DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 255
Ora, sr. presidente, eu persuadi-me, quando examinei as varias conces&ões que o concessionario successivamente foi architetando, que elle era um homem muito fino e muito habil; e por isso, quando ouvi esta argumentação, que não tem resposta, do sr. ministro e dos dignos pares, caí das nuvens, e perdi aquelle engano de alma ledo e cego, que a fortuna não deixa durar muito, como diz o poeta.
Com effeito o concessionario não só foi habilmente armonisando as suas petições umas com as outraa, para poder mais facilmente conseguir as posteriores até á ultima; mas para ver se podia cavilar com este jogo d'ellas o decreto de 31 de dezembro.
A petição de uma via ferrea, feita de uma vez, de Cacilhas ao Pinhal Novo era muito claramente contra a letra do decreto. Então que fez? partiu-a aos bocados, para ver se podia escapar á letra do decreto.
Conseguiu d'esta arte o concessionario todas as concesções, e por um acto de loucura offereceu ao sr. ministro a cautela das tarifas, contra o argumento do prejuizo da concorrencia; cautela que faz com que o seu caminho de Cacilhas não lhe de lucros nenhuns, e que fique completamento inutil.
E não será um acto de loucura o ir o concessionario gastar muitas centenas de contos etn fazer um caminho de ferro improductivo e inutil?
A vista d'esta desarrazoada extravagancia não se póde duvidar de que o concessionario perdeu o uso da rasão!
Nada; o concessionario está doido (riso), está doido não ha duvida (riso) e é necessario mete-lo em Rilhafolles. Pobre homem! doido! (Riso.)
E não tem ao menos um amigo, que com palavras brandas lhe tire da cabsça a monomania do caminho de ferro de Caciihas, em que vae inutilmente gastar muitas centenas de contos e arruinar-se a si e a sua familia! Pobre louco, desgraçado homem! (Riso.)
Eu declaro que não conheço, o concessionario, mas se o conhecesse, ia já ver se lhe podia, dar algum remedio. (Riso.)
Sr. presidente, eu tenho estado a gracejar; arrependo-me; peço perdão á camara.
Este estylo nem é proprio do meu caracter, nem do caracter d'esta camara, que é uma assembléa grave e seria, e ainda que Horacio diz: Ridentem dicere verum quid vetat? volto á questão com a gravidade que ella exige.
O homem não está doido, ao contrario, está em seu perfeitissimo juizo, e continua com o offerecimento da tal cautela das tarifas, a dar mais uma prova de finura e habilidade.
Tinha elle conseguido duas concessões; restava lhe conseguir a terceira pelo entroncamento da sua linha ao Pinhal Novo no caminho de ferro do sul. Foi então, que, vendo a difficuldade da concessão por causa do demonio da concorrencia, se lembrou da cautela das tarifas.
Offereceu-a; o sr. ministro aeceitou-a; fez a concessão, e o concessionario conseguiu o seu ultimo e grande fim! Respirou!
Sem esta cautela o sr. ministro, firme no prejuizo da concorrencia, resistia á pretensão. Com a cautela julgou afastado esse prejuiza para sempre, e n'isto me parece que se illudiu.
Em verdade é um principio juridico, que as cousas se desfazem da mesma, fórma por que se fazem. O sr. ministro, estabeleceu esta cauteia, outro retira-la-ha ámanhã. (Apoiados.)
Só com esta esperança se póde explicar a lembrança do concessionario, porque de outro modo inutilisava completamente o seu caminho de Cacilbas. E note bem a camara que não foi o sr. ministro que propoz ao concessionario a cautela, mas que foi o proprio concessionario, quem a lembrou. (Apoiados.)
Sr. presidente, parece-me que o estou ouvindo a fallar comsigo mesmo em seus soliloquios nocturnos, ha difficuldade, em o ministro conceder o caminho todo de uma vez, e ainda mais o ramal do Pinhal Novo, a pilula é grande, e o governo não a engolle inteira; vamos pois dividi-la por partes. E diridiu-a, a saiu lhe bem. E continuou depois: mas este demonio, da concorrencia? Ah! Já sei, eu offereço, que as tarifas do meu caminho de Cacilhas não serão inferiores ás do caminho de ferro do sul; o ministro de certo acceita esta offerta, e a concessão faz-se. O caminho, para se fazer, levará ainda muito tempo, e sabe Deus d'aqui até lá o que acontecerá e quem será então o ministro das obras publicas, e, como elle, seja quem for, deve saber a regra de direito, que as cousas se desfazem pela mesma fórma que se fazem, eu, que tenho tido á habilidade e a força de estorquir do sr. ministro das obras publicas quantas concessões tenho querido; que lhe tenho diluido todos os escrupulos, não hei de vencer o outro ministro que vier, para abolir a cautela das tarifas? De certo não me hão de faltar argumentos plausiveis, e sofismas, para esta ultima concessão. Não tenho bons exemplos nas extraordinarias concessões que se fizeram á companhia do caminho de ferro do norte? Direi, que o caminho é inutil; que não póde ser explorado; que vou vender o material circulante e os carris de ferro; emfim que o caminho acaba.
O concessionario continuou ainda nos seus soliloquios, será necessario ir tão longe, o governo, ahi vae vender o caminho de ferro. E quem ha de comprar o caminho de ferro do sul, preso ao meu por tantos vinculos onerosos, sem me ouvir e sem transigir commigo. Então tudo se ha de arranjar. Eu estou de cima, e, como os cavalleiros antigos ao entrarem no combate bradou S. Thiago e avante! Não disse, como elles, Deus e minha espada, mas disse dinheiro e a minha habilidade. (Apoiados.)
Aqui tem a camara o que vale o grande argumento, o grande cavallo de batalha! Prova só a finura e habilidade com que o concessionario andou armando redes, e o sr. ministro caindo n'ellas! A tal cautela nunca se ha de verificar!
E verdadeiramente a cautela foi estabelecida por um decreto do sr. ministro, e póde ser alterada ou abolida pelo decreto de outro ministro. A cautela sómente podia ser realmente efficaz se fosse imposta por uma lei. Para alterar um decreto basta um homem, Para derogar uma lei é necessario que concordem muitas pessoas, que compõem os tres ramos do poder legislativo. Por isso o concessionario não quiz a approvação e confirmação do parlamento.
Para evitar esta facil alteração do decreto é que serve a minha proposta. O que quero eu? Quero que as concessões de caminhos de ferro alem de 20 kilometros, ou de ramaes que tragam encargos para o thesouro, sejam approvadas pelo poder legislativo, e que não possam sortir effeito algum, senão depois de obterem o concurso do parlamento. Não quero deixar isto ao arbitrio do poder executivo. Em todos os paizes que têem governo parlamentar não se podem fazer caminhos de ferro, senão por virtude de uma lei. E só a lei franceza e o nosso decreto de 31 de dezembro permittem ao governo as concessões com as restricções de que tenho fallado.
Já vêem os dignos pares que defendem o governo e o sr. ministro das obras publicas, que tanto se valeram d'este argumento da igualdade das tarifas, que elle prova de mais, e por isso não prova nada.
Continuo a responder aos argumentos adduzidos a favor do governo, e principiarei pelos da illegalidade. Apresentou se aqui uma lista de concessões de caminhos de ferro, quasi tão grande como a lista de D. João Tenorio. (Riso.) Eu nunca fallei na auctoridade da junta consultiva de obras publicas, nem dos engenheiros do governo, na questão da legalidade, ou illegalidade das concessões, porque, sendo elles muito competentes e peritos nas materias da sua profissão, n'esta questão a competencia pertence aos jurisconsultos.
Sobre a questão da legalidade nada disseram os enge-