digno Par, em que declara, que elle orador não tinha faltado á verdade, quando se referira a elle Tojar nesta Camara, chamando-lhe protestante, e accrescenta: «chame-me S. Ex.ª como quizer, mas o certo é que abandonei a Igreja catholica romana, porque não era mãi e era madrasta.» Pede ao Sr. Ministro que consulte os papeis do Ministerio da Justiça, do tempo do Sr. Vieira de Castro, e verá o que lá se diz deste homem, e consulte ao seu amigo Passos, e elle dirá a S. Ex.ª o que se passou com D. Vicente Gomes de Tojar, e elle orador tambem póde apresentar alguma cousa a tal respeito. Este individuo reune na sua casa, n'uma rua muito populosa, bastantes pessoas de ambos os sexos, que vão lá ouvir prelecções de protestantismo, e este livro, escripto por Sines, foi um ensaio em que não quizeram tomar parte ostensiva certos homens que hão de tomar o seu logar quando fôr occasião propria. Às pessoas intelligentes sabem qual é a ignorancia destes homens, porque em um dos livros, que publicaram, chamaram Ilha á Batavia, que é a capital da Ilha de Java! O Governo tem obrigação de castigar os delinquentes, sem lhe importar a que partido pertencem.

O orador pede desculpa á Camara da exposição que acabava de fazer, mas que foi necessaria para perguntar ao Sr..Ministro, em conclusão, o que ha feito a este respeito, e se S. Ex.ª tenciona proseguir, pois lhe consta que pessoas, que se agrupam em roda do Ministerio, insinuam que se faça abafar este negocio.

(2.° DISCURSO.)

O Sr. Marquez de Vallada disse, que pois o Sr. Ministro da Fazenda, e interinamente dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça, prometteu dar informações, elle orador deve satisfazer-se com a promessa de S. Ex.ª, pois está certo que em breve poderá informar do estado em que se acha este negocio. Houve porém uma parte no seu discurso, a que não respondeu, ou para melhor dizer, a que deu uma resposta vaga, dizendo que não recuava nunca diante dos seus deveres. Pois já recuou;..

Cumpriu acaso S. Ex," com os seus deveres, não fazendo que se proceda, como se deve proceder, a respeito do Tabellião, successor de Frederico Bartholomeu, e deixando estar a exercer esse logar um individuo que, escrevendo n'um Jornal, injuria constantemente a Camara dos Pares?

O Governo tem obrigação de castigar os que attentam contra as Leis do Estado, e que injuriam esta Camara, e o Sr. Ministro tem lido a maior condescendencia com esse individuo, deixando-o continuar no exercicio de um logar de Tabellião, parecendo approvar assim as injurias que esse Jornal constantemente dirige contra a Camara dos Pares.

E diz S. Ex.ª, com a maior promptidão, que tem cumprido sempre com os seus deveres! Permitta lhe diga com toda a liberdade, que S. Ex.ª, como funccionario publico, como Ministro, cumpre realmente os seus deveres, mas, como homem politico ou da politica, não os tem cumprido, e a sua propria consciencia lhe diz que os não cumpre. Isto é mais uma prova de amigo que lhe dá, e espera que cumpra esse dever; mas se o não cumprir não cessará elle orador de clamar aos Srs. Ministros.

Aproveita a occasião para dizer duas palavras que teem relação com o Sr. Presidente do Conselho, sentindo que S. Ex.ª se não ache presente, mas está certo o orador, que o Sr. Ministro da Justiça conservará na memoria o que passa a dizer para o transmittir a S. Ex.ª

Tencionava chamar a attenção do Sr. Ministro do Reino sobre um facto que todos deploram, e ao qual se referiram a maior parte dos jornaes desta capital, entre elles a Opinião, que é jornal do Governo. Reporta-se ao acontecimento que teve logar muito perto da casa delle orador.

A estação da Guarda municipal, a Santa Catharina, foi atacada por quatro ou cinco individuos, que embora tenham uma posição elevada na sociedade, não póde deixar de os qualificar de modo desabrido. Fizeram alli uma especie de revolta, atacando os soldados, rasgando-lhes as fardas, e apesar de tudo isto nem os seus nomes, nem o facto veio publicado na parte de policia! Não póde deixar de sentir que isto se praticasse, porque, como verdadeiro liberal, deseja a igualdade perante a Lei.

Quasi todos os jornaes lastimaram que não se publicassem os nomes desses homens, não dirá cavalheiros porque o não são; todos lhes sabem os seus nomes, mas não os dirá, porque não quer contristar um cavalheiro com quem tem algumas relações, e que não tem culpa de que os filhos sejam taes: um delles tem grandes presumpções de valente e corajoso, mas é preciso que todos mostrem que não ha medo desses valentões.

Foi elle orador informado deste acontecimento por pessoas que o presenciaram; e era tão alta a gritaria que se ouvia em sua casa. Pede licença á Camara para lhe contar o que se passou em certa época: — Houve um nobre, e por signal era um Duque, que, tendo sido procurado pela policia por suspeitas de contrabando, deu uma bofetada em um dos agentes, e foi preso por esse crime, apesar de se dizer que naquella época não havia igualdade (apoiados); mas foi preso, e assim devia ser, porque o homem bem educado deve ser o primeiro a respeitar a Lei, e lembra-lhe agora o que dizem os francezes: la noblesse oblige. Parece-lhe que esta anecdota não veio fóra de proposito.

Se o Sr. Ministro da Justiça poder dizer alguma cousa a este respeito estimará muito ouvil-o, mas o que deseja é que não se estabeleça o precedente de que os filhos de homens que exercem altos empregos possam fazer o que quizerem contando com a impunidade. Se acaso se não tomarem as providencias necessarias, lerá elle orador o desgosto de dizer verdades ainda mais amargas do que estas que acaba de expender.